Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
453/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO ATAÍDE
Descritores: INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
INTERROGATÓRIO DO DETIDO
PRISÃO PREVENTIVA
SEGREDO DE JUSTIÇA
PROVA INDICIÁRIA
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.ºS 141, N.º 4, E 204 DO C. P. PENAL
Sumário: 1- Para imposição da medida de coacção de prisão preventiva é essencial que previamente seja dado ao arguido conhecimento dos factos que lhe são imputados e da prova em que se sustenta essa imputação.
2- Se o Ministério Público entende que a prova deve ser garantida pelo segredo de justiça, não a apresenta para sustentar a aplicação daquela medida coactiva, ainda que com prejuízo dessa aplicação.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

No Inquérito 295/05.3GCTND-A dos Serviços do Ministério Público de Tondela, por despacho de 30/11//05 do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela foi ordenada a prisão preventiva, substituída pela obrigação de permanência na habitação, dos arguidos A... e B....

Inconformados com a aplicação desta medida coactiva os arguidos interpõem recurso apresentando as seguintes conclusões:

1.- Sendo a promoção do Ministério Público omissa quanto aos indícios que reputa como suficientes para a aplicação de uma medida de coacção, viola o disposto nos artigos 194°, n. 1, n. 2, 201°, n.1, e n. 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, a decisão que colmatando a ausência de indiciação, julga verificados os fortes indícios exigidos por lei.
2.- Por outro lado, ao inexistir na douta promoção a referência aos concretos indícios, preterida ficou a possibilidade do exercício do contraditório por parte da defesa, violando-se, pois, o disposto nos artigos 61, n. 1, alínea b), bem como n. 1 e 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
3.- No caso, não se verificam indícios, muito menos fortes da prática pelos arguidos de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.
4.- É inaceitável, pois, a conclusão que consta do douto despacho quanto á existência de intenção de matar .
5.- Facilmente se conclui pela licitude da detenção pelo arguido dos detonadores, uma vez que licenciado para tal, sendo ainda manifesta falta de perigo dos mesmos, por si só, para provocarem explosão.
6.- Não havendo indícios que permitissem concluir por uma decisão conjunta, visando a obtenção do resultado, o que pressupunha um acordo, mas que deverá ser necessariamente prévio, nem indiciado que a conduta do arguido B... se integrasse no todo e conduzisse à produção de um resultado, que não se chegou a verificar, inexiste indiciação, muito menos forte.
7.- Ao decidir em contrário, entendendo como existentes fortes indícios, violou a douta decisão a quo o disposto nos artigos 201° do Código de Processo Penal.
8.- A existência do perigo de continuação da actividade criminosa tem de ser aferida a partir de elementos factuais que o indiciem, não se podendo afirmar com base em meras presunções, abstractas ou genéricas e tão-só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado.
9.- Tendo os factos ocorrido já entre 24 e 25 de Agosto de 2005, inexistindo indícios de qualquer outra contenda entre arguidos e ofendido, que não a pendência de acções judiciais, antecedentes, de qualquer espécie, que revelem uma actividade criminosa por parte dos arguidos, designadamente contra o ofendido e não resultando indiciado sequer que a personalidade dos arguidos seja violenta, ao considerar, face ao indiciado, haver perigo de continuação da actividade criminosa, violou a douta decisão a quo o disposto na alínea c) do artigo 204° do Código Penal.
10.- Mas, ainda que se entendesse haver perigo de continuação da actividade criminosa, em obediência ao princípio da necessidade seria manifestamente suficiente a aplicação da medida de coacção prevista no artigo 200° do Código de Processo Penal, evitando, de forma mais eficaz o contacto entre alegado ofendido e alegados agressores, ao invés de obrigarem os agressores a permanecer em local bem próximo do alegado ofendido.
11.- Na medida em que a limitação, total ou parcial, da liberdade do arguido presumido inocente só pode ocorrer em função de exigências processuais de natureza cautelar ( artigos 27°, n.1, e 32°, n.2, da CRP e artigos 191º n° 1, e 204° do CPP), a natureza estritamente cautelar das medidas de coacção, daí decorrente, torna ilegítima qualquer limitação da liberdade que possa satisfazer exigências de outro tipo, nomeadamente as decorrentes do alarme social provocado pelo crime ou de uma qualquer ideia de antecipação da pena.
12.- Não é legítimo, pois, quer do ponto de vista da lei ordinária quer do ponto de vista lei constitucional, concluir pela existência de perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, invocando que a natureza e circunstâncias da prática do crime são fortemente geradoras de alarme social.
13.- Nada nos autos indicia que, tenha sido dado grande relevo ao sucedido, tenha causado alvoroço ou perturbação no pequeno meio social onde ocorreu, tenha sido motivo de manifestações de qualquer espécie, haja sentimentos de repulsa ou repúdio, etc., sendo o despacho que aplicou a medida de coacção totalmente omisso quanto a tal.
14.- Da natureza estritamente cautelar das medidas de coacção, impõe-se que a privação da liberdade do arguido presumido inocente, em nome da finalidade processual penal de restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa com a prática do crime, só possa ocorrer nos termos apontados - quando em causa esteja o receio fundado da prática de outros crimes .
15.- Por conseguinte, não é "gerador" daquele perigo o alarme social causado pelo crime concretamente imputado ao arguido, não o é a repercussão pública deste, bem como também não o é o exercício do legítimo direito de crítica sobre a forma como é administrada a justiça quanto às acções cíveis e criminais que pendem no Tribunal de Tondela.
16.- Não se verificando tal pressuposto, errou a douta decisão a quo ao fazer errada interpretação e aplicação do disposto na alínea c) do artigo 204° do Código de Processo Penal.

O recurso foi admitido.
Na contra-motivação o Exmº Procurador - Adjunto concluiu:

1°- Ao arguido, na fase de inquérito, mesmo que seja sujeito a medidas de coação, mormente a prisão preventiva, ou obrigação de permanência na habitação não pode ser dado conhecimento de todo o conteúdo do processo, coberto pelo segredo de Justiça até ao momento da decisão instrutória, ou, se não houver instrução, até ao momento em que tal fase processual já não possa ser requerida (artigo 86° do Código Processo Penal).
2° Um dos principais fundamentos do segredo de justiça prende-se com a necessidade de garantir a prossecução dos objectivos inerentes a todo e qualquer processo penal, salvaguardando-se por essa via, nomeadamente, a perturbação na recolha de provas e até a alteração/ adulteração de provas já recolhidas.
3° Tal não implica a violação de outros princípios, inerentes ao processo penal, com consagração constitucional como é o caso do princípio do acusatório e do contraditório.
4° In casu, os arguidos A... e B... foram ouvidos em primeiro interrogatório judicial de arguido detido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução, antes de lhes ser aplicada qualquer medida de coação.
5° Pelo que foram devidamente respeitados os preceitos constitucionais constantes dos artigos 28° e ainda 32° n.5 da Constituição da República Portuguesa.
6° A promoção do Ministério Público, quanto à medida de coação a aplicar aos arguidos detidos, não pode ser analisada isoladamente, mas sim no contexto do próprio auto de interrogatório dos arguidos.
7° Pelo que entendida neste sentido, faz referência aos elementos de facto e motivos da sua relevância, expondo os fortes indícios da prática dos factos imputados aos arguidos.
8° Não coarctando, nem impossibilitando o exercício do contraditório por parte da defesa, e deste modo, não foi violado o disposto nos artigos 61° n.1 alínea b) bem como o n.1 e 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
9° Assim como, de modo algum foram violadas as garantias de defesa dos arguidos, do princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória e do princípio do contraditório, todos com consagração constitucional, nos n. 1, 2 e 5 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.
10° O princípio do contraditório assume a sua plenitude na fase do julgamento, e desde que, na fase de inquérito, seja dado conhecimento ao arguido detido, dos motivos da sua detenção e dos factos que lhe são imputados conforma o artigo 141° n.4 do CPP, como aconteceu relativamente aos ora recorrentes.
11° Não obstante, os arguidos terem tomado conhecimento de alguns dos elementos de prova constantes dos autos, por força de circunstâncias, em que se encontravam presentes aquando a realização de algumas das diligências.
12° A expressão "fortes indícios" são aqueles que incutem ao juiz, aplicador da medida de coação, uma convicção de que existe uma possibilidade séria de que em julgamento poderá ser imposta ao arguido uma pena ou uma medida segurança.
13° Nos presentes autos, está fortemente indiciada, a prática, em co-autoria, pelos arguidos A... e B..., de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22°,23° 131° e 132° n.2 al. g) todos do Código Penal.
14° Tal crime pela gravidade que reveste é punido com pena de prisão de dois anos e quatro meses a dezasseis anos e seis meses de prisão (artigo 132° n.01, 2 al. g) e 23° n.02 e 73° todos do Código Penal).
15° No caso sub judice estão preenchidos os requisitos ou condições gerais do artigo 204° do CPP, para que se possa aplicar uma medida de coação aos arguidos.
16° Estão ainda preenchidos e verificados os pressupostos específicos da aplicação, aos arguidos, da medida de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201° do Código Processo Penal.
17° Qualquer outra das medidas de coação previstas no Código Processo Penal e que potencialmente se poderiam aplicar aos arguidos, revelam-se inadequadas e insuficientes.

Também o assistente C... contra - alegou e formulou as seguintes conclusões:

1.- Existem nos autos fortes indícios de que na madrugada de 24 para 25 de Agosto de 2005, o arguido A..., cometeu o crime de homicídio na forma tentada, previsto no art. 131 em conjugação com os art. 22° n° 2 b ), punível nos termos do art. 23° n° 1, todos do Código Penal,
2.- E existem, relativamente ao arguido B..., indícios fortes da prática de co-autoria do crime de homicídio na forma tentada, nos termos do art. 26 do Código Penal.
3.- O arguido A... cometeu ainda um crime de posse de explosivos, nos termos do art. 275 n° 3 do Código Penal, na medida em que mantinha em sua própria habitação uma arma considerada proibida e na medida em que os detonadores se consideram um instrumento explosivo nos termos do art. 3 n° 1 g) do D.L. n° 207-A -75 de 17 de Abril, integram a previsão do art. 275° n° 3 do Código Penal.
4.- Da análise de todos os factos e com base nos vestígios recolhidos, deveria de ter sido aplicada aos arguidos, como medida de coacção, a prisão preventiva, nos termos do art. 191º, 193° n° 2, 202° todos do Código Penal, conjugado com o disposto no art. 204°, também do Código Penal. Contudo, foi aplicada aos arguidos, como medida de coacção, a obrigação de permanência na habitação, nos termos do disposto no art. 201 do Código Processo Penal, devendo a mesma ser mantida.
5.- Encontram-se preenchidos todos os requisitos específicos e gerais para a aplicação da obrigação de permanência na habitação como medida de coacção.
6.- A aplicação da obrigação da permanência na habitação respeitou, deste modo, tanto o princípio da legalidade como o da adequação e proporcionalidade, previsto no art. 191° e 193° n° 2 do Cód. Processo Penal, respectivamente, e pelo facto de, em concreto, existirem fortes indícios da pratica de crime doloso, punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, segundo disposto no art. 201° do C.P.P.
7.- Verificam-se ainda preenchidos os requisitos gerais necessários para a aplicação da obrigação da permanência na habitação, taxativamente enunciados no art. 204° do Código Processo Penal.
8.- Existe perigo de fuga, nos termos do art. 204° a) do Cód. Processo Penal, na medida em que estes se encontram numa situação económico financeira delicada, que os levou a contraírem inúmeras dívidas, existindo por isso o perigo real e concreto de estes fugirem, para tentar também assim fugir às suas responsabilidades perante os credores.
9.- Existe ainda o perigo de perturbação do decurso do inquérito, perturbação da investigação, nomeadamente relativamente à descoberta da verdade, de acordo com o art. 204° b) do C.P.P.,na medida em que, se os arguidos saírem em liberdade podem estes, pela sua personalidade e, por diversas formas, dificultar a descoberta da verdade, através da delineação de estratégias comuns acerca da explicação dos acontecimentos e podem, de diversos modos, perturbar a produção da prova, ocultando ou destruindo possíveis provas existentes, assim como proferir, inclusive, ameaças sobre as testemunhas.
10.- Existe ainda, nos termos do art. 204° c) do C.P.P., perigo de continuação da actividade criminosa do crime do qual o arguido está indiciado, na medida em que existe perigo concreto de os arguidos tentarem novamente matar C....
11.- Se os arguidos passarem a estar em liberdade, senão se mantiver a obrigação de permanência na habitação, existe o sério e provável risco de estes dispararem novamente sobre C..., pelo facto de estes manterem entre si divergências profundas, relacionadas com as sociedades comerciais de que são sócios, e na medida em que os ora arguidos já proferiram, por diversas vezes, ameaças contra C..., nomeadamente, "Isto é tudo meu"; "eu mato--te"; "meu cabrão" e "filho da puta".

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanha a posição assumida pela Exmº Srª Procuradora – Adjunta.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

Neste recurso fundamentalmente visa-se a apreciação da aplicação da prisão preventiva em três vertentes: falta de contraditório, inexistência de indícios fortes e não verificação dos requisitos gerais.

É do seguinte teor a decisão recorrida:
A detenção dos arguidos é válida porque foi efectuada em observância do disposto nos art. 254, n.1, al. a), 257 n.2, 258°, 259°, al. b), todos do C.P.P.. Consigna-se no entanto que, em nosso entender, a detenção dos arguidos sempre se mostraria válida por ter sido efectuada em flagrante delito pela prática de um crime punido com pena de prisão, observado o prazo de 48 horas, atento o que infra se exporá quanto aos ilícitos fortemente indiciados nos autos.
Julgam-se igualmente válidas as apreensões efectuadas pela Polícia Judiciária, a coberto de um mandado de busca emitido pela autoridade judiciária competente.
Concordamos integralmente com o enquadramento jurídico - penal feito pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e com a exigências cautelares que o caso reveste.
Com efeito, da prova já recolhida e consubstancial nos testemunhos do ofendido e dos dois indivíduos que o acompanhavam e que presenciaram os factos, na reportagem fotográfica junta a fls. 33 34, 48 e 49, auto de apreensão efectuado no decurso da busca realizada às residências dos arguidos, a circunstância de o arguido A... ter em seu poder uma arma em tudo semelhante à utilizada para efectuar os disparos aqui em causa e, sobretudo o facto de lhe terem sido apreendidos cartuxos do mesmo calibre e da mesma marca daqueles que ficaram no local dos disparos, são fortes indícios de que os arguidos incorrem, em co-autoria na prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentado p. e p. pelos artigos 22°, 23º, 131 ° e 132°, n° 2, al.g) do Código Penal.
Para além disso existem indícios de que os arguidos incorrem ainda, conforme bem evidenciou o Digno Magistrado do M.P., na autoria material e em concurso real com tal ilícito, de um crime de detenção ilegal de arma previsto e punido pelo art. 6° da Lei 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 98/2001, de 25 de Agosto.
Resulta também, fortemente indiciada a prática pelo arguido A... em autoria material e em concurso real com aqueles ilícitos, de um crime de posse de explosivos p. e p, pelo art° 275°, n.1, Penal.
A toda esta prova acresce ainda o facto de os arguidos terem um motivo para o cometimento dos factos, uma vez que são sobejamente conhecidas as desavenças e os conflitos entre os três irmãos, como os próprios autos o revelam e os arguidos não o negam.
O arguido B..., à data dos factos conduzia o veículo que as testemunhas descrevem como sendo aquele em que se faziam conduzir os atiradores. As testemunhas, que não o ofendido, afirmam que a vítima já estava à janela quando foram efectuados os disparos na sua direcção, estando também já apurado no processo que esses disparos foram feitos a cerca de 10 metros de distancia dessa janela e de uma posição mais alta.
Os crimes são graves, mas como é evidente as exigências cautelares agudizam-se quando é cometido, ou se tenta cometer, o crime mais grave de nosso ornamento jurídico e onde a vida de uma pessoa é posta em causa.
Como já ressalta dos autos os arguidos são pessoas que se fazem acompanhar e possuem armas de fogo, têm motivos para o cometimento do ilícito o que, quanto a nós, evidencia um concreto e real crime de continuação da actividade criminosa.
Julgamos que a ausência de antecedentes criminais, se é relevante, também não deixa de ser comum quando estão em causa crimes contra a vida.
A perturbação da ordem e tranquilidade é também real, mais pela natureza do crime, uma vez que o ilícito já foi cometido há algum tempo.
Para obstar aos supra referidos crimes julga o tribunal que a única medida suficiente proporcional e adequada será a de prisão preventiva, portanto detentiva da liberdade.
Atenta a inserção familiar e social dos arguidos, julgamos que esta medida deverá ser, logo que possível, substituída pela de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica. Todavia, como é sabido, a possibilidade de controlo desta medida através dos meios der vigilância electrónica (fiscalização que a nosso entender se impõe no presente caso, atendo o supra exposto ), exige a verificação de vários requisitos, que neste momento não se mostram reunidos.
Caso se venha a obter o consentimento dos arguidos e caso o IRS, conclua pela possibilidade de aplicação deste meio de fiscalização, então será a medida coactiva de prisão preventiva imediatamente substituída pela prevista no art. 201, n° 1 e 2, do C.P.P.
Pelo exposto ao abrigo do disposto nos art. 191° a 195°, 204° al.c), 201°, nos 1 e 2 e 202°, n1, al.a), todos do C. P. P, determina-se que os arguidos aguardem o desenvolvimento deste processo sujeitos a prisão preventiva que deverá ser substituída, reunidos os requisitos legais, pela de obrigação de permanência na habitação, fiscalizada por vigilância electrónica, nos termos previstos na Lei 122/99, de 20 de Agosto.

1.- Da Garantia do Contraditório

Dispõe o art. 28º n.1 da Constituição que a detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinam e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.
A propósito desta garantia de contraditório dispõe o art. 194º do Código Processo Penal que à excepção do termo de identidade e residência, as medidas de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz e precedidas, sempre que possível e conveniente, de audição do arguido e pode ter lugar no acto do primeiro interrogatório.
O despacho é notificado ao arguido e dele constam a enumeração dos motivos de facto da decisão e a advertência das consequências do incumprimento das obrigações impostas.
A finalidade essencial da apresentação do detido perante um juiz – sem a qual a privação da liberdade não perde a precariedade, temporal como substancial, própria da detenção – é que os riscos de uma privação ilegal da liberdade sejam reduzidos ao mínimo possível, seja quem for que tiver procedido ou ordenado a detenção.
Na apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, o juiz, depois de conhecer liminarmente das causas da detenção, deve proceder ao acto absolutamente crucial de validação: ouvir o detido.
Para tanto deve comunicar ao arguido as causa de detenção (informação que é apenas uma especialização de uma exigência geral a todas as formas de detenção, como se prevê pelo art. 27º n.4 ) interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa [Confº anotação IV ao art. 28º da Constituição anotada por Jorge Miranda e Rui Medeiros.].
O tribunal Constitucional deu um passo decisivo na concretização desta exigência nos casos de detenção de arguido em processo penal. Antes de mais, esclareceu o critério orientador na matéria de informação ao arguido: “ a comunicação dos factos deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância jurídico criminal, por forma a que lhe seja dada «oportunidade de defesa». ( Acórdãos n. 416/03 e 607/03 ).
Nos termos do art. 141º n.4 do Código Processo Penal no primeiro interrogatório judicial de arguido detido o juiz informa ao arguido dos direitos referidos no art. 61º n.1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos de detenção, comunica-lhe e expõe-lhe os factos que lhe são imputados. Prestando declarações o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles, indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam revelar para determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção – n.5 do preceito.
Para cabal garantia deste direito o arguido deve ser confrontado com factos concretos de tempo, modo e lugar, sob pena de inconstitucionalidade [Acórdão do Tribunal Constitucional n. 607/03.].
Como refere o Profº Jorge Miranda, à tutela constitucional da liberdade no que respeita à detenção e à prisão preventiva no processo penal não se sobrepõe, pelo menos de forma absoluta, o segredo de justiça relativamente ao arguido. O que conduz a afirmar que a inadmissibilidade da proibição de consulta dos autos é o esvaziamento material do direito ao duplo grau de jurisdição em matéria de privação da liberdade. E conclui, admitindo que no caso da prisão preventiva, a falta de acesso aos autos o pode esvaziar, não se vê como se pode legitimar uma decisão judicial baseada numa invocação, insindicável pelo arguido, dos riscos ou inconvenientes do acesso aos autos para investigação.
A este propósito o Tribunal Constitucional deixa implícito que o arguido deve ter acesso aos elementos probatórios que sustentam as imputações que lhe sejam efectuadas. Assim, declarou inconstitucional o art. 141º n.4 do Código Processo Penal interpretado no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a «exposição dos factos que lhe são imputados» pode consistir na formulação de perguntas gerais e abstractas, sem “ comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização e na comunicação dos específicos elementos probatórios em causa “ [Acórdão 416/03].
Vêm estas considerações a propósito da alegação dos arguidos que consideram que não foram devidamente confrontados com os factos e respectivos elementos probatórios e a reacção do Ministério Público que considera que esta omissão não implica a violação de outros princípios, inerentes ao processo penal, com consagração constitucional, como é o caso do princípio do acusatório e do contraditório.
Tomando em consideração os aspectos doutrinários referidos e a jurisprudência mais recente do tribunal constitucional, não têm razão nem os arguidos nem o Ministério Público. Os arguidos, porque lhes foi garantido com suficiência necessária o princípio do contraditório e o Ministério Público porque, como referimos, não há segredo de justiça que se sobreponha ao direito de defesa do arguido, mesmo nesta fase processual.
Só conhecendo os elementos probatórios em que se apoiou a decisão que lhe impôs a medida de coacção de prisão preventiva poderá o arguido exercer efectivamente o seu direito de recurso e, exercendo o contraditório, contribuir para o debate e esclarecimento da verdade. [Acórdão da Relação do Porto de 24/01/06 na base de dados da DGSI]
Se o Ministério Público considera que a prova deve estar garantida pelo segredo de justiça e não pode ser confrontada com o arguido, não a apresenta para a sustentar a aplicação da medida coactiva, porventura com prejuízo de aplicação desta medida cautelar. Não pode é apresentá-la para convencer o juiz e este omiti-la ao visado.
Portanto não tem razão o Ministério Público quando refere que esta omissão não implica a violação de outros princípios, inerentes ao processo penal, com consagração constitucional como é o caso do princípio do acusatório e do contraditório.
Porém se apreciarmos o requerimento do Ministério Público, o teor das declarações prestadas no primeiro interrogatório pelos arguidos e a decisão recorrida, verificamos que não houve violação do contraditório e os arguidos foram confrontados com a imputação dos factos e a prova em que se apoiou a decisão.
No requerimento do Ministério Público ( fls. 92 ) consta que das diligências efectuadas pela Polícia Judiciária designadamente dos vestígios colhidos e do depoimento das testemunhas inquiridas resultam fortes indícios da prática pelos arguidos em co-autoria, de um crime de homicídio qualificado.
E lendo o teor das declarações dos arguido A... ( fls. 194 ) e B... (fls. 198), facilmente concluímos que foram confrontados com todos os meios de prova que fundamentaram a sua detenção e consequente aplicação de medida coactiva. Há uma descrição minuciosa e concreta dos factos que lhe são imputados. Sobre cada um deles, bem como os respectivos meios probatórios, os arguidos pronunciam-se livremente.
Resulta das suas declarações que tomam conhecimento do auto de denúncia de fls. 110, onde o visado expressamente reconhece que o arguido A... foi o autor dos disparos. Constando do auto de notícia uma descrição minuciosa da ocorrência dos factos e que no local ficaram bem visíveis os vestígios dos disparos, procedeu-se posteriormente a uma busca na residência do arguido A... onde se apreende uma Shot-Gun que faz extracção directa dos cartuchos, com fortes sinais de ser a arma responsável pelos disparos.
Para além disso são confrontados com as declarações de duas testemunhas que na altura acompanhavam a vitima. Acompanharam as buscas efectuadas nas suas residências e pronunciaram-se sobre a posse de armas e material explosivo que lhes foi apreendido.
Analisando estes meios de prova e o teor das declarações dos arguidos extraí-se a conclusão de que os arguidos foram devidamente interrogados e que lhes foi garantido espaço de defesa e o contraditório constitucionalmente consagrado.

2.- Verificação de Fortes Indícios

Dispõe o art. 202º do Código Processo Penal que se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos.
Considerando que ainda não estão mobilizados todos os mesmos elementos probatórios ou de esclarecimento, fortes indícios e indícios suficientes reportam-se a realidades diversas, por isso juízos distintos em momentos processuais diversos. Daí que não seja legítimo comparar o art.º 202º n.º 1 al. a) Código Processo Penal, fortes indícios, com o art.º 283º n.º 1 do Código Processo Penal, indícios suficientes.
Há fortes indícios da prática de uma infracção quando se encontra comprovada a sua existência e ocorrem suficientes suspeitas da sua imputação ao arguido. Suspeitas graves, precisas e concordantes.
Sobre esta questão a Acórdão da Relação do Porto de 20/4/05, avança que o traço impressivo que o legislador quis deixar ao aplicador foi o de que os indícios têm que ser sólidos, inequívocos para aquela fase.
Consideram os recorrentes que no caso, não se verificam indícios, muito menos fortes da prática pelos arguidos de um crime de homicídio qualificado na forma tentada.
E que para além disso, não há indícios de uma decisão conjunta, visando a obtenção do resultado, o que pressupunha um acordo do arguido B....
Esta questão praticamente fica esclarecida com a apreciação que fizemos sobre os meios de prova que foram apresentados aos arguidos. Como vimos nesta fase processual parece evidente que foi o arguido A... que efectuou os disparos, mas nada nos permite concluir com a suficiência de prova que a lei exige para aplicação de medida detentiva de liberdade que o arguido B... aderiu a este projecto e muito menos que tivesse o desígnio de matar o seu irmão C....
Não há nos autos a indiciação inequívoca de que este arguido quisesse aderir à intenção do seu irmão A.... O facto de o acompanhar no momento dos disparos e de nutrir por ele comprovada animosidade não nos permite ultrapassar o mero indício, manifestamente insuficiente para justificar a aplicação de prisão preventiva.
Não foi ele o autor dos disparos, não foi em sua casa que foi encontrada a arma que serviu de meio para o efeito, nem tão pouco lhe são atribuídas frases ou expressões ameaçadoras que na circunstância de tempo e lugar em que os factos ocorreram, possam indiciar com forte probabilidade que também ele quis a morte do seu irmão C....
Em relação ao arguido B... ocorrem indícios de que poderá ter querido o mesmo resultado que o seu irmão A..., mas não a certeza ou suspeita sólida de que o quis.
Ao contrário, parece claro que pela forma como os disparos foram efectuados que o seu autor quis e procurou a morte do alvo, no caso o ofendido C....
Aparecendo a arma veículo dos disparos na posse do arguido A..., tendo ele comprovadamente exprimido ameaças de morte no momento que procedeu aos disparos, efectuando-os na direcção da vitima a cerca de 10 metros, não restam dúvidas que estamos perante fortes indícios que procurou a morte da vitima.
Perante os meios probatórios analisados parece claro que ao contrário do arguido A... não há sinais nos autos de que o arguido B... esteja fortemente indiciado da prática de um crime de homicídio qualificado. Como tal não é sustentável a manutenção da obrigação de permanência na habitação prevista no art. 201º do Código Processo Penal que está dependente da verificação de fortes indícios da prática do crime.

3.- Da Verificação dos Requisitos Gerais.

No âmbito dos requisitos gerais de aplicabilidade da prisão preventiva a lei exige, art. 204º do Código Processo Penal, em concreto, a verificação das seguintes circunstâncias:
a) fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.
Tais requisitos ou condições gerais, taxativamente enumerados nas al. a) b) e c), são alternativos: consequentemente, basta que exista algum deles para que, conjuntamente com os especiais previstos no capítulo anterior, a medida possa ser aplicada [Maia Gonçalves em anotação ao preceito].

A lei impõe que o perigo de continuação da actividade criminosa seja concreto.
Daqui decorre que o perigo (relevante) de continuação da actividade criminosa, em ordem à aplicação, reforço ou manutenção das medidas de coacção legalmente previstas, designadamente a prisão preventiva, terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem e não de mera presunção (abstracta ou genérica), a significar que o perigo de continuação da actividade criminosa terá de ser apreciado caso a caso em função da contextualidade da cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efectivo) de continuação da actividade criminosa pode justificar a aplicação das medidas de coacção, maxime da prisão preventiva.
Assim sendo, a mera possibilidade de continuação da actividade criminosa não constitui motivo suficiente para caracterizar uma qualquer situação como consubstanciadora de perigo de continuação da actividade criminosa [Acórdão da Relação de Coimbra de 99.06.02 - Recurso nº 1668/99]
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A decisão recorrida apoia-se no perigo da continuação da actividade criminosa para justificar a medida detentiva da liberdade. E cremos que bem.
São abundantes os sinais de que o arguido A... há muito pretende agredir o seu irmão C.... Os indícios deste desígnio, para além da gravidade evidenciada nesta ocorrência, estão patentes nos autos de notícia incertos a fls. 166 e 168, onde ressalta o perfil violento do arguido.
Se tomarmos em consideração o resultado da busca que lhe apreendeu vário material explosivo e ofensivo, aparentemente sem justificação válida, que indicia também a prática de um crime de posse de explosivos p. e p. pelo art° 275°, n.1 do Código Penal, são avisadas as razões cautelares que determinaram a aplicação da prisão preventiva. É forte a probabilidade do arguido reiterar o seu comportamento atentando contra a vida do seu irmão. Este propósito não é inédito e parece bem vincado.

Termos em que na procedência parcial do recurso decide-se revogar a decisão recorrida quanto ao arguido B... ordenando que o mesmo seja sujeito a termo de identidade e residência, pela indiciada prática de crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22°,23° 131° e 132° n.2 al. g) todos do Código Penal e crime de detenção ilegal de arma previsto e punido pelo art. 6° da Lei 22/97, de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Lei 98/2001, de 25 de Agosto.
O arguido A... aguardará os ulteriores termos processuais sujeito à obrigação de permanência na habitação tal qual foi ordenado pela decisão recorrida.

Comunique de imediato ao tribunal recorrido que o arguido B... deve ser restituído á liberdade depois de prestar T.I.R..
O arguido A... suporta as custas do recurso – 5 UC de taxa de justiça.
Coimbra 8 de Março de 2006