Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
428/05.0PBFIG.A. C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: PENA SUSPENSA
REDUÇÃO OFICIOSA
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 05/07/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 29.º, N.º 4, DA CRP ,2.º, N.º 4, 50º, Nº 5 DO CP E 371º-A DO CPP
Sumário: 1. O tribunal deve oficiosamente reduzir o prazo de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido condenado por sentença transitada em julgado

2. A abertura da audiência de julgamento prevista no artº 371º-A do CPP só deve ter lugar quando tal de justifique para determinar o regime concretamente aplicável ou se no caso concreto é ou não aplicável o novo regime.,apenas “para que lhe seja aplicado o novo regime”, sendo este mais favorável.

3. Seria por exemplo caso da abertura da audiência para determinar se era aplicável a suspensão da execução da pena, caso esta fosse superior a 3 anos e não superior a 5 anos de prisão, para equacionar e ajuizar concretamente se ao caso era aplicável a eventual suspensão da execução da pena, agora admissível neste intervalo

Decisão Texto Integral: Aplicação oficiosa da redução do período de suspensão da execução da pena, face ao actual regime do art. 50.º, n.º 5, do CP

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Processo comum com intervenção do tribunal singular, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial da Figueira da Foz

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Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

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No processo supra identificado, o tribunal decidiu condenar o arguido, A… , em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.
A sentença, proferida em 23/1/2007 transitou em julgado.
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Pelo requerimento de fls. 10 a 15 destes autos de recurso, que subiram em separado, veio o Ministério Público requerer, por força do art. 2.º, n.º 4, do Código Penal, doravante designado apenas pelas siglas CP, a aplicação do disposto no art. 50.º, n.º 5, do mesmo diploma legal, na redacção dada pela Lei n.º 59/07, de 4/9.
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O aludido requerimento mereceu o seguinte despacho:
«Nos termos do art. 2.º, n.º 4, do CP revisto “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em penais posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior”.
No presente caso temos uma decisão já transitada em julgado.
A norma acabada de referir não refere que o tribunal possa ou deva alterar decisões já transitadas.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 371.º, do CPP revisto, “se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime”.
Esta norma é a que permite a alteração de decisões transitadas para aplicação de lei penal mais favorável. Porém, é necessário um requerimento do condenado que no presente caso não existe.
Não se vê na lei penal ou processual penal norma que permita ao M.P. fazer requerimento idêntico à promoção que antecede.
Assim sendo, por falta de requerimento do condenado, logo, por falta de base legal, indefere-se o requerido na promoção que antecede».
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O Ministério Público, inconformado recorre deste despacho, formulando as seguintes conclusões:
«1. Ao indeferir a promoção do Ministério Público, no sentido de se aplicar o disposto no art. 50.º, n.º 5, do Cód. Penal, conjugadamente com o disposto no art. 2.º, n.º 4, do Cód. Penal, reduzindo-se o prazo de suspensão de execução da pena de prisão a 17 meses.
2. Com base na alegação de caso julgado e de falta de requerimento do arguido ao abrigo do art. 371.º-A do Cód. Proc. Penal.
3. Violou o despacho recorrido o disposto nos arts. 18.º, 29.º, n.º 4, 2.ª parte, da Constituição da República, 2.º, n.º 4, e 50.º, n.º 5, do Cód. Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 04.09.
4. Porquanto resulta de uma mera ponderação abstracta, sem necessidade de recurso a uma ponderação concreta, com audiência do arguido, que a aplicação retroactiva da lei penal nova é mais favorável no caso em apreço.
5. O princípio base, que regula a sucessão de leis penais no nosso direito positivo, não é o da irretroactividade. A irretroactividade é um dos corolários de um princípio superior (favor libertatis), o qual, em homenagem à liberdade do cidadão, lhe assegura o tratamento penal mais mitigado entre o do momento da prática do delito e os tratamentos estabelecidos por leis sucessivas. Deverá antes e com legitimidade acrescida, com a nova redacção do art. 2.º, n.º 4, do Cód. Penal, introduzida pela Lei n.º 59/07, de 04.09, afirmar-se que o princípio é o da aplicação da lei penal mais favorável.
6. Termos em que o despacho formulado deve ser revogado e substituído por outro que aplique a lei mais favorável».
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Na resposta o arguido adere aos fundamentos das motivação de recurso, no sentido de que deve ser reduzido o prazo de suspensão da execução da pena, aplicando-se assim a lei mais favorável.
Nesta instância o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido de que se mostra duvidosa a posição do Ministério Público na 1.ª instância, ao entender que a redução do período de suspensão da execução da pena prevista no art. 50.º, n.º 5, do CP, na actual redacção, é de aplicação oficiosa.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre-nos decidir.
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O Direito:
São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir:
Apreciar se o tribunal deve oficiosamente reduzir o prazo de suspensão da execução da pena, a arguido condenado por sentença transitada em julgado, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, quando o art. 50.º, n.º 5, do CP, na redacção dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, passou a impor que o período de suspensão tem a duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a 1 ano.

O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, em cúmulo jurídico, na pena única de 1ano e 5 meses de prisão.
Vem interposto recurso do despacho que indeferiu a pretensão do Ministério Público no sentido de ser oficiosamente reduzido o período de suspensão.
Assim não entendeu o tribunal a quo, ao considerar que o tribunal não podia alterar um decisão transitada e a ter lugar só a coberto de requerimento do arguido.
Obviamente que não partilhamos do entendimento da decisão recorrida, por duas ordens de razões: as decisões ainda que transitadas podem e devem ser alteradas, sempre que esteja em causa a aplicação de regime sancionatório mais favorável ao arguido e não tem que ser obrigatoriamente a requerimento do arguido.
Esta imposição resulta do preceito constitucional do art. 29.º, n.º 4, da CRP quando refere “…aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
A este respeito escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, pág. 495:
«Se é proibida a aplicação retroactiva da lei penal desfavorável, já é obrigatória a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (n.º 4, 2.ª parte). Se o legislador deixa de considerar criminalmente censurável uma conduta, ou passa a puni-la menos severamente, então essa nova valoração legislativa deve aproveitar a todos, mesmo aos que já tinham cometido tal crime. Este princípio compreende também duas vertentes: (a) que deixe de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar; e (b) que um crime passa a ser menos severamente punido do que era no momento da sua prática, se lei posterior o sancionar com pena mais leve.
Não estabelecendo a Constituição qualquer excepção, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, ao menos em princípio, mesmo para os casos julgados, com a consequente reapreciação da questão, devendo notar-se que, quando a Constituição manda respeitar os casos julgados nos casos de declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, admite uma excepção exactamente para a lei penal (ou equiparada) mais favorável (cfr. art. 282.º-3 e respectiva anotação). De facto, não faz sentido que alguém continue a cumprir uma pena por um crime que, entretanto, deixou de o ser ou que passou a ser punido com pena mais leve».
Porém, a abertura da audiência de julgamento só deve ter lugar quando tal de justifique para determinar o regime concretamente aplicável ou se no caso concreto é ou não aplicável o novo regime.
Dispõe o art. 371.º-A, do CPP o seguinte:
«Se após trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime».
Consagra-se nesta normativo o princípio constitucional acima mencionado da aplicação retroactiva da lei, quando esta se mostre mais favorável ao arguido constante do art. 29.º, n.º 4, da CRP e com expressão na lei ordinária no art. 2.º, n.º 4, do CP.
O Ministério Público limita o fundamento do presente recurso à aplicação do actual regime quanto ao período da suspensão da execução da pena.
Este é o único fundamento do recurso.
Ora, o actual regime de suspensão da execução da pena é aplicável oficiosamente porque o art. 50.º, n.º 5, do CP prevê agora um regime legal mais favorável aos arguidos, não permitindo que o período de suspensão tenha duração superior à pena de prisão determinada na sentença.
Nestes termos se a pena aplicada foi de 1 ano e 5 meses de prisão, não poderá ser suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, como era permitido no momento da prolação da sentença e terá de ser obrigatoriamente igual á duração da pena, isto é 17 meses.
Este regime mais favorável resulta directamente da lei, pois é taxativa quanto ao período de suspensão, fazendo coincidir este com a duração da pena aplicada, sem necessidade de recorrer à abertura da audiência de julgamento, para a sua fixação, ao abrigo do disposto no art. 371.º-A, do CPP.
No regime actual o art. 50.º do Código Penal prevê:
“1 -O tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)
5. O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão".
As demais alterações não apresentam qualquer repercussão no que ao caso concreto diz respeito.
Ora, face à referida alteração, o que há que concluir será a de que o regime mais favorável desta específica alteração traduzir-se-á tão só em reduzir o período de suspensão da execução da pena, fazendo-o coincidir com a medida da pena aplicada.
Outra leitura não é possível fazer.
Ora, o art. 371.º- A prevê a reabertura da audiência apenas “para que lhe seja aplicado o novo regime”, sendo este mais favorável.
Seria por exemplo caso da abertura da audiência para determinar se era aplicável a suspensão da execução da pena, caso esta fosse superior a 3 anos e não superior a 5 anos de prisão, para equacionar e ajuizar concretamente se ao caso era aplicável a eventual suspensão da execução da pena, agora admissível neste intervalo.
De forma alguma quis o legislador pretender a reabertura da audiência para, por esta via, se proceder a um segundo julgamento com produção de provas ou produzir novas provas para depois se aplicar novamente o regime sancionatório, que não deve ser discutido, a não ser no segmento do período de suspensão da execução da pena que concretamente está em causa e se encontra definido na lei.
Assim, não deve ser reaberta a audiência, nos termos do art. 371.º-A, do CPP para aplicação retroactiva de lei penal face à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, por não haver necessidade de discutir no caso concreto qual o regime de suspensão da execução da pena mais favorável ao arguido, quanto à sua durabilidade, antes se impondo a aplicação imediata e oficiosa da sua redução, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP, na actual redacção.
Nesta conformidade outra sorte não podia ter o recurso que não a sua total procedência.
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Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente se revoga o despacho recorrido, o qual se substitui, sem necessidade de recorrer à abertura da audiência de julgamento, reduzindo-se o período de suspensão da execução da pena, nos termos do art. 50.º, n.º 5, do CP, para 17 meses.
Sem custas.

Coimbra,…………………………………..


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Inácio Monteiro


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Alice Santos