Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4363/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: SIGILO BANCÁRIO
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: PEDIDO DE DISPENSA DO SIGILO BANCÁRIO
Decisão: ORDENADO O LEVANTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO
Legislação Nacional: ART.º 135, N.º 2 E 3, DO C. P. PENAL
Sumário: Os valores da investigação criminal superam os valores privados que se pretendem resguardar com o sigilo bancário.
Decisão Texto Integral: Provindo do tribunal Judicial da Figueira da Foz – 1º juízo (Proc: 242/05.2TAFIG).
Requerente: Ministério Público.
Requerido: A....

Por ter considerado ilegítima a recusa da instituição bancária requerida,”A...”, em fornecer os elementos bancários – ficha de assinaturas e extracto dos meses de Janeiro a Março de 2000 - respeitantes ao arguido, B..., foi suscitada a dispensa do segredo profissional, ao amparo dos nºs 2 e 3 do art. 135º do CPP.
Nesta instância, o ex. Procurador-Geral Adjunto é de parecer que o interesse na realização dos fins prosseguidos pela investigação criminal devem sobrepor-se aos interesses na salvaguarda da privacidade dos particulares no atinente á preservação do segredo bancário. Defende que seja deferida a dispensa da instituição bancária recusante ao sigilo bancário perante o seu cliente, em homenagem ao princípio da prevalência do interesse público da investigação do crime por que o arguido se mostra a ser investigado, relativamente aos elementos autográficos e movimentos bancários efectuados na conta bancária de que o mesmo é titular.
II. – Fundamentação.
II.- 1. – Elementos Adquiridos Habilitantes da Decisão.
- O arguido B... foi sócio-gerente de uma firma que se dedicava à venda de bens e que girava sob a denominação de “C...”;
- Esta firma foi encarregada da venda de bens que se encontravam arrolados nos autos de liquidação do activo, que correu termos no Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz, e em que é requerida a “D...”;
- Na qualidade de sócio-gerente da firma leiloeira, o arguido terá deixado de entregar determinadas quantias que recebeu, a título de preço, por vendas que tinham por objecto bens imóveis arrolados nos supra mencionados autos, mantendo essas quantias na sua esfera de disponibilidade, com privação do seu legitimo e legal detentor;
- O arguido encontra-se, desde há tempo indeterminado, revel a qualquer contacto das autoridades judiciárias e/ou policiais.
II. – 2. Considerações para a Decisão.
Antes de abordarmos a questão concreta que nos é posta para decisão, deixaremos algumas notas ou reflexões acerca do sigilo bancário, ecoando posições que vimos defendendo desde 1992.
Já nessa altura defendíamos que os valores da investigação criminal se deviam sobrepor aos valores dos particulares. O argumento em que nos ancorávamos sustinha-se no paralelismo que encontrávamos com outros contratos inter-individuais, v.g. contratos de compra e venda de imóveis, constituição de sociedades comerciais de mútuo com escritura pública que são acessíveis a qualquer cidadão, necessitando tão só de solicitar uma certidão no Cartório Notarial em que essas escrituras foram realizadas. Como assim para este tipo de negócios, porque não para um contrato de depósito celebrado entre um particular e uma instituição bancária? Porquê uma maior reserva para um contrato depósito e outros tipos de negócios ou contratos que podem ser do conhecimento de qualquer cidadão? O que tem de peculiar e especial o dinheiro ou valores depositados num banco relativamente ao dinheiro com que são adquiridos outros bens imóveis? Muitas mais perguntas poderiam ser equacionadas, e todas em sentido idêntico, ou quiçá mais especulativas ou provocadoras mas fiquemo-nos por esta amostragem.
A vigência deste anacronismo ético-institucional ilaqueia e dessora a actividade investigativa dos órgãos de policia criminal e inviabiliza ou esmorece a acutilância e profundidade dos processos em que estão em causa crimes de natureza económico-financeira, nomeadamente de branqueamento de capitais, e os ilícitos que lhe subjazem, tráfico de droga, tráfico de armas, tráfico de seres humanos, prostituição, auxilio à imigração ilegal, corrupção, evasão e fraude fiscais e outros, alguns dos quais ainda não catalogados.
Perante esta pletora de criminalidade surge-nos como um escolho, um empeço que radica na luminosidade valorativa do liberalismo e que o pós-modernismo teima em albergar no seu miasmático bojo.
Não se constitui, para nós, como questão dilemática, como resulta evidente do exposto supra, que a prevalência dos valores da investigação criminal superam os valores privados que se pretendem resguardar com o sigilo bancário.
À guisa de parêntesis, seja-nos permitido manifestar a estranheza pelo procedimento estabelecido no ordenamento processual penal para a entidade competente para a decisão do incidente de dispensa de recusa de quebra do sigilo bancário. Cometer-se a decisão de um incidente com esta singela e pífia importância a um colectivo de três juízes de um tribunal de recurso é, no mínimo risível e pasmosa.
Nem se entende que a administração fiscal (ou se adrega, entende) para quebrar o sigilo bancário se possa socorrer de um ditame de um tribunal de primeira instância – cfr. art. 146º-C do Código de Procedimento e de processo Tributário -, isto quando não o é por iniciativa do director-geral dos Impostos ou da alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo –cfr. Art.63º-B da Lei Geral Tributária, e uma entidade jurisdicional que tutela o inquérito tenha de se socorrer de um tribunal de 2ª instância para conseguir idêntico desiderato. Só a miopia de um legislador acuado e acaudatado a valores extremos de liberalismo serôdio e caduco pode justificar tamanha incongruência para com a perseguição de ilícitos criminais.
Não sucede assim em legislações avançadas, mas que seja pela dignificação dos tribunais.
No caso concreto a investigação do crime que se pretende levar a efeito e que se encontra peada pela recusa avançada pela instituição requerida tem prevalência relativamente ao resguardo do sigilo de identidade do respectivo titular, pelo que deverá ser ordenado o levantamento do sigilo à entidade requerida, que deverá disponibilizar todos os elementos solicitados pela autoridade judiciária competente.
II. – Decisão.
Na defluência do exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal deste tribunal, em:
-julgar justificada o pedido de dispensa de recusa de levantamento do sigilo bancário e, consequentemente, ordenar o levantamento do sigilo relativamente a todos os elementos referentes ao titular da conta nº 0756º47924100, existente na Caixa Geral de Depósitos.