Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
355/09.1JAAVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME
FUNDAMENTAÇÃO
HOMICÍDIO
PERIGO DE CONTINUAÇÃO
Data do Acordão: 11/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – ÁGUEDA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 28º, 2 CRP,97º,5.193º, 202º,204º CPP
Sumário: 1. Tratando-se de despacho que procede ao reexame dos pressupostos de anterior decisão, o dever de fundamentação reporta-se às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos dessa anterior decisão que constituem o objecto de reexame, pois que só essa alteração constitui objecto do despacho de reexame.
2. Há perigo concreto de continuação da actividade criminosa para quem comete crime de homicídio descarregando todas as balas da câmara no crânio do arguido (a uma distância de 30 cm), e sem motivo.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se indeferiu o pedido de substituição da medida de coacção, mantendo-se a situação de prisão preventiva.
Inconformado vem, de tal despacho, interpor recurso, o arguido J..., formulando as seguintes conclusões:
1. Ao arguido, ora Recorrente, vem imputada, indiciariamente a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131, 132 n.º 1 e 2 alínea e) e h) do Código Penal e o crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, na redacção vigente.
2. Em 11.08.2009, foi proferido despacho de aplicação da medida de coacção prisão preventiva, o qual foi recorrido pelo arguido, não tendo ainda sido decidido.
3. Posteriormente, houve novo despacho de fls. 185 a 190, no sentido de reapreciação da situação da prisão preventiva em que encontra o arguido, justificado pela existência de novos elementos no processo, nomeadamente, o Relatório Social do arguido, e no qual foi indeferido o pedido da substituição da medida aplicada.
4. E isto, porquanto entendeu o Mme Juiz que havia perigo de fuga, perigo, em razão das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de que este perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade pública; perigo de que persista em actividade criminosa e ainda perigo para a aquisição e conservação da prova.
5. Ora, salvo o devido respeito, os elementos constantes dos autos, levam-nos a negar a existência dos perigos enunciados pelo Mme Juiz no seu despacho, senão vejamos:
6. O arguido entregou-se voluntariamente às autoridades. Pois que, dirigiu-se às instalações da P.J. de Aveiro, para aí ser interrogado. Assim, se o seu intuito fosse o de fuga, não se viria o mesmo entregar às autoridades.
7. Pelo que, logo neste ponto- o do perigo de fuga-, é de refutar o entendimento do Mme. Juiz.
8. Não há pois quaisquer factos concretos, que levem o Mme a entender que há, efectivamente, um perigo em concreto nesse sentido, tendo-se baseado apenas, numa mera prognose: "… o que poderá de novo voltar a fazer em circunstâncias que lhe sejam favoráveis …" (despacho de fls.185 a 190, no seu ponto a)).
9. Igualmente se entende que, salvo o devido respeito, não há perigo, em razão das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de que este perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade pública nem de que continue a actividade criminosa.
10. O estado de espírito do arguido era de, tal como referiu nos dois interrogatórios que prestou, intranquilidade, medo e insegurança.
11. Aliás, até no próprio relatório social é referido:"A presente situação … é referida como um eventual acto de desespero de J…, face às sucessivas ameaças de que este vinha sofrendo por parte da vítima".
12. Além disso, o arguido, tal como se encontra documentado nos autos, nomeadamente no seu relatório social, é pessoa inserida socialmente: "O percurso de vida do arguido parece marcado por um comportamento globalmente ajustado não sendo conhecidos factos que associem o arguido a comportamentos socialmente censuráveis."
13. A vítima é que denotava um comportamento desconforme o direito, segundo o que podemos constatar até no depoimento de S... (que o acompanhava), referindo que, ainda pouco tempo antes dos factos ocorridos no processo supra referido, havia estado no Café …, com a vítima e que esta teria tido uma quezília com o seu proprietário, agredindo-o. Além da situação relatada pelo arguido nos seus depoimentos, ocorrida em Março 2009, em que a vítima desferiu dois tiros de caçadeira na porta do café, onde este se encontrava e na sua viatura.
14. Pelo que se entende, salvo o devido respeito, que não há perigo de que, em razão das circunstâncias do crime - dado que há todo um circunstancialismo anterior, a ele associado de receio, desespero e medo-, nem em razão da personalidade do arguido - pessoa "com comportamento globalmente ajustado", pessoa trabalhadora (trabalhador há mais de 21 anos na mesma empresa: T…) e inserida socialmente -este perturbe gravemente a ordem e tranquilidade pública, nem que persista com a actividade criminosa.
15. Assim, salvo o devido respeito, mal andou o Mme. Juiz quando decidiu manter a medida de prisão preventiva, invocando a existência destes perigos, que se entende, pelos motivos e factos invocados, que efectivamente não existem.
16. Quanto a haver perigo para a aquisição e conservação da prova, na qual é igualmente fundamentada a decisão do Mme. Juiz, também não se vê, salvo o devido respeito, como é que os factos que refere, podem suportar tal entendimento.
17. Senão vejamos,
18. O arguido confessou os factos,
19. , não nos parece de todo viável o argumento do Mme Juiz, quando entende que o arguido, estando em obrigação de permanência de habitação sob vigilância electrónica, se poderá deslocar ao local onde terá deixado a arma e fazê-la desaparecer.
20. Uma vez que estando submetido a essa medida, não é seu intuito ausentar-se da residência.
21. E, mesmo que assim não fosse, continuava sem ter qualquer razão de ser o entendimento do Mme Juiz no seu douto despacho de fls 185 a 190, e salvo melhor opinião, porquanto, o local onde estará a arma dista horas de distância da residência do arguido, pelo que com a vigilância electrónica, seria, de imediato, detectado e apanhado pelas autoridades. Nem sequer conseguindo, porventura chegar ao local;
22. E ainda, salvo o devido respeito, devido à falta de meios humanos e técnicos do arguido para realizar tal tarefa, de encontrar e fazer desaparecer em definitivo a arma, num Rio com a extensão e profundidade do Tejo.
23. Mais não se vê qualquer razão de ser, salvo melhor entendimento, na justificação de que o arguido, em obrigação de permanência de habitação sob vigilância electrónica, possa exercer pressão nas testemunhas. Uma vez que, estando em casa, só terá contacto com aqueles que voluntariamente o queiram ir visitar.
24. Não se vislumbrando, pois, a situação de alguém que supostamente possa estar a ser pressionado, que queira fazer visitas ao autor dessa mesma pressão.
25. Pelo que, salvo o devido entendimento, também aqui não colhe razão ao Mme. Juiz.
26. Assim, entende o ora arguido, salvo o devido respeito, que o dito despacho enferma de vício de falta dos ditos requisitos gerais do artigo 204º do referido diploma legal, para que a aplicação/manutenção da medida de coacção pudesse ter sido legalmente aplicada.
27. Ora, a lei, taxativamente, enumera as situações que podem levar à aplicação da referida medida- prisão preventiva: fuga ou perigo de fuga, que se manifeste em factos concretos, bem como perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação de ordem e da tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa (cfr. Artigo 204º do C.P.P.), bem como, quando estiver fortemente indiciada nos autos a prática, pelo arguido, de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos. (cfr. art 202, n.º 1, alínea a) do CPP).
28. Situações essas, que entende o arguido, não se verificarem neste caso em concreto, por tudo o que acima foi explanado.
29. O Mme Juiz baseia-se em meras prognoses e não em factualidade concreta que permita ser subsumida aos requisitos do 204º do C.P.P., pelo que se encontra o dito preceito violado no despacho de fls. 185 a 190
30. Assim, não se encontrando preenchidos os requisitos do artigo 204º do C.P.P., nenhuma outra medida de coacção diferente da prevista do artigo 196º se pode aplicar ao ora recorrente.
31. Pelo que, o despacho de fls. 185 a 190, ao decidir manter a prisão preventiva, viola os preceitos legais 204º e 202º do C.P.P., pois mantém uma medida que não poderia ter sido aplicada por falta de suporte factual que se possa subsumir a esses mesmos preceitos.
32. No entanto, e ainda que se entendesse que outra medida de coacção diferente da prevista no artigo 196º do C.P.P. deveria ser de aplicar ao recorrente, o que só por mera hipótese académica se coloca, nunca deverá ser, salvo melhor entendimento, a da prisão preventiva. Pois que,
33. A aplicação de toda e qualquer medida coacção rege-se ainda pelos princípios da adequação e da proporcionalidade, devendo a medida aplicada em concreto mostrar-se adequada às exigências cautelares e proporcional relativamente à gravidade do crime indiciado (cfr. art 193, n.º 1 do CPP) e, bem assim, necessária face às referidas exigências (principio da necessidade), acrescendo o da subsidiariedade no caso da prisão preventiva.
34. Assim, ao ser-lhe aplicada a medida mais gravosa do C.P.P, viola assim o Mme Juiz, com o seu despacho de manutenção da prisão preventiva, o preceituado no artigo 193º do C.P.P.
35. Pois que, entende o ora recorrente que, na reapreciação da medida, deveria ter-se tido em conta, não só o percurso processual que tem demonstrado, nomeadamente na sua livre e espontânea entrega às autoridades, bem como na colaboração na descoberta da verdade material, e ainda na sua posição social: trabalhador, respeitado e inserido socialmente. Aplicando-lhe, assim, outra medida menos gravosa do que a que lhe foi considerada manter (prisão preventiva).
DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS: Artigos 193º, n.º 1, 2 e 3, 202º e 204º todos do Código de Processo Penal.
Nos Termos expostos deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo ser revogado o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que devolva de imediato o arguido, ora recorrente, à liberdade.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo dever manter-se o despacho recorrido.
Nesta instância, o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto, em parecer emitido, sustenta o improvimento do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
O recorrente apresentou resposta onde reitera as posições assumidas no recurso
Foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência, cumpre decidir.
***
É do seguinte teor o despacho recorrido, no que releva para a apreciação deste recurso:
Requerimento de fls.149-170:
Notificado do relatório social recebido na sequência do 1º interrogatório judicial do arguido e da posição expressa pelo MP a f1s.125 e verso, veio o arguido sustentar que a permanência do arguido na habitação sujeito a vigilância electrónica foi apenas «deferida para averiguação das condições concretas do arguido, o que não era possível efectuar no dito interrogatório», estando em causa «desde o início da aplicação da medida de coacção» a vigilância electrónica e não se tratando, por isso, de verdadeira revisão da medida de coacção.
Cumpre apreciar.
A questão a apreciar e decidir respeita, assim, a saber se a medida de coacção aplicada ao arguido no decurso do 1° interrogatório foi a de prisão preventiva, sem prejuízo da sua revisão, ou, de outro modo, a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, aguardando o arguido em prisão preventiva até verificados os requisitos daquela vigilância.
A possibilidade do arguido aguardar em situação de prisão preventiva até que possa iniciar-se a execução da medida de obrigação de permanência na habitação (estabelecida no artigo 201°) encontra-se legalmente prevista de modo expresso no artigo 3° nº 4 da Lei nº 122/99 de 20-8 que prevê que até ao inicio da execução da medida (de subordinar o arguido à vigilância electrónica) o juiz pode aplicar ao arguido as medidas cautelares ou de coacção que entretanto se mostrarem necessárias.
Por outro lado, a sujeição do arguido à medida de coacção de prisão preventiva depende da verificação (além dos pressupostos gerais de aplicação de qualquer medida de coacção) dos requisitos especificas elencados no artigo 202°, 203° nº 2 ou 95°-A nº 5 da Lei nº 5/2006 de 23-2, na redacção da Lei nº 17/2009 de 6-5, sem prejuízo da sua substituição por outra medida que se revele suficiente nos termos do artigo 212° nº 1 b) ou nº 3 ou do reexame legal (art. 213° do CPP).
Trata-se, assim, claramente de situações distintas:
- no primeiro caso é imposta ao arguido a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância electrónica, ficando, sem embargo, o arguido a aguardar a execução daquela medida em situação de prisão preventiva;
- no segundo caso, é aplicada ao arguido a medida de prisão preventiva (porque se entende além do mais como a única medida adequada), sem prejuízo da substituição da medida, no caso de atenuação das exigências cautelares, por outra que seja adequada e viável, incluindo a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, e das revisões legais.
Ora, no caso dos autos decorre da acta do 1° interrogatório do arguido que ocorreu a segunda das situações descritas. De facto:
- por um lado, no despacho em causa nunca se convoca o apontado artigo 3° nº 4 da referida Lei 122/99 (referente como se viu à situação de prisão preventiva até à execução da vigilância electrónica), nem o artigo 201° (referente à obrigação de permanência na habitação) mas, de outro modo, os referidos artigos 202° e 95°-A nº 5 (referentes à sujeição do arguido, a título principal, à medida de coacção de prisão preventiva;
- acresce que no aludido despacho a prisão preventiva do arguido é factualmente fundamentada por referência aos requisitos específicos da prisão preventiva sem que nunca se tenha suportado a decisão com os requisitos elencados para a aplicação da medida de permanência na habitação;
- finalmente alude-se apenas à possibilidade de revisão da medida no sentido da aplicação ao arguido da medida de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica.
Entende-se, assim, que decorre do despacho em causa que a medida aplicada ao arguido foi a de prisão preventiva e não a de permanência na habitação com vigilância electrónica, sem prejuízo de, em sede de reexame ou revisão da medida se decidir pela alteração da medida neste último sentido.
Contra não se diga que foi desde logo solicitado o relatório com nota de urgência para efeitos de eventual substituição e que foi colhido o consentimento do arguido nesse sentido. É que, como se referiu, o artigo 212° nº 3 do CPP prevê a possibilidade de, a todo o tempo e mesmo oficiosamente, o tribunal substituir a medida aplicada por outra menos gravosa e tratando-se de medida de prisão preventiva é de todo conveniente que sejam desde logo verificadas as condições técnicas e formais que permitam, sendo caso disso (mas só nesse caso), a substituição da medida.
Diga-se, aliás, que o próprio arguido (não obstante o seu requerimento em análise) parece ter interpretado (e bem) o despacho que lhe aplicou a medida de coacção como sendo de aplicação de prisão preventiva uma vez que interpôs o recurso constante de fls.172 e segs. ali impugnando «o despacho judicial de 11/08/2009 que o sujeitou à medida de coacção de prisão preventiva».
Assim sendo, tendo sido (como foi) aplicada ao arguido a medida de prisão preventiva a sua situação processual, em termos de medida de coacção, tem de ser reapreciada ocorrendo uma de duas circunstâncias:
- recurso da decisão que aplicou a medida;
- decurso dos prazos previstos no artigo 213° ou
- terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação (art. 212° nº 1 a) do CPP) ou
- atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida (art. 212° nº 3)
No caso dos autos, sem prejuízo do recurso interposto, para apreciação por este JIC não está em causa ainda qualquer revisão periódica.
De outro modo impõe-se, por referência ao requerimento do arguido em análise e ao relatório social entretanto recebido, reapreciar a situação de prisão preventiva em que se encontra o arguido tendo em vista uma eventual atenuação das exigências cautelares, em conformidade com o previsto no atrás referido artigo 212° nº 3 do CPP, o que se fará de seguida.
Foram ouvidos o MP e o arguido, pronunciando-se aquele pela manutenção do arguido em prisão preventiva (fls. 125) e este pela substituição da prisão preventiva pela medida de permanência na habitação com vigilância electrónica (fls.171 último parágrafo)
Desde a aplicação da medida um único elemento novo consta dos autos - o relatório social de fls.129 e seguintes e declarações anexas.
Quanto aos factos e crimes indiciados: não resulta dos autos qualquer elemento que afecte os indícios afirmados no despacho de fls.89 e segs. - ponto 2.1 fls. 90 e 91 dos autos - que aqui se dão por reproduzidos, nada adiantando o aludido relatório a este respeito;
Relativamente aos requisitos gerais previsto no artigo 204° do CPP também nada de novo veio o referido relatório trazer. De facto, pelos motivos que a seguir se explicitarão, entende-se que existe perigo de fuga e perigo, em razão das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, que este perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade pública e que persista em actividade criminosa e perigo para a aquisição e conservação da prova:
a) quanto ao perigo de fuga:
- existem fortes indícios do cometimento pelo arguido dos crimes de homicídio qualificado e de detenção de arma proibida, crimes puníveis, respectivamente, com penas –de prisão de 1 a 5 anos (art. 87° nº 1 c) da Lei 5/2006 na redacção em vigor) e de 16 a 25 anos de prisão (arts.131, 132 nºs 1 e 2 e) do CP e 86 nº 3 da referida Lei 5/2006 na redacção da 17/2009 de 6-5), circunstância que faz percepcionar no arguido que, em caso de condenação, ficará privado da sua liberdade por longo período de tempo;
- os factos ocorreram no dia 8-8-2009 às 23h50 e o seu autor ter-se-á colocado em fuga (cfr. depoimento de fis. 20, 23) pois que saiu imediatamente do local deslocando-se em viatura;
- o arguido apenas se apresentou às autoridades no dia 9-8-2009 pelas 18h00, acompanhado por um irmão e apenas depois de ter notícia de ter sido procurado pelas autoridades (cfr. f1s.35);
O arguido saiu do local dos factos (ocorridos em A…) antes de poder ser identificado, permaneceu na casa de um irmão em V… até às 18h00 do dia seguinte e só se apresentou depois de ter sido procurado pelas autoridades na casa da sua mãe (cfr. declarações do arguido em 1° interrogatório), o que indicia que terá equacionado a possibilidade de fugir, denotando, desse modo, que o poderá de novo voltar a fazer em circunstâncias que lhe sejam favoráveis, sobretudo quando já ciente das molduras penais que lhe podem ser aplicáveis e que tem condições para se deslocar e permanecer em locais distintos da sua residência.
b) perigo de, em razão das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, que este perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade pública e que persista em actividade criminosa:
- o arguido praticou os factos sem que seja possível identificar uma causa próxima - por exemplo, uma qualquer atitude da vítima para consigo que precedesse imediatamente os eventos apenas num quadro de algum nervosismo da sua parte e de um conflito anterior com a vítima (cfr. declarações em 1° interrogatório. Neste contexto disparou 4 projecteis, sendo 3 na direcção da vítima a uma distância de 30cm (cfr. declarações do arguido e da depoimento de f1s.19 a 21. Estas circunstâncias denotam um total desprezo pela vida e integridade física de outrem, bastando um estado de nervosismo do arguido e/ou algum conflito anterior com terceiros para despoletar reacções de grande violência por parte do arguido insensível às consequências dos seus actos. Ora situações de nervosismo e de conflito podem ocorrer com facilidade, bastando, por exemplo, que alguém conhecedor dos eventos se dirija ao arguido em tom de censura ou até de provocação, provocando grave perturbação da ordem e tranquilidade pública e levando o arguido a praticar novo crime violento contra terceiros.
c) finalmente perigo para a aquisição e conservação da prova:
É certo que o arguido admitiu os factos em 1° interrogatório, mas poderá remeter-se legitimamente ao silêncio, para além de que urna sua eventual confissão poderá não ser, por si só, meio suficiente de prova - art.344° nº 3 c) e nº 4 do CPP.
Não foi encontrada a arma do crime (que o arguido disse ter atirado ao rio Tejo, com o que demonstra uma intenção de ocultar a autoria do crime).
Ora, em liberdade sempre poderá o arguido dificultar a localização da arma em causa, fazendo-a desaparecer em definitivo, assim como poderá exercer pressão sobre as testemunhas, visto que a propósito da arma, como se disse, teve já actos reveladores de intenção de dificultar a prova da autoria dos factos.
Resta pois analisar se os (únicos) dados novos conhecidos - o relatório social e declarações anexas - colocam em causa a indispensabilidade da prisão preventiva, ou se, de outro modo, se devem considerar atenuadas as exigências cautelares de modo a justificar a substituição da prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.
Dos apontados perigos que consubstanciam as exigências cautelares em presença nos autos, concede-se que, em face do relatório, fica atenuado o perigo para a aquisição ou conservação da prova. Efectivamente, do relatório em causa resulta, desde logo, que existem condições técnicas e formais para a vigilância electrónica, pelo que uma saída do arguido (sem inutilização da pulseira electrónica) para além dos limites da sua habitação seria notada e seguida.
Pelo contrário, quanto aos demais perigos afirmados nada se retira de relevo do relatório:
- a boa inserção familiar e laboral do arguido nada releva quanto aos apontados traços da sua personalidade e perigos dali decorrentes, sendo certo que os actos de violência contra terceiros acima referidos, sempre poderão ocorrer em zona próxima da sua habitação ou até na mesma (note-se que é afirmado no relatório tratar-se de habitação com propriedade rural anexa) o que a vigilância electrónica não consegue debelar pois com ela sabe-se onde o arguido está mas não se sabe o que arguido está a fazer ...
- a vigilância electrónica não impede a fuga do arguido, caso este formule este propósito, bastando que o arguido inutilize o dispositivo de fiscalização.
Conclui-se, deste modo, que não estão preenchidos os pressupostos previstos no aludido artigo 212 nº 3 do CPP.
Face a todo o exposto, indefere-se a requerida substituição da medida de coacção aplicada ao arguido J... que, assim, permanecerá em situação de prisão preventiva, sem prejuízo das revisões e reexames legalmente previstos.
Notifique e comunique à DRGS.
***
Conhecendo:
A questão suscitada no recurso respeita à errada apreciação dos elementos dos autos e que levaram à manutenção da medida de coacção –prisão preventiva- do arguido/recorrente J..., em detrimento da aplicação da medida de permanência na habitação sob vigilância electrónica. No entanto a final pede a revogação do despacho e substituição por outro que o devolva de imediato à liberdade.
Não questionando os factos imputados, que os confessa, conclusão 18, alega que não há perigo de fuga (que se entregou voluntariamente), que não há perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade publica, nem de que haja perigo de continuação da actividade criminosa, nem perigo para a aquisição e conservação da prova.
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As medidas de coacção e de garantia patrimonial “são meios processuais de limitação da liberdade pessoal ou patrimonial dos arguidos e outros eventuais responsáveis por prestações patrimoniais, que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias" (Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal III).
Estabelece a nossa lei o princípio da legalidade das medidas de coacção e de garantia patrimonial querendo isto dizer que estas medidas são apenas aquelas que na lei estão enumeradas taxativamente.
A aplicação destas medidas obedece a certos princípios tais como os da necessidade, proporcionalidade e adequação. Ou seja "as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas" (art 193 n° 1 do CPP).
Para a aplicação de uma das medidas de coacção, com excepção do termo de identidade e residência deve verificar-se a existência de pelo menos um dos requisitos estabelecidos no art. 204 do Código Processo Penal e, também, um dos requisitos de que depende a aplicação de cada uma das referidas medidas.
A prisão preventiva tem natureza excepcional, uma vez que não pode ser decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei – art. 28 nº 2 da Constituição, ou seja, só deve ser aplicada quando as restantes medidas de coacção forem consideradas inadequadas ou insuficientes.
Neste seguimento, dispõe o nº 2 do art. 193 que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção. Portanto, para se aplicar uma medida de coacção há que ponderar a gravidade do crime praticado, a personalidade do delinquente e a necessidade daquela medida de coacção ao caso concreto, tendo em vista o fim pretendido.
Resulta, também, do art. 202 do Código Processo Penal, que a prisão preventiva, sendo a medida de coacção mais gravosa para o arguido, em princípio a mesma só deverá ser aplicada excepcionalmente, ou seja, apenas quando se considerarem inadequadas ou insuficientes as restantes medidas de coacção previstas no Código Processo Penal.
É pois perante a verificação dos pressupostos enunciados nos arts. 202 e 204 do CPP, que a medida de coacção prisão preventiva, pode ser aplicada ou mantida.
A prisão preventiva nunca pode ser vista como instrumento de investigação e nunca se deve prender para investigar. Deve-se investigar, e é face aos indícios que se verifica se se deve prender (deter), caso se verifiquem os requisitos respectivos (se outra medida se revelar inadequada ou insuficiente).
Assim, há que analisar se se verifica algum dos pressupostos, há que fundamentar a decisão (verificação dos requisitos de aplicação da prisão preventiva), como preceitua o art. 97 nº 5 do CPP.
No caso vertente foi ao arguido aplicada a medida cautelar –prisão preventiva- em 11-08-09, tendo o mesmo interposto recurso, ainda não decidido, conforme refere na conclusão 2ª.
O recurso em análise respeita ao despacho que reapreciou a situação em resultado da apresentação do Relatório Social e que manteve a medida de coacção.
Elemento novo, e como o recorrente refere é a existência do Relatório Social.
Do Relatório Social apenas consta, como relevante, que “existem condições favoráveis para a execução de vigilância electrónica”. E é essencialmente sobre esse aspecto que tal Relatório se debruça, bastando ver a capa do mesmo onde se lê: ”INFORMAÇÃO PRÉVIA Obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica”.
Isto porque a vigilância electrónica é executada pelo Instituto de Reinserção Social, através de meios técnicos que permitam, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, detectar à distância a sua presença ou ausência em determinado local, durante períodos de tempo fixados pelo juiz –art. 4, nº 1 e 5, nº 1 , da L. 122/99, sendo necessário (para alem do consentimento) que antecipadamente informação dos serviços encarregados da execução da medida sobre a situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido, conforme art. 3, nº 5, da mesma Lei.
È esta a situação dos autos, sendo certo que o Relatório Social dá informação positiva.
Mas, daí não resulta que preenchidos os requisitos formais, tenha de se decidir pela aplicação desta medida. Apenas significa (inexistindo qualquer vinculação) que se se verificarem os pressupostos substanciais há a possibilidade prática da medida ser executada, e nada mais que isso.
A prisão preventiva foi medida de coacção aplicada ao arguido, e não mera situação provisória para verificação da possibilidade prática de aplicar a medida de controlo electrónico em permanência na habitação.
Isso sabe o arguido, e o confirma no recurso e conclusão 2ª “foi proferido despacho de aplicação da medida de coacção prisão preventiva”.
Os argumentos expendidos pelo recorrente respeitam ao fundamento do despacho de 18-08-09 que decretou a prisão preventiva e já recorrido.
É manifesto que o recorrente não alega factos novos. Inexistiam elementos novos que implicassem a reapreciação da situação do arguido.
O facto de o IRS dizer que se verifica o condicionalismo previsto na lei 122/99, não é fundamento de aplicação desta medida, sendo que pode ser inibidor, se negativo. Há que ponderar todos os outros factores impostos pela lei.
As medidas de coacção não são imutáveis.
E no caso da prisão preventiva, é a própria lei que, para além de acentuar a natureza excepcional e residual da prisão preventiva (arts. 193°, n° 2, e 202º, n° 1), consignou um regime exaustivo sobre a posterior execução desta medida de coacção, obrigando ao reexame dos respectivos pressupostos, de três em três meses (art. 213°) e reafirmando a ideia da sua necessidade pela inadequação ou insuficiência de outras medidas de coacção menos gravosas, revelando-se como uma medida residual.
Mas uma coisa é certa - entre uma e outra decisão (por decurso dos 3 meses ou por requerimento), é necessário que algo tenha mudado, para que possa haver alteração da medida.
Na verdade não faria qualquer sentido e ninguém entenderia que, sem a alteração das circunstâncias o juiz alterasse o despacho anterior, pois com a sua prolação, esgotado fica o seu poder jurisdicional relativamente a essa questão nos precisos termos em que a mesma foi colocada.
E, para reapreciação dessa mesma questão e factos, interpôs o arguido recurso, oportunamente.
Como refere o AC. TC 258/2001, DR IIS de 02.11.2001, a fundamentação (da decisão) tem, pela natureza das coisas, de estar reportada e conexionada com a própria matéria que constitui objecto de decisão, ou seja, a fundamentação tem de aparecer estruturada em função daquilo que se decide ou da matéria questionada/decidida.
Ora, tratando-se, como é o caso, de despacho que procede ao reexame dos pressupostos de anterior decisão, o dever de fundamentação reporta-se, naturalmente, às circunstâncias que possam levar à alteração dos pressupostos dessa anterior decisão que constituem o objecto de reexame. Pois que só essa alteração constitui objecto do despacho de reexame.
Devendo assim a decisão manter-se, salva a alteração dos pressupostos em que assentou.
Em conformidade com os princípios atinentes ao caso julgado, assente na identidade de pressupostos das decisões.
Mas sempre se dirá:
São fortes os indícios, assentes na confissão, de o arguido ter cometido crime de homicídio qualificadoa par de detenção e posse de arma.
Relativamente aos requisitos de aplicação da medida de coação prisão preventiva:
Os requisitos, ou condições de aplicação de medidas de coacção, nomeadamente prisão preventiva, elencados no art. 204, são alternativos (cfr. anotação do Cons. Maia Gonçalves ao art. 204).
Verificando-se um desses requisitos, fica legitimada a aplicação da medida.
Desde logo há o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Ninguém compreenderia que andasse “à solta” (não estar detido), o “autor confesso”, alguém que cometeu crime de homicídio qualificado, por motivo torpe ou fútil e com utilização de arma de fogo.
Mas também há perigo concreto de continuação da actividade criminosa.
Quem comete o crime de homicídio nas circunstâncias indiciadas, descarregando todas as balas da câmara no crânio do arguido (a uma distância de 30 cm), e sem motivo, pode fazê-lo novamente em qualquer altura.
Como refere o despacho recorrido e de forma correcta, “estas circunstâncias denotam um total desprezo pela vida e integridade física de outrem, bastando um estado de nervosismo do arguido e/ou algum conflito anterior com terceiros para despoletar reacções de grande violência por parte do arguido insensível às consequências dos seus actos”.
Como se refere no Ac. desta Relação proferido no Proc.16/08.9GBAVR-B.C1, “O perigo de continuação da actividade criminosa, não se confunde, necessariamente, com a consumação de novos actos criminosos. Devendo antes ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada”.
Mas, também está indiciado o receio de fuga, tanto assim que o arguido, numa primeira fase a tentou ao ausentar-se para longe do local do crime, possibilidade assente agora, como se diz no despacho recorrido “sobretudo quando já ciente das molduras penais que lhe podem ser aplicáveis e que tem condições para se deslocar e permanecer em locais distintos da sua residência”.
Por outro lado a prisão preventiva não é desproporcionada, face à gravidade dos crimes, bem expresso na moldura penal que lhe corresponde e a pena que previsivelmente lhe virá a ser aplicada.
Deste modo, atento o disposto nos arts. 202 n° 1 a), 204° b) e c) e 193° CPP, o Exma juiz não podia deixar de aplicar a prisão preventiva ao recorrente.
Daí que o despacho recorrido não nos mereça qualquer censura.
É pois de concluir que a prisão preventiva aplicada se deverá manter.
E, não existindo alterações fundamentais da situação existente, o tribunal não pode reformar a decisão sobre prisão preventiva, designadamente, substituí-la por outra medida de coacção menos gravosa.
É que a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram.
E, os pressupostos que ditaram a detenção inicial mantêm-se na íntegra.
E, nenhum elemento relevante, de facto, foi trazido aos autos e que fosse justificativo da alteração da medida de coacção aplicada.
O despacho recorrido encontra-se devida e bem fundamentado, nenhuma censura merecendo.
Não foi violada nenhuma norma legal, nem foram postos em crise os princípios que sempre devem ser tidos em conta no processo penal e na aplicação das medidas de coacção, nomeadamente a de prisão preventiva.
Daí que o recurso deve ser julgado improcedente.
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Decisão:
Pelo que exposto ficou, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido J..., confirmando-se o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) Ucs.
Coimbra,
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