Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/05.0 PATMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: PRESUNÇÃO NATURAL
CRIME DE RESISTÊNCIA E DESOBEDIÊNCIA
PENA SUSPENSA
REGIME MAIS FAVORÁVEL
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 50º, 5, 347º CP, 371º-A CPP
Sumário: 1. Quando o juiz se socorre do juízo de presunção natural não viola o princípio de presunção de inocência, pelo contrário socorre-se da experiência comum e da inevitabilidade das evidências para atingir um facto desconhecido
2. Pretende-se com a incriminação prevista no artº 347º (Resistência e desobediência á autoridade pública) do CP proteger as autoridades públicas ou equiparadas, quando no exercício de funções ou por causa delas, contra os actos ofensivos da sua integridade física ou quietude ou respeito e consideração que lhes são devidos.
3. Nem sempre a aparência do melhor regime resulta da comparação abstracta dos preceitos pelo que uma readaptação da suspensão da pena em conformidade com o disposto no art. 50º nº5 do Código Penal , dada a vinculação do recurso às conclusões e o disposto no art. 371º-A deverá ser apreciada em 1ª instância e se os condenados requererem a abertura da audiência.
Decisão Texto Integral: Recurso nº 11/05.0 PATMR.C1

3º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar

Acordam, em conferência, os juízes que compõem este tribunal.

No processo comum colectivo, após audiência de discussão e julgamento, os arguidos RS, ML, MJ, GB, CA, BB, MR e AJ, foram condenados nas seguintes penas:

1.- A arguida MJ, pela prática de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p. pelo artº 347º, do C. Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa pelo período de dois anos;

2.- A arguida ML pela prática de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p.p. pelo artº 347º, do C. Penal na pena de dois anos de prisão, suspensa pelo período de dois anos.

3.- O arguido CA, pela prática de um (1) crime de resistência e coacção a funcionário, p.p. pelo artº 347º, do C. Penal na pena de dezoito meses de prisão, suspensa pelo período de dois anos.

4.- O arguido BB, pela prática de um (1) crime de resistência e coacção a funcionário, p.p. pelo artº 347º, do C. Penal na pena de dezoito meses de prisão, suspensa pelo período de dois anos.

5.- O arguido AJ pela prática de um (1) crime de resistência e coacção a funcionário, p.p. pelo artº 347º, do C. Penal na pena de dois anos de prisão, suspensa pelo período de três anos.

Na motivação formulam, em conjunto, as seguintes conclusões:

1.-  Deram os Mmº Juízes a quo como provados os factos indicados nos pontos 1 a 67 da alínea a) dos Fundamentos de Facto, sucede que, tais factos não resultaram, em nosso entender e s.m.o., provados em audiência de julgamento;

2) No ponto 1, afirma o douto Acórdão recorrido que GB e MJ entraram no recinto pelas 6 horas, porém tal "versão" não foi confirmada por nenhum meio de prova produzido em julgamento, ora, no que tange ao Arguido GB o que resultou provado na audiência foi que este chegou ao mercado depois dos ânimos se terem acalmado, e quando já se haviam retirados os Senhores Agentes da PSP;

3) Foi essa a declaração prestada pelo Arguido;

5) A testemunha LM afirmou em audiência ter visto a esposa do Sr. GB, mas não este Arguido;

4) A testemunha RB cujo depoimento mereceu, no entendimento dos Mmº Juízes a quo a maior credibilidade, afirmou peremptoriamente que o GB apareceu no "rescaldo" (usando as suas palavras);

6) A verdade é que as testemunhas não afirmaram ter visto o Arguido GB a não ser depois da PSP se retirar do local;

7) Logo, dos depoimentos das testemunhas indicadas e das declarações dos Co- Arguidos resulta provado que o Arguido GB chegou ao mercado ao final da manhã, depois das 11 h30, o que impõe decisão diversa da tomada ao considerar provada a entrada deste no recinto do mercado pelas 6 horas;

8) De onde se conclui dever ser dada resposta negativa a tal facto, sendo o mesmo dado como não provado;

9) No ponto 2.0 dos factos provados, foi dado como provado que estavam expostos para venda na banca dos Arguidos GB e MJ roupas e malas, sucede que a prova produzida em julgamento não permite chegar a tal douta decisão;

10.- Pois, a Arguida MJ confirmou que tinha diversas malas para venda, mas quanto à roupa não existe prova de qualquer espécie que permita assim concluir, logo, por inexistência de prova produzida à luz do princípio da imediação, deveria, s.m.o. e com o respeito devido, tal afirmação reduzir-se à exposição de malas, porque só quanto a essas existem provas nos autos;

11.- No ponto 7 dos factos provados, os Mmos. Juízes a quo entenderam provado que CS e RB se haviam deslocado para junto da banca instalada no terrado n. 4. Porém, tal facto não resultou das declarações prestadas por aquelas testemunhas na audiência;

12.- A testemunha CS afirmou que os Arguidos GB e MJ estavam a ocupar a banca instalada no terrado n. 4, sendo que o terrado nº 3 pertence ao Arguido R…;

13.- A testemunha RB afirmou que pretendeu apreender a mercadoria da exposta na banca instalada no terrado n. 3, o que contraria o facto constante do ponto 15 dos factos provados;

14.- Da prova testemunhal produzida em audiência se constata existir uma clara confusão, entre o Senhor responsável pela organização do mercado - a testemunha CS - e os senhores Agentes da PSP, sendo que aquele identificou em julgamento a banca dos Arguidos GB e MJ como sendo a do terrado n. 4, e estes como sendo a instalado no terrado n. 3;

15.- Os senhores Agentes da PSP que acorreram ao local a chamado da testemunha CS propuseram-se apreender o material exposto no terrado n.3;

16.- Tal apreensão seria ilegal, daí que fosse lícito aos Arguidos reagir contra tal apreensão;

17.- Só incorre na prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, quem emprega violência ou ameaça grave contra as pessoas indicadas no artigo 347º do CP, para se opor a que seja praticado acto no exercício das suas funções, quando tal acto é lícito;

18.- A apreensão anunciada foi sobre a mercadoria exposta na banca n. 3. Sem motivo para tal apreensão não é ilícita a resistência;

19.- A dúvida quanto ao terrado em concreto, não permite, em nosso entender, qualificar como crime a conduta dos Arguidos;

20.- Quanto ao facto dado como provado no ponto 27, tal facto foi infirmado pelo próprio CS. Sendo que, obviamente que a ter acontecido, a testemunha em causa - seguramente e atendendo às regras da experiências - recordar-se-ia, pois é uma espécie de ameaça que não cai, facilmente, no esquecimento;

21 .- Ouvidas as testemunhas presenciais dos factos a que se referem os presentes autos, ficou por esclarecer qual o comportamento concreto de cada um dos Arguidos, pois no que toca às Arguidas as testemunhas não conseguiram identificar quem teria feito o quê, o que colide com a factualidade constante dos pontos 26º, 28º, 34º, 37º e 38º dos factos provados;

22.- Esclarecimento essencial para definir a culpa e o grau de participação, o que vai inviabilizar a recta determinação da medida da pena;

23.- 0 tipo do ilícito constante do artigo 347º do Código Penal,  exige, objectivamente a prática de actos que se revistam de violência ou que consubstanciem a prática de ameaça grave;

24.- Quanto à violência, temos de em primeiro lugar determinar o que é para o legislador penal "violência". Ora, não resultou provado em audiência de julgamento qual ou quais os factos que cada um dos Arguidos terá praticado, para que se possa qualificar a sua conduta como violenta. Pois, o uso de vernáculo e a gesticulação são usos próprios dos mercados e dos feirantes, e especialmente dentro da etnia cigana a que pertencem todos os Arguidos. E, tais factos não constituem, per si, a prática de qualquer crime;

25.- No que tange à ameaça, facilita-nos o raciocínio o recurso ao artigo 153º do CP. Ora, da prova produzida em julgamento não resultou provado a prática por qualquer dos Arguidos do crime de ameaça, aliás os Arguidos MJ, ML e RS foram absolvidos dos crimes de ameaça que lhe eram imputados;

26.-  Não havendo prova que permita concluir que os Arguidos agiram com dolo, com intenção de praticar o crime que lhes é imputado, não sendo descritas as circunstâncias que - em concreto - justificam a aplicação aos arguidos de uma pena;

27.- 0 douto Acórdão ora recorrido funda a sua decisão numa figura que não pode ser aceite em processo penal, ora refere o douto Acórdão " a factualidade subjectiva vertida nos factos derivou da presunção natural", ora, em Processo Penal a única presunção que a Lei admite é a de inocência. Exactamente aquela que foi excluída na douta decisão ora recorrida;

28.- Não se encontra preenchido o tipo de crime de que eram acusados, devendo, por isso ser a douta sentença proferida revogada e substituída por outra que, atenta a situação dos arguidos, os absolva.

29.- As provas produzidas nos autos impõem decisão diversa da constante do douto Acórdão ora recorrido;

30.- Ocorrendo erro notório na apreciação da prova, cfr. artigo 410º do Código Penal;

O recurso foi admitido.

Na resposta diz o Ministério Público:

1. Não há erro notório na apreciação da prova, antes toda a apreciação está alicerçada e é explicada a partir das declarações dos arguidos e da prova testemunhal produzida em Julgamento.

2. O Acórdão contém, devidamente explicados e suportados na prova dos autos, todos os factos necessários à condenação ( elementos objectivo e subjectivo ), do tipo de crime pelos quais os arguidos foram condenados.

3. O que conta é a apreciação da prova no seu conjunto, não valendo extractos por si só, pelo que não houve violação do artigo 410°, n° 1 e 2, al. a) e c) CPP.

4. Não assiste pois, razão à tese do recurso, uma vez que, vista a factualidade provada, outra não poderia ser a conclusão a retirar pelo Tribunal a quo, no caso, de condenação dos arguidos, que deve ser mantida.

Nesta instância a Exmª Procuradora -Geral Adjunta emite parecer de rejeição do recurso sobre matéria de facto e de não provimento da parte restante, excepto no que respeita ao período de suspensão de execução das penas dos arguidos RS  e BB .

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

O recurso suscita duas questões:

1.- Erro notório;

2.- Enquadramento jurídico criminal dos factos.

Factos provados

1-No dia 1 de Abril de 2005, pelas 6.00, os arguidos GB e MJ  entraram no recinto do Mercado Municipal de Tomar instalaram uma banca no terrado nº 4.

2-Ali expuseram, para venda ao público, roupas e malas.

           

3-O arguido GB estava proibido de proceder à venda no interior do Mercado Municipal de Tomar, de qualquer tipo de mercadoria, na sequência de deliberação nesse sentido, dos Serviços Municipais do Mercado da Autarquia de Tomar, proibição a vigorar por um ano, com início no dia 2 de Março de 2005.

4-O arguido GB tomou conhecimento daquela decisão antes do dia 1 de Abril de 2005.

5-Naquele dia, pelas 10.00, JM, vigilante daquele recinto, informou o assessor do Vereador do Pelouro dos Mercados e Feiras da Câmara Municipal de Tomar, CM, da presença naquele local, do identificado arguido.

6-Nessa sequência, CS contactou o Chefe da P.S.P., RP, que se encontrava naquele recinto, solicitando-lhe que diligenciasse pela saída do arguido GB do Mercado.

           

7-Ambos dirigiram-se para junto da referida banca, instalada no terrado nº 4.

           

8-Previamente, o Chefe da P.S.P. RP, solicitou a comparência, naquele local, dos seus colegas PS, BF, JM, PA, AC e CM.

9-Todos os identificados agentes da P.S.P. estavam no recinto do Mercado Municipal de Tomar, no desempenho das suas funções.

           

10-Ao chegarem junto das bancas instaladas nos terrados nºs 3 e 4, o chefe da P.S.P. RP identificou-se.

11-Questionou os arguidos RS  e ML BB sobre a identidade do proprietário da banca do terrado nº 4.

12-O primeiro informou-o que aquela banca era do seu cunhado GB.

13-Adiantou que não sabia onde aquele se encontrava.

14-Disse: "Se não querem problemas deixem-nos trabalhar em paz".

15-Na sequência do que, RP lhe comunicou que ía apreender todo o material que se encontrava no terrado nº 4, pois que GB estava proibido de ali vender qualquer mercadoria.

16-Perante o que, a arguida ML BB, dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. e a CS disse: "Não apreendam nada”

17-Adiantou, dirigindo-se directamente a CS: "Esse C…. é que é o culpado disto tudo.

18-Por seu turno, a arguida MJ, dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. e a CS disse: "Daqui ninguém tira nada, não roubam nada que isso é nosso".

19-Sempre gesticulando.

20-Alertando todos os demais vendedores de etnia cigana para a situação.

21- Entretanto, o arguido RS dizia para se iram embora.

           

22-Tudo enquanto os agentes da P.S.P. tentavam apreender todos os artigos que se encontravam no terrado n 4.

23-Começaram então – os arguidos RS, ML BB e MJ a retirar a roupa da banca instalada no terrado nº 4.

24-Mercadoria que colocaram na banca do lado, pertença dos arguidos ML e RS .

25-Mercadoria que os agentes da P.S.P. se propunham apreender.

26-A determinada altura, e para obstar a tal, a arguidas, ML BB e MJ, arrancaram tábuas das bancadas.

27- Dirigiram-nas a CS dizendo: "És um homem morto".

           

 28- A determinada altura, a arguida MJ empunhou um cinto, agitando-o no ar.

29-Entretanto ocorreram ao local, entre outros, os arguidos CA e BB.

           

30-Dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. que ali se encontravam disseram: "Vamos a eles os polícias também caiem “

           

31-Perante o que foram solicitados reforços à Esquadra da P.S.P.

           

32-Tudo enquanto os arguidos MJ, ML e RS continuavam a retirar da banca instalada no terrado nº 4, as roupas e demais mercadoria que os agentes da P.S.P. pretendiam apreender.

33-Os quais, contudo, não lograram controlar a situação.

           

34-Entretanto, a arguida MJ pegou numa tábua da bancada, empunhou-a e propôs-se atingir com a mesma o corpo do Chefe B…..

35-O qual, como os demais agentes, persistia no propósito de apreender a mercadoria exposta no terrado nº 4.

36-Nessa sequência, o Chefe B…. disse à arguida MJ que estava detida.

37-Encostou-a à rede da vedação do mercado, situada junto do rio Nabão.

38-Tentou tirar-lhe a tábua que a identificada arguida empunhava.

           

39-Altura em que o arguido AJ o empurrou.

           

40-Obstando, assim, à concretização da detenção da arguida MJ.

           

41-Surgiu, então, o arguido GB.

           

42-O qual, dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. disse: " vai haver mortos, se não querem nenhuma criança morta, vão-se embora”.

43-Como consequência de todo o descrito comportamento dos arguidos, a mercadoria exposta na banca instalada no terrado nº 4 não foi apreendida.

44-Mercadoria que, aliás, os arguidos MJ, ML e RS transferiram para a bancada daqueles últimos.

45-De igual modo e pelos mesmos motivos, a arguida MJ não foi detida.

46-Todos os agentes da P.S.P. que se encontravam no local estavam no exercício das suas funções.

47-Devidamente identificados.

           

48-O que todos os arguidos bem sabiam.

           

49-Arguidos que agiram livre, deliberada e conscientemente.

           

50-Todos os arguidos agiram com o propósito de obstar à apreensão da mercadoria que o arguido GB expunha, para venda, na banca que instalou no terrado nº 4, o que conseguiram.

51-Bem como com o objectivo de obstar, como obstaram, à detenção da arguida MJ.

52-Os arguidos actuaram cientes de que as suas condutas lhes eram vedadas por lei:

53-Do C.R.C. do arguido CA consta que:

Por decisão datada de 27.01.1981 e por factos praticados em 11.05.1981, foi condenado, nos autos de processo de Querela, n.º 203/81 da 1ª secção, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, como autor material de um crime de uso e porte de arma e um crime de ameaças, na pena única de dois anos e vinte dias de prisão e 20.000$00 de multa.

54-Por decisão datada de 13.05.1985, foi condenado, nos autos de processo de Querela n.º 4/85, do 1º Juízo, 2ª secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, como autor material de um crime de receptação, na pena de quatro meses de prisão substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 200$00.

55-Por decisão datada de 15.01.1990, foi condenado, nos autos de processo de Correccional 130/85, do 2º Juízo, 1ª secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, como autor material de um crime de falsas declarações na pena de três meses de prisão substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de 200$00.

56-Por decisão datada de 11.06.1991, foi condenado, nos autos de processo de Comum Colectivo n.º70/91, do 1º Juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, como autor material de um crime homicídio, na pena dois anos e meio de prisão.

57-Por decisão datada de 28.12.1996, proferida pelo Tribunal de execução de pensa de Coimbra foi-lhe concedida a liberdade definitiva, reportada a 31.10.1996, considerando-lhe extinta a pena.

58-Por decisão datada de 28.10.1999 e por factos ocorridos em 14.09.1997, foi condenado, nos autos de processo comum singular, n.º 334/97.0GARMR, do 1º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Rio Maior, como autor material de um crime de infracção fiscal, na pena de oitenta mil escudos de multa.

59-Por decisão datada de 24.01.2001 e por fatos praticados em 06.07.1998, foi condenado, nos autos de processo comum singular, n.º 108/00, do Tribunal Judicial da Comarca de Ferreira do Zêzere, como autor material de um crime de contrafacção, na pena de sessenta dias de multa á taxa diária de novecentos escudos.

60-Por decisão datada de 09.01.2003 e por factos praticados a 02.06.2001, foi condenado, nos autos de processo comum singular, n.º 115/01.8GAANS do Tribunal Judicial da Comarca de Ansião, como autor material de um crime de ofensas corporais, na pena de 300€ de multa.

61-Do C.R.C. do arguido AJ consta que:

Por decisão datada de 20.12.1985, foi condenado, nos autos de processo de Querela, n.º368/84, do 1º Juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, como autor material de um crime de participação em motim armado e desobediência, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.

62-Por decisão datada de 07.11.1986, foi condenado, nos autos de processo de Querela, n.º171/86, do 1º Juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, como autor material de um crime homicídio, na pena de doze anos prisão.

63-Por decisão datada de 10.12.1987, foi condenado, nos autos de processo de Querela, n.º 96/87 do 1º Juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, como autor material de um crime homicídio e de um crime de falsas declarações, na pena única de catorze anos e seis meses.

64-Por decisão datada de 13.02.1998, proferida pelo Tribunal de execução de pensa de Coimbra foi-lhe concedida a liberdade definitiva, reportada a 28.01.1998, considerando-lhe extinta a pena.

65-Por decisão datada de 29.04.2004 e por factos praticados a 02.04.2003, foi condenado, nos autos de processo comum singular, n.º228/03 1PBTMR, do 3º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, na pena de vinte e oito meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de 3 anos.

66-Os restantes arguidos não têm registrados antecedentes criminais.

67-Todos os arguidos trabalham como vendedores ambulantes e encontram-se socialmente integrados.

b) factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa designadamente que:

A arguida ML BB, dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. e a CS disse: " vai haver aqui mortos, nós é que mandamos aqui, não apreendem nada nem que tenha que matar alguém".

Adiantou, dirigindo-se directamente a CS: “Nós matamos-te".

Ambas referiram que tinham armas.

Adiantaram que ía haver mortos.

RS Salinas disse, por várias vezes, dirigindo-se aos agentes da P.S.P. e a CS: "Se houver apreensão de material vai haver mortos".

Directamente para aquele último disse: "És um homem morto, vais levar nos cornos":

Os arguidos GB, ML BB e MJ, empurraram o Chefe B…. e CS.

 O arguido GB tenha arrancado tábuas das bancadas.

 O arguido RS tenha proferido qualquer expressão de ameaça contra CS.

           

A arguida MJ atingiu CS na cabeça e num braço com o cinto que empunhou.

 

Os arguidos CA e BB dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. que ali se encontravam disseram: “o que pensam que são, nós é que mandamos aqui... vão embora... levantamo-nos contra eles... não valem nada.".

           

A arguida MJ disse: ao agente PF "Dou-te já com um ferro, vão-se embora que aqui não fazem nada".

Simultaneamente pegou num ferro, propondo-se a atingir PF.

No que foi impedida pelos demais agentes da P.S.P. que se encontravam no local.

           

O arguido GB, dirigindo-se a todos os agentes da P.S.P. disse: " Digam ao Presidente da Câmara para fechar o mercado, senão vai haver mortos... vão-se embora, eu mato um... fechem o mercado... ainda morre aqui alguém."

Todos os agentes da PSP estavam uniformizados.

c) indicação das provas e sua análise crítica:

Os factos provados fundaram-se nos seguintes meios de prova:

Na apreciação global da prova produzida no seu conjunto, em especial:

Prova documental:

. C.R.C. de fls. 221 a 243.

. certidão de fls. 272 a 295 (factos 3 e 4 os quais também foram aceites e confirmados pelo arguido GB)

 Prova testemunhal:

RP (subscritor do auto de notícias de fols 3) que relatou de forma precisa o ocorrido, coincidindo com a descrição feita na acusação. (excepto no que concerne ás alegadas ameaças dirigidas a CS ) esclarecendo a confusão gerada, o receio que os agentes tiveram na concretização da apreensão das mercadorias e da detenção da arguida,  já que se gerou uma onda de “solidariedade” entre todos os elementos de etnia cigana que se encontravam no mercado, tentando impedir tal concretização, tendo sido pedidos reforços (ficando apenas um agente nas instalações das PSP) tendo a testemunha – nas suas funções de chefia - optado por não concretizar tais apreensões por receio já que a situação estava quase incontrolável podendo pôr em causa a segurança de populares que se encontravam no mercado bem como a dos próprios agentes.

As restantes testemunhas, nomeadamente CS, BS Foram corroborando e complementando tal depoimento, sendo manifesto, até pela forma como foram depondo a dificuldade em imputar factos concretos a determinados arguidos, face à confusão gerada pelos vendedores e a necessidade de tentar controlar a situação por parte dos agentes da P.S.P.

 Agentes estes, como referido sobejamente, conhecidos dos arguidos,  pois,  a sua maioria,  nas sextas –feiras, estão destacados para o Mercado municipal de Tomar e,  os arguidos conhecem-nos há vários anos.

Na verdade, resultou da imediação da prova que esta terá sido uma das situações mais difíceis de controlar e que mais riscos trouxe para os utentes do mercado e para os próprios agentes ocorrida nos últimos anos no Mercado de Tomar.

A factualidade subjectiva vertida nos factos derivou de presunção natural, dado que os factos objectivos provados permitem, atentas as regras da experiência comum, inferir tal factualidade.

As condições pessoais dos arguidos derivaram das suas declarações.

Quanto aos factos não provados, como inferido fundam-se na ausência de prova concludente no sentido da sua positividade.

1.- Da Reapreciação da Matéria de Facto

Nos termos do art. 412º nº4 do Código Processo Penal, quando impugne a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida, sob pena de não admissão do recurso por falta de motivação – art. 414º n.2.

O recorrente tem o direito de obter do tribunal de recurso um exame crítico da matéria probatória face às provas que, na sua opinião, impunham decisão diversa.

O recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas ao exame de certos e determinados pontos que o recorrente considera incorrectamente julgados.

Portanto quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o tribunal de recurso não tem que proceder a nova apreciação do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) – art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP.

A reapreciação da matéria de facto, se não impõe uma avaliação global, requerer sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção.

A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso[1].

Ora, percorrendo a motivação do recurso, quer na sua fundamentação (motivação no sentido estrito) quer nas conclusões, que praticamente reproduzem o texto de fundamentação, verificamos que o recorrente mais que uma intervenção direccionada na apreciação da matéria de facto pretende deste tribunal um novo julgamento.

Efectivamente alude ao conjunto de factos provados, refutando a sua veracidade e remete para os depoimentos por si escolhidos sem satisfazer minimamente os critérios formais de impugnação da prova. No fundo pede a este tribunal que tome em consideração toda a prova e conclua noutro sentido.

Como vimos este não é, nem pode ser, o objecto de recurso da matéria de facto.

Portanto a nossa intervenção ficará circunscrita aos factos e provas cuja reapreciação nos é solicitada dentro dos critérios formais atrás definidos.

Pretendem os arguidos que não se considere assente e provado que o arguido GB entrou no recinto pelas 6 horas, porque tal versão não foi confirmada por nenhum meio de prova produzido em julgamento e que ao contrário resulte provado que este chegou ao mercado depois dos ânimos se terem acalmado e quando já se haviam retirados os Senhores Agentes da PSP.

Para tanto apela à declaração prestada pelo arguido; testemunha LM que afirmou em audiência ter visto a esposa do Sr. GB mas não este Arguido e testemunha RB… cujo depoimento mereceu, no entendimento do tribunal, a maior credibilidade, e afirmou peremptoriamente que o GB apareceu no "rescaldo" (usando as suas palavras).

No ponto 1 da matéria de facto não se pretende demonstrar que o arguido GB estava presente na altura em que sua bancada foi inspeccionada, mas demonstrar que o terrado nº4 tinha sido instalado por aquele arguido. E sobre esta circunstância, ou seja na demonstração da conexão do terrado nº4 ao arguido, o chefe RB é rico em pormenores, justificando o apuramento que fez sobre a propriedade da venda, aludindo não só à prévia denúncia do técnico de segurança – CS-, como á confirmação que o co-arguido RS Salinas acabou por fazer (confº parte final do lado B da cassete nº1). Depois detalha a intervenção do arguido BB, já pelas 14 horas da tarde, com vozes de desafio à insurreição e ameaçadoras.

Portanto e no que aos factos provados concerne, não há qualquer rectificação a efectuar. Não há dúvida que o arguido BB está por detrás do terrado em questão, a venda é de sua responsabilidade e participou activamente no desacato.

Veja-se para além disso a certificação que o vigilante CS ( fim do lado A da cassete nº2 ) faz sobre a presença abusiva do GB, precisando a hora em que foi montada a venda e como decorreu durante a manhã. Foi precisamente depois de certificar esta ocupação abusiva que chamou a PSP, para pôr cobra á situação. O arguido não podia ocupar o terrado nº4.

Portanto não há qualquer correcção a fazer sobre a hora de entrada do arguido no recinto, porque tendo sido monotorizado desde a abertura do mercado, não há dúvidas que ocupou o terrado nº4 desde o princípio da manhã.

Depois questiona o ponto 2.0 dos factos provados sugerindo que a prova produzida em julgamento não permite chegar a tal decisão, já que a arguida MJ confirmou que tinha diversas malas para venda, mas quanto à roupa não existe prova de qualquer espécie.

Não será bem assim. Basta ouvir a reprodução do depoimento da testemunha CS, que como dissemos acompanhou o processo de venda desde manhã e soube precisar quais os produtos à venda. Este depoimento é posteriormente corroborado pelo Chefe RB que ao abordar o terrado nº3 e nº4 ( este abusivamente ocupado pelo arguido BB ) definiu e distinguiu os produtos de venda, atribuindo a cada um dos vendedores o que era de sua responsabilidade.

Também questiona o ponto 7 dos factos provados, argumentando que este facto não resulta das declarações das testemunhas CS e RB.

O facto dá como provado que quer o fiscal da Câmara (CS), quer o chefe RB se dirigiram à banca nº4.

Ora, este facto é inquestionável. Estes agentes de autoridade dirigiram-se à Banca nº4 onde o arguido BB procedia a venda ilegal. Vir agora argumentar que não havia banca nº4, mas extensão da banca nº3, não faz sentido, é tão só uma alegação do co-arguido RS que visa ocultar a actividade ilícita do seu companheiro BB. Não há dúvida. Ambas as testemunhas têm o cuidado de definir como se procedia à venda e que o terrado nº 4 era ocupado pelo arguido BB.

Para além destes factos o recorrente invoca aparentes contradições entre depoimentos apelando a um outro juízo de prova, sem contudo precisar e detalhar quais os factos e provas que quer sindicados. Por isso e pelas razões atrás referidas, não será o recurso nesta parte apreciado.

2.- Do erro notório na apreciação da prova

Já na parte das conclusões dizem os recorrentes que as provas produzidas nos autos impõem decisão diversa da constante do douto Acórdão ora recorrido e que to acórdão ora recorrido funda a sua decisão numa figura que não pode ser aceite em processo penal, a presunção natural.

Erro notório na apreciação da prova consiste num vício de raciocínio na apreciação das provas, necessariamente evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, por si só (na sua globalidade, sem recurso a elementos externos) ou conjugado com o senso comum, (cfr. art.º 410.º, n.º 2, do CPP), imediatamente apreensível pela generalidade das pessoas (pelo cidadão comum ou homem médio), decorrente da violação pelo tribunal julgador das regras da experiência, da formulação de juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou do desrespeito de regras sobre o valor da prova vinculada, para concluir de modo contrário ao que seria normalmente/notoriamente dedutível/apreensível[2].

Parece-nos que sobre a primeira questão há alguma confusão conceptual, uma questão é reapreciação de prova, quando se questiona o juízo de valor, outra, bem diferente, é a inadmissibilidade desse juízo por impossível ou contra lei.

O que os recorrentes pretendem é a reapreciação de alguns factos, tarefa que deixámos atrás expressa, e que como vimos não merece qualquer reparo.

Já a segunda merece algumas considerações.

Quando o juiz se socorre do juízo de presunção natural não viola o princípio de presunção de inocência, pelo contrário socorre-se da experiência comum e da inevitabilidade das evidências para atingir um facto desconhecido.

A propósito de presunções naturais vejamos a sua definição por recurso ao Acórdão do STJ de 09-02-2005, para melhor compreensão das ilações que se pretendem extrair de seguida:

As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência». (cfr, v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, nº 112 pág, 190).

Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207).

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.

A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem).

Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.

A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.

Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.

É precisamente este raciocínio, frontalmente assumido na decisão recorrida, que se percorre, sem qualquer violação da presunção de inocência.

Portanto não há prova proibida ou erro notório a assinalar.

3.- Da qualificação jurídico criminal

Argumentam os recorrentes que o tipo do ilícito constante do artigo 347º do Código Penal, exige, objectivamente a prática de actos que se revistam de violência ou que consubstanciem a prática de ameaça grave e que não resultou provado em audiência de julgamento qual ou quais os factos que cada um dos arguidos terá praticado, para que se possa qualificar a sua conduta como violenta.

Basta atentar no texto da decisão recorrida para demonstrar que os recorrentes não têm razão. Efectivamente houve o cuidado de realçar o elemento juridicamente tutelado com a norma e detalhar os factos provados, para comprovar que com esses factos o crime foi cometido.

Nos termos do art.º 347º do Código Penal “ Quem empregar violência ou ameaça grave contra funcionário ou membro de forças... militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão até cinco anos.

Pretende-se com esta incriminação proteger as autoridades públicas ou equiparadas, quando no exercício de funções ou por causa delas, contra os actos ofensivos da sua integridade física ou quietude ou respeito e consideração que lhes são devidos.

“ o interesse especialmente protegido pelo preceito incriminador... mais do que o da integridade física do ofendido – efeitos da agressão – é o da qualidade funcional, muito embora os efeitos materiais da lesão sejam elementos a considerar na graduação em concreto da pena a aplicar. (Ac STJ, de 3.10.1984, BMJ 340, pag 201) a “autonomia intencional do Estado”, ou seja, “o interesse do Estado no desempenho livre das funções que impendem sobre os servidores públicos no sentido de que sejam respeitadas as suas atribuições e actos legítimos” (Cfr. S.Santos e L.Henriques, O C.Penal de 1982, vol. 4, pág. 435.7).

A conduta dos arguidos está longe de configurar o vernáculo e a gesticulação próprios dos mercados e dos feirantes.

De facto, toda a actuação dos arguidos visa um objectivo bem determinado, não acatar e impedir a actuação da autoridade pública. Para o efeito recorreram à forma mais viva e apelativa de insubordinação, opondo-se com recurso à ameaça e aos mais variados processos, à actuação legítima da autoridade. Não há dúvida que por isso a autoridade deixou de actuar.

Mal iria o exercício da autoridade se fosse admitido e consentido a rebeldia expressa nos factos provados ou se os mesmos não fossem considerados violentos ou ameaçadores. Só por terem as características de violência puseram cobro à actuação policial.

Por isso e sem necessidade de mais considerandos, remetendo para as pertinentes observações da decisão recorrida, não há dúvida que todos os arguidos cometem o crime de resistência e coacção de funcionário.

4.- Da medida da Pena

Sugere a Exmª Procuradora -Geral Adjunta uma readaptação da suspensão da pena em conformidade com o disposto no art. 50º nº5 do Código Penal.

Porém dada a vinculação do recurso às conclusões e o disposto no art. 371º-A esta questão deverá ser apreciada em 1ª instância e se os condenados requererem a abertura da audiência.

Nem sempre a aparência do melhor regime resulta da comparação abstracta dos preceitos. Pois se o regime anterior prefigurava suspensão de pena sem regime de prova, o actual faz depender, em regra, a suspensão de deveres e regras de conduta ou de regime de prova ( art. 50 a 53º do Código Penal )  e com estas condicionantes não é liquido que em concreto seja mais favorável.

Por isso faz todo sentido a restrição do art. 371º A do Código Processo Penal ao fazer depender a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, enquanto a pena não tiver cessado, de reabertura de audiência a requerimento do arguido, nunca uma intervenção directa e oficiosa do Juiz. Salvo na situação expressamente consagrada no nº4 do art. 2º do Código Penal.

Como atentou o Profº Pinto de Albuquerque, o novo art. 371- A do Código Processo Penal prevê abertura da audiência para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável. Se após o trânsito da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a “ reabertura da audiência” para que lhe seja aplicado o novo regime. Isto é, o arguido seria submetido a um novo julgamento dos factos em função da lei penal nova. Trata-se de um verdadeiro novo julgamento em que o tribunal procede a uma nova valoração dos factos da acusação ou da pronúncia e, sendo caso disso, a uma nova determinação das sanções criminais, para tanto sendo necessário repetir a produção da prova se a composição do tribunal se tiver alterado e, em qualquer caso, renovar a discussão sobre a matéria de direito da audiência reaberta.

Por isso este Professor considera que o legislador processual penal foi muito além do legislador penal ao permitir que o arguido fosse de novo julgado sempre que a lei nova seja mais favorável. Aliás, suscita muitas dúvidas sobre a constitucionalidade do novo art. 371ºA do Código Processo Penal por violar o princípio do caso julgado, tão impressivamente consagrado nos art. 2º, 29º n º5 e nº 6 e artº 282º n.3 da Constituição da República Portuguesa, decorrente do art. 6º n.1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Ora, perante a delicadeza da questão, face à protecção do caso julgado, não temos dúvidas que a interpretação do art. 371-A, que implicitamente nos é sugerida, com intervenção à revelia da vontade expressa dos arguidos, padeceria de flagrante inconstitucionalidade.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes – 3 UC de taxa de justiça a cada.

Coimbra 15 de Outubro de 2008

            Os Juízes-desembargadores:

            .........................................................................

            (João Ataíde das Neves, relator)

            .........................................................................

            (Calvário Antunes)


[1] Veja-se neste sentido o Acórdão do STJ de 07.01-10 do Conselheiro Henriques Gaspar
[2] Como é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico, (cfr., por todos, Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal anotado, II vol., pag. 740, e in Recursos em Processo Penal, 5.ª Ed., pags. 65/68; Ac. do STJ, de 06/04/1994, CJ/STJ, t. 2/1994, pag. 186; de 10/03/1999, SASTJ, n.º 29, pag. 73; e de 13/07/2005, consultável em Acórdãos STJ, http://www.stj.pt/.; e desta Relação de Coimbra, de 12/11/2003 (Recurso 2050/03), disponível em http://www.dgsi.pt/jcrc.