Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA SUBEMPREITADA REGIME LEGAL INCUMPRIMENTO DO CONTRATO CONSEQUÊNCIAS LEGAIS | ||
Data do Acordão: | 06/06/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 428º, Nº 1, 1208º, 1221º, 1222º E 1223º DO C. CIV. . | ||
Sumário: | I – A subempreitada é um contrato subordinado à empreitada precedente, sendo a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro, em princípio, igual à posição deste em relação ao dono da obra . II – Em regra o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, e só no caso do não cumprimento destas obrigações poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato . III – Deve aplicar-se nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, em tudo o que não esteja expressamente previsto, o regime legal aplicável nas relações entre o dono da obra (aqui o empreiteiro) e o empreiteiro (ou seja o subempreiteiro) . IV – Face a uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato, o lesado (dono da obra ou empreiteiro se a relação se estabelece perante um subempreiteiro) terá de seguir os seguintes passos e pela ordem que se indica : 1 – exigir ao empreiteiro ou ao subempreiteiro (consoante os casos) a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos – artº 1221º, nº 1, 1ª parte ; 2 – exigir nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados – artº 1221º, nº 1, parte final ; 3 – exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, no caso dos defeitos não terem sido eliminados ou não tenha sido construída nova obra e desde que tais defeitos tenham tornado a obra inadequada ao fim a que se destinava – artº 1222º ; 4 – exigir uma indemnização nos termos gerais – artº 1223º . V – Para além destes direitos específicos do dono da obra (ou do empreiteiro face ao subempreiteiro) no âmbito dos contratos de empreitada, assiste ainda àquele o direito a excepcionar o cumprimento defeituoso por parte do empreiteiro (ou subempreiteiro, consoante os casos), obtendo assim o direito à suspensão do seu dever de cumprir com a prestação – o pagamento do preço –, conforme dispõe o artº 428º, nº 1, do C. Civ. . | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra, I – RELATÓRIO A..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário contra, B..., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 4.021,78 acrescida de juros vencidos à taxa de 7% ao ano desde 16.06.2002 e vincendos à mesma taxa legal até efectivo e integral pagamento, bem como custas, procuradoria e o mais que for de lei. Para tanto alegou, em síntese, que exerce a actividade de pintura de construção civil e que no exercício dessa actividade prestou serviços e efectuou diversos fornecimentos ao réu, designadamente os constantes nas facturas N° 011 de 26.04.02 e N° 012 de 26.04.02, as quais se venciam no prazo de 30 dias, de que resulta para o autor um saldo credor, no montante de € 4.021,78 que o réu ainda não pagou, apesar de instado para o efeito. Regularmente citado, contestou o réu admitindo ter adjudicado ao autor, por diversas vezes, trabalhos de pintura a que este se dedica, sendo que aqueles a que se referem as facturas alegadas pelo autor respeitam a trabalhos que foram efectuados numa vivenda construída pelo R. em Marinha do Vale da Pedra — Souto da Carpalhosa, propriedade de C.... Na sequência do acordo celebrado entre autor e réu para a execução desta obra, o autor elaborou, subscreveu e entregou ao R. um orçamento nos termos do qual todos os trabalhos de pintura interior e exterior da moradia, sem “aquatinco”, seriam por si executados pelo valor total de 1.070.000$00. O indicado preço deveria ser repartido e pago pelo R. ao autor, por intermédio de duas prestações, a 1.ª no decorrer dos trabalhos e a 2.ª no final, com a aceitação dos mesmos, sendo que para pagamento da primeira, o R. subscreveu, emitiu e entregou ao autor o cheque n° 8013087076 sobre o BCP/Atlântico no valor de 500.000$00, que o autor apenas facturou e contabilizou em 22.04.2002. Os trabalhos prosseguiram e logo o R. se apercebeu que o autor, ao contrário do que habitualmente fazia, efectuava a pintura interior da moradia com “pistola”, em vez de utilizar o chamado “rolo”. Utilizando a pistola, como o fez, o autor não observou os cuidados necessários, designadamente protegendo previamente as louças sanitárias, azulejos e rodapés os quais ficaram totalmente manchados e sujos de tinta, sendo que se comprometeu a limpar toda a sujidade assim provocada. Mais alega que autor e réu comprovaram a existência de graves irregularidades e deficiências ao nível da pintura interior das paredes. Tais defeitos traduziam-se em manchas e raias em todas as paredes, bem visíveis, indiciando que nos locais onde surgiam, a tinta havia escorrido pelas paredes, antes de secar. Por outro lado, o autor não tinha preparado previamente as superfícies a pintar pelo que, especialmente na junção das paredes com o tecto surgiam irregularidades por o autor não as ter desgastado com lixa, trabalho necessário e habitual nestes casos. Em Agosto de 2001, na presença do dono da obra, autor e R. verificaram e comprovaram tais deficiências, comprometendo-se o autor a repintar paredes manchadas e raiadas, o que nunca fez por ter abandonado a obra e os trabalhos. Na sequência do alegado, o réu em reconvenção pede que, o autor seja notificado para no prazo de 5 dias proceder à repintura interior das paredes da moradia, sob pena de ser condenado a ver reduzido o preço, não o fazendo. Respondeu o autor a fls. 24, admitindo que a primeira demão de tinta foi aplicada com pistola, técnica esta que permite a obtenção de resultados superiores. De todo o modo, e a pedido do réu as demãos seguintes foram aplicadas com rolo. Por outro lado, tomou todas as precauções para evitar a sujidade e aquilo que sujou foi limpo por si, após ter terminado os trabalhos. No que concerne às manchas e raias, o autor alertou o réu para o facto de a obra se encontra ainda muito fresca por ser acabada há pouco tempo, encontrando-se consequentemente húmida. O R. ignorou tais avisos e referiu, que tinha era que se despachar, que o dono da obra vinha daí a 3 dias do estrangeiro, e a casa tinha que estar pronta. Alega ainda que, quer o dono da obra, quer o réu aceitaram o trabalho efectuado, que o autor efectivamente terminou. Apenas o réu solicitou ao autor que deixasse ainda os seus materiais na obra, porquanto ainda andava lá o carpinteiro, que poderia danificar a pintura e se tal acontecesse o autor daria os retoques e o réu pagaria a parte restante do preço. Porém, o réu nada mais disse ao autor, no que concerne a tais retoques e quando o autor lhe solicitou o pagamento recusou-se a efectuá-lo. No despacho saneador de fls. 38 a 42, foi decidido admitir a reconvenção e foi descrita a matéria dada como assente e os factos que constituíam a base instrutória da causa, dos quais não houve reclamação. A decisão da matéria de facto constante de fls. 86 e 87 também não foi objecto de reclamações. Foi proferida sentença na qual se decidiu da seguinte forma: Em face do exposto e sem outras considerações, julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno o réu a pagar ao autor a quantia de € 3.585,01, acrescida de juros de mora desde 26.05.2002, à taxa legal de 7% até 30.04.2003 e à taxa de 4% desde 01.05.2003, até efectivo e integral pagamento. Julgo totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo o autor do respectivo pedido. Inconformado com tal decisão veio o R. recorrer, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões: 1- O A. exerce a actividade de pintura de construção civil e o réu dedica-se ao exercício da construção civil. 2- No exercício da aludida actividade o R. adjudicou ao A., por diversas vezes, trabalhos de pintura a que este se dedica, entre os quais os efectuados numa vivenda construída pelo R. em Marinha do Vale da Pedra — Souto da Carpalhosa, propriedade de C.... 3- O R. adjudicou ao A. os trabalhos de pintura interior e exterior da vivenda referida em 2, em Junho de 2001. 4- Na concretização do acordo referido em 3, o réu solicitou ao A. um orçamento, por escrito, descriminando os trabalhos a realizar e o correspondente preço. 5- O A. elaborou, subscreveu e entregou a R. um orçamento nos termos do qual todos os trabalhos de pintura interior e exterior da moradia, sem “aquatinco”, seriam por si executados pelo valor total de 1.070.000$00, ou sejam, 5.337,14 €, acrescido de IVA. 6- O preço mencionado em 5 deveria ser repartido e pago pelo R. ao A., por intermédio de duas prestações, a 1.ª no decorrer dos trabalhos e a 2.ª no final, com a aceitação dos mesmos. 7- Conforme acordado, e para pagamento da 1.ª prestação, em 2001/07/07 o R. subscreveu, emitiu e entregou ao A. o cheque n° 8013087076 sobre o BCP/Atlântico no valor de 500.000$00, ou sejam 2.493,99 €, pagamento este que apenas foi facturado e contabilizado em 22/04/2002 por intermédio da factura/recibo n° 008. 8- Após a realização dos trabalhos de pintura, havia azulejos e uma banheira com resíduos de tinta. 9- Terminada a pintura interior, existiam manchas nas paredes provocadas pelo facto de a tinta ter escorrido. 10- O autor deixou a obra no estado referido no n° anterior. 11- A defesa propugnada em sede de contestação fez apelo ao disposto no artigo 428° do C. Civil e traduziu a utilização da denominada excepção de não cumprimento do contrato mediante a qual um dos contraentes, neste caso o R tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro — in casu o A — não efectuar a que lhe cabe. 12- Com efeito, se o autor tem o direito de receber o preço acordado pela execução dos trabalhos, o R. que os paga tem o direito a que lhe seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor. Art.° 1208.° do C. Civil. 13- Na verdade, o contrato celebrado entre A e R é bilateral e sinalagmático, as prestações têm que ser correspectivas e interdependentes visto que a obrigação de cada uma delas constitui a razão de ser da outra ou seja, a execução de cada uma delas representa, para os contraentes, o pressuposto lógico do cumprimento da outra, repercutindo-se tudo o que ocorra numa delas, na execução da outra (cfr. M. Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p.333; A. Vareta, Das Obrigações em Geral I 1991, p. 379; Almeida Costa, Direito das Obrigações 1994 p. 299). 14- Pelo que, na empreitada em causa, há uma correspectividade entre a entrega da obra e o pagamento do preço, uma vez que este é a razão de ser da outra e vice-versa. 15- Por outro lado, a obrigação do pagamento do preço não era anterior à data em que a obra deveria ser entregue e, pelo contrário, a entrega é que antecedia o pagamento. 16- Ao provar-se que, concluídos os trabalhos de pintura, as paredes interiores ficaram manchadas por a tinta ter escorrido, o R. aqui recorrente cumpriu o ónus de provar a excepção deduzida, nos termos do art° 342°, n° 2 do C. Civil. 17- Na verdade, o A está vinculado a realizar esses trabalhos por forma a que o seu resultado seja isento de defeito ou vício que exclua ou reduza o valor da obra — art°1208° do C. Civil. 18- Uma moradia nova, acabada de pintar, cujas paredes interiores apresentam manchas por a tinta ter escorrido, é uma moradia mal pintada e desvalorizada em conformidade. 19- Provados tais defeitos é obvio que provado ficou o incumprimento do A. 20- Razão suficiente para que o R ora recorrente beneficie como pretende, da excepção do não cumprimento do contrato, só devendo cumprir o que lhe cabe, depois da eliminação desses defeitos, o que também reclamou. 21- Por outro lado e se assim não fosse entendido, o que apenas para melhor explanação de raciocínio se alega, então a sentença recorrida deveria ordenar a redução do preço, nos precisos termos do artigo 1222° do C. Civil, pedido formulado em sede de reconvenção. 22- Ao julgar de modo diverso o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e má aplicação da lei e a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 342°, 428°, 1208° e 1222° do C. Civil e 487° no 2 do C. P. Civil. Assim decidindo, deverá revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente por provada a deduzida excepção do não cumprimento do contrato, fazendo-se a almejada JUSTIÇA. O recorrido A. contra-alegou, tendo sustentando ser de manter a sentença recorrida, por a mesma ter feito adequada integração dos factos ao direito aplicável ao caso. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO; questões a apreciar. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC). São as seguintes as questões que importa apreciar: a) Erro de Julgamento: da existência de factos provados que consubstanciam a excepção de não cumprimento por parte do R III – FUNDAMENTOS 1 – De facto São os seguintes os factos que a sentença recorrida deu por provados: |