Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
534/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
SUBEMPREITADA
REGIME LEGAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CONSEQUÊNCIAS LEGAIS
Data do Acordão: 06/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 428º, Nº 1, 1208º, 1221º, 1222º E 1223º DO C. CIV. .
Sumário: I – A subempreitada é um contrato subordinado à empreitada precedente, sendo a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro, em princípio, igual à posição deste em relação ao dono da obra .
II – Em regra o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, e só no caso do não cumprimento destas obrigações poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato .

III – Deve aplicar-se nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, em tudo o que não esteja expressamente previsto, o regime legal aplicável nas relações entre o dono da obra (aqui o empreiteiro) e o empreiteiro (ou seja o subempreiteiro) .

IV – Face a uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato, o lesado (dono da obra ou empreiteiro se a relação se estabelece perante um subempreiteiro) terá de seguir os seguintes passos e pela ordem que se indica :

1 – exigir ao empreiteiro ou ao subempreiteiro (consoante os casos) a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos – artº 1221º, nº 1, 1ª parte ;

2 – exigir nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados – artº 1221º, nº 1, parte final ;

3 – exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, no caso dos defeitos não terem sido eliminados ou não tenha sido construída nova obra e desde que tais defeitos tenham tornado a obra inadequada ao fim a que se destinava – artº 1222º ;

4 – exigir uma indemnização nos termos gerais – artº 1223º .

V – Para além destes direitos específicos do dono da obra (ou do empreiteiro face ao subempreiteiro) no âmbito dos contratos de empreitada, assiste ainda àquele o direito a excepcionar o cumprimento defeituoso por parte do empreiteiro (ou subempreiteiro, consoante os casos), obtendo assim o direito à suspensão do seu dever de cumprir com a prestação – o pagamento do preço –, conforme dispõe o artº 428º, nº 1, do C. Civ. .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário contra, B..., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 4.021,78 acrescida de juros vencidos à taxa de 7% ao ano desde 16.06.2002 e vincendos à mesma taxa legal até efectivo e integral pagamento, bem como custas, procuradoria e o mais que for de lei.
Para tanto alegou, em síntese, que exerce a actividade de pintura de construção civil e que no exercício dessa actividade prestou serviços e efectuou diversos fornecimentos ao réu, designadamente os constantes nas facturas N° 011 de 26.04.02 e N° 012 de 26.04.02, as quais se venciam no prazo de 30 dias, de que resulta para o autor um saldo credor, no montante de € 4.021,78 que o réu ainda não pagou, apesar de instado para o efeito.
Regularmente citado, contestou o réu admitindo ter adjudicado ao autor, por diversas vezes, trabalhos de pintura a que este se dedica, sendo que aqueles a que se referem as facturas alegadas pelo autor respeitam a trabalhos que foram efectuados numa vivenda construída pelo R. em Marinha do Vale da Pedra — Souto da Carpalhosa, propriedade de C....
Na sequência do acordo celebrado entre autor e réu para a execução desta obra, o autor elaborou, subscreveu e entregou ao R. um orçamento nos termos do qual todos os trabalhos de pintura interior e exterior da moradia, sem “aquatinco”, seriam por si executados pelo valor total de 1.070.000$00. O indicado preço deveria ser repartido e pago pelo R. ao autor, por intermédio de duas prestações, a 1.ª no decorrer dos trabalhos e a 2.ª no final, com a aceitação dos mesmos, sendo que para pagamento da primeira, o R. subscreveu, emitiu e entregou ao autor o cheque n° 8013087076 sobre o BCP/Atlântico no valor de 500.000$00, que o autor apenas facturou e contabilizou em 22.04.2002.
Os trabalhos prosseguiram e logo o R. se apercebeu que o autor, ao contrário do que habitualmente fazia, efectuava a pintura interior da moradia com “pistola”, em vez de utilizar o chamado “rolo”. Utilizando a pistola, como o fez, o autor não observou os cuidados necessários, designadamente protegendo previamente as louças sanitárias, azulejos e rodapés os quais ficaram totalmente manchados e sujos de tinta, sendo que se comprometeu a limpar toda a sujidade assim provocada.
Mais alega que autor e réu comprovaram a existência de graves irregularidades e deficiências ao nível da pintura interior das paredes. Tais defeitos traduziam-se em manchas e raias em todas as paredes, bem visíveis, indiciando que nos locais onde surgiam, a tinta havia escorrido pelas paredes, antes de secar. Por outro lado, o autor não tinha preparado previamente as superfícies a pintar pelo que, especialmente na junção das paredes com o tecto surgiam irregularidades por o autor não as ter desgastado com lixa, trabalho necessário e habitual nestes casos.
Em Agosto de 2001, na presença do dono da obra, autor e R. verificaram e comprovaram tais deficiências, comprometendo-se o autor a repintar paredes manchadas e raiadas, o que nunca fez por ter abandonado a obra e os trabalhos.
Na sequência do alegado, o réu em reconvenção pede que, o autor seja notificado para no prazo de 5 dias proceder à repintura interior das paredes da moradia, sob pena de ser condenado a ver reduzido o preço, não o fazendo.
Respondeu o autor a fls. 24, admitindo que a primeira demão de tinta foi aplicada com pistola, técnica esta que permite a obtenção de resultados superiores. De todo o modo, e a pedido do réu as demãos seguintes foram aplicadas com rolo. Por outro lado, tomou todas as precauções para evitar a sujidade e aquilo que sujou foi limpo por si, após ter terminado os trabalhos.
No que concerne às manchas e raias, o autor alertou o réu para o facto de a obra se encontra ainda muito fresca por ser acabada há pouco tempo, encontrando-se consequentemente húmida. O R. ignorou tais avisos e referiu, que tinha era que se despachar, que o dono da obra vinha daí a 3 dias do estrangeiro, e a casa tinha que estar pronta.
Alega ainda que, quer o dono da obra, quer o réu aceitaram o trabalho efectuado, que o autor efectivamente terminou. Apenas o réu solicitou ao autor que deixasse ainda os seus materiais na obra, porquanto ainda andava lá o carpinteiro, que poderia danificar a
pintura e se tal acontecesse o autor daria os retoques e o réu pagaria a parte restante do preço. Porém, o réu nada mais disse ao autor, no que concerne a tais retoques e quando o autor lhe solicitou o pagamento recusou-se a efectuá-lo.
No despacho saneador de fls. 38 a 42, foi decidido admitir a reconvenção e foi descrita a matéria dada como assente e os factos que constituíam a base instrutória da causa, dos quais não houve reclamação.
A decisão da matéria de facto constante de fls. 86 e 87 também não foi objecto de reclamações.
Foi proferida sentença na qual se decidiu da seguinte forma:
Em face do exposto e sem outras considerações, julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno o réu a pagar ao autor a quantia de € 3.585,01, acrescida de juros de mora desde 26.05.2002, à taxa legal de 7% até 30.04.2003 e à taxa de 4% desde 01.05.2003, até efectivo e integral pagamento.
Julgo totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo o autor do respectivo pedido.

Inconformado com tal decisão veio o R. recorrer, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:

1- O A. exerce a actividade de pintura de construção civil e o réu dedica-se ao exercício da construção civil.
2- No exercício da aludida actividade o R. adjudicou ao A., por diversas vezes, trabalhos de pintura a que este se dedica, entre os quais os efectuados numa vivenda construída pelo R. em Marinha do Vale da Pedra — Souto da Carpalhosa, propriedade de C....
3- O R. adjudicou ao A. os trabalhos de pintura interior e exterior da vivenda referida em 2, em Junho de 2001.
4- Na concretização do acordo referido em 3, o réu solicitou ao A. um orçamento, por escrito, descriminando os trabalhos a realizar e o correspondente preço.
5- O A. elaborou, subscreveu e entregou a R. um orçamento nos termos do qual todos os trabalhos de pintura interior e exterior da moradia, sem “aquatinco”, seriam por si executados pelo valor total de 1.070.000$00, ou sejam, 5.337,14 €, acrescido de IVA.
6- O preço mencionado em 5 deveria ser repartido e pago pelo R. ao A., por intermédio de duas prestações, a 1.ª no decorrer dos trabalhos e a 2.ª no final, com a aceitação dos mesmos.
7- Conforme acordado, e para pagamento da 1.ª prestação, em 2001/07/07 o R. subscreveu, emitiu e entregou ao A. o cheque n° 8013087076 sobre o BCP/Atlântico no valor de 500.000$00, ou sejam 2.493,99 €, pagamento este que apenas foi facturado e contabilizado em 22/04/2002 por intermédio da factura/recibo n° 008.
8- Após a realização dos trabalhos de pintura, havia azulejos e uma banheira com resíduos de tinta.
9- Terminada a pintura interior, existiam manchas nas paredes provocadas pelo facto de a tinta ter escorrido.
10- O autor deixou a obra no estado referido no n° anterior.
11- A defesa propugnada em sede de contestação fez apelo ao disposto no artigo 428° do C. Civil e traduziu a utilização da denominada excepção de não cumprimento do contrato mediante a qual um dos contraentes, neste caso o R tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro — in casu o A — não efectuar a que lhe cabe.
12- Com efeito, se o autor tem o direito de receber o preço acordado pela execução dos trabalhos, o R. que os paga tem o direito a que lhe seja entregue uma obra realizada nos moldes convencionados e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor. Art.° 1208.° do C. Civil.
13- Na verdade, o contrato celebrado entre A e R é bilateral e sinalagmático, as prestações têm que ser correspectivas e interdependentes visto que a obrigação de cada uma delas constitui a razão de ser da outra ou seja, a execução de cada uma delas representa, para os contraentes, o pressuposto lógico do cumprimento da outra, repercutindo-se tudo o que ocorra numa delas, na execução da outra (cfr. M. Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p.333; A. Vareta, Das Obrigações em Geral I 1991, p. 379; Almeida Costa, Direito das Obrigações 1994 p. 299).
14- Pelo que, na empreitada em causa, há uma correspectividade entre a entrega da obra e o pagamento do preço, uma vez que este é a razão de ser da outra e vice-versa.
15- Por outro lado, a obrigação do pagamento do preço não era anterior à data em que a obra deveria ser entregue e, pelo contrário, a entrega é que antecedia o pagamento.
16- Ao provar-se que, concluídos os trabalhos de pintura, as paredes interiores ficaram manchadas por a tinta ter escorrido, o R. aqui recorrente cumpriu o ónus de provar a excepção deduzida, nos termos do art° 342°, n° 2 do C. Civil.
17- Na verdade, o A está vinculado a realizar esses trabalhos por forma a que o seu resultado seja isento de defeito ou vício que exclua ou reduza o valor da obra — art°1208° do C. Civil.
18- Uma moradia nova, acabada de pintar, cujas paredes interiores apresentam manchas por a tinta ter escorrido, é uma moradia mal pintada e desvalorizada em conformidade.
19- Provados tais defeitos é obvio que provado ficou o incumprimento do A.
20- Razão suficiente para que o R ora recorrente beneficie como pretende, da excepção do não cumprimento do contrato, só devendo cumprir o que lhe cabe, depois da eliminação desses defeitos, o que também reclamou.
21- Por outro lado e se assim não fosse entendido, o que apenas para melhor explanação de raciocínio se alega, então a sentença recorrida deveria ordenar a redução do preço, nos precisos termos do artigo 1222° do C. Civil, pedido formulado em sede de reconvenção.
22- Ao julgar de modo diverso o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e má aplicação da lei e a sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 342°, 428°, 1208° e 1222° do C. Civil e 487° no 2 do C. P. Civil.
Assim decidindo, deverá revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente por provada a deduzida excepção do não cumprimento do contrato, fazendo-se a almejada JUSTIÇA.

O recorrido A. contra-alegou, tendo sustentando ser de manter a sentença recorrida, por a mesma ter feito adequada integração dos factos ao direito aplicável ao caso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO; questões a apreciar.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

São as seguintes as questões que importa apreciar:

a) Erro de Julgamento: da existência de factos provados que consubstanciam a excepção de não cumprimento por parte do R
b) Da redução do preço (questão a apreciar unicamente no caso da anterior improceder).

III – FUNDAMENTOS

1 – De facto

São os seguintes os factos que a sentença recorrida deu por provados:
1- O A. exerce a actividade de pintura de construção civil e o réu dedica-se ao exercício da construção civil.
2- No exercício da aludida actividade o R. adjudicou ao A., por diversas vezes, trabalhos de pintura a que este se dedica, entre os quais os efectuados numa vivenda construída pelo R. em Marinha do Vale da Pedra — Souto da Carpalhosa, propriedade de C....
3- O R. adjudicou ao A. os trabalhos de pintura interior e exterior da vivenda referida em 2, em Junho de 2001.
4- Na concretização do acordo referido em 3, o réu solicitou ao A. um orçamento, por escrito, descriminando os trabalhos a realizar e o correspondente preço.
5- O A. elaborou, subscreveu e entregou ao R. um orçamento nos termos do qual todos os trabalhos de pintura interior e exterior da moradia, sem “aquatinco”, seriam por si executados pelo valor total de 1.070.000$00, ou sejam 5.337,14€, acrescido de IVA.
6- O preço mencionado em 5 deveria ser repartido e pago pelo R. ao A., por intermédio de duas prestações, a 1.ª no decorrer dos trabalhos e a 2.ª no final, com a aceitação dos mesmos.
7- Conforme acordado, e para pagamento da 1.ª prestação, em 2001/07/07 o R. subscreveu, emitiu e entregou ao A. o cheque n.° 8013087076 sobre o BCP/Atlântico no valor de 500.000$00, ou sejam 2.493,99 €, pagamento este que apenas foi facturado e
contabilizado pelo autor em 22/04/2002 por intermédio da factura/recibo n.° 008.
8- Na sequência do acordo referido em 3, o autor prestou os serviços e efectuou os fornecimentos constantes da factura n° 011 de 26.04.02, no montante de € 3.585,01, a qual se vencia, no prazo de 30 dias após a data nela constante.
9- O réu foi diversas vezes instado pelo autor para proceder ao pagamento das facturas referidas em 8.
10- O autor, no início dos trabalhos de pintura, utilizou a pistola e na finalização utilizou o rolo.
11- Após a realização dos trabalhos de pintura, havia azulejos e uma banheira com resíduos de tinta.
12- Terminada a pintura interior, existiam algumas manchas nas paredes provocadas pelo facto de a tinta ter escorrido.
13- O autor deixou a obra no estado referido em 12.
14- Quando o autor efectuou os trabalhos referidos em 3, com excepção de uma banheira, as louças sanitárias não estavam aplicadas.
15- Quando foram realizados os trabalhos de pintura, a obra ainda se encontrava muito fresca, por ter sido acabada há pouco tempo, encontrando-se as paredes húmidas.
16- O dono da obra referida em 2 solicitou ao réu a realização de alguns trabalhos extra, que o R. deu ordem ao A. para executar como foi a repintura de um quarto em rosa, depois de ter sido pintado inicialmente em branco, de acordo com o orçamento inicial.

2 – De direito
Apreciemos agora as questões que nos foram colocadas pelo apelante no seu recurso.

a) Erro de julgamento: da existência de factos provados que consubstanciam a excepção de não cumprimento por parte do Réu

A situação que subjaz ao presente caso, foi na sentença configurada como resultante da celebração dum contrato de empreitada entre A. e R..
Ora, face aos elementos disponíveis, entendemos que o caso em apreço se enquadra antes no âmbito dum contrato de subempreitada, desde logo porque o dono da obra é um terceiro (vd. pontos 1, 2 e 3 do probatório), o que todavia não terá relevância na apreciação que foi feita, pois que o regime da subempreitada segue de perto o previsto para o contrato de empreitada.
Como se refere no Ac. do S.T.J de 03/06/2003( In, www.dgsi.pt ) “… a subempreitada é um contrato subordinado à empreitada precedente. «É uma empreitada de segunda mão que entra na categoria geral do subcontrato, e em que o subempreiteiro se apresenta como um empreiteiro do empreiteiro, também adstrito a uma obrigação de resultado( P. Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Almedina, 2001, pág. 403 e ss).
“A posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é, em princípio, igual à deste em relação ao dono da obra. Em regra, portanto, o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, e só no caso do não cumprimento destas obrigações poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato( P. Lima e Antunes Varela, CC Anotado, II, nota 3 ao art. 1226º).
“No contrato de subempreitada o empreiteiro torna-se dono da obra em relação ao subempreiteiro( Obra dita em 3, pág. 415).
“Por isso deve aplicar-se nas relações entre empreiteiro e subempreiteiro, em tudo o que não esteja expressamente previsto, o regime legal aplicável nas relações entre o dono da obra (aqui o empreiteiro) e o empreiteiro (no caso, o subempreiteiro).”
Ora, a empreitada caracteriza-se por ser um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, dele emergindo reciprocamente direitos e deveres para ambas as partes contratantes.
Dispõe o art.º 1208.º que “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”.
Trata-se da consagração em sede de empreitada do princípio geral do pacta sunt servanda.
O não cumprimento do contrato ou o seu cumprimento defeituoso encontra estatuições próprias no âmbito do Capítulo do Código Civil que aborda este tipo de negócio jurídico (o XII), atenta as particularidades que o mesmo apresenta.
Face a uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso do contrato, o lesado (dono da obra ou empreiteiro se a relação se estabelece perante um subempreiteiro) terá de seguir os seguintes passos pela ordem que se indica:
1) Exigir ao empreiteiro ou ao subempreiteiro (consoante os casos) a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos (art.º 1221.º, n.º 1, 1.ª parte);
2) Exigir nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados (art.º 1221.º, n.º 1, parte final);
3) Exigir a redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, no caso dos defeitos não terem sido eliminados ou não tenha sido construída nova obra e desde que tais defeitos tenham tornado a obra inadequada ao fim a que se destinava (art.º 1222.º);
4) Exigir uma indemnização nos termos gerais (art.º 1223.º).

Para além destes direitos específicos do dono da obra (ou do empreiteiro face ao subempreiteiro) no âmbito dos contratos de empreitada, assiste ainda àquele o direito a excepcionar o cumprimento defeituoso por parte do empreiteiro (ou subempreiteiro, consoante os casos), obtendo assim o direito à suspensão do seu dever de cumprir com a sua prestação – pagamento do preço.
Com efeito, sendo certo que o art.º 428.º do CC se aplica também aos contratos de empreitada( Cf. Vaz Serra, BMJ 67, pág. 26 e RLJ, ano 105, pág. 287) e porque o cumprimento defeituoso é uma das formas de incumprimento (artgs. 798.º e 799.º, do CC), a excepção de não cumprimento funciona também quando há falta de cumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso da prestação.
Dispõe o artigo 428.º, nº 1 do Código Civil, que “se nos contratos bilaterais, não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação, enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
A doutrina e a jurisprudência têm sublinhado que a existência de prazos diversos para o cumprimento das prestações só é impeditivo da invocação da excepção do não cumprimento por parte do contraente que deva cumprir em primeiro lugar, nada obstando que dela se prevaleça o outro( Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, 4ª ed., vol. I, pg. 405-6; Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., pg. 303 e R.L.J. 119º/143; Galvão Teles, Obrigações, 7ª ed., pg. 453; Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pg. 331; Vaz Serra, R.L.J.105º/283 e 108º/155; José João Abrantes, A Excepção do não cumprimento do contrato, 70 e ss.; acórdão da Relação de Coimbra, de 82.07.06, C.J., 82, IV, 35; da Relação de Lisboa, de 17.10.95, C.J., 95, IV, 116 e do STJ de 13/5/03, Proc.º 460/02, in: www.stj.pt).
No caso em apreço é patente que era o ora recorrente (R. e empreiteiro) aquele que estava obrigado a cumprir em segundo lugar, pois que ficou provada (vd. ponto 6 dos factos dados por provados) que o preço mencionado em 5 deveria ser repartido e pago pelo R. ao A., por intermédio de duas prestações, a 1.ª no decorrer dos trabalhos e a 2.ª no final, com a aceitação dos mesmos.
Tendo ficado demonstrado que a 1.ª prestação tinha sido já paga, a 2.ª só ocorreria após o final dos trabalhos e com a aceitação dos mesmos, pelo que era e é o R. quem está em posição de poder accionar a indicada excepção de não cumprimento contratual.
Mas se é certo, como acabamos de referir, que ao dono da obra (ou ao empreiteiro face ao subempreiteiro) lhe assiste o direito de accionar a excepção de não cumprimento, há no entanto que questionar se o pode fazer em toda e qualquer circunstância, ou se, pelo contrário, face à especificidade dos contratos de empreitada, a mesma sofre algumas limitações no seu exercício.
A resposta aqui vai no sentido da segunda alternativa.
Com efeito, não teria sentido que impondo a lei um regime específico para a ultrapassagem das questões inerentes ao incumprimento ou cumprimento defeituoso da obra, o qual impõe que o dono da obra (ou o empreiteiro no caso de subempreitada) tenha de seguir por ordem as normas dos artgs. 1221.º, 1222.º e 1223.º, do CC, pudesse, sem necessidade de denúncia prévia dos defeitos que encontrasse, accionar desde logo a excepção de não cumprimento contratual.
A este propósito encontramo-nos inteiramente de acordo com o entendimento perfilhado no ac. desta Relação de 21/10/2003( Em que foi relator o Senhor Desembargador, Dr. Jorge Arcanjo, in, www.dgsi.pt ), onde se pode ler: Com efeito, o regime próprio do contrato de empreitada, face ao cumprimento defeituoso da prestação, não legitima, desde logo, o dono da obra a opor a excepção do não cumprimento, pois se assim fosse, seria inútil a regulamentação exaustiva do contrato de empreitada, designadamente, no que concerne aos meios postos à disposição do dono da obra para reagir às situações de incumprimento.
É que perante o incumprimento do contrato, nele se incluindo o cumprimento defeituoso, o dono da obra terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos arts.1221, 1222 e 1223 do CC, ou seja, (1) o direito de exigir a eliminação dos defeitos, caso possam ser supridos, (2) o direito a uma nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados, (3) o direito à redução do preço ou, em alternativa, a resolução do contrato, (4) o direito à indemnização, nos termos gerais.
Só que, para tanto, o dono da obra deve denunciar, no prazo legal, as situações de incumprimento lato senso, cujo ónus funciona como pressuposto do exercício dos referidos direitos.
Como elucida Pedro Martinez, “A exceptio non rite adimpleti contractus poderá unicamente ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, a prestação substituída ou realizada de novo, o preço reduzido, ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem “ ( Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328 ).
Também neste mesmo sentido, João Cura Mariano( Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, pág. 169.), A excepcio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretendia exercer, salvo o direito de resolução, cujos efeitos não são compatíveis com aquele meio de dilação do pagamento.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que o R. não comprovou, como lhe competia ter efectuado a indicada denúncia, pois que os factos que foram levados à base instrutória inerentes a essa questão (designadamente os constantes dos quesitos 14.º e 15.º), foram dados como não provados.
Daqui há que concluir, face ao que se deixou expresso supra, que a excepção de não cumprimento invocada pelo R./apelante na sua contestação, não tendo sido precedida da denúncia dos defeitos perante o subempreiteiro (aqui apelado), não é legalmente admissível, o que leva a que, embora com base em pressupostos legais distintos dos invocados na sentença, se entenda que esta questão não poderá proceder.

b) Da redução do preço (questão a apreciar unicamente no caso da anterior improceder).

Sustentou o apelante que, no caso da precedente questão não ter vencimento, deveria ainda assim a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determinasse a redução do preço, nos termos previstos no art.º 1222.º do CC.
Ora, tendo presente tudo o que se deixou dito no âmbito da anterior questão, teremos que concluir que também esta está votada ao insucesso.
Com efeito, não tendo sido provada a existência de denúncia dos defeitos da obra, não pode o dono da obra (ou o empreiteiro face ao subempreiteiro) exercer qualquer dos direitos ínsitos nos artgs 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC, pois que aquela funciona como condição de que depende o exercício desses direitos.( João Cura Mariano, ob. cit., pág. 105.)
Por outro lado, ainda que assim não fosse, não poderia o R. na qualidade de empreiteiro, face ao A., subempreiteiro, exigir desde logo a redução do preço, pois que resulta claro da conjugação dos artgs. 1221.º e 1222.º do CC que este direito só poderá ser exercido no caso de não terem sido eliminados os defeitos, o que pressupõe que previamente tenha o subempreiteiro sido intimado a proceder às necessárias obras de eliminação dos mesmos e que as não tenha concretizado ou o tenha feito deficientemente.
Assim, há pois que concluir que também esta questão não procede.

IV – DECISÃO

Desta forma, acorda-se em negar provimento à apelação e, nessa conformidade, mantém-se o decidido, embora com base em raciocínio não inteiramente coincidente com o vertido na sentença da 1.ª instância.

Custas pelo apelante.

Coimbra,