Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
291/07.6TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.483, 493 Nº2, 496, 564, 566 CC
Sumário: 1. A colocação de um escorrega de 40 m num parque aquático, para utilização por uma criança de 11 anos, é uma actividade perigosa, a caber no disposto no art. 493º/2 do CC.

2. Na indemnização pela perda da capacidade aquisitiva, deve ter-se em conta, logo na fórmula de cálculo da indemnização, a esperança média de vida e não a idade da reforma.

3. Nessa indemnização, quando o lesado for um menor que ainda não entrou na vida activa laboral, deve ter-se em conta o salário médio nacional e não o salário mínimo nacional e deve presumir-se que ele começaria a trabalhar aos 18 anos de idade.

4. Quando se demonstrar que o recebimento imediato do capital traduz um benefício injustificado para o lesado, deve ser feita uma redução entre 10 e 33% desse capital, mas não é de descontar nesse capital aquilo que o “lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida”.

5. Os valores fixados nas Portarias nº 377/2008 de 26/05, e nº679/2009, de 25/06 não são vinculativos para os tribunais, nem devem servir de base de cálculo das indemnizações arbitradas judicialmente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              P(…) (= autor), devidamente representado por sua mãe, residente em lugar da ..., (…), intentou a presente acção contra Companhia de Seguros (…) SA (= seguradora), com sede em ( ...), pedindo a condenação desta no pagamento de 157.000€, acrescida dos juros à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação até efectivo pagamento e ainda no que vier a liquidar-se em execução de sentença no que concerne aos tratamentos médicos e medicamentosos, deslocações, internamentos, cirurgias, alimentação e outras, tudo acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, bem como custas e demais encargos legais.

              Para tanto, alegou em síntese que:
         No dia 26/08/2005 frequentava, juntamente com outros familiares, o parque aquático denominado.... Uma das diversões deste é um escorrega composto por quatro pistas, separadas entre si e com cerca de 40 m de comprimento. O autor encontrava-se no dito escorrega com vista à descida e sentou-se na plataforma de lançamento de estrutura metálica a aguardar que fosse dado o sinal de partida. Dado este, por um funcionário que se encontrava na parte final do escorrega, o menor ao efectuar o impulso para iniciar a descida embateu com a cabeça na plataforma de lançamento e devido ao embate desceu o escorrega sem sentidos e caiu na piscina. Mais alega que foi retirado da água pelo seu irmão e foram chamados os bombeiros que demoraram 15 m a chegar, sendo que nesse intervalo de tempo, o autor permaneceu no chão, sem assistência médica ou de alguém com conhecimentos em matéria de socorrismo, não havendo à disposição qualquer material médico ou de primeiros socorros. Em consequência do embate, o autor sofreu várias lesões que lhe determinaram traumatismo craneo-encefálico e surdez profunda bilateral, que lhe acarreta uma IPP de 48%. À data do acidente, o autor era saudável e activo e actualmente sente dores ao movimentar o pescoço, que frequen-temente o impedem de dormir e lhe perturbam o sono, sente um zumbido permanente e ficou com cicatrizes permanentes e visíveis na região frontal. Para além das despesas que efectuou e irá efectuar com transportes e tratamentos médicos e medicamentosos, devido às lesões, internamentos e durante os períodos de imobi-lização e convalescença, sofreu dores lancinantes, sofrimentos físicos e angústia da iminência de uma eventual desvalorização funcional que se veio a verificar. Em consequência de tais lesões, o menor actualmente é amargurado, atormentado, triste, angustiado, abatido e sente profundamente o facto de não ouvir, bem como de ter cicatrizes bem visíveis que o levam a ocultar sempre a região afectada.

              A ré contestou, dizendo que
         A pista do escorrega em causa se trata de uma pista branda, sendo que a plataforma onde os utentes se deverão sentar é de fibra, tendo a forma arredondada no topo da pista, onde se localiza o assento. O autor ao impulsionar o corpo para a frente para iniciar a descida descontrolou-se e embateu com a nuca no bordo da base do assento, sendo certo que não era necessário nem aconselhável o referido impulso.          O... funciona durante os meses de Julho a Setembro e durante esta época tem uma equipa de assistentes e monitores dispersos pelas várias piscinas. Na base de cada um dos escorregas está permanentemente um monitor que orienta através de bandeiras (verde e vermelha) os momentos da descida, autorizando-os. Para além destes assistentes, permanecem junto da piscina mais profunda um nadador-salvador e um vigilante na piscina dos mais pequenos. O complexo dispõe ainda de um socorrista que se encontra num posto de socorros bem equipado. Quando o vigilante viu o corpo do autor na piscina, lançou-se à água para o socorrer, levando-o de seguida para o posto de socorros, onde foi observado por um socorrista que confirmou a necessidade de evacuação imediata para o hospital, pelo que foram prestados os cuidados e assistência adequados. Conclui pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

              O autor deduziu a réplica, mantendo o alegado na pi.

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              Na acção que constitui o apenso B, o Centro Hospitalar de ... (= Centro) pediu a condenação da ré no pagamento de 2.505,36€, acrescidos de juros de mora desde 15/05/2006, quantia despendida com os tratamentos efectuados ao autor, na decorrência do acidente.

              Contestou a ré invocando a excepção da prescrição, atento o disposto no art. 3º nº 3 do Dec. Lei 218/99 e no mais alegando nos termos já supra expostos.

              Na sequência do despacho proferido a fls 225, veio o CHC responder à excepção da prescrição, pugnando pela sua improcedência.

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              Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a seguradora a pagar: ao autor 20.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, 50.300€ a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; e ao Centro Hospitalar 2.505,36€, acrescida de juros de mora desde 30/12/2008, até efectivo e integral pagamento.

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              Desta sentença foi interposto recurso, quer pela seguradora quer pelo autor.

              A seguradora – que quer ser absolvida do pedido - terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. O tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei e desadequada aplicação desta aos factos provados.
         2. Efectivamente, considerou o acidente em causa subsumível na previsão legal do art. 493º/2 do CC, dado que qualificou como “actividade perigosa” a exploração do parque aquático....
         3. A definição de “actividade perigosa” é aquela que resulta da doutrina e da jurisprudência.
         4. Considera-se “actividade perigosa” aquela que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.
         5. A existência de quatro escorregas no parque aquático... não evidencia uma maior perigosidade que a actividade em geral.
         6. Tal como num ginásio se podem praticar diversas disciplinas, umas mais simples e outras mais complicadas, envolvendo estas mais riscos do que aquelas, também num parque aquático ou piscina tal pode acontecer, sem que a sua exploração se deva considerar uma “actividade perigosa” – cfr. ac. STJ de 13/10/2009, na CJSTJII/2009, p.92.
         7. Foi ao efectuar o impulso para iniciar a descida numa pista classificada como branda, que o autor embateu com a cabeça no assento e, devido a este embate, desceu o escorrega sem sentidos e caiu à piscina, donde logo foi retirado e levado para o posto de socorros.
         8. Não se pode qualificar como perigosa a exploração de escorregas de água no parque aquático “...”.
         9. Por outro lado, a nenhuma acção ou omissão do “...” se pode imputar a ocorrência do sinistro.
         10. Sendo certo que a eventual responsabilidade extra-contratual da empresa... só poderá existir quando forem alegados e provados todos os elementos constitutivos dessa responsabilidade, não beneficiando o autor da presunção de culpa decorrente da citada norma legal (art. 493º/2).
         11. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 493º/2, 496º, 564º e 566º., todos do CC.

              O autor – que quer ver aumentado o valor da indemnização – terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
         1. O presente recurso visa ver reapreciada por este tribunal a fixação do quantum indemnizatório que deve ser atribuído ao apelante em consequência do acidente.
         2. É matéria de facto provada que as sequelas referidas no facto 19 acarretaram para o autor uma incapacidade permanente geral fixável em 60% - cfr. ponto 21 da matéria de facto provada.
         3. Pelo que, salvo melhor opinião, sempre o tribunal a quo podia tomar em consideração a percentagem de 60% de IPG que se veio a apurar, superior à alegada IPP de 48%, desde que a indemnização decorrente dessa percentagem não ultrapassasse o valor do peticionado (150.000€) - cfr. arts. 664.º e 264.º do CPC.
         4. Por outro lado, a tabela utilizada pelo tribunal a quo para cálculo da perda de rendimentos futuros decorrente da IPP é, salvo melhor opinião, substancialmente prejudicial ao apelante uma vez que o factor índice máximo aí previsto para atingir a idade da reforma é de 50 anos, sendo certo que ao autor faltam-lhe 54 anos para atingir essa idade da reforma (65 – 11 = 54);
         5. Assim, ao invés de se lançar mão de tal tabela, entende o apelante que, para o cálculo da indemnização decorrente da IPP devia o tribunal a quo ter lançado mão, como princípio básico indicador, a fórmula matemática utilizada em múltiplos acórdãos jurisprudenciais, em que C = ao capital a depositar no 1.º ano, e em que as outras letras correspondem às variáveis seguintes: P = prestação correspondente ao rendimento anual perdido; (375€ x 14 x 60%) = 5.245,80€; i = taxa de juro = 4%; n = número de anos até ao fim da vida activa (65 – 11) = 54 anos;
         6. Donde, introduzida a referida fórmula com os valores índices indicados no sistema informático Excel, vem a dar, como correspondente a C o valor de 104.287,29€, caso se considere a IPP de 60%, e de 83.429,70€, caso se considere a IPP de 48%, o que só por mera hipótese de raciocínio se admite.
         7. Pelo que, não pondo em causa a fiabilidade da tabela financeira utilizada pelo tribunal a quo, o certo é que o valor de 104.287,29€ (60% IPP) ou de 83.429,70€ (48% IPP), obtido através da supra descrita fórmula matemática, é substancialmente superior ao valor de 64.787,12€ a que chegou o tribunal a quo através da aplicação daquela tabela financeira, o que, naturalmente, se fica a dever ao facto de a mesma não contemplar os anos necessários que o autor necessita para atingir a idade da reforma.
         8. Acresce que, o apelante não encontra qualquer fundamento legal para o tribunal a quo descontar ao valor obtido a importância que o lesado, independentemente do acidente, sempre gastaria consigo, que situou em 1/3.
         9. Na verdade, ao contrário do critério utilizado pelo tribunal a quo, o que vem sendo uniformemente reconhecido, é que o valor estático alcançado através da aplicação automática das supra referidas tabelas objectivas - e que apenas permitirá alcançar um minus indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade por forma a adequar o montante indemnizatório às circunstâncias específicas do caso, como sendo, a evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização.
         10. Pelo que, deveria o tribunal a quo acrescentar pelo menos mais dois pontos percentuais (2%) ao valor apurado uma vez que para calcular o rendimento anual auferido pelo autor, teve-se em consideração o salário mínimo nacional à data do acidente de €375,70, que, certamente, andará muito longe do salário mínimo nacional daqui a 54 anos (sendo certo que em 2010 já atinge os 475€).
         11. Por outro lado, constitui entendimento jurisprudencial reiterado, e também perfilhado pelo tribunal a quo, que a indemnização a arbitrar pelos danos futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma).
         12. Com efeito, em aplicação de tais critérios, sabendo-se que o lesado, com 11 anos à data do acidente, com uma esperança média de vida próxima dos 80 anos, a quem foi atribuída uma IPG de 60%, ficando seriamente comprometido no exercício, para o resto da vida, qualquer actividade profissional, dever-lhe-ia ter sido atribuída a indemnização pelos danos futuros de 150.000€, se fosse considerada a IPP de 60% (€104.289,29 x 0,2 (juízo de equidade resultante da evolução provável da situação profissional) + 24.852,86€ (juízo de equidade resultante da esperança média de vida) ou de €125.000€, se fosse considerada a IPP de 48% (83.429,70€ x 0,2 (juízo de equidade resultante da evolução provável da situação profissional) + 24.884,36€ (juízo de equidade resultante da esperança média de vida).
         13. Por outro lado, o apelante também não concorda com a fixação de 300€ que lhe foi atribuída em virtude das deslocações que este necessitou de efectuar desde o seu domicílio, sito no concelho de ..., até ... a fim de efectuar consultas médicas.
         14. Na verdade, não obstante o apelante não ter logrado provar o número de vezes que efectuou tais deslocações – cfr. ponto 22 da matéria de facto provada - podia o tribunal a quo remeter o seu cálculo para execução de sentença o que, de resto, vai de encontro ao peticionado pelo apelante, em vez de atribuir a módica quantia de 300€ a esse título.
         15. Também no que concerne ao danos não patrimoniais, atentos à matéria dada por provada, mormente os pontos 23, 24, 25, 26 e 31, tendo presente as regras da boa fé (762º do CC) e tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”, afigurava-se justo e equilibrado que o tribunal a quo fixasse o valor dos danos não patrimoniais em 25.000€, conforme o peticionado pelo apelante, e não 20.000€.
         16. Assim, operando-se os cálculos dos danos indemnizáveis a pagar pela apelada ao apelante, mormente, danos patrimoniais futuros (150.000€ ou 125.000€) e danos não patrimoniais (25.000€), obtemos um resultado de 175.000€, se considerarmos uma IPP de 60%, ou de 150.000€, se considerarmos uma IPP de 48%.
         17. Todavia, sabendo-se que a seguradora apenas responde perante o apelante até ao limite máximo de capital seguro de responsabilidade no montante de 100.000€ - cfr. ponto 30 da matéria de facto provada, ter-se-ia que reduzir os montantes apurados à quantia de 100.000€, uma vez que o apelante não accionou a... – Divisão e Turismo, S.A. para assegurar o pagamento da quantia remanescente.
         18. Pelo que, tudo ponderado, deveria o tribunal a quo condenar a ré a pagar ao autor a indemnização de 100.000€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
         19. Pelo exposto, ao decidir atribuir, apenas, a quantia global de 70.300€ a título de indemnização, violou a sentença apelada o disposto nos artigos 494º, 562º, 564º e 566º, todos do CC e 264º e 664º do CPC.

              Quer o autor quer a seguradora apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso da contra-parte.

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              Questões que importa decidir: se a actividade explorada pela segurada da ré é ou não uma actividade perigosa para efeitos do art. 493/2 do CC (é questão levantada pelo recurso da ré); se de algum modo tiver que ser atribuída indemnização ao autor, fica depois por decidir qual a forma de cálculo de tal indemnização e quais os factores em concreto que nele devem entrar (são questões levantadas pelo recurso do autor).

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              São os seguintes os factos provados:
         1. No dia 26/08/2005, cerca das 15h, em ..., desta comarca de Marinha Grande, o autor depois de adquirir o respectivo bilhete de ingresso, entrou nas instalações do parque aquático denominado... propriedade da firma ..., SA, para conjuntamente com outros familiares, designadamente o seu irmão (…), de maior idade, passar a tarde em diversão naquele parque.
         2. O... é um complexo turístico composto por um parque aquático com quatro piscinas em que duas servem o entretenimento com escorregas de água e apenas funciona durante os meses de Julho a Setembro.
         3. Uma das diversões do aludido parque aquático é um escorrega composto por quatro pistas, com cerca de 40 m de comprimento e separadas entre si.
         4. A determinado momento, naquela tarde, cerca das 15h30, quando o autor se encontrava no escorrega, com vista à descida, sendo que o seu irmão se encontrava na pista seguinte, sentou-se na plataforma de lançamento, estrutura metálica, na pista situada ao lado direito da do seu irmão e aguardar que fosse dado o sinal de partida, ou seja, passando a bandeira de vermelho para verde.
         5. De acordo com as especificações do equipamento, a plataforma de acesso à pista do escorrega onde o autor se sentou, é classificada como uma pista branda.
         6. Tal plataforma, onde os utentes se deverão sentar é de fibra, tendo a forma arredondada no topo da pista, onde se localiza o assento.
         7. Na data referida em 1, o parque aquático referido em 2 dispunha de um monitor para cada uma das piscinas e de um nadador salvador.
         8. Na base de cada um dos escorregas está permanentemente um monitor que orienta através das bandeiras – verde e vermelha – os momentos de descida autorizando-os.
         9. Dada a autorização por um funcionário do..., que se encontrava na parte final do escorrega/pista, para se iniciar a descida, o menor, conjuntamente com o seu irmão e outros, iniciaram a descida.
         10. Ao efectuar o impulso para iniciar a descida, o autor embateu com a cabeça no assento e devido ao embate, desceu o escorrega sem sentidos e caiu à piscina.
         11. O irmão do autor, após o facto referido em 10 retirou-o da água, tendo de imediato o monitor (…), que monitorizava o escorrega referido em 3 nos termos mencionados em 8, chegado junto daquele a fim de o transportar ao posto de socorros.
         12. No parque aquático referido em 2, existia um posto de socorros.
         13. Não se encontravam no local quaisquer vigilantes credenciados para operações de salvamento e primeiros socorros.
         14. Os Bombeiros transportaram o menor para o Centro de Saúde da Marinha Grande e deste para o Hospital de Leiria.
         15. O autor foi transferido do Hospital de Santo André, em Leiria, para o Hospital Pediátrico de Coimbra onde esteve internado 10 dias, após foi medicado com corticóides e antibiótico durante uns dias e usou colar cervical simples durante uma semana, tendo depois regressado a casa onde continuou os tratamentos médicos.
         16. Em consequência do facto referido em 10, o autor sofreu fractura occipital mediana, fractura do rochedo esquerdo e da parede do seio frontal esquerdo, bem como pequeno foco de contusão frontal direito e colecções gasosas intra cranianas, contusões hemorrágicas com edema peri-lesional, com localização frontal anterior e fronto-basal, à esquerda, fronto-polar e frontal superior à direita e cortical temporal esquerda, fractura da massa lateral do atlas, temporal posterior retromastoideia à direita com aparente envolvimento do rochedo e mastóide até ao canal semi-circular posterior: preenchimento tecidual da mastóide direita e antro mastóideu direita, à esquerda. Reabsorção parcial dos pneumocelos. Sofreu ainda fractura do atlas, laceração da parótida, infiltração para-faríngea, com desvio lateral direito da hipofaringe.
         17. O autor, em Dezembro de 2005, esteve internado para ser submetido a cirurgia para colocação de implante coclear.
         18. O autor, apesar dos tratamentos médicos e medicamentosos a que se sujeitou ficou com sequelas permanentes resultantes das lesões referidas em 16.
         19. O autor, em consequência das lesões referidas em 16 sofreu dores e ficou a padecer de surdez profunda bilateral e apresenta cicatriz operatória temporal direita, oculta por cabelo, bem como implante coclear à direita.
         20. O autor teve sofrimento físico e psicológico durante o processo de tratamento das lesões referidas em 16.
         21. As sequelas referidas no facto 19 acarretam para o autor uma incapacidade permanente geral fixável em 60%.
         22. O autor teve que efectuar deslocações desde o seu domicílio, sito no concelho de , até ... a fim de ir a consultas médicas.
         23. O autor, à data referida em 1, era saudável e activo, padecendo actualmente das sequelas permanentes referidas no facto 19.     
         24. O autor, em consequência das sequelas referidas no facto 19, tem desgosto, sente desgosto face à circunstância de padecer de surdez bilateral profunda de forma irreversível e o autor usa o cabelo mais comprido por forma a esconder a cicatriz referida em 19.
         25. O autor após o acidente ficou triste, melancólico, envergonhado e tímido e isola-se frequentemente.
         26. Em consequência da surdez bilateral profunda, o autor sente um zumbido permanente.
         27. O autor foi atendido no serviço de urgência do Centro Hospitalar de ... no dia 26/08/2005, onde fez um exame radiológico, seguido de internamento de 27/08/2005 a 02/09/2005 e de 05/09/2005 a 07/09/2005.
         28. O autor teve consultas posteriores em 26/10/2005.
         29. Os encargos com a assistência hospitalar que lhe foi prestada importaram em 2.505,36€.
         30. A ré é seguradora da responsabilidade civil extracontratual de... – ..., SA, conforme apólice nº 87/34842, e respectivas condições gerais e particulares com limite máximo de capital seguro por sinistro e por ano de 100.000€ com uma franquia de 10% no mínimo de 250€ a cargo da segurado.
         Ao abrigo do disposto no art. 659º/3 do CPC, atento o teor do assento de nascimento que faz fls 9, dou ainda como provado:
         31. O autor nasceu no dia 21/05/1994.


*

I

Actividade perigosa


              O art. 493/2 do CC diz: Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. 

              A sentença recorrida enquadrou o caso dos autos na norma do art. 493/2 do CC com a seguinte fundamentação:
         “É nosso entendimento que o quadro jurídico acima traçado tem inteira aplicação aos autos, porque, dadas as características que reveste um parque aquático, como melhor se referirá infra, a exploração do mesmo deve ser considerada uma actividade perigosa.
         É consabido que a norma ínsita no art. 493º/2 não define o que seja actividade perigosa, limitando-se a aludir genericamente que a perigosidade pode derivar da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios empregues.
         Deste modo, só caso a caso, ponderando todas as circunstâncias e variáveis presentes se poderá concluir pela caracterização de uma qualquer actividade como “perigosa”. Como critério orientador, seguimos o defendido por Vaz Serra (BMJ 85-378 e no mesmo sentido Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pg 473), segundo o qual actividades perigosas são aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades.
         Temos provado que o parque aquático em causa é composto por quatro piscinas em que duas têm escorregas de água. Concretamente naquela onde se deu o acidente com o autor, o escorrega é composto por quatro pistas com cerca de 40 m de comprimento.
         É bom de ver que, ao contrário do que sucede com uma piscina normal, quer privada quer pública, um parque aquático, mormente o escorrega em causa implica riscos agravados para a segurança do utilizador consumidor.
         Tanto assim é, que após várias condenações do Estado Português por omissão legislativa, uma das quais no âmbito do tristemente célebre “Caso Aquaparque”, foi publicada legislação específica referente à instalação e funcionamento dos recintos com diversões aquáticas, bem como o Regulamento das Condições Técnicas e de Segurança dos Recintos com Diversões Aquáticas, respectivamente Dec.Lei 65/97 de 31/03 e Decreto Regulamentar 5/97 da mesma data, que estabelecem normas rigorosas a que deve obedecer a exploração de tais recintos, entendidos estes como os locais vedados, com acesso ao público, destinados aos uso de equipamentos recreativos, cuja utilização implique o contacto dos utentes com a água, independentemente de se tratar de entidade pública ou privada e da sua exploração visar ou não fins lucrativos, (art. 2º nº 1 do Dec.Lei 65/97).

              A seguradora entende o contrário e isso porque:
         Não se define, como é evidente, nesta norma legal, o que deve entender-se por uma actividade perigosa.
         No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol., pag. 339, “apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade (como a navegação marítima ou aérea, o fabrico de explosivos, etc.) ou da natureza dos meios utilizados (tratamentos médicos com raios X, ondas curtas, etc.). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias (vide Prof. Vaz Serra, Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades, nº. 3).”
         Na lição de Mário Júlio de Almeida Costa, deve tratar-se de actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral” (Direito das Obrigações, 9ª ed, pág. 538).
         Mas, ao invés do decidido, a exploração de um parque aquático, tal como de uma piscina, não envolve uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral.
         Como bem se acentua, no ac. do STJ, de 13/10/2009, in CJSTJ2009.III, pp. 94: “Em qualquer desporto, seja ele o futebol, o hóquei, atletismo, ginástica, há sempre certas jogadas, determinados lances ou disciplinas que podem pôr, e, às vezes põem mesmo, em perigo os seus praticantes. Nem por isso estamos legitimados a dizer que a sua prática é perigosa, nos termos contemplados no citado art. 493º/2 do CC”
         […]
         Para além de não se poder qualificar como perigosa a exploração de escorregas de água – facto provado nº. 2 –, é certo que a pista onde ocorreu o acidente até foi classificada como pista branda.
         Outro claro vício de raciocínio do juiz a quo evidencia-se quando pretende estabelecer ligação entre “riscos agravados” e a legislação elaborada e publicada após o “caso Aquaparque”.
         Parece-nos óbvio que todos os parques de diversões devem obedecer a normas de segurança, impostas não pela sua perigosidade, mas sempre tendentes a possibilitar um adequado e confortável uso por parte dos utilizadores.
         Na linha de orientação do tribunal a quo não poderíamos deixar de qualificar como “actividade perigosa” a exploração de um simples parque infantil com escorregas, baloiços e carrosséis...”.

              O autor defende a sentença recorrida, que seguiu no sentido por ele avançado na petição inicial, dizendo que:
         “A nossa doutrina não se afasta da italiana no que se refere ao que deve entender-se por actividades perigosas e Vaz Serra, apoiado na doutrina italiana que cita, define-as como as “que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades” - BMJ nº 85, pág. 378.
         Numa aproximação conceitual, sustenta Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, pág. 473, que “deve tratar-se de actividade que mercê da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.
         Por sua vez, Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 495 defendem que “apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade” ou da natureza dos meios utilizados..., constituindo matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias.
         Sem afastar a sua apreciação casuística, Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. I, 1990, pág. 480, qualifica como perigosas certas actividades que impliquem o emprego de substâncias radioactivas, manipulação de líquidos corrosivos ou fabricação e uso de explosivos.
         […]
         A jurisprudência vem entendendo que, em certos casos concretos, ocorre perigosidade na actividade desenvolvida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, apontando como exemplo de actividades perigosas, para efeito da presunção de culpa estabelecida no nº 2 do art. 493º, v.g., os casos do uso de explosivos para rebentamento de rochedos - neste sentido os acs. da RP de 21/4/88, CJ, Tomo II, pág. 217, e de 14/12/93, CJ, Tomo V, pág. 242 -, os escorregas, piscinas ou pistas existentes num parque aquático, dotados de cursos de água em movimento e desníveis acentuados – ac. da RL de 4/5/2000, CJ, Tomo III, pág. 75 -, uma corrida de karting – acs. RE de 29/11/2001, CJ, Tomo V, pág. 251, e do STJ de 6/6/2002, CJ/STJ, Tomo II, pág. 98 -, uma operação de soldadura – ac. STJ de 31/10/2006, proc. 06A2388, www.dgsi.pt.
         O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados.
         Não tendo a lei feita uma enumeração, sequer exemplificativa, de actividades perigosas, cabe ao tribunal fazer, em cada caso concreto, essa qualificação.
         […]”.

              Na conclusão 6ª do seu recurso, a seguradora sugere que o ac. do STJ de 13/10/2009, publicado na CJSTJ2009III, pág. 92, diz “que a exploração de um parque aquático não se pode considerar uma “actividade perigosa” – cfr. ac. STJ de 13/10/2009, na CJSTJII/2009, p.92.”

              O acórdão em causa também está publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 318/06.9TBPZ.S1 e tem o seguinte sumário, correspondente ao seu conteúdo:
         “O simples facto de a prática da natação na modalidade apneia exigir certas e determinadas cautelas, sob pena, de não sendo cumpridas, a tornar perigosa para quem a executa, não permite tirar a conclusão de que a exploração de uma piscina, onde, ao lado daquela modalidade se podem praticar muitas mais, constitui, em si, uma actividade perigosa, nos termos assinalados.”

              Assim, como se vê, o acórdão citado não favorece a posição da seguradora. Uma piscina nada tem a ver com um parque aquático com as características das dos autos, mesmo que as pistas sejam brandas, como aliás a sentença recorrido já tinha dito.

              Por isso é que o no ac. do STJ de 06/05/2010 (864/04.9YCGMR) se diz:
         A questão da perigosidade prevista neste preceito já foi objecto de particular atenção, no que respeita aos acidentes de circulação terrestre, pelo Assento de 21.11.1979 (que se pode ver no BMJ n.º 291, 285). Comentando este na Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 113, 160, escreveu Vaz Serra que: “Inadmissível se nos afigura, pois, uma solução unitária de tipo conceitualista, como a do assento, que para todos os efeitos, e, por isso, independentemente da intenção específica da lei nos vários casos de relevância da questão, considere aplicável a norma do n.º 2 do artigo 493.º, ou exclua essa aplicabilidade.”
         Na senda, que se nos impõe, da tomada de posição perante este caso concreto, importa ponderar o que é hoje uma piscina. Trata-se dum tanque, com anexos laterais em relva ou semelhante, destinado ao lazer de pessoas que ali se banham e/ou apanham sol. Existe já com alguma frequência em casas particulares, com inerente acesso restrito e existe, aberta ao público, em quase todas as pequenas ou grandes cidades e vilas.
         O seu uso encerra, naturalmente, algumas perigosidades. O banho pode ter más consequências em casos raríssimos, pode-se cair nas bordas e aí por diante. Mas são tudo potenciais perigos que não ultrapassam o vulgar de qualquer actividade do dia-a-dia. Relativamente aos quais, aliás, é o próprio utente que, em primeira linha, tem que se precaver. E tanto assim é que, sem que se pretendam alcançar as emoções próprias do perigo, são as piscinas procuradas pelas pessoas – inclusive, como no nosso caso, pagando – como instrumento de lazer.
         Muito mais perigoso era, já em 1979, estar sujeito ao que poderia acontecer no domínio da circulação terrestre.
         Por isso, consideramos que a actividade própria da exploração duma piscina não deve ser considerada, por regra, perigosa para efeitos do preceito citado. Acolhemos, assim, a posição deste Tribunal vertida no Acórdão de 13.10.2009, processo n.º 318/06.9TBPZ.S1 […]
         Decerto que, recolhendo a posição do Ilustre Professor citado, a resposta uniforme conceitualizada é de afastar. Casos há ou pode haver em que a exploração duma piscina se possa considerar perigosa para efeitos do preceito. Basta pensar-se em frequência por crianças não vigiadas, em sobrelotação manifesta, em construção sem atentar na segurança das pessoas, em actividades aquáticas elas mesmas de risco, etc. Mas para funcionar a presunção de culpa daquele n.º 2 do artigo 493.º, haviam os autores, primeiro, que demonstrar estes factos integrantes da especial perigosidade.

              Já o acórdão citado pelo autor (utilizando uma citação corrente em vários acórdãos, como, apenas por exemplo, no da RL de 28/04/2005, 824/2005-8, no do TRP de 24/01/2008, 0736230, e no do RL de 20/01/2010, 10/08.0TBRDD), que é o ac. da RL de 4/5/2000, CJ, Tomo III, págs. 75/77 (citado também por Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, tomo III, 2010, Almedina, pág. 585), conforta a sentença recorrida:
         I. Os escorregas, as piscinas, as pistas, etc., existentes num parque aquático, dotados de cursos de água em movimento e desníveis acentuados, são [sem sombra de dúvida – diz-se no texto do acórdão, parênteses deste ac. do TRC] manifestação de uma actividade que em si mesma é perigosa, a caber no disposto no art. 493º/2 do CC.
         II. Se o utente contrariar as instruções sobre o modo de utilização dos divertimentos impostas pela exploradora do parque e por ele aceites, a partir daí operou-se a transferência total do risco para aquele que agiu com falta de cuidado (objectivo e subjectivo) ao não tomar os cuidados necessários a que contratualmente estava obrigado.

              Outras referências à perigosidade da actividade em causa podem ver-se, apenas por exemplo, no ac. do TRL de 07/05/2002 (0035211 da base de dados do ITIJ – a sentença da 1ª instância, referindo no seu sumário a actividade perigosa, está publicada na revista Sub Judice, 17, publicada em Maio de 2001, pág. 107 e segs) e na R-307/95, Rec. nºs 7,8/B/95, da Provedoria da Justiça, http://www.provedor-jus.pt/restrito/pub_ficheiros/Relatorio_Assembleia_1995.pdf, págs 69 a 73.

                                                                 *

              Assim, por um lado, tem que se entender que a descida de escorregas com 40 m de comprimento em parques aquáticos, ao menos se feitas por crianças de 11 anos, é uma actividade perigosa, ou, dito de outro modo, a colocação de um escorrega de 40 m num parque aquático, para utilização por uma criança de 11 anos, é uma actividade perigosa, e por isso é que é tem de ser vigiada e, por outro lado, que danos sofridos por essas crianças no âmbito dessa actividade, organizada por uma empresa, são danos causados por essa actividade justificando-se, por isto, que a sua reparação seja posta a cargo dessa empresa, excepto se esta fizer a prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir (art. 493/2 do CC).

              Prova que a ré, seguradora de tal empresa, não fez, pelo que, como decidiu a sentença recorrida, deve ser responsabilizada pelos danos sofridos pelo autor.


II

Do cálculo da indemnização


              Para já quanto aos factores postos em causa no recurso:

O grau de incapacidade:

              A sentença só considerou uma IP de 48%, que foi a que tinha sido alegada pelo autor.

              O autor defende que a IP a considerar deve ser a de 60%.

              Sem razão, como também responde a ré.

              O juiz só pode ter em consideração os factos alegados pelas partes (arts. 664 e 264/2, parte inicial, do CPC).

              Aquilo que aparentemente complica esta solução é o facto de na resposta ao quesito 21 se ter inserido a percentagem de 60%. Só que esta resposta extravasou o quesito e não pode ser considerada, na parte excedente à matéria alegada, precisamente por força das normas acabadas de referir.

              A argumentação do autor - sempre o tribunal a quo podia tomar em consideração a percentagem de 60% de IPG que se veio a apurar, desde que a indemnização decorrente dessa percentagem não ultrapassasse o valor do peticionado – é uma argumentação que tem sido utilizada para outros efeitos (para permitir dar valores mais elevados a danos parcelares sem se ultrapassar o pedido global) não para ultrapassar a proibição decorrente daquelas normas.

              E um facto que vai para além do alegado não pode ser considerado um facto instrumental de outro, ao contrário do que o autor pretende ao invocar a [parte final] do nº. 2 do art. 264 do CPC.

                                                                 *


O nº. de anos que deve entrar no cálculo ou da esperança média de vida:

              A sentença disse: o autor à data do acidente tinha 11 anos; considerando que idade da reforma se alcança aos 65 anos, faltar-lhe-iam 54 anos para a atingir. Depois diz: analisada a tabela descrita no acórdão do STJ de 2007, tal corresponde ao factor índice máximo (50 [anos]) de 25,72976.

              O autor diz: a tabela utilizada pelo tribunal a quo é substancialmente prejudicial ao apelante uma vez que o factor índice máximo aí previsto para atingir a idade da reforma é de 50 anos, sendo certo que ao autor faltam-lhe 54 anos para atingir essa idade da reforma.

              Se se aceitasse a idade da reforma como relevante, os 50 anos como máximo estariam certos, já que em princípio (e no caso dos autos não há a sugestão do contrário) ninguém começa a trabalhar antes dos 15 anos.

              A verdade, no entanto, é que há muito se tem entendido que não é a idade da reforma que conta, mas sim a esperança média de vida, isto é, ao tempo provável de vida da vítima (como o autor destes autos também acaba por defender mais à frente).

              A referência ao tempo provável de vida da vítima é opção seguida pelo acórdão do STJ de 28/9/1995, publicado na CJ.STJ.95.III, pág. 36 (: “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, u como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”) e nos acórdãos do STJ de 16/3/1999, CJ.STJ.99.I.167, de 25/7/2002, na CJ.STJ.2002.II.128.

              E passou a ser seguida por parte da jurisprudência, a partir do momento em que tal referência foi adoptada no parecer do Provedor de Justiça a propósito do caso da ponte de Entre-os-Rios (parecer de 19/03/2001, publicado no Diário da República, II série, nº. 96,  de 24/4/2001, págs. 7139 e segs., especificamente ponto 38, nota 17): “julga-se a utilização do período de vida expectável da vítima como critério mais adequado do que o comummente utilizado da idade da reforma/aposentação, já que é de supor que o auferimento de rendimentos durante a vida activa permitiria, pela inscrição obrigatória em regime de segurança social, o recebimento de pensão de velhice ou de aposentação até ao fim da vida”.

              E, face a estes argumentos – que aliás têm reflexo na sentença e no acórdão do STJ de 2007 por ela invocado – entende-se que é a posição correcta. 

              A indemnização pois ser calculada com referência ao tempo provável de vida da vítima (normalmente através da referência à esperança média de vida).

              Ora, a esperança de vida, segundo os dados do INE reportados a 29/05/2009 (sítio www.ine.pt/), é de 75,49 anos para o sexo masculino e de 81,74 anos para o sexo feminino.

              Presumindo-se que o autor começaria a trabalhar anos 18 anos, o nº. de anos que deve entrar no cálculo é de 57,5 anos (mais do que o autor refere; note-se, que, aqui, não se está perante um facto que tenha sido alegado, ou que tivesse que ser alegado para poder ser tomado em conta..).

                                                                 *
                                              A fórmula do cálculo:
              Na conclusão 5 o autor põe em causa a forma como a sentença efectuou o cálculo da indemnização e sugeriu a aplicação de uma fórmula matemática utilizada em múltiplos acórdãos jurisprudenciais.
              Na sentença recorrida diz-se:
         “A jurisprudência tem entendido que a IPP, enquanto perda da capacidade de ganho, deve ser indemnizada num montante que, por um lado não propicie um enriquecimento injustificado à custa do lesante, mas por outro proporcione ao lesado uma quantia em dinheiro que produza o rendimento fixo mensal perdido. Assim a referida indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado por forma a representar um capital que com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que durante esse tempo perdeu.
         Procura-se, deste modo, assegurar ao lesado o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando para tal um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida activa.
         Na concretização desta orientação têm sido utilizados os mais variados critérios (cf ibidem), sendo que nenhum daqueles critérios (nem aquele que utilizamos, que se concretizará infra) é automático, devendo servir como mero auxiliar do julgador que, perante o caso concreto, deverá temperá-lo equitativamente tendo em consideração todas as variáveis do caso concreto, de molde a alcançar um resultado justo e equilibrado.
         O critério que utilizamos é o que se encontra proposto no ac.STJ de 04/12/2007 (07A3836) - relatado pelo Exmº Conselheiro Mário Cruz -, o qual se nos afigura suficientemente objectivo, de molde a permitir soluções uniformes, mas simultaneamente tem em conta as múltiplas variáveis que devem ser tomadas perante qualquer caso concreto, de forma a corrigir o valor que se atinge com a simples utilização de fórmulas matemáticas.
         Parte-se assim de uma aplicação do programa informático excell, elaborada tendo como referência a atribuição de 3% ao factor indicado como taxa de juro previsível no médio e longo prazo, aplicação essa que nos dá um determinado factor índice, em função dos anos que ainda faltam para atingir a idade da reforma.
         Pegando depois no factor índice correspondente aos anos que faltam para atingir a idade da reforma, é o mesmo multiplicado pelo rendimento anualmente auferido à data do acidente e novamente multiplicado pela percentagem de IPP, valor a que haverá que tomar em consideração a percentagem de culpa do lesante na produção do acidente.”

              Posto isto:

              Como diz o próprio acórdão do STJ que a sentença recorrida seguiu de perto, aquela tabela foi colocada ao dispor de “quem não é perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no ac. de 05/05/1994 ou do TRC de 04/04/1995” e a essa tabela chegou-se “pela simples aplicação do programa informático excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo […]”.

              Portanto, tal tabela é uma aplicação da fórmula usada pelo STJ no ac. de 05/05/1994 (publicado na CJ.STJ.94.2.86, onde se esclarece que ela foi facultada pelo docente Dr. Joaquim Correia Caetano), e antes deste no ac. do STJ de 04/02/1993 (do mesmo relator e publicado na CJ.STJ.93.1.128). Não tem pois razão o autor quando contrapõe a tabela à fórmula.

              Ora, aquela fórmula foi desenvolvida depois pelo ac. do TRC de 04/04/1995 (publicado na CJ.95.2.23/26), de modo a tomar em consideração o crescimento dos salários ao longo de toda a vida laboral, a acompanhar a inflação, e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais.

              E assim, desde tal data têm sido utilizados para a consideração de todos estes factores e já tendo em conta que o capital tem de estar esgotado no fim do período em causa, as seguintes duas fórmulas complementares:

              A 1ª (que é um resumo simplificado da fórmula matemática utilizada pelo STJ, fornecida pelo autor da acção julgada no ac. do TRC de 04/04/1995) é:

                                            C =  (1+i)N -1  x P

                                      (1+i)Nx i

                                 em que

                                 C = capital;

                                 P = prestação a pagar no 1º ano;

                                 i = taxa de juro; e

                                 n = o nº. de anos de esperança de vida;

              A 2ª é:                                        

                                 i = 1 + r - 1,

                                    1 + k

              em que:

              r = taxa de juro nominal líquida.

              k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais).

              Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da apli­cação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida.

                                                                    *

              Ora, como modo de conseguir atingir, de modo objectivo, um valor justificável por si e o mais próximo possível dos danos efectivamente sofridos, sem deixar margem para uma ampla discricionariedade, é preferível incluir logo na fórmula matemática em causa todos os factores e fazer depois as adaptações que se justifiquem, do que usar uma tabela ou fórmula que só abrange, por exemplo, os anos de vida activa, fazendo depois funcionar, sem nunca se explicar bem como, um outro factor destinado aos restantes anos de esperança de vida.

              Deve, por isso, continuar a aplicar-se as fórmulas do acórdão do TRC, aproveitando-se, na aplicação dos factores que a mesma contém, os ensinamentos que a experiência e mais estudo possibilitem.

                                                                    *

               Para aplicação de tais fórmulas há ainda que decidir a questão do salário a introduzir nas mesmas.


O salário a ter em conta:

              A sentença disse:

         “ Dentro dos parâmetros da previsibilidade, podemos equacionar um extremo, em que o autor seria um empresário, artista, cirurgião, engenheiro, investigador de renome e com isso alcançar uma elevada capacidade monetária e outro extremo em que o autor auferiria, pelo menos o salário mínimo nacional.

         Considerando estes dois extremos, temos como mais previsível que sempre o autor auferirá este último, pelo que é com base no mesmo que efectuaremos o cálculo da indemnização pela incapacidade.”

              Não se vê a razão de ser desta escolha. Entre os dois extremos, como lhe chama a sentença, é mais razoável prever que o autor irá ganhar pelo menos o salário médio nacional.

              Neste sentido, veja-se:

              O ac. do STJ de 02/10/2007 (CJSTJ2007.III.68):

         “tendo o lesado dois anos de idade à data do acidente, o cálculo dos danos futuros deve considerar o seu ingresso na vida activa aos dezoito anos e o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média.”

              O ac. do TRC de 16/11/2010 (15/07.8TBFAG.C1):

         “sempre que o lesado, devido à idade, não tenha entrado, ainda, no mercado de trabalho, deve ser considerado o seu ingresso na vida activa aos 18 anos e o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média.”

              O salário médio mensal nacional dos homens era, em Portugal, em 2005 (à data do acidente) de 832,50€ http://www.pordata.pt/azap_runtime/?n=4.

              E esse salário é recebido 14 vezes ao ano, não só 12, como se fez na sentença recorrida.

                                                                  *


O desconto de 1/3:

              Diz a sentença, depois de ter aplicado a fórmula de que se falará à frente:

         “Ao valor assim obtido deverá ser descontado a importância que o lesado, independentemente do acidente, sempre gastaria consigo, situada entre 1/3 ou ¼, consoante o lesado fosse solteiro ou casado.”.

              Neste sentido vai o acórdão do STJ de 04/12/2007 citado na sentença recorrida.

              O autor, na conclusão 8, põe em causa tal dedução.

              O ac. do STJ de 25/11/2009 (397/03.0GEBNV.S1) esclarece:

         “Estando em causa danos futuros de frustração de ganhos associados a IPP, em alguns acórdãos tem-se em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, as despesas que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns deles, em média, para 1/3 dos proventos auferidos […]

         Com a restrição de que esta consideração somente vale no caso de morte, o acórdão de 17/06/2008 (1266/08 - 6ª). Já o acórdão de 25/11/1999 (827/99-7ª), clarificara que aqui, diversamente do que ocorre para o caso de morte, era de por de lado o desconto de 1/3 que a vítima gastaria com ela.

         Será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente não se efectivará, ao passo que o sobrevivente, com lesão gravemente incapacitante, grande traumatizado, continua a alimentar-se e eventualmente a ter outro tipo de necessidades e de dispêndio, por carecer, por exemplo, de dieta especial, não nos parecendo ser de fazer a dedução.”

              Não se vê que este argumento seja rebatível ou tenha sido rebatido.

              Pelo que não há que fazer este desconto de 1/3 (mas à frente terá que se fazer referência a um outro, que é aplicado neste mesmo acórdão do STJ de 25/11/2009).

                                                                 *

              Para aplicação da 2º fórmula, considera-se que:

              r = é igual a 4%.

              k = é igual a 3%.

              Pelo que, sendo 

              i = 1 + r - 1,

                  1 + k

              i é 0,97%.

                                                                 *

              E para aplicação da 1ª fórmula, sabe-se agora que:

              P terá de ser igual a 832,50€ x 14 meses x 48% = 5.594,40€

              N é igual a 57.

              E i é igual a 0,97%

              Pelo que C é igual a:

              C =  (1+i)N -1  x P

                   (1+i)Nx i

              Aplicando assim tais fórmulas, o resultado é:

              C =  (1+0,97%)57,5 - 1             x 5.594,40€.

                      (1+0,97%)57,5 x 0,97%      

                   C = 43,913761897353779722711115307055 X 5.594,40€

              C = 245.671,15€.

                                                                 *

              A este valor deve ser feita alguma dedução?

              Os acórdãos do STJ de 1994 e o do TRC de 1995 não faziam tal dedução.

              O ac. do STJ de 25/11/2009, como se anunciou, diz que sim:

         “Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.”

                                                                 *

               Se se reparar no resultado obtido com as fórmulas aplicadas, as mesmas vão levar a que, em vez de se multiplicar o valor da prestação perdida pelo lesado no 1º ano pelo nº. de anos que lhe restavam previsivelmente de vida (a partir da entrada na vida activa), que eram de 57,5, se multiplique apenas por um número muito inferior, próximo apenas dos 44 anos. Isto já dá um desconto prático de cerca de 23,5%. Ou seja, já só se lhe dá um valor de 76,5% do capital que lhe seria atribuído se ao valor da prestação inicial perdida (no 1º ano) se multiplicasse pelo nº. de anos apurado.

               Apesar disso, no caso concreto dos autos, tendo em conta que as fórmulas aplicadas pressupõem que a taxa de juro é superior ao aumento do salário (com a inflação, ganhos de produtividade e promoções profissionais) e que, para além disso, o lesado menor, até entrar na vida activa não é suposto gastar dinheiro da indemnização obtida, aceita-se que se deva fazer a redução daquela dedução, na percentagem, no caso, de 20%, sob pena de o capital ir aumentando nos primeiros anos de tal forma que se acaba por não gastar no fim daquele período (como se pode constatar se se fizerem as contas - pondo-se numa coluna o valor do capital inicial, noutra o resultado da soma do mesmo com os juros de cada ano – que, no caso quase que fazem aquele aumentar de 1/3, tendo em conta os anos que ainda faltavam para o autor entrar na vida activa, e depois subtraindo-se, em cada ano, ao capital inicial e subsequente, o valor de uma prestação anual aumentada com o ganho anual; note-se que contas feitas por alto com base num dedução de 33% levariam, pelo contrário, a que o capital se esgotasse muito antes do fim da vida do lesado).

               Assim, o capital de 245.671,15€ fica reduzido a 196.536,92€.

              E seria esta a indemnização correcta pelos danos patrimoniais futuros do autor, mesmo apenas considerando uma incapacidade 48%.

                                                                 *

              Visto que a indemnização por danos patrimoniais já ultrapassa, em muito, o valor que pode ser atribuído a esse título, ficam prejudicadas, por inúteis, as questões relacionadas com as conclusões 13 e 14.

                                                                 *

              Quanto aos danos não patrimoniais.

              A sentença atribui 20.000€ em vez dos 25.000€ que a esse título tinham sido pedidos pelo autor, insistindo este neste último valor neste recurso.

              A sentença não explica como é que chegou a esse valor, mas teve em conta todos os danos que decorrem dos factos 15 a 21, 23 a 28 e 31, que, em resumo, se pode dizer que se traduziram, para um miúdo de 11 anos, em três períodos de internamento hospital, várias operações e tratamentos médicos, múltiplas fracturas e contusões, uma cicatriz na face, uma surdez profunda bilateral (irreversível e com um zumbido permanente), com uma incapacidade permanente de 48% (aquela que pode ser tomada em consideração), tudo com o inerente sofrimento físico e psicológico.

              Na fixação da indemnização por estes danos está actualmente desvalorizado, pela jurisprudência das Relações e do STJ, o argumento da comparação deles com o maior dano não patrimonial que é a perda da vida. Isto talvez porque o direito à vida tem sido fixado em cerca de 60.000€ (talvez o argumento voltasse a ter valia, se se seguisse a sugestão de Leite Campos de se atribuir 1.000.000€ pela perda do direito à vida... Os danos causados pela morte e a sua indemnização, Comemorações dos 35 anos do CC e dos 25 anos da reforma de 1977, vol. III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, pág. 137; neste mesmo sentido, veja-se agora Menezes Cordeiro, obra citada abaixo, pág. 755: “A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente), da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de todo”).

              Por isso, agora a fixação da indemnização destes danos tem sido feita, no essencial, por comparação com as indemnizações atribuídas a situações semelhantes em casos mais recentes:

              Veja-se então:

              O acórdão do STJ de 19/06/2007, publicado sob o nº. 07A1730 da base de dados do ITIJ/STJ, deu 25.000€ a um adulto de 55 anos que perdeu o olfacto, sofre de graves dificuldades respiratórias, apresenta deformação da ponta do nariz, sofreu dores e angustia e depressão, deixou de dormir normalmente, acordando com falta de ar; o que lhe criou insónias; nervosismo e depressão e ficou incapacitado e impedido de trabalhar.

              O acórdão do STJ de 22/01/2008, publicado sob o nº. 07A4338 da base de dados do ITIJ, deu 35.000€ a um professor que sofreu fracturas do fémur e do úmero direitos, um período de cura directa de mais de 1 ano, uma intervenção cirúrgica do foro ortopédico e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos, tendo o respectivo quantum doloris sido avaliado em 6, numa escala de 7, com períodos consideráveis de internamento, tendo ainda resultado um prejuízo estético avaliado em 3 numa escala de 7, e ficando com sequelas que se traduzem numa incapacidade permanente geral parcial de 25%, agravada no futuro em mais 5%.

              O acórdão do STJ de 28/02/2008, publicado sob o nº. 08B388, manteve a indemnização de 125.000€ a uma vítima que esteve em coma profundo durante vários dias, sem ter a consciência do que lhe acontecera e das lesões profundas que apresentava, permanecendo durante semanas com perda de consciência, sem reconhecer pessoas, familiares; esteve internado em diferentes instituições hospitalares e foi submetido a diversas e delicadas intervenções cirúrgicas e sessões de tratamento e recuperação; quer durante o internamento quer posteriormente, sofreu muitas dores, intensas privações, aborrecimento e desconforto; continuará a sentir tais dores, privações e aborrecimento, bem como a ter necessidade de tratamentos, nomeadamente fisioterapia, por toda a vida; ficou com limitações físicas graves, com elevado índice de incapacidade, que é total em relação à actividade profissional que exercia; que sente, em consequência das dores, aborrecimentos e privações, depressões, infelicidade, sentimento de inferioridade e de diminuição das suas capacidades, bem como profundo desgosto pela sua total dependência de terceiros, quer para se mover quer para tratar de outros assuntos;
ficou com cicatrizes extensas e notórias…. está condicionado na mobilidade do seu próprio corpo; há manifestamente um dano decorrente de limitação da sua capacidade de afirmação pessoal; há um decréscimo de qualidade de vida, que mais se acentuará com o decurso do tempo, face às limitações de mobilidade e a um previsível acréscimo do grau de dependência em relação a terceiros.

              O acórdão do STJ de 4/3/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº.08A183, atribuiu a um autor com quase 59 anos, que sofreu uma mudança radical na sua vida social, familiar e pessoal, já que se acha impotente sexualmente e incontinente, jamais podendo fazer a vida que até então fazia, e é hoje uma pessoa cujo modo de vida, física e psicologicamente é penoso, sofrendo consequências irreversíveis, não sendo ousado afirmar que a sua auto-estima sofreu um abalo fortíssimo, 225.000€. Nota-se que os condenados eram pessoas singulares e os factos datavam de 1998.

              O acórdão do STJ de 19/06/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 08B1841, quantificou em 120.000€ os danos não patrimoniais sofridos por uma mulher de 27 anos de idade, que sobrevive com gravíssimos ferimentos, destacando-se a amputação do membro inferior direito, o prejuízo estético e funcional, a afectação sexual, a auto estima, as operações a que teve que se sujeitar, os sofrimentos físicos e psíquicos que teve e continua a ter, as intervenções cirúrgicas, e a IPP de 70% de que ficou a padecer.

              O acórdão do STJ de 26/05/2009, publicado na base de dados do STJ/ITIJ sob  o nº. 3413/03.2TBVCT.S1, atribuiu 200.000€ por danos não patrimoniais provando-se que, por causa do acidente, ocorrido em Novembro de 2001, o autor, com 29 anos, motorista de pesados ficou, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas (cuja duração é inferior a 1 ano) como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especialidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho. E atribuiu 50.000€ por danos não patrimoniais da mulher do autor, considerando que a sua qualidade de vida ficou profundamente afectada, os seus direitos conjugais amputados numa parte importante para uma mulher jovem e o seu projecto de ter mais filhos irremediavelmente comprometido.

              O acórdão do STJ de 07/07/2009 – publicado sob o nº. 704/09.9TBNF.S1 – atribuiu 45.000€ a uma jovem de 19 anos que, quer em consequência do acidente, quer com os tratamentos a foi sujeita, quer com as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, sofreu dores de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, sentiu pavor com a perspectiva da própria morte, sofre pelo facto de ter ficado com as cicatrizes supra referidas, e desde o acidente que se sente complexada e triste com o seu aspecto físico (as cicatrizes afectam o rosto são visíveis e podem não ser passíveis de regressão ou tratamento após cirurgias).

              No acórdão do TRC de 03/02/2010 (276/03.1GBOBR.C1) aceitou-se o valor de 125.000€ (que era o valor pedido) como o adequado para um adulto com 29 anos, que sofreu um traumatismo cranioencefálico e facial com focos de contusão cerebrais e várias fracturas e cortes que lhe deixaram cicatrizes; que ficou em estado de coma durante 8 dias, e depois cerca de 42 dias internado num hospital; foi sujeito a inúmeras operações e tratamentos e programas durante vários meses; que depois da alta apresentava graves problemas de comunicação, de memória, de funcionamento motor, assimetria facial, problemas visuais, delírios, alterações de personalidade, problemas cognitivos e emocionais, etc.; e que ficou com as referidas – para a fixação da incapacidade feita acima - alterações irreversíveis da fala, da memória, da atenção e da orientação, o que tudo prefigura um síndrome pós-traumático encefálico em grau severo, com clara diminuição da sua eficiência pessoal e, necessariamente, profissional (= IPP de 40%); teve uma diminuição bilateral do olfacto. Tem um prejuízo de afirmação pessoal fixável em 3 numa escala de cinco graus de gravidade crescente; teve um período de incapacidade geral quase total durante quase 22 meses.

              Tendo em conta todos estes casos e comparando-os com o dos autos, e tendo também em conta que a indemnização por danos morais será fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 494 e 496 do CC), pode-se dizer que a indemnização pedida de 25.000€ a pecar fá-lo apenas por defeito.

                                                                 *

              Assim, a indemnização a atribuir podia ser superior a 25.000€ +  196.536,92€.

              Como a acção só foi intentada contra a seguradora e esta só segura o montante de 100.000€, a indemnização não pode ultrapassar esse limite, ao qual, por isso, terá de ser reduzida (art. 661/1 do CPC). Como 2.505,36€, estão atribuídos, sem recurso, ao Centro Hospitalar, a indemnização não pode ultrapassar os 97.494,64€.

              Dado o teor da decisão quanto a juros, que está correcta, importa distinguir a parte que deve ser atribuída a danos patrimoniais da outra parte.

              A proporção que constava da petição – que depois terminava com um erro de contas – era de 152.000€ para danos patrimoniais e 25.000€ para danos morais. Ou seja, de 14,12% para os danos morais.

                                                                 *

               Dos valores previstos nas portarias 377/2008 e 679/2009

              Contra os valores alcançados, com o suporte principalmente da actual jurisprudência do STJ, não se esgrima, agora, com os valores das Portarias 377/2008 de 26/05, e 679/2009, de 25/06, como já se tem visto fazer, nem se tente fazer delas base de cálculo das indemnizações a atribuir pelos tribunais.

              Para o efeito, basta ver o que sobre elas diz o Prof. Menezes Cordeiro:

         “visando – o Governo – respaldar as companhias de seguros – […] são lamentáveis: conseguem fixar valores ainda aquém das já deprimidas cifras obtidas nos tribunais. Pior: cifras máximas, quando seria de esperar, ao menos, que as cifras fossem mínimas. […] A portaria contém tabelas por danos corporais e outros: insig-nificantes […] Esta iniciativa merece um juízo de censura absoluta. O Governo nunca deveria ter intervindo neste domínio, sem crité-rio nem justiça e, aparentemente, sem conhecimento da evolução (penosa) do próprio Direito Civil […] este grave atentado aos direi-tos mais sérios e profundos dos cidadãos. […] As ofertas muito baixas, feitas pelas seguradoras, às vítimas de sinistros, agora apoiadas pelas infelizes portarias do Governo, têm ainda uma dimensão da maior injustiça. Elas são propostas a famílias de bai-xos recurso, desesperadas pelos danos morais e patrimoniais que inesperadamente as atingem e que logo aceitam como único palia-tivo. Apenas a classe média/alta pode enfrentar um processo de muitos anos contra uma seguradora para, então, conseguir arrancar um resultado menos deprimente” E mais à frente: “a boa fé não pode ser dispensada por portaria do Governo. (Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 753 e 759).  

              Ou aquilo que é dito pelo Prof. Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, notas 1639 a 1641, págs. 568/571) sobre medidas num âmbito conexo:

         “medidas de claro favorecimento das seguradoras em prejuízo dos segurados” que podem levar a uma situação que pode ser considerada de “escandalosa injustiça material” (de verdadeira expropriação forçada por utilidade particular (no caso, das seguradoras – utilizando as palavras de Menezes Leitão, em obra que cita) e por isso inconstitucionais.

              Sumário:

              I. A colocação de um escorrega de 40 m num parque aquático, para utilização por uma criança de 11 anos, é uma actividade perigosa, a caber no disposto no art. 493º/2 do CC.

              II. Na indemnização pela perda da capacidade aquisitiva, deve ter-se em conta, logo na fórmula de cálculo da indemnização, a esperança média de vida e não a idade da reforma.

              III. Nessa indemnização, quando o lesado for um menor que ainda não entrou na vida activa laboral, deve ter-se em conta o salário médio nacional e não o salário mínimo nacional e deve presumir-se que ele começaria a trabalhar aos 18 anos de idade.

              IV. As fórmulas utilizadas pelo ac. do TRC de 04/04/1995 são ainda as melhores para se encontrar uma base mínima para aquela indemnização.

              V. Quando se demonstrar que o recebimento imediato do capital traduz um benefício injustificado para o lesado, deve ser feita uma redução entre 10 e 33% desse capital, mas não é de descontar nesse capital aquilo que o “lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida”.

              VI. Os danos não patrimoniais têm vindo, ultimamente, a ser fixados com base numa comparação com as indemnizações atribuídas a situações semelhantes, apesar da sugestão de Leite Campos e de Menezes Cordeiro no sentido de avaliar a vida, para efeitos da compensação, num milhão de euros, e alinhar todos os outros danos, depois, abaixo desse valor.

              VII. Contra os valores assim obtidos, não se devem invocar as Portarias 377/2008 de 26/05, e 679/2009, de 25/06.

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              Pelo exposto, julga-se o recurso interposto pela ré improcedente e parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, e em consequência altera-se a decisão recorrida que passa a constar do seguinte: condena-se a seguradora a pagar: ao autor, 11.699,36€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, e 85.795,28€ a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; e ao Centro Hospitalar 2.505,36€, acrescida de juros de mora desde 30/12/2008, até efectivo e integral pagamento.

              Custas do recurso da seguradora por esta.

              Custas da acção e do recurso do autor, pelo autor e pela seguradora na proporção do decaimento.


              Pedro Martins ( Relator )
              Virgílio Mateus
              António Carvalho Martins