Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL ACTIVIDADE PERIGOSA INDEMNIZAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 02/15/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | MARINHA GRANDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
Legislação Nacional: | ARTS.483, 493 Nº2, 496, 564, 566 CC | ||
Sumário: | 1. A colocação de um escorrega de 40 m num parque aquático, para utilização por uma criança de 11 anos, é uma actividade perigosa, a caber no disposto no art. 493º/2 do CC. 2. Na indemnização pela perda da capacidade aquisitiva, deve ter-se em conta, logo na fórmula de cálculo da indemnização, a esperança média de vida e não a idade da reforma. 3. Nessa indemnização, quando o lesado for um menor que ainda não entrou na vida activa laboral, deve ter-se em conta o salário médio nacional e não o salário mínimo nacional e deve presumir-se que ele começaria a trabalhar aos 18 anos de idade. 4. Quando se demonstrar que o recebimento imediato do capital traduz um benefício injustificado para o lesado, deve ser feita uma redução entre 10 e 33% desse capital, mas não é de descontar nesse capital aquilo que o “lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida”. 5. Os valores fixados nas Portarias nº 377/2008 de 26/05, e nº679/2009, de 25/06 não são vinculativos para os tribunais, nem devem servir de base de cálculo das indemnizações arbitradas judicialmente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
P(…) (= autor), devidamente representado por sua mãe, residente em lugar da ..., (…), intentou a presente acção contra Companhia de Seguros (…) SA (= seguradora), com sede em ( ...), pedindo a condenação desta no pagamento de 157.000€, acrescida dos juros à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação até efectivo pagamento e ainda no que vier a liquidar-se em execução de sentença no que concerne aos tratamentos médicos e medicamentosos, deslocações, internamentos, cirurgias, alimentação e outras, tudo acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, bem como custas e demais encargos legais. Para tanto, alegou em síntese que: A ré contestou, dizendo que O autor deduziu a réplica, mantendo o alegado na pi. * Na acção que constitui o apenso B, o Centro Hospitalar de ... (= Centro) pediu a condenação da ré no pagamento de 2.505,36€, acrescidos de juros de mora desde 15/05/2006, quantia despendida com os tratamentos efectuados ao autor, na decorrência do acidente. Contestou a ré invocando a excepção da prescrição, atento o disposto no art. 3º nº 3 do Dec. Lei 218/99 e no mais alegando nos termos já supra expostos. Na sequência do despacho proferido a fls 225, veio o CHC responder à excepção da prescrição, pugnando pela sua improcedência. * Depois do julgamento foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando a seguradora a pagar: ao autor 20.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, 50.300€ a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; e ao Centro Hospitalar 2.505,36€, acrescida de juros de mora desde 30/12/2008, até efectivo e integral pagamento. * Desta sentença foi interposto recurso, quer pela seguradora quer pelo autor. A seguradora – que quer ser absolvida do pedido - terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: O autor – que quer ver aumentado o valor da indemnização – terminou as suas alegações com as seguintes conclusões: Quer o autor quer a seguradora apresentaram contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso da contra-parte. * Questões que importa decidir: se a actividade explorada pela segurada da ré é ou não uma actividade perigosa para efeitos do art. 493/2 do CC (é questão levantada pelo recurso da ré); se de algum modo tiver que ser atribuída indemnização ao autor, fica depois por decidir qual a forma de cálculo de tal indemnização e quais os factores em concreto que nele devem entrar (são questões levantadas pelo recurso do autor). * São os seguintes os factos provados: * I Actividade perigosa O art. 493/2 do CC diz: Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir. A sentença recorrida enquadrou o caso dos autos na norma do art. 493/2 do CC com a seguinte fundamentação: A seguradora entende o contrário e isso porque: O autor defende a sentença recorrida, que seguiu no sentido por ele avançado na petição inicial, dizendo que: Na conclusão 6ª do seu recurso, a seguradora sugere que o ac. do STJ de 13/10/2009, publicado na CJSTJ2009III, pág. 92, diz “que a exploração de um parque aquático não se pode considerar uma “actividade perigosa” – cfr. ac. STJ de 13/10/2009, na CJSTJII/2009, p.92.” O acórdão em causa também está publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 318/06.9TBPZ.S1 e tem o seguinte sumário, correspondente ao seu conteúdo: Assim, como se vê, o acórdão citado não favorece a posição da seguradora. Uma piscina nada tem a ver com um parque aquático com as características das dos autos, mesmo que as pistas sejam brandas, como aliás a sentença recorrido já tinha dito. Por isso é que o no ac. do STJ de 06/05/2010 (864/04.9YCGMR) se diz: Já o acórdão citado pelo autor (utilizando uma citação corrente em vários acórdãos, como, apenas por exemplo, no da RL de 28/04/2005, 824/2005-8, no do TRP de 24/01/2008, 0736230, e no do RL de 20/01/2010, 10/08.0TBRDD), que é o ac. da RL de 4/5/2000, CJ, Tomo III, págs. 75/77 (citado também por Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, tomo III, 2010, Almedina, pág. 585), conforta a sentença recorrida: Outras referências à perigosidade da actividade em causa podem ver-se, apenas por exemplo, no ac. do TRL de 07/05/2002 (0035211 da base de dados do ITIJ – a sentença da 1ª instância, referindo no seu sumário a actividade perigosa, está publicada na revista Sub Judice, 17, publicada em Maio de 2001, pág. 107 e segs) e na R-307/95, Rec. nºs 7,8/B/95, da Provedoria da Justiça, http://www.provedor-jus.pt/restrito/pub_ficheiros/Relatorio_Assembleia_1995.pdf, págs 69 a 73. * Assim, por um lado, tem que se entender que a descida de escorregas com 40 m de comprimento em parques aquáticos, ao menos se feitas por crianças de 11 anos, é uma actividade perigosa, ou, dito de outro modo, a colocação de um escorrega de 40 m num parque aquático, para utilização por uma criança de 11 anos, é uma actividade perigosa, e por isso é que é tem de ser vigiada e, por outro lado, que danos sofridos por essas crianças no âmbito dessa actividade, organizada por uma empresa, são danos causados por essa actividade justificando-se, por isto, que a sua reparação seja posta a cargo dessa empresa, excepto se esta fizer a prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir (art. 493/2 do CC). Prova que a ré, seguradora de tal empresa, não fez, pelo que, como decidiu a sentença recorrida, deve ser responsabilizada pelos danos sofridos pelo autor. II Do cálculo da indemnização Para já quanto aos factores postos em causa no recurso: O grau de incapacidade: A sentença só considerou uma IP de 48%, que foi a que tinha sido alegada pelo autor. O autor defende que a IP a considerar deve ser a de 60%. Sem razão, como também responde a ré. O juiz só pode ter em consideração os factos alegados pelas partes (arts. 664 e 264/2, parte inicial, do CPC). Aquilo que aparentemente complica esta solução é o facto de na resposta ao quesito 21 se ter inserido a percentagem de 60%. Só que esta resposta extravasou o quesito e não pode ser considerada, na parte excedente à matéria alegada, precisamente por força das normas acabadas de referir. A argumentação do autor - sempre o tribunal a quo podia tomar em consideração a percentagem de 60% de IPG que se veio a apurar, desde que a indemnização decorrente dessa percentagem não ultrapassasse o valor do peticionado – é uma argumentação que tem sido utilizada para outros efeitos (para permitir dar valores mais elevados a danos parcelares sem se ultrapassar o pedido global) não para ultrapassar a proibição decorrente daquelas normas. E um facto que vai para além do alegado não pode ser considerado um facto instrumental de outro, ao contrário do que o autor pretende ao invocar a [parte final] do nº. 2 do art. 264 do CPC. * O nº. de anos que deve entrar no cálculo ou da esperança média de vida: A sentença disse: o autor à data do acidente tinha 11 anos; considerando que idade da reforma se alcança aos 65 anos, faltar-lhe-iam 54 anos para a atingir. Depois diz: analisada a tabela descrita no acórdão do STJ de 2007, tal corresponde ao factor índice máximo (50 [anos]) de 25,72976. O autor diz: a tabela utilizada pelo tribunal a quo é substancialmente prejudicial ao apelante uma vez que o factor índice máximo aí previsto para atingir a idade da reforma é de 50 anos, sendo certo que ao autor faltam-lhe 54 anos para atingir essa idade da reforma. Se se aceitasse a idade da reforma como relevante, os 50 anos como máximo estariam certos, já que em princípio (e no caso dos autos não há a sugestão do contrário) ninguém começa a trabalhar antes dos 15 anos. A verdade, no entanto, é que há muito se tem entendido que não é a idade da reforma que conta, mas sim a esperança média de vida, isto é, ao tempo provável de vida da vítima (como o autor destes autos também acaba por defender mais à frente). A referência ao tempo provável de vida da vítima é opção seguida pelo acórdão do STJ de 28/9/1995, publicado na CJ.STJ.95.III, pág. 36 (: “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, u como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”) e nos acórdãos do STJ de 16/3/1999, CJ.STJ.99.I.167, de 25/7/2002, na CJ.STJ.2002.II.128. E passou a ser seguida por parte da jurisprudência, a partir do momento em que tal referência foi adoptada no parecer do Provedor de Justiça a propósito do caso da ponte de Entre-os-Rios (parecer de 19/03/2001, publicado no Diário da República, II série, nº. 96, de 24/4/2001, págs. 7139 e segs., especificamente ponto 38, nota 17): “julga-se a utilização do período de vida expectável da vítima como critério mais adequado do que o comummente utilizado da idade da reforma/aposentação, já que é de supor que o auferimento de rendimentos durante a vida activa permitiria, pela inscrição obrigatória em regime de segurança social, o recebimento de pensão de velhice ou de aposentação até ao fim da vida”. E, face a estes argumentos – que aliás têm reflexo na sentença e no acórdão do STJ de 2007 por ela invocado – entende-se que é a posição correcta. A indemnização pois ser calculada com referência ao tempo provável de vida da vítima (normalmente através da referência à esperança média de vida). Ora, a esperança de vida, segundo os dados do INE reportados a 29/05/2009 (sítio www.ine.pt/), é de 75,49 anos para o sexo masculino e de 81,74 anos para o sexo feminino. Presumindo-se que o autor começaria a trabalhar anos 18 anos, o nº. de anos que deve entrar no cálculo é de 57,5 anos (mais do que o autor refere; note-se, que, aqui, não se está perante um facto que tenha sido alegado, ou que tivesse que ser alegado para poder ser tomado em conta..). * Posto isto: Como diz o próprio acórdão do STJ que a sentença recorrida seguiu de perto, aquela tabela foi colocada ao dispor de “quem não é perito em operações complexas em matemática e deseje rapidamente chegar a resultados semelhantes ao das fórmulas utilizadas pelo STJ no ac. de 05/05/1994 ou do TRC de 04/04/1995” e a essa tabela chegou-se “pela simples aplicação do programa informático excell à fórmula financeira utilizada pelo STJ, tomando como parâmetros a idade que ainda falta à vítima para atingir a idade de reforma e a taxa de rendimento previsível de 3% ao ano para as aplicações a médio e longo prazo […]”. Portanto, tal tabela é uma aplicação da fórmula usada pelo STJ no ac. de 05/05/1994 (publicado na CJ.STJ.94.2.86, onde se esclarece que ela foi facultada pelo docente Dr. Joaquim Correia Caetano), e antes deste no ac. do STJ de 04/02/1993 (do mesmo relator e publicado na CJ.STJ.93.1.128). Não tem pois razão o autor quando contrapõe a tabela à fórmula. Ora, aquela fórmula foi desenvolvida depois pelo ac. do TRC de 04/04/1995 (publicado na CJ.95.2.23/26), de modo a tomar em consideração o crescimento dos salários ao longo de toda a vida laboral, a acompanhar a inflação, e os ganhos de produtividade e as promoções profissionais. E assim, desde tal data têm sido utilizados para a consideração de todos estes factores e já tendo em conta que o capital tem de estar esgotado no fim do período em causa, as seguintes duas fórmulas complementares: A 1ª (que é um resumo simplificado da fórmula matemática utilizada pelo STJ, fornecida pelo autor da acção julgada no ac. do TRC de 04/04/1995) é: C = (1+i)N -1 x P (1+i)Nx i em que C = capital; P = prestação a pagar no 1º ano; i = taxa de juro; e n = o nº. de anos de esperança de vida; A 2ª é: i = 1 + r - 1, 1 + k em que: r = taxa de juro nominal líquida. k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais). Isto para que a variável i não seja a taxa de juro nominal líquida da aplicação financeira, mas sim a taxa de juros real líquida. * Ora, como modo de conseguir atingir, de modo objectivo, um valor justificável por si e o mais próximo possível dos danos efectivamente sofridos, sem deixar margem para uma ampla discricionariedade, é preferível incluir logo na fórmula matemática em causa todos os factores e fazer depois as adaptações que se justifiquem, do que usar uma tabela ou fórmula que só abrange, por exemplo, os anos de vida activa, fazendo depois funcionar, sem nunca se explicar bem como, um outro factor destinado aos restantes anos de esperança de vida. Deve, por isso, continuar a aplicar-se as fórmulas do acórdão do TRC, aproveitando-se, na aplicação dos factores que a mesma contém, os ensinamentos que a experiência e mais estudo possibilitem. * Para aplicação de tais fórmulas há ainda que decidir a questão do salário a introduzir nas mesmas. O salário a ter em conta: A sentença disse: “ Dentro dos parâmetros da previsibilidade, podemos equacionar um extremo, em que o autor seria um empresário, artista, cirurgião, engenheiro, investigador de renome e com isso alcançar uma elevada capacidade monetária e outro extremo em que o autor auferiria, pelo menos o salário mínimo nacional. Considerando estes dois extremos, temos como mais previsível que sempre o autor auferirá este último, pelo que é com base no mesmo que efectuaremos o cálculo da indemnização pela incapacidade.” Não se vê a razão de ser desta escolha. Entre os dois extremos, como lhe chama a sentença, é mais razoável prever que o autor irá ganhar pelo menos o salário médio nacional. Neste sentido, veja-se: O ac. do STJ de 02/10/2007 (CJSTJ2007.III.68): “tendo o lesado dois anos de idade à data do acidente, o cálculo dos danos futuros deve considerar o seu ingresso na vida activa aos dezoito anos e o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média.” O ac. do TRC de 16/11/2010 (15/07.8TBFAG.C1): “sempre que o lesado, devido à idade, não tenha entrado, ainda, no mercado de trabalho, deve ser considerado o seu ingresso na vida activa aos 18 anos e o salário médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional média.” O salário médio mensal nacional dos homens era, em Portugal, em 2005 (à data do acidente) de 832,50€ http://www.pordata.pt/azap_runtime/?n=4. E esse salário é recebido 14 vezes ao ano, não só 12, como se fez na sentença recorrida. * O desconto de 1/3: Diz a sentença, depois de ter aplicado a fórmula de que se falará à frente: “Ao valor assim obtido deverá ser descontado a importância que o lesado, independentemente do acidente, sempre gastaria consigo, situada entre 1/3 ou ¼, consoante o lesado fosse solteiro ou casado.”. Neste sentido vai o acórdão do STJ de 04/12/2007 citado na sentença recorrida. O autor, na conclusão 8, põe em causa tal dedução. O ac. do STJ de 25/11/2009 (397/03.0GEBNV.S1) esclarece: “Estando em causa danos futuros de frustração de ganhos associados a IPP, em alguns acórdãos tem-se em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, as despesas que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns deles, em média, para 1/3 dos proventos auferidos […] Com a restrição de que esta consideração somente vale no caso de morte, o acórdão de 17/06/2008 (1266/08 - 6ª). Já o acórdão de 25/11/1999 (827/99-7ª), clarificara que aqui, diversamente do que ocorre para o caso de morte, era de por de lado o desconto de 1/3 que a vítima gastaria com ela. Será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente não se efectivará, ao passo que o sobrevivente, com lesão gravemente incapacitante, grande traumatizado, continua a alimentar-se e eventualmente a ter outro tipo de necessidades e de dispêndio, por carecer, por exemplo, de dieta especial, não nos parecendo ser de fazer a dedução.” Não se vê que este argumento seja rebatível ou tenha sido rebatido. Pelo que não há que fazer este desconto de 1/3 (mas à frente terá que se fazer referência a um outro, que é aplicado neste mesmo acórdão do STJ de 25/11/2009). * Para aplicação da 2º fórmula, considera-se que: r = é igual a 4%. k = é igual a 3%. Pelo que, sendo i = 1 + r - 1, 1 + k i é 0,97%. * E para aplicação da 1ª fórmula, sabe-se agora que: P terá de ser igual a 832,50€ x 14 meses x 48% = 5.594,40€ N é igual a 57. E i é igual a 0,97% Pelo que C é igual a: C = (1+i)N -1 x P (1+i)Nx i Aplicando assim tais fórmulas, o resultado é: C = (1+0,97%)57,5 - 1 x 5.594,40€. (1+0,97%)57,5 x 0,97% C = 43,913761897353779722711115307055 X 5.594,40€ C = 245.671,15€. * A este valor deve ser feita alguma dedução? Os acórdãos do STJ de 1994 e o do TRC de 1995 não faziam tal dedução. O ac. do STJ de 25/11/2009, como se anunciou, diz que sim: “Após determinação do capital, há que proceder ao “desconto”, “dedução” ou “acerto” porque o lesado perceberá a indemnização por junto, podendo o capital a receber ser rentabilizado, produzindo juros, sendo que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado; trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.” * Se se reparar no resultado obtido com as fórmulas aplicadas, as mesmas vão levar a que, em vez de se multiplicar o valor da prestação perdida pelo lesado no 1º ano pelo nº. de anos que lhe restavam previsivelmente de vida (a partir da entrada na vida activa), que eram de 57,5, se multiplique apenas por um número muito inferior, próximo apenas dos 44 anos. Isto já dá um desconto prático de cerca de 23,5%. Ou seja, já só se lhe dá um valor de 76,5% do capital que lhe seria atribuído se ao valor da prestação inicial perdida (no 1º ano) se multiplicasse pelo nº. de anos apurado. Apesar disso, no caso concreto dos autos, tendo em conta que as fórmulas aplicadas pressupõem que a taxa de juro é superior ao aumento do salário (com a inflação, ganhos de produtividade e promoções profissionais) e que, para além disso, o lesado menor, até entrar na vida activa não é suposto gastar dinheiro da indemnização obtida, aceita-se que se deva fazer a redução daquela dedução, na percentagem, no caso, de 20%, sob pena de o capital ir aumentando nos primeiros anos de tal forma que se acaba por não gastar no fim daquele período (como se pode constatar se se fizerem as contas - pondo-se numa coluna o valor do capital inicial, noutra o resultado da soma do mesmo com os juros de cada ano – que, no caso quase que fazem aquele aumentar de 1/3, tendo em conta os anos que ainda faltavam para o autor entrar na vida activa, e depois subtraindo-se, em cada ano, ao capital inicial e subsequente, o valor de uma prestação anual aumentada com o ganho anual; note-se que contas feitas por alto com base num dedução de 33% levariam, pelo contrário, a que o capital se esgotasse muito antes do fim da vida do lesado). Assim, o capital de 245.671,15€ fica reduzido a 196.536,92€. E seria esta a indemnização correcta pelos danos patrimoniais futuros do autor, mesmo apenas considerando uma incapacidade 48%. * Visto que a indemnização por danos patrimoniais já ultrapassa, em muito, o valor que pode ser atribuído a esse título, ficam prejudicadas, por inúteis, as questões relacionadas com as conclusões 13 e 14. * Quanto aos danos não patrimoniais. A sentença atribui 20.000€ em vez dos 25.000€ que a esse título tinham sido pedidos pelo autor, insistindo este neste último valor neste recurso. A sentença não explica como é que chegou a esse valor, mas teve em conta todos os danos que decorrem dos factos 15 a 21, 23 a 28 e 31, que, em resumo, se pode dizer que se traduziram, para um miúdo de 11 anos, em três períodos de internamento hospital, várias operações e tratamentos médicos, múltiplas fracturas e contusões, uma cicatriz na face, uma surdez profunda bilateral (irreversível e com um zumbido permanente), com uma incapacidade permanente de 48% (aquela que pode ser tomada em consideração), tudo com o inerente sofrimento físico e psicológico. Na fixação da indemnização por estes danos está actualmente desvalorizado, pela jurisprudência das Relações e do STJ, o argumento da comparação deles com o maior dano não patrimonial que é a perda da vida. Isto talvez porque o direito à vida tem sido fixado em cerca de 60.000€ (talvez o argumento voltasse a ter valia, se se seguisse a sugestão de Leite Campos de se atribuir 1.000.000€ pela perda do direito à vida... Os danos causados pela morte e a sua indemnização, Comemorações dos 35 anos do CC e dos 25 anos da reforma de 1977, vol. III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, pág. 137; neste mesmo sentido, veja-se agora Menezes Cordeiro, obra citada abaixo, pág. 755: “A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente), da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de todo”). Por isso, agora a fixação da indemnização destes danos tem sido feita, no essencial, por comparação com as indemnizações atribuídas a situações semelhantes em casos mais recentes: Veja-se então: O acórdão do STJ de 19/06/2007, publicado sob o nº. 07A1730 da base de dados do ITIJ/STJ, deu 25.000€ a um adulto de 55 anos que perdeu o olfacto, sofre de graves dificuldades respiratórias, apresenta deformação da ponta do nariz, sofreu dores e angustia e depressão, deixou de dormir normalmente, acordando com falta de ar; o que lhe criou insónias; nervosismo e depressão e ficou incapacitado e impedido de trabalhar. O acórdão do STJ de 22/01/2008, publicado sob o nº. 07A4338 da base de dados do ITIJ, deu 35.000€ a um professor que sofreu fracturas do fémur e do úmero direitos, um período de cura directa de mais de 1 ano, uma intervenção cirúrgica do foro ortopédico e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos, tendo o respectivo quantum doloris sido avaliado em 6, numa escala de 7, com períodos consideráveis de internamento, tendo ainda resultado um prejuízo estético avaliado em 3 numa escala de 7, e ficando com sequelas que se traduzem numa incapacidade permanente geral parcial de 25%, agravada no futuro em mais 5%. O acórdão do STJ de 28/02/2008, publicado sob o nº. 08B388, manteve a indemnização de 125.000€ a uma vítima que esteve em coma profundo durante vários dias, sem ter a consciência do que lhe acontecera e das lesões profundas que apresentava, permanecendo durante semanas com perda de consciência, sem reconhecer pessoas, familiares; esteve internado em diferentes instituições hospitalares e foi submetido a diversas e delicadas intervenções cirúrgicas e sessões de tratamento e recuperação; quer durante o internamento quer posteriormente, sofreu muitas dores, intensas privações, aborrecimento e desconforto; continuará a sentir tais dores, privações e aborrecimento, bem como a ter necessidade de tratamentos, nomeadamente fisioterapia, por toda a vida; ficou com limitações físicas graves, com elevado índice de incapacidade, que é total em relação à actividade profissional que exercia; que sente, em consequência das dores, aborrecimentos e privações, depressões, infelicidade, sentimento de inferioridade e de diminuição das suas capacidades, bem como profundo desgosto pela sua total dependência de terceiros, quer para se mover quer para tratar de outros assuntos; O acórdão do STJ de 4/3/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº.08A183, atribuiu a um autor com quase 59 anos, que sofreu uma mudança radical na sua vida social, familiar e pessoal, já que se acha impotente sexualmente e incontinente, jamais podendo fazer a vida que até então fazia, e é hoje uma pessoa cujo modo de vida, física e psicologicamente é penoso, sofrendo consequências irreversíveis, não sendo ousado afirmar que a sua auto-estima sofreu um abalo fortíssimo, 225.000€. Nota-se que os condenados eram pessoas singulares e os factos datavam de 1998. O acórdão do STJ de 19/06/2008, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 08B1841, quantificou em 120.000€ os danos não patrimoniais sofridos por uma mulher de 27 anos de idade, que sobrevive com gravíssimos ferimentos, destacando-se a amputação do membro inferior direito, o prejuízo estético e funcional, a afectação sexual, a auto estima, as operações a que teve que se sujeitar, os sofrimentos físicos e psíquicos que teve e continua a ter, as intervenções cirúrgicas, e a IPP de 70% de que ficou a padecer. O acórdão do STJ de 26/05/2009, publicado na base de dados do STJ/ITIJ sob o nº. 3413/03.2TBVCT.S1, atribuiu 200.000€ por danos não patrimoniais provando-se que, por causa do acidente, ocorrido em Novembro de 2001, o autor, com 29 anos, motorista de pesados ficou, devido às lesões sofridas e às sequelas correspondentes, afectado de uma incapacidade permanente de 100%, necessitando de: usar um par de canadianas (cuja duração é inferior a 1 ano) como auxiliar de locomoção; submeter-se a consultas periódicas de controle do seu sangue, a intervenções cirúrgicas com anestesia geral, internamentos hospitalares, análises clínicas, exames radiológicos, consultas e tratamentos das especialidades de Urologia e de Cirurgia Vascular, bem como do foro psicológico e psiquiátrico, nomeadamente em relação ao seu estado de impotência sexual; ingerir medicamentos e tomar injecções penianas relacionadas com o seu estado de total impotência sexual; recorrer a tratamentos de fisioterapia dos seus membros inferiores; suportar as despesas com uma terceira pessoa para o desempenho de tarefas pessoais e diárias, tais como cortar as unhas dos pés, locomover-se, tomar banho. E atribuiu 50.000€ por danos não patrimoniais da mulher do autor, considerando que a sua qualidade de vida ficou profundamente afectada, os seus direitos conjugais amputados numa parte importante para uma mulher jovem e o seu projecto de ter mais filhos irremediavelmente comprometido. O acórdão do STJ de 07/07/2009 – publicado sob o nº. 704/09.9TBNF.S1 – atribuiu 45.000€ a uma jovem de 19 anos que, quer em consequência do acidente, quer com os tratamentos a foi sujeita, quer com as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, sofreu dores de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, sentiu pavor com a perspectiva da própria morte, sofre pelo facto de ter ficado com as cicatrizes supra referidas, e desde o acidente que se sente complexada e triste com o seu aspecto físico (as cicatrizes afectam o rosto são visíveis e podem não ser passíveis de regressão ou tratamento após cirurgias). No acórdão do TRC de 03/02/2010 (276/03.1GBOBR.C1) aceitou-se o valor de 125.000€ (que era o valor pedido) como o adequado para um adulto com 29 anos, que sofreu um traumatismo cranioencefálico e facial com focos de contusão cerebrais e várias fracturas e cortes que lhe deixaram cicatrizes; que ficou em estado de coma durante 8 dias, e depois cerca de 42 dias internado num hospital; foi sujeito a inúmeras operações e tratamentos e programas durante vários meses; que depois da alta apresentava graves problemas de comunicação, de memória, de funcionamento motor, assimetria facial, problemas visuais, delírios, alterações de personalidade, problemas cognitivos e emocionais, etc.; e que ficou com as referidas – para a fixação da incapacidade feita acima - alterações irreversíveis da fala, da memória, da atenção e da orientação, o que tudo prefigura um síndrome pós-traumático encefálico em grau severo, com clara diminuição da sua eficiência pessoal e, necessariamente, profissional (= IPP de 40%); teve uma diminuição bilateral do olfacto. Tem um prejuízo de afirmação pessoal fixável em 3 numa escala de cinco graus de gravidade crescente; teve um período de incapacidade geral quase total durante quase 22 meses. Tendo em conta todos estes casos e comparando-os com o dos autos, e tendo também em conta que a indemnização por danos morais será fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 494 e 496 do CC), pode-se dizer que a indemnização pedida de 25.000€ a pecar fá-lo apenas por defeito. * Assim, a indemnização a atribuir podia ser superior a 25.000€ + 196.536,92€. Como a acção só foi intentada contra a seguradora e esta só segura o montante de 100.000€, a indemnização não pode ultrapassar esse limite, ao qual, por isso, terá de ser reduzida (art. 661/1 do CPC). Como 2.505,36€, estão atribuídos, sem recurso, ao Centro Hospitalar, a indemnização não pode ultrapassar os 97.494,64€. Dado o teor da decisão quanto a juros, que está correcta, importa distinguir a parte que deve ser atribuída a danos patrimoniais da outra parte. A proporção que constava da petição – que depois terminava com um erro de contas – era de 152.000€ para danos patrimoniais e 25.000€ para danos morais. Ou seja, de 14,12% para os danos morais. * Dos valores previstos nas portarias 377/2008 e 679/2009 Contra os valores alcançados, com o suporte principalmente da actual jurisprudência do STJ, não se esgrima, agora, com os valores das Portarias 377/2008 de 26/05, e 679/2009, de 25/06, como já se tem visto fazer, nem se tente fazer delas base de cálculo das indemnizações a atribuir pelos tribunais. Para o efeito, basta ver o que sobre elas diz o Prof. Menezes Cordeiro: “visando – o Governo – respaldar as companhias de seguros – […] são lamentáveis: conseguem fixar valores ainda aquém das já deprimidas cifras obtidas nos tribunais. Pior: cifras máximas, quando seria de esperar, ao menos, que as cifras fossem mínimas. […] A portaria contém tabelas por danos corporais e outros: insig-nificantes […] Esta iniciativa merece um juízo de censura absoluta. O Governo nunca deveria ter intervindo neste domínio, sem crité-rio nem justiça e, aparentemente, sem conhecimento da evolução (penosa) do próprio Direito Civil […] este grave atentado aos direi-tos mais sérios e profundos dos cidadãos. […] As ofertas muito baixas, feitas pelas seguradoras, às vítimas de sinistros, agora apoiadas pelas infelizes portarias do Governo, têm ainda uma dimensão da maior injustiça. Elas são propostas a famílias de bai-xos recurso, desesperadas pelos danos morais e patrimoniais que inesperadamente as atingem e que logo aceitam como único palia-tivo. Apenas a classe média/alta pode enfrentar um processo de muitos anos contra uma seguradora para, então, conseguir arrancar um resultado menos deprimente” E mais à frente: “a boa fé não pode ser dispensada por portaria do Governo. (Tratado do Direito Civil, II, Tomo III, Almedina, 2010, págs. 753 e 759). Ou aquilo que é dito pelo Prof. Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, Coimbra Editora, Dez2008, notas 1639 a 1641, págs. 568/571) sobre medidas num âmbito conexo: “medidas de claro favorecimento das seguradoras em prejuízo dos segurados” que podem levar a uma situação que pode ser considerada de “escandalosa injustiça material” (de verdadeira expropriação forçada por utilidade particular (no caso, das seguradoras – utilizando as palavras de Menezes Leitão, em obra que cita) e por isso inconstitucionais. Sumário: I. A colocação de um escorrega de 40 m num parque aquático, para utilização por uma criança de 11 anos, é uma actividade perigosa, a caber no disposto no art. 493º/2 do CC. II. Na indemnização pela perda da capacidade aquisitiva, deve ter-se em conta, logo na fórmula de cálculo da indemnização, a esperança média de vida e não a idade da reforma. III. Nessa indemnização, quando o lesado for um menor que ainda não entrou na vida activa laboral, deve ter-se em conta o salário médio nacional e não o salário mínimo nacional e deve presumir-se que ele começaria a trabalhar aos 18 anos de idade. IV. As fórmulas utilizadas pelo ac. do TRC de 04/04/1995 são ainda as melhores para se encontrar uma base mínima para aquela indemnização. V. Quando se demonstrar que o recebimento imediato do capital traduz um benefício injustificado para o lesado, deve ser feita uma redução entre 10 e 33% desse capital, mas não é de descontar nesse capital aquilo que o “lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida”. VI. Os danos não patrimoniais têm vindo, ultimamente, a ser fixados com base numa comparação com as indemnizações atribuídas a situações semelhantes, apesar da sugestão de Leite Campos e de Menezes Cordeiro no sentido de avaliar a vida, para efeitos da compensação, num milhão de euros, e alinhar todos os outros danos, depois, abaixo desse valor. VII. Contra os valores assim obtidos, não se devem invocar as Portarias 377/2008 de 26/05, e 679/2009, de 25/06. * Pelo exposto, julga-se o recurso interposto pela ré improcedente e parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor, e em consequência altera-se a decisão recorrida que passa a constar do seguinte: condena-se a seguradora a pagar: ao autor, 11.699,36€ a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora à taxa de 4%, desde a presente data até efectivo e integral pagamento, e 85.795,28€ a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até efectivo e integral pagamento; e ao Centro Hospitalar 2.505,36€, acrescida de juros de mora desde 30/12/2008, até efectivo e integral pagamento. Custas do recurso da seguradora por esta. Custas da acção e do recurso do autor, pelo autor e pela seguradora na proporção do decaimento. |