Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
122/01.OTAVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: FALTA
JUSTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 07/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 116º E 117º DO CPP
Sumário: Na apreciação de uma falta a acto judicial importa apreciar a conduta do faltoso numa dupla perspectiva qual seja a do prejuízo para os serviços e a preocupação do faltoso em cumprir, sendo certo que numa apreciação global da situação se deve dar preferência a esta última.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal desta Relação:

Tendo faltado à audiência de julgamento o arguido ora recorrente M... requereu a justificação da falta nos seguintes termos:

M..., arguido no processo à margem referenciado que contra si move o Digno Procurador do Ministério Público vem dizer e requerer o seguinte:

Tendo faltado à Audiência de Julgamento no passado dia 13/11/2007 pelas 14H vem requerer a justificação da sua falta pelos motivos abaixo indicados:

Nesse mesmo dia o requerente compareceu na Audiência de Julgamento do processo 242/06.5SAGRD do Tribunal Judicial da Guarda, na qualidade de assistente, onde esteve presente das 9.30H até às 12.40H (Doc.1).

Acontece porém, que quando estava a sair da Guarda para Viseu o seu veículo automóvel teve um problema eléctrico, tendo ficado numa oficina a reparar.

O requerente não tinha mais nenhum meio de deslocação para a cidade de Viseu que não fosse os transportes públicos.

Assim, e na falta de haver outra hora antes, ou seja, no período compreendido entre as 12.40H e as 14.20H, comprou bilhete para as 14.20H, tendo como hora previsível de chegada a Viseu as 15.40H (Doe 2 e 3).

Deslocou-se imediatamente a este Tribunal estando presente pelas 16H (doc4).

Pelo exposto, verifica-se que o requerente esteve totalmente impedido de estar presente na audiência do processo 112/01 por facto não imputável ao requerente.

Requer assim, que a sua falta se considera justificada nos termos do art.º 117º, nº 3 do CPP

Sobre o requerido foi proferido o seguinte despacho:

O arguido M... veio alegar que não compareceu à audiência de julgamento por não ter meio de transporte particular para o fazer e porque o transporte público da cidade da Guarda para Viseu só saia daquela cidade às 14h20m.

O arguido não demonstrou documentalmente qualquer avaria do seu veículo automóvel, que o impossibilitasse de comparecer neste tribunal.

Decorre do n.° 1 do art.° 117 do CPP que "considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado". Por sua vez, o n.° 2 do mesmo preceito legal estabelece que 'a impossibilidade de comparência deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento''' (sublinhado nosso). E dispõe o n.° 3 que " os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação (...)".

Ora, o arguido, apesar de regular e devidamente notificado com a advertência constante na disposição legal supra citada, apenas comunicou que estaria no Tribunal Judicial da Guarda, pelas 9h30m, para uma audiência de julgamento, nada referindo quanto à parte da tarde. Também não comunicou, na hora designada para a realização da audiência de julgamento nos presentes autos, qualquer impossibilidade de comparência.

Ademais, e a ser verdade que o veículo automóvel do arguido avariou, sempre aquele se poderia deslocar da cidade da Guarda até esta cidade através de um meio de transporte mais rápido, como sendo o táxi.

Assim, não foi dado integral cumprimento a disposto no art.° 117, n.° 2 do CPP, pelo que condeno o arguido M… em 3 uc (três) de multa por falta injustificada a diligência para a qual estava devidamente notificado.

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Inconformado, recorreu o arguido, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. Devia ter-se por justificada nos termos do art.º 117º, nº 1 do CPP, a falta do ora recorrente à audiência de julgamento que teve lugar no dia 13-11-07 pelas 14 h. Um vez que
2. Foi motivada por um facto não lhe imputável.
3. Assim , atendendo ao disposto na lei e ao constante nos presentes autos não deveria ser o arguido condenada no pagamento de multa uma vez que a mesma deveria ter sido considerada justificada.
4. Sem conceder o montante da multa em que o arguido foi condenado a pagar sempre é manifestamente exagerado.
5. Na fixação da multa a mesma deve ser atribuída em função da situação económica do devedor ou de natureza manifestamente dilatória da questão incidental.
6. O arguido vive em condições economicamente deficitárias, aliás, é beneficiário da Protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário (dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pagamento de honorários de defensor oficioso.
7. Tal situação foi totalmente desconsiderada pelo Tribunal a quo ao fixar tal montante para a multa.
8. Pelo que deve o referido despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado.

O Mº Pº na comarca respondeu pugna pela improcedência do recurso nos seguintes termos

I - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nestes autos, e na sequência da falta de comparecimento do arguido à sessão de julgamento designada para 13/11/2007, pelas 14 horas, a sua defensora comunicou no início da audiência, aberta pelas 15h30m, que o mesmo se encontrava impedido no Tribunal Judicial da Guarda, a intervir num julgamento no âmbito do processo n.° 242/06.5SAGRD, do 3.° Juízo, tendo então a M.ma Juiz do processo adiado o julgamento e determinado que se aguardasse por três dias úteis a comprovação pelo arguido do impedimento alegado - v. fls. 542-544.

A 15/11/2007 fez então o arguido chegar aos autos um requerimento de justificação da falta em causa, referindo ter estado no T. J. da Guarda, na audiência de julgamento ocorrida no âmbito do processo acima referido, entre as 09h30m e as 12h40m de 13/11/2007, sendo que, quando se aprestava para sair da Guarda para Viseu, o seu automóvel teve uma avaria eléctrica, razão por que o levou a reparar a uma oficina e optou por vir para Viseu no autocarro que saiu da Guarda pelas 14h20m e chegou a Viseu pelas 15h40m, só pelas 16h logrando apresentar-se neste Tribunal. Juntou documentos comprovativos da sua presença no Tribunal da Guarda no período temporal referido e da sua apresentação no Tribunal de Viseu à hora que indicou, bem como do bilhete de autocarro utilizado na dita deslocação, mas não da avaria invocada - v. fls. 546-551.

Porém, tal pedido de justificação da falta foi indeferido pela M.ma Juiz por despacho de 21/11/2007, indeferimento esse fundado no facto de o arguido, por um lado, não ter comunicado a sua impossibilidade de comparecimento (com fundamento na avaria do seu veículo) até à hora designada para início da audiência e, por outro lado, não ter invocado nem comprovado impossibilidade de utilizar outro meio de transporte na deslocação para este Tribunal (designadamente um táxi), razão por que o condenou em 3 (três) UCs de multa, nos termos dos art°s 116.°, n.° 1 e 117.°, n.° 2, do C.P.Penal - v. fls. 553. Inconformado com este despacho, dele vem agora o arguido interpor recurso (fls. 738-742), cuja motivação conclui sustentando, em síntese, o seguinte:

1.°- A falta do arguido à audiência designada para 13/11/2007 devia ter sido considerada justificada, uma vez que foi motivada por facto que não lhe era imputável (avaria mecânica do veículo em que se pretendia fazer transportar da Guarda até Viseu), do que resultaria a não condenação do arguido em multa;

2.°- Por outro lado, o montante da multa aplicada (3 UCs) é manifestamente exagerado, pois não levou em conta a deficitária situação económica do arguido, que, aliás, é beneficiário de apoio judiciário;

3.°- Pelo que o despacho recorrido deve ser revogado.

Assim sumariadas as conclusões da motivação do recurso interposto pelo arguido, delimitadoras que são do objecto do mesmo, passemos à tomada de posição sobre a matéria nelas versada.

Não deixará de se referir, todavia, que o recorrente não indica expressamente nas conclusões do seu recurso quais as normas jurídicas que entende violadas, como lhe impõe o art.° 412.°, n.° 2, ai. a), do CP.Penal. Porém, inferindo-se do texto da motivação que tais normas são as dos art.°s 116.°, n.° 1 e 117.° do CP.Penal, não deixaremos de apresentar a pertinente resposta à motivação do recorrente.

II - A COMUNICAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE COMPARECIMENTO

Comecemos pela transcrição das normas legais aplicáveis na situação em apreço - no caso, os n.°s 2 e 3 do art.° 117.° do C.P.Penal:

"2 - A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.

3 - Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3. ° dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.'"Ora, importa dizer, desde logo, que se o arguido, pela voz da sua defensora, comunicou nestes autos, no início da audiência de 13/11/2007, pelas 15h30m, a impossibilidade de comparecimento do arguido, o fez invocando um facto falso: que o mesmo se encontrava ainda impedido na audiência de julgamento do processo do T. J. da Guarda, quando tal impedimento afinal já cessara pelas 12h40m. Tendo indicado um motivo falso, bem como um local onde o faltoso podia ser encontrado àquela hora (T. J. da Guarda) que não era verdadeiro - por isso não fazendo prova desse invocado impedimento -, é manifesto que a sua falta sempre haveria de ser julgada injustificada.

É certo que o arguido veio dois dias depois invocar outro impedimento antes não apresentado: uma avaria no sistema eléctrico do seu veículo. Porém, certo é que não comunicou esse alegado impedimento até à hora designada para início da audiência nem, com essa invocação, juntou prova da referida avaria, apenas o vinda a fazer cerca de dois meses depois, já após a própria interposição do presente recurso, o que, constituindo manifesto desrespeito do estatuído nos n.°s 2 e 3 do art.° 117.° do CP.Penal, sempre inviabilizaria qualquer possibilidade de justificação da dita falta - v. fls. 546 a 551 e 774.

Não tem razão, pois, o arguido ao alegar que a falta em causa devia ter sido considerada justificada, pois a rigorosa observância do estatuído nos n.°s 2 e 3 do art.° 117.° do CP.Penal sempre imporia que a M.ma Juiz a quo a julgasse injustificada, ainda que com os fundamentos aqui e agora aduzidos, que complementam os apontados no despacho recorrido.

III - A PRETENSA DESCONSIDERAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÓMICA DO ARGUIDO NA FIXAÇÃO DO MONTANTE DA SANÇÃO

Entende o arguido que o montante da multa aplicada (3 UCs) é manifestamente exagerado, pois não levou em conta a deficitária situação económica do arguido, que, aliás, é beneficiário de apoio judiciário.

Mas também aqui se nos afigura não lhe assistir razão: os autos não evidenciam a sua alegada "situação económica deficitária" - que nem sequer resulta da matéria a esse respeito dada como provada na douta sentença recorrida - e não é verdade que nestes autos seja beneficiário de apoio judiciário.

Mais: variando a sanção a aplicar entre 2 e 10 UCs, não se vislumbra o porquê de se achar excessiva a sua fixação em 3 UCs, quando o arguido invocou em audiência um impedimento de comparecimento falso e motivou um adiamento da audiência, com os transtornos inerentes para os demais intervenientes, quando uma simples comunicação atempada de que poderia chegar ao Tribunal pelas 16 horas podia até ter inviabilizado o seu adiamento.

Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto emite parecer no sentido da improcedência do recurso.

Parecer que notificado não mereceu resposta.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

A única questão a resolver prende-se com:
A. Justificação da falta

Factualidade demonstrada:
1. O ora recorrente estava notificado para comparecer na audiência de julgamento designado para o dia 13/11/2007 pelas 14H no Tribunal Judicial de Viseu.
2. Nesse mesmo dia o requerente compareceu na audiência de julgamento do processo 242/06.5SAGRD do Tribunal Judicial da Guarda, na qualidade de assistente, onde esteve presente das 9.30H até às 12.40H
3. Assim, e na falta de haver outra hora antes, ou seja, no período compreendido entre as 12.40H e as 14.20H, comprou bilhete para as 14.20H, tendo como hora previsível de chegada a Viseu as 15.40H (Doe 2 e 3).
4. Deslocou-se imediatamente a este Tribunal estando presente pelas 16H (doc4).

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A- Justificação da falta

As normas que mandam impor ao faltoso o pagamento de uma “soma” não se destinam, ou não se destinam apenas, a reprimir a falta em função do resultado concreto, mas a sancionar a desobediência à ordem de comparência, enquanto conduta potencialmente lesiva da boa administração da justiça, que transcende esse resultado ou o perigo concreto.

Pretende-se, por um lado, mediante a imposição do dever de comunicação antecipada da causa impeditiva de comparência previsível, habilitar o tribunal (ou a autoridade judiciária) com informação atempada que lhe permita reorganizar o serviço e reduzir, até onde for possível, as consequências negativas da falta, seja para o serviço em geral, seja para os restantes intervenientes processuais. E visa -se, concomitantemente, criar na comunidade em geral a convicção na efectividade da norma que estabelece o dever de testemunhar e, para tanto, de comparecer no local e na data determinados pela autoridade que dirige o processo.

Perante esta plurifuncionalidade do dever de justificação das faltas e da correspondente imposição do pagamento da “soma” prevista no n.º 1 do artigo 116.º do CPP, quando a testemunha não comparece nem justifica a falta ao acto para que foi regularmente convocada, não pode afirmar -se que a norma em causa viole o princípio da proporcionalidade. (Ac. TC 458/07-DR.II-11-8-08)

Tratam-se de normas aceleradoras do andamento processual que têm unicamente por objectivo estabelecer algum rigor na justificação das faltas, sabido, como é que a falta às diligências judiciais perturba não só a planificação do trabalho judicial, como também causa prejuízos aos outros intervenientes processuais, que têm de se deslocar várias vezes ao tribunal em virtude dos sucessivos adiamentos.

Por isso, como refere Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, pág. 299), “ devem os julgadores, em obediência aos comandos legais, ser exigentes quanto à justificação das faltas que, como é consabido, têm constituído um dos maiores entraves ao regular andamento dos processos”.

Ora no caso dos autos, face ao teor do desenvolvimento processual referido supra entendemos que estamos perante uma situação de impossibilidade de comparecimento imprevisível.

Nos casos de impedimento imprevisível em que os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento não foram apresentados no próprio dia e hora do acto terá que haver uma tripla justificação:

1-Justificação propriamente dita:

a)Indicação do facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual (nº 1 do artº 117º);

b)Indicação do local onde o faltoso possa ser encontrado ( nº 2-parte final,117º,);

c)Indicação da duração previsível do impedimento (nº 2 parte final 117º)

2- Justificação da imprevisibilidade (117º,nº 2)

3- Justificação do motivo porque não foram apresentados os elementos de prova da impossibilidade do comparecimento no próprio dia e hora do acto(117º,nº 3 );

O motivo(que não os elementos de prova) deve ser apresentado no próprio dia e hora do acto.(nº 3 do artº 117º).

Apreciando a conduta do recorrente face às normas citadas a primeira ideia a reter é de que a falta em questão não foi provocada por uma manifesta vontade de desrespeito ao Tribunal.

Deste modo importa apreciar a conduta do recorrente numa dupla perspectiva qual seja a do prejuízo para os serviços e a preocupação do faltoso em cumprir, sendo certo que numa apreciação global da situação se deve dar preferência a esta última.

Encontrava-se na cidade da Guarda depois de ter participado numa audiência de julgamento entre as 9h 30 e as 12h 40.

Mesmo que não se considere demonstrada a avaria eléctrica no veículo, segundo alegou, seria razoável exigir-lhe que utilizasse um táxi para se deslocar para Viseu ? Parece-nos que não.

Fez o que um cidadão médio cumpridor e respeitador faria, apanhou um transporte público e apresentou-se no tribunal volvida 1 h 30 do início da audiência.

É certo que não comunicou ao tribunal na hora da prática do acto a impossibilidade de estar presente.

Consideramos que esta “falha” processual não se pode sobrepor à vontade demonstrada de respeitar a ordem do tribunal e o rigor com que se deve apreciar as faltas não se pode restringir apenas a um acto isolado, mas a uma apreciação global da conduta do faltoso.

Deste modo consideramos como justificada a falta.

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Nestes termos se decide:
- Julgar por provido o recurso.

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Sem tributação.

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Coimbra, 2009-07-15 ______________________________________

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(João Trindade)

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(Barreto do Carmo)