Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
308/05.9TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
PROVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DESCARACTERIZADORAS DO ACIDENTE
TRABALHADOR COM UMA TAS DE 1
11 G/L
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 6º, 7º, Nº 1, AL. B), E 10º DA L.A.T. (LEI Nº 100/97, DE 13/09)
Sumário: I – Num acidente de trabalho, o direito à reparação só se excluirá se efectivamente se puder concluir que o mesmo proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, entendida esta como sendo a correspondente a um comportamento temerário, em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão – artºs 6º, 7º, nº 1, al. b), e 10º da LAT (Lei nº 100/97, de 13/09, e 8º, nº 2, do seu Regulamento, aprovado pelo D. L. nº 143/99, de 30/04).

II – Incide sobre a entidade patronal do sinistrado o ónus de alegação e de prova das circunstâncias de facto pretensamente descaracterizadoras do acidente, enquanto matéria de excepção (artº 342º, nº 2, do C. Civ.)..

III – Em tese, da ingestão de bebidas alcoólicas resulta ou pode resultar, em alguma medida, a afectação ou diminuição das capacidades psicomotoras de qualquer pessoa, que provoque a ocorrência de alterações da sua acuidade visual, do equilíbrio, dos reflexos, da concentração…

IV – Isso, porém, não é uma regra absoluta, variando os resultados de indivíduo para indivíduo, em consequência da interacção de vários factores, que vão, dentre outros, desde a alimentação à estrutura física/fisiologia de cada um, passando pela quantidade e qualidade das bebidas ingeridas.

V – Estas considerações não permitem que se diga, sem mais, que a detecção de uma TAS de 1,11 g/l signifique necessariamente que se esteja embriagado, que estejam seguramente diminuídas as capacidades psicomotoras mínimas, com afectação da visão, do equilíbrio, dos reflexos e da concentração.

VI – Mesmo verificada a violação de concretas regras de segurança, inexiste na legislação infortunística actual qualquer presunção de culpa do empregador, contrariamente ao que sucedia na anterior L.A.T. e seu Regulamento (v. g. o artº 54º do Dec. Nº 360/71, de 21/08), tornando-se necessária a prova do nexo de causalidade entre a inobservância das regras sobre segurança e a produção do acidente.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

Finda, sem êxito, a fase conciliatória deste processo especial emergente de acidente de trabalho, veio a A., A…, viúva do sinistrado B…, então patrocinada oficiosamente pelo M.º P.º, (depois com mandatário constituído, ‘ut’ fls. 11 do Apenso), instaurar acção declarativa contra as rés “C…” e D…, alegando, em síntese, que o dito sinistrado sofreu um acidente de trabalho no dia 4 de Julho de 2005, quando prestava o seu serviço de trabalhador agrícola indiferenciado, por conta da sua entidade empregadora, segunda ré, em consequência do qual sofreu lesões determinantes da sua morte.
Como a segunda ré tinha a sua responsabilidade infortunística laboral transferida para a primeira ré apenas por parte da retribuição do sinistrado, e lhe é imputável a inobservância das condições de segurança no trabalho, pretende a autora que aquela seja responsabilizada pela reparação devida.
Assim, peticiona a condenação da segunda ré no pagamento de:
- Uma pensão anual e vitalícia de € 10.500;
- Um subsídio por morte, no valor de € 4.496,40;
- Despesas de funeral, no montante de € 1.498,80;
- A quantia de € 5 que despendeu em transportes para comparecer à tentativa de conciliação.
Além disso, solicita a condenação da primeira ré como responsável subsidiária pelo pagamento das referidas prestações.
A título subsidiário, pretende a autora a condenação de ambas as rés no pagamento das referidas prestações, na medida das suas responsabilidades, sendo a primeira ré responsável pelas fracções da pensão anual e vitalícia de € 2.892,99, de um subsídio por morte de € 4.129,49, das despesas de funeral de € 1.376,50, e da quantia de € 4,59 por despesas de transporte, e a segunda ré responsável pelas fracções da pensão anual e vitalícia de € 257,01, de um subsídio por morte de € 367, das despesas de funeral de € 122,30, e da quantia de € 0,41 por despesas de transporte.
Peticiona, por fim, o pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre tais prestações, desde o seu vencimento e até integral pagamento.

. Regularmente citadas, ambas as rés contestaram, em tempo útil.
A ré D… impugnou parte da factualidade alegada na petição, afirmando que o acidente não deve ser qualificado como de trabalho, por o sinistrado estar, na altura, a tratar de assuntos próprios, e não a trabalhar, e por ter omitido as normas de segurança que havia definido e acusar uma taxa de álcool no sangue.
Assim, não se considerando responsável pela reparação pedida, solicita a dita ré a sua absolvição.
Por seu turno, a ré “C…” também se recusou a assumir qualquer responsabilidade na reparação do sinistro, alegando que o mesmo resultou da inobservância das condições de segurança por parte da entidade empregadora.
Além disso, sustenta esta ré que o contrato de seguro que celebrou com a segunda ré não cobria o aqui sinistrado.
Concluindo, solicita a improcedência da acção, na parte em que é demandada.

. A ré “C…” respondeu à contestação da co-ré D…, impugnando o aí alegado.

. Tendo entretanto falecido a ré D…, foram habilitados os seus sucessores, E… e F…, no competente apenso.

. Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção improcedente, com a consequente absolvição das co-RR. do pedido.

. Irresignada, a A. veio apelar.
Alegando, concluiu assim:
· A sentença está ferida de nulidade por violação da alínea c) do n.º1 do art. 668.º do C.P.C.;
· Porque ao dizer que a taxa de alcoolemia do sinistrado terá que ser considerada ‘causa exclusiva’ do acidente, uma vez que ‘o não recurso aos equipamentos de segurança também deve ser imputado à conduta do sinistrado, vai contra a resposta aos quesitos;
· É que o Tribunal dá por provado que a taxa de alcoolémia contribuiu para o acidente e não que foi a causa exclusiva – resposta ao quesito 21.º;
· Depois, dá por não provado que fosse o sinistrado, por sua iniciativa, a desmontar e retirar a cabine – resposta ao quesito 14.º;
· Nisso são implacáveis as respostas aos quesitos 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º e 15.º da Base Instrutória;
· Pelo que, ‘a contrario’, haverá que considerar que poderão ter existido outras causas do acidente, mesmo que desconhecidas;
· Aliás, dá por provado que a dita cabine interferia com as árvores do pomar, partindo os ramos e derrubando os frutos – quesito 9.º;
· A recorrente considera ainda erróneos os fundamentos invocados para a descaracterização do acidente;
· Para descaracterizar um acidente de trabalho não basta a mera demonstração de que o sinistrado conduzia com uma taxa de alcoolémia elevada;
· Necessário é que se demonstre a existência de um verdadeiro nexo de causalidade entre esse grau de alcoolémia e o acidente;
· E ainda que se demonstre cabalmente ser essa a causa única e exclusiva do acidente;
· As RR. não conseguiram fazer essa prova;
· E eram as RR. quem tinha o ónus, nos termos do n.º2 do art. 342.º do Cód. Civil;
Violou assim, a douta sentença o disposto nos arts. 7.º da Lei n.º 100/97 e 342.º/2 do Cód. Civil.
Termos em que deve proceder o recurso, com decisão que condene as RR. no pagamento de uma indemnização a calcular de acordo com o peticionado.

. Contra-alegaram os habilitados co-RR. patronais, desde logo, concluindo que a decisão não merece reparo, devendo ser mantida, com a consequente improcedência do recurso.
Igualmente reagiu a co-R. Seguradora, concluindo, em síntese, que a arguição da nulidade, não tendo observado o preceituado no art. 77.º/1 do C.P.T., é extemporânea.
Além disso, o sinistrado não estava abrangido pelas garantias da apólice contratada, sempre sendo nulo o contrato nos termos do art. 8.º da A.U. e do art. 429.º do Código Comercial.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer, conforme fls. 292-296, a que reagiram os habilitados co-RR. patronais – cumpre ora analisar, ponderar e decidir.
____

II –
DOS FUNDAMENTOS.

1DE FACTO.
Vem assente a seguinte factualidade, que assim se fixa:
ü . B… faleceu no dia 4 de Julho de 2005;
ü . B… e a A., A…, contraíram matrimónio um com o outro no dia 14 de Agosto de 1976;
ü . A falecida R., D…, era dona da Quinta de S. José, sita na freguesia de Aldeia Viçosa, Guarda, exploração agrícola que administrava, cultivava e rentabilizava recorrendo a trabalho assalariado;
ü . B… foi admitido ao serviço da falecida R. D… e do seu falecido marido há mais de 15 anos, por acordo verbal e tempo indeterminado, mediante o qual prestou a sua actividade de trabalhador agrícola indiferenciado na quinta de S. José, sob as ordens, direcção e fiscalização destes;
ü . Em execução da actividade referida no ponto anterior e de acordo com as ordens que lhe eram dadas, o B… cuidava dos animais da exploração, semeava e colhia os produtos da terra, tratava dos pomares, colhia os frutos, cavava a lavrava a terra, utilizando para tal os utensílios e máquinas existentes na Quinta, nomeadamente o tractor agrícola de matricula n.º 52-56-FH. Modelo 45-66, marca ‘Fiatagri’, matriculado no ano de 1995;
ü . O tractor referido no ponto anterior havia sido adquirido há mais de dez anos pelo marido da falecida R., D…;
ü . No dia 4 de Julho de 2005, pelas 10:30 horas, o B… conduzia o tractor agrícola referido nos pontos anteriores por um caminho que ligava a Quinta de S. José à estrada;
ü . Na ocasião e local referidos no ponto anterior, o tractor agrícola virou lateralmente sobre a direita, caindo sobre o terreno contíguo ao caminho que fica num plano inferior, e arrastando consigo o B…;
ü . No local em que se verificou o acima descrito o piso do caminho referido atrás era plano e constituído por terra batida regular;
ü . No local e tempo referidos o B… prestava a sua actividade ao serviço da falecida R., D…;
ü . Em consequência do descrito no ponto acima, o B… sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia junto a fls. 47-52, que lhe causaram a morte;
ü . Na altura antes referida o tractor agrícola não estava equipado com qualquer estrutura de segurança – quadro, arco, cabina, cinto de segurança ou outro equipamento de retenção;
ü . Quando foi adquirido, o tractor agrícola referido nos pontos anteriores trazia instalada uma cabina rígida, aparafusada à estrutura, que protegia o condutor dos riscos de capotamento;
ü . A cabina em causa interferia com as árvores do pomar, partindo os ramos e derrubando os frutos;
ü . No momento do acidente o B… apresentava uma taxa de alcoolémia no sangue de 1, 11g/l, que contribuiu para o descrito acima no ponto 8;
ü . No dia 4 de Julho de 2005 a falecida R., D…, pagava ao B… a retribuição mensal de €750,00x14 meses;
ü . A falecida R., D…, celebrou um acordo de seguro de acidentes de trabalho com a co-R. C…’, na modalidade de ‘seguro completo a prémio fixo’, titulado pela apólice n.º 1043134, cuja cópia se encontra junta a fls. 6, abrangendo pessoal eventual, e a retribuição de € 26,42 x (313+26+26) para homens;
ü . A falecida R., D… nunca declarou à co-R. Seguradora que o B… era seu trabalhador permanente.


2CONHECENDO.
As questões.
Trataremos naturalmente das que nos vêm propostas no alinhamento conclusivo da Apelação, sabido que é por aí que se afere e delimita, por via de regra, o ‘thema decidendum’.
Veremos ainda da pretensão da recorrida Seguradora que, ao abrigo da previsão invocada do art. 684.º-A do C.P.C., visa sujeitar a nosso juízo dois dos fundamentos apresentados para/na sua defesa, de que a decisão ora 'sub judicio' não conheceu, prevenindo deste modo a necessidade da sua apreciação.
Do mesmo passo, consideraremos aí da arguição da identificada nulidade da sentença, suscitada nos termos do art. 77.º/1 do C.P.T.

Assim:
1 – Da arguição da nulidade da sentença.
É esta a primeira das conclusões inventariadas…
…E, apresentando-se as imediatamente seguintes como sendo o seu desenvolvimento, não se vê exactamente onde termina a arguição epigrafada e …(onde) começa propriamente a abordagem da questão relativa à impugnação da decidida descaracterização do acidente.
Vindo abordada no decurso da motivação, acaba por se confundir/identificar, afinal, com a temática maior da impugnação.
Diz a recorrente, no remate conclusivo, que a sentença está ferida da nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do art. 668.º do C.P.C.
O conhecimento liminar dessa arguição pressuporia que a mesma tivesse sido suscitada, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, como prescreve o art. 77.º/1 do C.P.T.
São conhecidas razões de economia e celeridade processuais que justificam que a dedução de nulidades da sentença seja dirigida, desde logo, ao Julgador que proferiu a sentença para que possa apreciá-la e supri-las, se admitir ser caso disso.
Não tendo sido observada aquela disciplina, não se conhece da referida nulidade, enquanto tal, porque extemporânea.
(O efeito útil da arguição – adiantamo-lo no entanto – acaba por não se perder, já que o seu fundamento vem a ser considerado e tratado, de algum modo, com a apreciação do julgado em termos de erro de julgamento, como se vê na sequência.
Ainda assim fique a nota de que o erro de julgamento não se inclui/não se confunde com as nulidades da sentença).

2 – Do mérito.
A problemática nuclear tem a ver com a ajuizada descaracterização do acidente.
Como se adianta no intróito da motivação, a Apelante basicamente não aceita a decisão que imputa a causa do acidente ao falecido, através de uma declarada negligência grosseira, tanto mais porque, em seu entendimento, não foram trazidos a Juízo elementos de facto que permitam extrair tal conclusão, não tendo sido cabalmente demonstrada a conexão entre o nível de alcoolemia do sinistrado e o acidente.
Vejamos então.
Subsumindo o caso sujeito no enquadramento legal previsto na alínea b) do n.º1 do art. 7.º da L.A.T., entendeu-se na decisão revidenda que …a atitude do sinistrado – seja por se apresentar, na condução do tractor, com uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,11 g/l, seja por conduzi-lo desprovido dos seus equipamentos de segurança – …revela-se claramente temerária, só podendo explicar-se o acidente que o vitimou pelo estado físico e mental de verdadeira embriaguês, em que se encontrava, e pela absoluta e inconsiderada falta de cuidado que patenteou no exercício da sua actividade.
Considerando essa atitude de negligência grosseira e afirmando o nexo de causalidade entre a mesma e o acidente, (relação de causalidade essa que se teve ainda como exclusiva), concluiu-se dever tal comportamento descaracterizar o acidente em apreço, não conferindo por isso o direito a reparação.

Será esta a decisão justa, postulada pela normatividade da previsão de subsunção?
Tudo visto, analisado e ponderado, cremos firmemente que não foi eleita a solução certa.
É a tarefa dessa demonstração que ora empreendemos.
Não se discute que o acidente de que se cuida foi um típico acidente de trabalho, cuja reparação só se excluirá se efectivamente se puder concluir que o mesmo proveio exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, entendida esta como sendo a correspondente a um comportamento temerário, em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão – arts. 6.º, 7.º/1, b) e 10.º da L.A.T., Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e 8.º/2 do seu Regulamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

Reportados ao quadro de facto apurado – de si parco e pouco explícito – analisemos a actuação do sinistrado, acompanhando, tanto quanto possível, a sua interacção causal com a dinâmica do acidente, e confrontando os seus momentos relevantes com os fundamentos das teses em cotejo.
No exercício da sua actividade profissional ao serviço da co-R. patronal, (entretanto falecida), o sinistrado de morte, B…, utilizava o tractor agrícola identificado, existente na quinta onde trabalhava e adquirido para o efeito há mais de dez anos.
No dia 4.7.2005, por volta das 10:30 horas, o sinistrado, prestando a sua actividade ao serviço da co-R. empregadora, conduzia o dito tractor por um caminho que liga a Quinta de S. José à estrada, altura em que o mesmo se virou lateralmente sobre a direita, caindo sobre o terreno contíguo ao caminho que fica num plano inferior, e arrastando consigo a vítima B…, que, em consequência das lesões sofridas, descritas no relatório da autópsia, veio a falecer.
Nesse local e tempo o piso do caminho era plano e constituído por terra batida regular.

O tractor agrícola em causa, quando foi adquirido, trazia instalada uma cabina rígida, aparafusada à estrutura.
Mas no momento do falado acidente não estava equipado com qualquer estrutura de segurança (cabina, quadro, arco, cinto de segurança ou outro equipamento de retenção).
A dita cabina, quando instalada, interferia com as árvores do pomar, partindo os ramos e derrubando os frutos.
Mais vem consignado, nesta sede de facto, que no momento do acidente o B… apresentava uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,11 g/l, que contribuiu para o descrito no ponto 5.8, ou seja, para o facto de o tractor agrícola ter virado lateralmente sobre a direita, caindo sobre o terreno contíguo ao caminho, que fica num plano inferior, arrastando consigo o sinistrado.

Esta a factualidade relevante.
Como circunstâncias de facto pretensamente descaracterizadoras do acidente, alegou oportunamente a co-R. patronal – sobre quem impendia o respectivo ónus de alegação e prova, enquanto matéria de excepção, ‘ex vi’ do n.º2 do art. 342.º do Cód. Civil – que o sinistrado, à revelia das indicações patronais, circulava muitas vezes sem a capota rígida de que o tractor estava dotado, (…que se aparafusava à estrutura e que tinha como função primordial a protecção do motorista em caso de capotamento), e que ele próprio desmontava.
No dia do acidente o sinistrado circulava sem a capota do tractor, sem conhecimento e contra as instruções que repetidamente lhe eram dadas…
Além disso, o mesmo acusava, aquando do acidente, uma TAS de 1,11g/l, taxa de alcoolémia que não pode ter deixado de contribuir, de forma decisiva, para a génese do acidente que o vitimou.

Conferindo esta alegação com a factualidade assente, com vista à análise do comportamento do sinistrado à luz da previsão do n.º2 do art. 7.º da L.A.T. – na dupla perspectiva da exigida ‘negligência grosseira’ e da sua exclusividade causal para o desencadeamento do acidente – estamos longe de poder ratificar a argumentação que suporta a solução alcançada.
Com efeito:
Reflectindo sobre o que seria a primeira circunstância de facto descaracterizadora do acidente, (:a pretendida omissão/desrespeito das normas de segurança definidas pela entidade empregadora, consistente na condução do tractor agrícola sem capota metálica, aquando do acidente), diremos que os factos apurados não permitem aproximar – e menos identificar... – a conduta do trabalhador com o comportamento pressuposto na norma de subsunção.
Não vemos que, no factualizado contexto, (no contacto permanente e habitual do trabalhador com os perigos e riscos da sua actividade...), a sua actuação – aferida à luz de um elementar sentido de prudência, no arquétipo do ‘bonus paterfamilias’ – assuma a gravidade/temeridade inútil/indesculpabilidade que qualificam a ‘negligência grosseira’, esta sim a demandar, quando verificada, veemente censura e reprovação.
Na verdade, não só não resulta claramente demonstrado que o tractor agrícola em causa estivesse dotado originalmente de equipamento/acessórios de segurança para além de uma cabina/capota rígida, aparafusada à estrutura, como não se sabe exactamente por que estava o tractor desprovido desse acessório aquando do acidente e, menos, que essa circunstância tenha sido da exclusiva responsabilidade da vítima e, por isso, apenas a si imputável, como se significou…
…Ficando ainda por saber de que teriam valido se utilizados, uma vez que o tractor, conforme decorre da breve descrição da dinâmica do acidente, não capotou, apenas se virou lateralmente sobre a direita, caindo sobre o terreno contíguo ao caminho por onde circulava e arrastando consigo o sinistrado.
(Daí que se nos afigure desinteressante tomar posição quanto à questão, suscitada pela recorrente, relativa à pretendida eliminação do excesso (…conclusivo) plasmado na parte final da alínea L da matéria de facto assente.
Admitindo-se que a asserção em causa seja de feição conclusiva – …’que protegia o condutor dos riscos de capotamento’ – não repugnaria aceitar que, dentre outras possíveis funções dessa cabina rígida, também protegesse o condutor, em alguma medida, contra tais riscos… quiçá melhor que um qualquer ‘guarda-sol’ ou ‘guarda-chuva’…).
E, se é certo que o exercício da condução de um veículo com aquelas conhecidas características, numa via como a descrita, exigia atenção, concentração e cuidado, também não pode ignorar-se que, naquelas concretas circunstâncias, o descontrole e a perda da direcção do veículo pudessem perfeitamente ser o efeito de uma reacção brusca face a um súbito e inesperado obstáculo, uma momentânea distracção, uma breve imprudência, uma qualquer facilitação decorrente da rotina e da habituação aos riscos ou perigos da actividade…

Diremos, em resumo desta abordagem, que não se vislumbra, no ponto em análise, uma qualquer actuação do sinistrado próxima sequer dos contornos da exigida negligência grosseira.

Resta averiguar, por fim, se a circunstância de ter sido detectada ao sinistrado uma TAS de 1,11 g/l, aquando do acidente, pode determinar, tão-só e enquanto tal, a ajuizada descaracterização do acidente.
Como já anunciámos, cremos que a justeza da solução impõe a resposta negativa.
Não se discute, em tese, que da ingestão de bebidas alcoólicas resulte, (…ou possa resultar, em alguma medida), a afectação ou diminuição das capacidades psicomotoras de qualquer pessoa, que provoque a ocorrência de alterações da sua acuidade visual, do equilíbrio, dos reflexos, da concentração…
Isso porém não é uma regra absoluta, variando os resultados de indivíduo para indivíduo, em consequência da interacção de vários factores que vão, dentre outros, desde a alimentação à estrutura física/fisiologia de cada um, passando pela quantidade e qualidade das bebidas ingeridas, como se sabe.
Não se discute também que a condução de uma qualquer máquina, nomeadamente um tractor agrícola, demande cuidado, atenção e concentração, como igualmente se não enjeita que os Tribunais devem, dentro da sua esfera de intervenção, fazer a pedagogia possível no sentido da diminuição ou erradicação dos excessos de TAS, maxime no exercício de actividades de risco que contendam com a segurança, integridade física e/ou saúde de terceiros.
Certo.
Simplesmente, destas considerações não pode avançar-se, sem mais, – com o devido respeito – para a conclusão de que a detecção de uma TAS de 1,11 g/l signifique necessariamente que se esteja embriagado, que estejam seguramente diminuídas as capacidades psicomotoras mínimas, com afectação da visão, do equilíbrio, dos reflexos e da concentração, como se assegurou na fundamentação da decisão sujeita.
Ainda assim, o que se concluiu em sede de facto, sobre este aspecto, foi que no momento do falado acidente o B… apresentava uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,11 g/l…que contribuiu para o descrito no ponto 8. do rol dos factos, ou seja, para a ocorrência do acidente.
(Sem outro tipo de informação de facto – que não existe nos Autos… – e vista a fundamentação da respectiva decisão, que quanto a este ponto é de todo omissa, não se atinge como se alcançou tal conclusão) …
…Terá sido apenas por suposição, já que de presunção não parece tratar-se…
(Por definição só o é a ilação que a Lei ou o Julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sendo que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal – cfr. arts. 349.º e 351.º do Cód. Civil) …
Assim parece decorrer da premissa que constitui a locução global que integra o último período de fls. 220, concretamente quando se adianta (citando): …’julgamos que o acidente que vitimou o sinistrado só se pode explicar pelo estado físico e mental, de verdadeira embriaguez, em que se encontrava e pela absoluta e inconsiderada falta de cuidado que patenteou no exercício da sua actividade.
Logo, julgamos ser de afirmar’…

Com o devido respeito – repete-se – não podemos subscrever o entendimento alcançado, para este específico efeito, relativamente à caracterização da conduta do sinistrado como constituindo um comportamento negligente grosseiro, com a dimensão postulada.

Além disso, não podem negligenciar-se dois aspectos decisivos da questão.
Por um lado, com os factos seleccionados, não se torna possível estabelecer o necessário nexo de causalidade entre o (suposto) estado de embriaguez, (mais concretamente entre a detectada TAS) e o acidente…
…Ou, mais correctamente, entre a conduta que lhe é globalmente imputada e o acidente… – …o acidente que provier de, ‘ut’ art. 7.º da L.A.T.
Os factos provados não nos descrevem o acidente de modo a poder concluir-se que ele se seja causalmente consequência da ausência de quaisquer elementos de segurança que devessem equipar o tractor, e que o não equipassem por vontade/culpa do sinistrado, ou que o mesmo tenha acontecido como efeito da ingestão de álcool, na TAS detectada.
Por outro lado, sabe-se simplesmente que a taxa de alcoolémia que o sinistrado apresentava contribuiu para a ocorrência do evento…
Se contribuiu, não foi a sua causa exclusiva, como se exige.
(Veja-se no mesmo sentido, ‘inter alia’, o Acórdão do S.T.J. de 29.10.2003, in C.J./S.T.J., Ano XI, Tomo III, pg.272, em que nos louvamos).

Em resumo deste ponto:
Não pode, pois, por esta via, denegar-se o direito à pedida reparação, procedendo, no essencial, as razões que enformam a reacção da apelante.
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3 – Da pretensão da recorrida co-R. Seguradora ‘C…’.
Conforme se anunciou acima, a recorrida propõe-nos que sejam ora apreciados dois fundamentos que apresentou na sua defesa e de que a sentença 'sub judicio' na conheceu, omissão que, na sua perspectiva, a afectará desde logo do vício previsto no art. 668.º, nº1, d), do C.P.C.
(Desta peça processual foi dado o devido conhecimento aos demais litigantes – fls. 276 e 277).

No fundo, a requerida ampliação do âmbito do recurso, cabendo embora na invocada previsão do art. 684.º-A do C.P.C., sempre viria a acontecer, ao menos em alguma medida, por força da solução para que já aponta o entendimento desta Instância sobre a versada questão da descaracterização do acidente.

Como nos parece, tendo-se orientado a decisão sujeita no sentido da censurada opção pela descaracterização do acidente, não tinha por que ter tratado as identificadas questões, por isso resultar em pura inutilidade face à absolvição das co-RR.
Assim resulta claramente do disposto no n.º2 do art. 660.º do C.P.C., em cujos termos ficam exceptuadas do dever de apreciação e resolução de todas as questões que as partes lhe tenham submetido aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Tendo-se aí decidido que o acidente sujeito não dava direito a qualquer reparação…o mais, na economia da sentença, estava logicamente prejudicado.

Isto posto:
Regista-se, antes de prosseguir, a digna posição da Recorrida Seguradora que, não obstante a solução da sindicada decisão servir os seus interesses, assume dela divergir frontalmente, com os válidos argumentos adiantados, coincidentes, afinal, em grande medida, com os fundamentos da nossa censura.

- Não obstante, pretexta que, como oportunamente alegou, o acidente ficou a dever-se, sim, a falta de observação de regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da co-R. patronal, maxime à falta de condições de segurança do equipamento do tractor.
Na sequência do já expendido sobre a analisada actuação do sinistrado relativamente a esta matéria facilmente se intuirá que não procedem os fundamentos desta tese.
Como resulta da factualidade estabelecida, não é possível concluir por que saiu o tractor da sua trajectória e se virou lateralmente sobre a direita, caindo sobre o terreno contíguo ao caminho por que seguia, que fica num plano inferior, e arrastando consigo o sinistrado.
Também não se vê que relação de causa-efeito seria possível estabelecer entre a condução do tractor, com ou sem qualquer dos acessórios de que devesse estar equipado, e o acidente.
A falta da estrutura de segurança/cabine ou tecto rígido (ou de outros eventualmente devidos acessórios afins) nada tem a ver com a causa/génese do sinistro, com a saída da máquina do caminho por que transitava …sabido até não capotou e que o piso do mesmo era plano e constituído por terra batida regular.
Poderia, sim, ser relevante num momento posterior, no que tange concretamente à extensão e gravidade das consequências do acidente.
Mas isso é já outra coisa.
Concede-se que, estando sujeito ao regime constante do Decreto-Lei n.º 50/2005, devesse o tractor agrícola em causa, com se alega, satisfazer os requisitos mínimos a que respeitam as identificadas normas do diploma…
…E, mais, que o dotação do equipamento respectivo fosse da responsabilidade do empregador.
Simplesmente a R. Seguradora, dizendo que foi devido à sua reduzida estabilidade que o tractor capotou/tombando de lado (…) sobre o tal terreno…ficou-se pela alegação…
…E, não estando demonstrada a causa do acidente, não é possível concluir por um nexo de causalidade entre o acidente e a pretensa violação de uma concreta regra de segurança.
Não pode ignorar-se que, mesmo verificada a violação de concretas regras de segurança, inexiste na legislação infortunística actual qualquer presunção de culpa do empregador, contrariamente ao que sucedia na anterior L.A.T. e seu Regulamento (v.g. o art. 54.º do Dec. n.º 360/71, de 21 de Agosto), tornando-se necessária a prova do nexo de causalidade entre a inobservância da regras sobre segurança e a produção do acidente.
(É pacífica a Jurisprudência firmada nesse sentido. Vide, por todos, o recente Acórdão do S.T.J., de 2.7.2008, in www.dgsi.pt, proc. 081428).
Como já se disse, seria ónus da R. Seguradora ter demonstrado qual a omissão/violação de regras de segurança que foi causal do acidente.

Em resumo deste ponto:
Contrariamente ao sustentado, não pode concluir-se, como se explanou, que o acidente tenha resultado de uma qualquer falta/inobservância de regras de segurança por banda da co-R. patronal, pelo que sempre ficaria excluída a sua responsabilidade principal agravada.
A verificar-se – e admitida a válida transferência contratual da mesma para a Seguradora – esta, em tal circunstância, responderia apenas subsidiariamente pelas prestações normais previstas na Lei – arts. 18.º/1 e 37.º/2 da L.A.T.

- Resta a ponderação da última questão posta.
E consiste esta em saber se, não obstante a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado com a co-R. Seguradora, o sinistro dos Autos se deve ou não considerar abrangido pelas garantias da apólice que o titula (a n.º 1043134, com se especificou oportunamente).
Sustenta-se a negativa com o fundamento de que, tratando-se de um seguro agrícola genérico, cujas pessoas seguras são trabalhadores eventuais, não estariam seguros trabalhadores permanentes que não fossem identificados em mapa de inventário que faria parte integrante da apólice.
Ou seja, apenas estariam seguros os trabalhadores eventuais até ao limite da retribuição diária de € 26,42 (para homens) e € 23,49 (para mulheres).
Sendo o sinistrado um trabalhador permanente da R. patronal, que não o identificou à Seguradora como tal, não estava por isso abrangido pelas garantias do seguro, tanto mais que – alega ainda a Seguradora recorrida – o seu risco sempre seria maior com trabalhadores permanentes do que com trabalhadores eventuais, meia dúzia de dias por ano, para vindimas ou sementeiras.
O contrato é nulo, como se requer, nos termos do art. 8.º da Apólice Uniforme e do art. 429.º do Cód. Comercial.

Vejamos então.
Compulsando o processo, constata-se desde logo que o M.º P.º oportunamente se deu conta de que, face à Acta Adicional ao contrato de seguro de acidentes de trabalho especificado, junta a fls. 6, (em que se faz referência à pressuposta existência de um ‘mapa de inventário’ …que faz parte integrante da apólice), interessaria juntar cópia do mesmo, por referência aos meses de Junho e Julho de 2005, mandando notificar a Seguradora para o efeito, conforme despacho de fls. 59v.º
A resposta da Seguradora consta de fls. 63:
‘A C…, em cumprimento do notificado, vem aos Autos informar que nesta apólice não faz parte qualquer mapa de inventário do pessoal permanente ao serviço da Entidade Patronal’.
Mais adiante, na tentativa de conciliação, a fls. 67-69, a legal representante da Seguradora aceitou, além do mais, a existência de um contrato de seguro com a entidade empregadora e o salário diário seguro de € 26,42 para homens trabalhadores eventuais
…Enquanto a entidade empregadora disse aí, entre outras coisas, aceitar o salário efectivamente auferido pelo trabalhador sinistrado de 675,00 € x 14 meses, em média.
Já na fase contenciosa, a co-R. Seguradora alegou (sob a epígrafe ‘Da não cobertura do sinistrado nas garantias do contrato dos Autos’, ‘ut’ fls. 121-122), que não poderia ser responsabilizada pelo acidente em causa, sequer subsidiariamente, porque no contrato de seguro em apreço, sendo um seguro genérico agrícola, as pessoas seguras são os trabalhadores eventuais, homens ou mulheres, até ao limite de € 26,42 e 23,49 de remuneração máxima diária, assim como quaisquer trabalhadores permanentes…que fossem identificados num mapa de inventário anexo à apólice.
Mas, no caso, o sinistrado era trabalhador permanente da R. patronal, há mais de 15 anos, auferindo uma remuneração mensal fixa, jamais tendo a empregadora declarado à contestante que o sinistrado fosse seu trabalhador permanente.
O sinistrado não era remunerado ao dia, por cada dia de trabalho que fosse solicitado a prestar, pelo que não está abrangido pelas garantias do seguro.

A co-R. patronal foi notificada da contestação (e, por isso, da posição assumida na defesa da co-R. Seguradora), como se confere a fls. 136, com a indicação expressa da norma do C.P.T. (art. 129.º/3) que lhe permitia responder a tal questão.
Nada disse.
Em sede facto vem assente, no que a esta problemática interessa, que:
- O sinistrado B… foi admitido ao serviço da falecida R. patronal, D… e do seu falecido marido, há mais de 15 anos, por acordo verbal e por tempo indeterminado, mediante o qual prestou a sua actividade de trabalhador agrícola indiferenciado na Quinta de S. José, sob as ordens, direcção e fiscalização destes.
- No dia do sinistro, (4.7.2005), a falecida R. patronal pagava ao B… a retribuição mensal de € 750,00x14 meses.
- A falecida R. patronal, D…, celebrou um acordo de seguro de acidentes de trabalho com a R. ‘C…’, na modalidade de ‘seguro completo a prémio fixo’, titulado pela apólice n.º 1043134, cuja cópia se encontra junta a fls. 6, abrangendo ‘pessoal eventual’ e a retribuição de € 26,42 x (313+26+26) para homens.
- A falecida R. patronal, D…, nunca declarou à co-R. Seguradora que o B… era seu trabalhador permanente.

Ora, considerando que o contrato de seguro em causa abrangia ‘pessoal eventual’ – sendo que, relativamente às propriedades, área, pessoal permanente, gerentes, administradores e familiares remunerados seguros, se remetia para mapa de inventário que faz parte integrante da apólice, ‘ut’ fls. 6 – afigura-se-nos poder concluir-se, com segurança bastante, que estamos perante um ‘seguro de agricultura’ (genérico e por área), como alegado.
Nos termos da respectiva Apólice Uniforme, este contrato abrange os trabalhadores, permanentes ou eventuais, empregues em actividades agrícolas por conta do Tomador do Seguro, indicando-se no mapa de inventário que faz parte integrante da apólice – além do mais discriminado – … uma relação do pessoal permanente por tipo de função principal e respectivas retribuições.
O sinistrado era inquestionavelmente um trabalhador permanente, há largos anos ao serviço da co-R. patronal, que nunca o declarou como tal à Seguradora.
E sendo o contrato de seguro em causa a prémio fixo, sempre se impunha que, no que tange a trabalhadores permanentes, estes fossem previamente indicados/determinados, bem como a respectiva retribuição.
Ignorando a sua existência e a retribuição que lhe era paga – e não cobrando por tal risco o prémio correspondente, como é necessariamente suposto – não vemos, na verdade, como poderia exigir-se/sustentar-se que a R. Seguradora devesse considerar a inclusão do sinistrado na cobertura ou garantia da apólice contratada.
Não descortinamos, pois, qualquer fundamento contratual e/ou legal para responsabilizar a co-R. Seguradora pela reparação das consequências do sinistro.
A responsabilidade impenderá, assim, sobre a co-R. patronal, ora nas pessoas dos seus herdeiros habilitados.

Não diremos tanto que o contrato de seguro em causa seja nulo, nos termos do art. 429.º do código Comercial, como se requer seja declarado.
Apenas as declarações inexactas, contemporâneas da sua celebração, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, (produzidas intencionalmente e de má-fé, com o propósito de defraudar a Seguradora), e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, é que o tornam nulo, conforme o enunciado da norma.
Não temos elementos que nos permitam qualificá-lo como tal.
Cremos antes que – considerando os termos de facto analisados, cotejados com as Condições Gerais e Especiais da Apólice Uniforme, na redacção vigente ao tempo – se impõe concluir apenas que o contrato de seguro em causa não cobre validamente o trabalhador sinistrado.

- Da reparação.
Considerando o disposto nos arts. 20.º, n.º1, a), da L.A.T. e a retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente, (€750,00x14 meses), é devida à A., por ora, a pensão anual e vitalícia de € 3.150,00, calculada em 30% da retribuição anual do sinistrado, passando a ser de 40% logo que atinja a idade da reforma.
Tem também ‘jus’ ao subsídio por morte, no montante de € 4.496,40 – art. 22.º, n.º1, b), da L.A.T.
Embora peticionado, não mais se fez menção ao devido subsídio por despesas de funeral – n.º3 do art. 22.º da L.A.T.
Sobre as prestações pecuniárias incidem juros de mora à taxa legal – art. 135.º do C.P.T.
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III –
DECISÃO
Em conformidade com a fundamentação exposta, delibera-se julgar procedente a Apelação, (nela considerada a temática introduzida na ampliação do objecto do recurso pela recorrida Seguradora), e, em consequência, revogando a sentença impugnada, condena-se a R. patronal, na pessoa dos seus herdeiros habilitados, E… e F…, devidamente identificados no Apenso, a pagar à A., A…:
- A pensão anual e vitalícia de € 3.150,00, com início de vencimento reportado a 5.7.2005;
- O subsídio por morte no valor de € 4.496,40;
- A reparação por despesas de funeral no montante de € 1.498,80.
- Juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações pecuniárias em atraso.
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Custas, em ambas as Instâncias, pelos habilitados RR. patronais.
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Coimbra,