Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2916/06.1TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
PAGAMENTO DO PREÇO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º, N.º 2; 352.º; 355.º; 358.º; 874.º; 879.º; 1311.º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. Constitui confissão extrajudicial a declaração feita pelo outorgante vendedor, na respectiva escritura, de que recebeu o correspondente preço.

2. Tal confissão, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, CC, tem força probatória plena, pelo que só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.

3. Em acção de reivindicação o réu tem o ónus de prova da existência de título válido que possa opor ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado. Não o cumprindo, a acção deve proceder.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

    A..., Lda., instaurou a presente acção declarativa de reivindicação, sob a forma de processo ordinário, contra B.,.., formulando os seguintes pedidos:

a) que a Autora seja declarada legítima possuidora e proprietária do prédio melhor identificado no art.º. 1º da petição inicial ;

b) Condenar-se a Ré a reconhecer a posse e o direito de propriedade do mesmo imóvel a favor da Autora, abstendo-se de, por qualquer forma, praticar actos ofensivos da mesma ;

c) Condenar-se a Ré a entregar à Autora o citado imóvel livre de quaisquer pessoas e bens.

    Alega, em resumo, o seguinte:

- é dona e legítima possuidora do prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e sótão amplo para habitação e logradouro sito no lugar de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... conforme certidão de registo predial que se junta ;

- o prédio identificado foi adquirido, pela autora, à ré e Celeste da Conceição Barros, por escritura pública de compra e venda outorgada em 29/03/2005, no Cartório Notarial da ... ;

- o citado prédio encontra-se registado, a favor da Autora, pela inscrição G-5, o que lhe confere a presunção legal de propriedade resultante do disposto no artigo 7° do Código do Registo Predial ;

- acontece, porém, que aquando da outorga da citada escritura pública, a ré solicitou à autora um prazo de cerca de trinta dias para entrega do imóvel ;

- findo o qual, a ré desocuparia o supra citado imóvel, entregaria as respectivas chaves, deixando-o totalmente livres de pessoas e bens ;

- o que a autora aceitou, por mera tolerância ;

- no entanto, a ré não mais abandonou o citado imóvel, não entregou a respectiva chave, nem sequer deu qualquer satisfação à autora ;

- apesar de interpelada para entregar o imóvel em causa, quer verbalmente, quer por escrito, a ré até à data não o fez e nada disse.

    Conclui nos termos já referenciados, formulando os pedidos enunciados. 

    2 - Citada legalmente a Ré, veio a mesma contestar, alegando, em resumo, que:

- não vendeu à Autora o prédio objecto dos presentes autos ;

- não ocupa o imóvel por mera tolerância da Autora, mas na qualidade de sua dona e legítima possuidora ;

- a Autora nunca entregou qualquer montante à Ré ;

- assinou a escritura de venda do imóvel objecto da presente acção, tal como assinou uma outra escritura a favor de uma sociedade de que são sócios e gerentes os representantes legais da Autora, convencida de que estava a assinar um documento necessário à obtenção de um futuro empréstimo ;

- os representantes legais da Autora aperceberam-se de que a Ré e a sua falecida mãe eram pessoas de idade avançada e tinham grandes dificuldades económicas ;

- e que, para fazer face a essa escassez de meios necessitavam, com urgência, de um empréstimo que lhes possibilitasse fazer obras prementes no imóvel que habitavam, sob pena de este vir a ruir ;

- por essa razão, e por intermédio da Sr.ª advogada Sandra Silva – conluiada com os representantes legais da Autora – a Ré aceitou assinar diversos documentos, na firme suposição de que estaria a lidar com pessoas de bem, com idoneidade e competência técnica própria para tratar de tão melindroso assunto ;

- com a certeza, porém, de que, ao assinar os ditos documentos, estaria a praticar actos imprescindíveis e necessários ao aludido fim ;

- nunca com o intuito de vender, como de facto não vendeu, o que quer que fosse ;

- a ideia da mãe da Ré, e por sua vez da própria Ré, era apenas prestar uma garantia – e nunca transferir a titularidade dos referidos imóveis.

    Conclui, requerendo pela improcedência da acção, com as consequências daí decorrentes, nomeadamente a sua absolvição do pedido.

    3 – Conforme fls. 69 a 72, veio a Autora apresentar a sua réplica, alegando, em suma, o seguinte:

- A verdade é que a Ré vendeu o imóvel em causa à A., que lho adquiriu pelo preço constante da escritura pública ; 

- preço que a A., a pedido da Ré, lhe pagou em numerário ;

- a Ré, para que a A. lhe pagasse em numerário, alegou que o dinheiro lhe era necessário com urgência para pagar dívidas do filho Joel e que este por causa dos problemas que tinha não poderia sequer depositar o dinheiro ;

- o imóvel reivindicado nos presentes autos é composto por uma casa com cerca de cinquenta anos, que tem que ser objecto de obras de remodelação total ;

- Para além disso, é inquestionável que o valor oferecido pela A. foi aceite pela Ré como preço do mesmo.

    Conclui, pugnando que as excepções deduzidas sejam totalmente desatendidas, prosseguindo os autos os seus demais termos até final, com a consequente procedência da acção.

           

Findos os articulados, pela M.ma Juiz foi designado dia para a realização da audiência preliminar, no decurso da qual foi proferido despacho saneador tabelar e se seleccionou a matéria assente e a provar, de que não houve reclamação.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 264 a 263, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
Após o que foi proferida a sentença de fl.s 268 a 282, na qual se decidiu o seguinte: “julgar procedente, por provada, a presente acção de reivindicação intentada pela Autora A..., Lda., contra a Ré B... e, consequentemente, decide-se:
1) Declarar que A Autora é dona e legítima possuidora do prédio identificado no art.º 1º da petição inicial (descrito nos factos 1.1 e 1.2 da matéria assente), condenando a Ré ao reconhecimento de tal direito de propriedade, abstendo-se de, por qualquer forma, praticar actos ofensivos deste ;
2) condenar a Ré a entregar à Autora o mesmo imóvel, livre de quaisquer pessoas e bens ;
3) custas a cargo da Ré – art. 446º nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, fixando-se a procuradoria em ½ da taxa de justiça.”.
 
Inconformada com a sentença proferida dela, interpôs recurso a ré, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 286 e 287), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. O contrato de compra e venda tem à parte de ser natureza real tem também natureza obrigacional.

2. Nesta natureza obrigacional do contrato, está implícito o pagamento do preço e a entrega da coisa.

3. Ora, se uma das partes não cumpre com a sua obrigação a outra tem o direito de não cumprir com a sua.

4. E dentro da natureza obrigacional do contrato, a Ré ao alegar que o preço da venda não lhe foi pago, cabia à A. provar que o pagamento lhe foi feito, o que não fez, apesar de ter alegado que cumpriu com o pagamento em numerário.

5. Ora, mesmo a ser verdade que o pagamento tivesse sido feito em numerário, na medida em que a A. tem contabilidade organizada, era fácil provar a saída de tal dinheiro da empresa, o que não foi feito!!

6. Assim, tem a Ré o direito de não entregar o imóvel enquanto não lhe for pago o preço por parte da A.

7. Termos em que deve ser revogada a douta sentença na parte em que condena a Ré a entregar o imóvel livre de quaisquer pessoas e bens à A.

8. Foram violados, entre outros, os artºs. 342º, 397º, 879º, 885º do C. Civil.

Termina, peticionando a revogação da decisão recorrida na parte em a condenou a entregar à A. o imóvel referenciado nos autos, livre de pessoas e bens enquanto não lhe for pago o mencionado preço.

           

            Contra-alegando, a autora, pugna pela manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que a declaração da ré constante da escritura de que tinha recebido o preço, constitui uma confissão extrajudicial não infirmada por outras provas e porque o ónus de provar que tal pagamento não foi feito cabe à ré e não à autora, competindo a esta a prova da propriedade do bem reivindicado e àquela a demonstração de quaisquer factos impeditivos ou modificativos relativamente à pretendida entrega.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Saber a quem incumbe o ónus da prova do pagamento do preço, relativamente à compra e venda referida nos autos e;

B. Se deve improceder o pedido de condenação da ré a entregar o imóvel identificado nos autos, enquanto não lhe for pago o preço.

            São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

              1 - Da matéria de facto dada como ASSENTE:

1.1 – Pela inscrição G-5 de 13/02/2006, foi registada a aquisição a favor de “ A..., Lda.”, por compra, do seguinte prédio: Urbano, sito em ..., composto de casa de cave, rés-do-chão e sótão amplo, com a área coberta de 115 n2 e logradouro com 1.350 m2., a confrontar do norte com MFS..., do sul com ABC..., do nascente com caminho público e do poente com ABE..., prédio esse descrito na Conservatória do Registo Predial e ... sob a ficha nº 0 ... da freguesia de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... da freguesia de ... - alín. A) ;

1.2 – Por escritura pública datada de 29 de Março de 2005, outorgada no Cartório Notarial de ..., B..., declarou que, pelo preço já recebido de € 80.000,00 (oitenta mil euros), vende a “ A..., Lda.”, representada por C... e D..., o prédio urbano, composto de cave, rés-do-chão e sótão amplo para habitação e logradouro, sito no lugar de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo número ..., com o valor patrimonial tributável de 186,59 euros, descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ...\1 da freguesia de ..., tendo os segundos declarado que para a sua representada aceitam a venda - alín. B) ;

1.3 – Em 19/10/2006, a autora solicitou a notificação judicial avulsa da ré para “proceder, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da data da presente notificação, à entrega da chave do móvel identificado em 1º (imóvel descrito em A)), bem como desocupar o mesmo, deixando-o totalmente livre de pessoas e bens no referido prazo “, a qual foi efectuada em 06/11/2006 – alín. C) ;

              2 – Da BASE INSTRUTÓRIA:

    2.1 –após a data da escritura pública referenciada em 1.2, a Autora solicitou à Ré, pelo menos por escrito, que entregasse o imóvel - resp. ponto 4º ;

    2.2 – Em 18 de Setembro de 2006, a autora enviou carta registada à ré, interpelando-a para a entrega do imóvel, num prazo máximo de 10 dias úteis, a qual foi devolvida à autora, com a anotação “não reclamada” - resp. ponto 5º ;

    2.3 – os legais representantes da Autora aperceberam-se de que a Ré era uma pessoa de idade avançada - resp. ponto 8º ;

    2.4 – o imóvel descrito em 1.1 é composto por uma casa com, pelo menos, 40 anos, que necessita de obras de remodelação - resp. ponto 16º.

            A. A quem incumbe o ónus da prova do pagamento do preço, relativamente à compra e venda referida nos autos.

            Alega a recorrente que tal ónus incumbe à autora, por ser a esta que cabe pagar o preço devido pela compra e venda por ambas celebrado.

            Como decorre do disposto nos artigos 874.º e 879.º, ambos do CC, a compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço, tendo como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou direito, com a respectiva entrega e a obrigação de pagar o preço.

            Em termos gerais, sendo o pagamento um facto extintivo da obrigação, incumbiria o ónus de o provar ao comprador – cf. artigo 342.º, n.º 2, do CC, no caso a autora.

            Por outro lado, cumpre dizer que a falta de pagamento do preço devido pela compra não acarreta, só por si, a resolução do contrato (cf. artigo 432.º CC), nem afasta a transferência da propriedade da coisa – cf. citados artigos 874.º e 879.º e 408.º, n.º 1, todos do CC.

            Assim, ainda que não pago o preço devido pelo imóvel transaccionado, a propriedade deste transferiu-se para a autora e a ré, para dela haver o pagamento do respectivo preço teria de a demandar para tal, mas sem que a transferência da propriedade para a ora autora, se tenha de ter por verificada.

            Também a pretensão da ré, pelo prisma da excepção de não cumprimento do contrato (a que parece aludir na sua conclusão 6.ª), não pode proceder.

            Desde logo, porque se trata de questão que não aflorou na contestação (dado que apenas alegou uma situação de dolo na feitura da escritura – estava convencida de que se tratava da documentação para obter um empréstimo – e que não lhe foi pago o preço estipulado na escritura), ou seja, uma questão nova, que aqui não poderíamos apreciar.

            E por outro, por não se ter alegado e, consequentemente demonstrado, que a entrega do imóvel declarado vender à compradora, ficava dependente do pagamento do preço respectivo – veja-se o disposto no artigo 428.º, n.º 1, do CC.

            Nada mais se tendo demonstrado para além do conteúdo da escritura de compra e venda referida nos autos, tem de se concluir que a autora adquiriu a propriedade do imóvel declarado vender, sem que ao acto que a mesma titula se possam assacar quaisquer vícios ou nulidades que inquinem os efeitos da mesma decorrentes, como, aliás, o reconhece a própria recorrente nas suas alegações de recurso, que motiva, apenas, quanto à questão que tratamos.

            Ora, estando nós em presença de uma acção de reivindicação, apenas incumbe à autora a demonstração de que é proprietária do bem cuja entrega pretende, incumbindo à ré demonstrar que o possui com título válido para tal – cf. artigo 1311.º do CC.

            Em face da factualidade demonstrada é patente que a ré não tem qualquer título para estar na posse do imóvel reivindicado e ainda que se demonstrasse que o preço não tinha sido pago, nem assim, tal bastaria, para obstar à sua condenação a entregá-lo à autora, em face das supra assinaladas consequências do não pagamento do preço, uma vez que tal facto em nada contenderia com a transferência da propriedade do bem para a esfera jurídica da compradora, a aqui autora.

            Em consequência, teria, como o foi em 1.ª instância, a acção de ser julgada procedente, condenando-se a ré a entregar à autora o bem reivindicado e dado que se trata de uma acção de reivindicação, até se pode dizer que perde acuidade a questão do pagamento e respectivo ónus da prova, dado que o que verdadeiramente importa apurar é se a autora é a proprietária do bem reivindicado e se a ré detém qualquer título que lho permita ocupá-lo.

            Como já referimos, a autora provou ser a proprietária do bem em questão e a ré não demonstrou ter qualquer título que lhe possibilite recusar a pretendida entrega.

            Não obstante, não deixaremos de analisar quais as consequências que advêm da declaração constante da escritura e de acordo com a qual a ora ré “declarou que, pelo preço já recebido de 80.000,00 €, vendeu à autora, o prédio urbano” ali identificado – cf. item 1.2 dos factos dados como provados na sentença recorrida.

            A escritura pública de compra e venda configura um documento autêntico (cf. artigo 363.º, n.º 2, do CC), pelo que, nos termos do disposto no artigo 371.º, n.º 1 do mesmo Código fazem prova plena dos factos praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

            Ou seja, tem de dar-se como plenamente provado que a ré, na qualidade de vendedora declarou ter recebido o preço, embora sem que essa declaração acarrete a veracidade do seu conteúdo, que poderá ser atacada, v.g. se foi provocada por erro, dolo ou outro vício que a inquine na sua formação – neste sentido, P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 326, M. J. Almeida Costa, in RLJ, ano 129, a pág. 351 e Lebre de Freitas, in A Falsidade no Direito Probatório, Almedina, 1984, a pág. 37.

            E, como defendido, entre outros, no Acórdão do STJ, de 3 de Junho de 1999, in CJ, Acórdãos do STJ, Ano VII, tomo 2, pág. 136 e seg.s, tal declaração feita à compradora, pela aqui ré, na qualidade de vendedora, tem de classificar-se como uma confissão extrajudicial, cf. artigos 352.º e 355.º, n.º 4, ambos do CC.

            Esta, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, CC, tem força probatória plena, pelo que só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto.

            Ora, elaboraram-se quesitos que tinham por objecto a questão do pagamento, sendo que nada mais se demonstrou, quanto a tal, para além do conteúdo da escritura.

            Ou seja, não demonstrou a ré, sendo que era a si que o incumbia fazer, pelas razões expostas, que não é verdadeiro o conteúdo da sua declaração de recebimento do preço. No fundo, não demonstrou que o preço não lhe foi pago, o que lhe tem de ser desfavorável, em sede de decisão, atento o ónus probatório que sobre si impendia.

            Como refere Lebre de Freitas, in ob. cit., a pág. 39:

            “O documento autêntico faz, assim, prova plena da formação da declaração, não da sua validade ou eficácia jurídica.

            Não quer isto dizer que os factos não abrangidos pela força probatória do documento autêntico não devam ou não possam ser considerados provados por via de presunções legais ou judiciais.”.

            O mesmo defende Almeida Costa, in RLJ, ano citado, a pág. 361, que aí diz que “a declaração de quitação constante de documento constitui confissão do declarante do facto da recepção do pagamento”.

           

Concluindo, a ré não tem título válido que possa opor ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel em causa, formulado pela autora, nem, consequentemente, para obstar à pretendida entrega.

            Por outro lado, sobre si impendia o ónus de provar a existência de tal título e de que a afirmação que fez, na escritura pública de compra e venda, acerca do recebimento do preço não era verdadeira, o que, igualmente, não logrou.

Consequentemente, quanto a esta questão, o presente recurso tem de improceder.

B. Se deve improceder o pedido de condenação da ré a entregar o imóvel identificado nos autos, enquanto não lhe for pago o preço.

Refere a ré que assim deveria ser, em virtude de a autora não ter demonstrado que lhe tinha pago o preço da venda, incumbindo-lhe a prova de que o tinha pago.

Como vimos aquando da análise da questão anterior, nem a demonstração do não pagamento do preço, por si só, obstaria à procedência do pedido de entrega do imóvel declarado vender, nem era sobre a autora que incumbia a prova de que assim tinha sido.

Pelo que, estando demonstrado, como está, que a autora é a proprietária do imóvel reivindicado e não tendo a ré título válido que lho permita ocupar, nos termos do supra citado artigo 1311.º do CC, teria a acção de proceder.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida, nos precisos termos em que foi proferida.

            Custas pela apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.


Arlindo Oliveira (Relator)
Emídio Francisco Santos
António Beça Pereira