Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3064/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ABUSO DE DIREITO
ACTO NOTARIAL
Data do Acordão: 11/23/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 387º E 391º DO CPC E ART.º 334º DO CC.
Sumário: 1. O decretamento de uma qualquer providência cautelar implicita sempre e indispensavelmente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes.
2. Se esta ideia de proporcionalidade e razoabilidade, releva frente aos interesses das partes ou litigantes, por igual - ou antes até maioria de razão -, tem de relevar quando se considera o interesse de terceiros em cujas esferas porventura se repercutam os efeitos das medidas determinadas, ou de cuja actuação dependa, no todo ou em parte, a consecução dessas medidas.
3. Por isso, caso tais medidas impliquem para esses terceiros procedimentos ou consequências de tal modo gravosas que excedam o limite do aceitável, à luz de um são e avisado critério ético-jurídico, essas medidas não poderão ser como tal implementadas, qualquer que seja o efectivo resultado da providência.
4. Operará em tal contexto, desde logo, e na ausência de outro específico expediente, o princípio ou instituto do abuso do direito, consagrado no art.º 334º do CC.
5. Constitui abuso de direito, pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo respectivo exercício a outrem, a notificação de todos os Notários do País, através da Direcção Geral dos Registos e Notariados, da providência cautelar, que proíbe o requerido de utilizar uma determinada procuração ou qualquer fotocópia autenticada em qualquer escritura notarial.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO
1. A... instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, o presente procedimento cautelar comum contra B..., o qual antes já havia também demandado em -ainda pendente- acção de divórcio litigioso, pedindo que, sem audiência prévia deste, se decretem as providências adequadas em ordem a impedir que o mesmo venha a utilizar uma Procuração Irrevogável passada em seu (do Requerido) nome e interesse e nos termos da qual lhe são concedidos poderes pelos ainda proprietários inscritos de um prédio urbano –que devidamente descreve-, para o vender, ou prometer vender, incluindo a ele próprio, podendo para o efeito outorgar e assinar a respectiva escritura e praticar os demais actos necessários.
Seguindo os autos os seus termos, foi proferida douta decisão em que, no deferimento da providência, se rematou com o dispositivo que segue:
“A) – Notificação pessoal do requerido de que está proibido de utilizar a procuração a que se alude o articulado ou qualquer fotocópia autenticada em qualquer escritura notarial, a não ser que seja para venda do prédio descrito no art.º 3º ao requerido e também à requerente, até
- o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha dos bens comuns do casal subsequente a divórcio, na qual seja incluído o prédio descrito na C. R. P. de Ourém sob o nº 00176/fregª de N .Srª Piedade;
- ou até à realização da correspondente escritura de partilha notarial na qual se inclua o mesmo bem imóvel;
- ou até ao trânsito em julgado de sentença proferida numa eventual acção judicial declarativa destinada a qualificar a natureza do supra citado prédio em relação ao património comum do casal constituído pela Requerente e pelo Requerido.
B) Notifique-se o Cartório Notarial de Ourém, onde a procuração a que se alude se encontra arquivada, de todas as providências ordenadas, com cópia da procuração a que as mesmas se referem;
C) Comunique-se a todos os Cartórios Notariais do País, através da Direcção Geral dos Registos e Notariados, a fim de serem devidamente notificados.”

2. Discordando desta decisão, o Ministério Público, em representação do Estado, Direcção Geral dos Registos e Notariados, veio interpor o vertente recurso de agravo, o qual –após atendida Reclamação para o Exmº Presidente desta Relação, quanto ao seu inicial indeferimento-, foi admitido e devidamente processado, sendo as seguintes as respectivas finais conclusões:
1ª - As exigências de funcionamento diário de um cartório notarial não são compatíveis com as delongas decorrentes da necessidade de consulta da notificação remetida no âmbito dos presentes autos à DGRN, para difusão pelos vários cartórios, atentas as diferentes espécies de actos a praticar.
2ª – Tal inviabiliza na prática a observância dessa notificação.
3ª – Acresce, que todo o incumprimento de decisão proferida em sede de “providência cautelar” é susceptível de gerar responsabilidade criminal conforme resulta do disposto no art.º 391°do CPC.
4ª – Além de que o incumprimento em causa no presente recurso, decorrente de razões funcionais, retira eficácia à douta decisão em crise e acaba por fazer letra morta do princípio de que as decisões judiciais transitadas em julgado são de cumprimento obrigatório para todas as entidades públicas e privadas, conforme dispõe o art. 205°, nº2 da CRP.
5ª – A notificação aos cartórios notariais da proibição de utilização da procuração não obsta a que a mesma seja usada para a prática de compras/vendas tituladas por documento particular nos termos do disposto no DL. no 64-A/00, de 22/04.
6ª – Assim, pode questionar-se se a proibição decretada salvaguarda em efectividade o direito ameaçado e a segurança do comércio jurídico imobiliário e, se por isso e, não obstante, tais dificuldades se justifica a manutenção de tal proibição.
7ª – O efeito útil da notificação à DGRN da proibição de utilização por um particular de uma procuração em litígio implica que nos cartórios notariais essa notificação seja levada em conta.
8ª – Afigura-se-nos que é mais líquido que o teor de tal notificação seja, desde logo, considerado em sede de apreciação dos pressupostos da legitimidade das partes, em obediência ao princípio da legalidade que norteia a actividade dos notários, consagrado no arte 11° do DL. no 26/04, de 4/02.
9ª – Com efeito se a questão se colocar como fundamento de recusa da prática de acto notarial o cumpridor da notificação depara-se com uma tipificação das hipóteses de “recusa” no arte 173° do CN.
10ª – Porém, se a notificação em causa, reportada à proibição de uso de procuração, a qual usada parece afectar a validade do negócio por o seu objecto ser nulo, por desrespeitar uma sentença e, em última análise, a lei, tal notificação poderá constituir um fundamento de recusa de prática de acto notarial, como resulta da conjugação do disposto nos arts. 173°, nº 1, aI. A) do CN e 280° do CC.
11ª – Mostra-se imperioso, que superiormente se decida se existe ou não equilíbrio entre os interesses a salvaguardar com a proibição imposta e os inconvenientes funcionais para os cartórios notariais decorrentes da notificação da referida proibição e invocados pela DGRN, ou se tais inconvenientes constituem um prejuízo relevante e atendível susceptíveis de justificarem a alteração da notificação da proibição imposta na douta sentença recorrida.
12ª – Impõe-se, por conseguinte, superiormente decidir se foi ou não violado o disposto no art. 660°, nº 2 do CPC, ou seja, se sendo de quase impossível observância pelos cartórios notariais da notificação em apreço se mostra efectivamente acautelado o direito ameaçado.
13ª – E além disso, se a douta sentença recorrida ao criar uma situação de difícil ou quase impossível cumprimento para os responsáveis pelos cartórios notariais viola ainda o disposto no arte 391° do CPC e no arte 205°, nº2 da CRP e, se, em consequência deve ser alterada nesta parte, eliminando-se a determinação da notificação da proibição do uso da procuração em causa na presente providência cautelar.
14ª – Concluindo-se pela manutenção da notificação da proibição de uso da procuração aos cartórios notariais, mostra-se, ainda conveniente fixar-se em que sede, se ao nível da apreciação da legitimidade se ao dos fundamentos de recusa da pratica de acta notarial, deverá notificação ser levada em conta.

3. Não foram apresentadas contra-alegações, e o Mm.º Juiz, em singelo despacho, manteve a sua decisão.
Colhidos que se mostram os competentes vistos, cumpre decidir.

II – DOS FACTOS
A matéria factual a considerar e valorar, em ordem à dilucidação da problemática em apreço, traduz-se apenas e só naquela já vertida no âmbito da antecedente exposição constitutiva do Relatório, que, por isso, prescindindo de a reeditar, damos aqui por integralmente reproduzida.

III – DO DIREITO
Conforme resulta do disposto nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil (Diploma ao qual pertencem os demais preceitos a citar sem menção de origem), nos recursos o thema decidendum é fixado em face das conclusões das alegações do Recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí enunciadas.
Analisadas as acima reproduzidas conclusões recursórias, constatamos que, no essencial, apenas a uma se circunscreve a controvérsia suscitada nessas sintéticas proposições, qual seja saber se o procedimento ordenado na douta decisão cautelar ora em crise, traduzido na comunicação a todos os Cartórios Notariais do País –através da D.G.R.N.-, da proibição de utilização da procuração ou respectiva fotocópia, decretada (essa proibição) em relação ao Requerido, deve ou não ser mantida.

Como vimos, o Digno Recorrente entende que a resposta não pode deixar de ser no sentido dessa não manutenção, aduzindo para tanto –em consonância com o que lhe foi dado saber pela D.G.R.N.-, que o ordenado é quase impossível de cumprir, para mais ainda afectando o normal funcionamento dos cartórios notariais, uma vez que obrigaria a que antes de qualquer acto do género de escritura notarial, reconhecimento de assinatura, termo de autenticação de documento e substabelecimento de procuração fosse consultado o maço de documentos em que a notificação se encontrasse arquivada.
Ora –continua o mesmo Recorrente-, se cada Cartório Notarial receber por dia de um Tribunal diferente uma só notificação, no fim do ano serão 365 notificações distintas, tendo o notário, antes de lavrar qualquer acto, de consultar o maço onde arquivou essas 365 notificações, a fim de verificar se pode ou não realizá-lo. No final do ano seguinte serão já 730 as notificações a consultar, e assim por diante.
E se bem que esta hipotizada situação se possa considerar meramente virtual –prossegue o Recorrente-, o certo é que o vertente procedimento cautelar pode manter-se por tempo indeterminado até que o litígio se resolva, podendo, pois acumular-se o número de notificações a ter em conta.
E nesta decorrência –mais aduz-, o tempo de atendimento num cartório notarial aumentaria, com o consequente descontentamento dos utentes, situação que poderia impelir à inobservância não culposa por parte dos notários da decisão proferida pelo Tribunal.
Agravando este quadro, acresce –ainda segundo o mesmo-, que em face do disposto no art. 391° do CPC incorre em responsabilidade penal, ou seja, na prática do crime de desobediência qualificada p. e p. pelo art. 348º, nº 2 do CP, quem não observar uma decisão proferida numa providência cautelar.
Como se isso não fosse bastante –argumenta outrossim o Recorrente- sucede que a notificação em causa aos notários, só por si, não é bastante para obstar à utilização da procuração em apreço, como seja o caso das compras e vendas tituladas por documento particular, nos termos do disposto no DL. nº 255/93, de 15/07 (apenas por manifesto lapso refere D.L. nº 64-A/2000, de 22/04).
Deste modo –remata-, para além das dificuldades decorrentes para a D.G.R.N., pode questionar-se se a proibição decretada salvaguarda em efectividade o direito ameaçado e a segurança do comércio jurídico imobiliário e se, por isso, não obstante tais dificuldades, se justifica ela própria, proibição.
Que dizer?

Antecipando o veredicto, diremos –ressalvando sempre melhor opinativo-, que à douta posição propugnada pelo Digno Recorrente assiste, em nosso modesto ver, o necessário suporte fáctico-jurídico, sendo, por isso, de subscrever.
Se não vejamos:
Como é sabido, o decretamento de uma providência cautelar postula a verificação simultânea de duas condições positivas - o “fumus boni juris” e o “periculum in mora” (art.º 387, nº 1) -, e de uma condição negativa – inverificação de um excesso considerável do prejuízo dela resultante relativamente ao dano que com ela se objectiva evitar (art.º 387º, nº 2).
Como deflui claramente deste último requisito, o decretamento de uma qualquer providência cautelar implicita sempre e indispensavelmente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, o que –conforme se sublinha no Ac. da R.E. de 08-02-2001, in Col., I, pág. 269 – reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes.
Como no mesmo aresto impressivamente também se observa (ibidem), “...é a ponderação da ‘balance of interests’ entre as partes do processo, a exigirem do Juiz, por excelência, que este se oriente por padrões de razoabilidade.” Ou seja –ainda segundo o mesmo judicativo-, “Em que a formulação de um juízo de valor por parte do tribunal assente no princípio da proporcionalidade entre a resposta jurisdicional e os interesses concretamente afectados e em conflito.”

Ora, se esta ideia de proporcionalidade, razoabilidade –enfim, equilibrada ponderação-, releva frente aos interesses das partes ou litigantes, por igual -ou antes até maioria de razão-, tem de relevar quando se considera os interesses de terceiros em cujas esferas porventura se repercutam os efeitos das medidas determinadas, ou –como sucede no caso em exame-, de cuja actuação dependa, no todo ou em parte, a consecução dessas medidas.
E assim, caso tais medidas impliquem para esses terceiros procedimentos ou consequências de tal modo gravosas que excedam o limite do aceitável, à luz de um são e avisado citério ético-jurídico, essas medidas não poderão ser como tal implementadas, qualquer que seja o efectivo resultado da providência.
Operará em tal contexto, desde logo, e na ausência de outro específico expediente, o princípio ou instituto do abuso do direito, consabidamente consagrado no art.º 334º do Cód. Civil, figura que –conforme o ensinamento de Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “Dir. das Obrigações”, Vol. I, Almedina, pág. 265-, se consubstancia “... numa cláusula geral através da qual se procura estabelecer limites ao exercício das posições jurídicas que, embora formalmente permitido, se apresenta como disfuncional ao sistema jurídico, quando contraria manifestamente vectores fundamentais ao seu funcionamento.”
Como explicita o Prof. Antunes Varela, não se trata, no caso desta figura, da violação de um direito de outrem, ou da ofensa a uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas do exercício anormal do direito próprio- Das Obrigações em Geral, Vol I, Almedina, pág. 563.
Por outro lado, não é necessária a consciência por parte do agente dessa anormalidade de exercício, bastando que ela, objectivamente, se verifique –ibidem, pág. 564.
E uma vez verificada, correspondem-lhe, como facilmente se antolha, consequências sancionatórias diversificadas, que podem traduzir-se tanto na paralização do direito, como na redução do seu exercício a justos limites, como na obrigação de indemnizar por culpa “in contrahendo” –neste pendor, Ac. R.P. de 11-5-89, in Col., III, pág. 193.
Por fim, importa ainda salientar –em coro com o Prof. Almeida Costa, in “Dir. das Obrigações”, 5ª ed., Almedina, pág. 66-, que assimilável ao “direito”, enquanto manifestação abusiva a merecer adversa reacção do sentimento de justiça comunitariamente prevalecente, é qualquer mero poder, liberdade ou faculdade imediatamente resultante da capacidade jurídica, ou mais genericamente, qualquer comportamento material.

Ora, como também é sabido, no estudo do abuso do direito a Doutrina elencou vários tipos de condutas paradigmaticamente constitutivas de exercício abusivo do direito ou de outras poderes legais.
“Estes tipos de abuso –escreve o Prof. Pedro Pais de Vasconcelos,-, constituem modelos doutrinários jusculturais que, como tipos que são, têm limites difusos, são fragmentários e por vezes se sobrepõem total ou parcialmente uns aos outros.” –Teoria Geral de Dir. Civil, 2ª ed., Almedina, pág. 661.
Um desses tipos de atitudes abusivas e socialmente enjeitadas, é justamente constituído pelo desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, o qual –conforme o sábio ensinamento do Prof. Menezes Cordeiro, in “Dir. Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 212– se pode caracterizar, entre outras manifestações, por uma desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem. Tal desproporcionalidade –ainda segundo a mesma prestimosa lição-, ultrapassados certos limites, é abusiva, defrontando a boa fé, na sua vertente da primazia da materialidade subjacente.

Ora –e tal como antecipámos-, é perante uma inadmissível situação de desproporcionalidade que, em nosso entender, nos achamos em face dos específicos contornos do caso em análise, já que objectivando acautelar –em determinado vector- o seu arrogado direito, a Requerente reclamou e viu-lhe ser concedida pela decisão final do procedimento uma actuação dos serviços do notariado, a nível nacional, que, a ser levada a rigor –tanto mais justificado e premente quanto é certo que uma sua eventual preterição seria passível de fazer incorrer o faltoso em procedimento judicial por crime de desobediência qualificada-, conduziria a uma tendencial paralização –ou pelo menos enorme perturbação- do funcionamento diário da generalidade dos cartórios notariais.
Com efeito, e tal como precatadamente assinala o Digno Recorrente, a total compatibilização das condutas de tais serviços com os parâmetros decorrentes dessa decisão, implicaria, indeclinavelmente –e pelo indeterminado tempo de vigência da providência-, que antes da celebração de, praticamente, qualquer acto do tipo escritura, substabelecimento de procuração, reconhecimento de assinatura (cfr. o citado D.L. nº 255/93), etc., fosse controlado se em causa não estaria facto com atinência à situação comunicada, o que acarretaria, como é óbvio, grandes transtornos e impasses no labor das repartições em referência.
Quer dizer, ao prejuízo isolado e de índole exclusivamente patrimonial da Requerente, submeter-se-iam, preterindo-os, os interesses não só de tais cartórios na sua orgânica, bem como dos seus funcionários, mas também dos inúmeros cidadãos que a eles acorrem e que, por uma multiplicidade de razões –pessoais e outrossim económicas-, demandam deles uma actuação a um tempo competente, célere e eficaz.

Ante este quadro, a pretensão da Requerente no sentido dessa intervenção surge-nos, assim, como dissemos, e ora reiteramos, sopesadas as atinentes vantagens e contrapostos inconvenientes, completamente desproporcionada e, portanto -tendo em mente o acima exposto-, abusiva, contrária aos ditames da boa fé, naquela assinalada vertente.
De tal sorte, e chamando à colação o acima apontado leque de soluções sancionatórias previstas no nosso sistema legal para os comportamentos com esse apontado cariz anti-social, concluímos que, impondo-se a tal incomportável pretensão obviar, é a consequência da sua paralização –que o mesmo é dizer denegação, que não podia nem pode, aqui e agora, deixar de ser adoptada.

Nestes termos, há assim que revogar a douta decisão recorrida na parte em que, acolhendo essa pretensão, determinou o accionamento –através da D.G.R.N.-, de todos os Cartórios Notariais do País –afora o de Ourém, objecto de autónoma notificação, a cujo respeito, por isso, nada nos cumpre emitir-, para os termos da providência cautelar decretada.

O douto recurso é, pois, procedente, sendo que a remanescente questão recursória se mostra, com este nosso veredicto, em absoluto prejudicada, sem embargo de, ainda que assim não fosse, sempre a este Tribunal estar a respectiva apreciação vedada.
Com efeito, a mais de tal questão se configurar como questão nova, verdade é ainda que nenhum poder/dever caberia a esta Relação, atento o concreto desenho da lide, no sentido de se pronunciar, fixando-o vinculativa e precisamente, sobre o nível ou enquadramento –se o da apreciação da legitimidade, se o dos fundamentos da recusa da prática de acto notarial-, em que a notificação ora em causa (a manter-se a sua determinação), deveria ser, pelos Exmºs notários interpelados, considerada -problemática que, na economia do enfocado recurso, constitui justamente o substracto de tal remanescente questão.

O que tudo visto, importa concluir com a seguinte


IV – DECISÃO

Por tudo o exposto, concede-se provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se a douta decisão recorrida na parte referente à determinação contida na alínea C) do seu dispositivo, ou seja, na parte em que -visando a respectiva vinculação à providência cautelar ordenada-, ordenou a concernente notificação de todos os Cartórios Notariais do País, através da Dir. Geral dos Registos e do Notariado.
Custas pela Requerente.
Coimbra, 2004-11-23