Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
448-D/1995.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
ENTREGA JUDICIAL DE BENS
CÔNJUGE
Data do Acordão: 12/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 825º, Nº 1 E 864º, Nº 1, A); 901°; 930°, NºS 1 E 3; DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Quando o adquirente de bens em execução tiver dificuldades em obter a sua entrega, material ou simbólica, pode, com base no despacho de adjudicação, requerer o prosseguimento da execução, deduzindo, imediatamente, contra o detentor dos bens o correspondente incidente, nos termos prescritos para a execução destinada à entrega de coisa certa, mas sem que tal importe a instauração autónoma desta acção executiva.
O princípio da exigência da convocação do cônjuge do executado, a que aludem os artigos 825º, nº 1 e 864º, nº 1, a), do CPC, que se destina a assegurar aquele a participação nos actos de venda dos bens, restringe o seu âmbito de incidência aos imóveis comuns do casal, ou de que o executado não tenha a livre disposição, o que não acontece, em relação aos imóveis que constituam bens próprios do executado, com excepção daqueles que este não possa alienar, livremente
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA


A..., co-executado com B... e C..., nos autos em que é exequente D..., interpôs recurso de agravo da decisão que determinou o prosseguimento da execução requerido pela adquirente E..., todos, suficientemente, identificados, nos termos e para os efeitos do estipulado pelo artigo 901°, do Código de Processo Civil, na sua redacção pretérita, contra o executado F..., e a efectivação da entrega judicial da coisa, de acordo com a previsão legal do artigo 930°, nºs 1 e 3, do mesmo diploma legal, terminando as alegações com o pedido de declaração sem efeito da venda, da notificação da executada e dos credores da requerente para sobre ela se pronunciarem, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Deve ordenar-se a apensação a estes autos da acção ordinária nº 716/06.8 deste juízo e suspender-se a entrega do imóvel até ao trânsito em julgado desta, porquanto aquela constitui uma verdadeira questão prejudicial, face à acção executiva, e não existindo outro meio de defesa, por parte da sua esposa.
2ª – A entrega do imóvel nesta fase poderá constituir enorme prejuízo para o seu verdadeiro proprietário, que se vê privado desde logo da sua casa de habitação.
3ª – Deve assim ordenar-se a entrega do imóvel adquirido num processo de execução, quando sobre o mesmo pende acção de reivindicação de um terceiro seu possuidor (que faz dele a sua casa de habitação) até ao trânsito da decisão.
4ª – O imóvel adquirido pela H...-adquirente nada tem a ver com o dos autos.




5ª – Indeferir a entrega do bem à H... (adquirente nestes autos por ser uma diligência ilegal, atenta a relação do artigo 901 vigente ao tempo sendo que o meio próprio devia ser o processo de execução para entrega de coisa certa.
Nas suas contra-alegações, as recorridas D..., e E..., sustentam que não deve ser dado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
O Exº Juiz sustentou a decisão impugnada, por entender que não foi causado qualquer agravo ao recorrente.
Com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, importa reter a seguinte factualidade:
1 - A adquirente e arrematante E..., requereu que o executado, ora agravante, e o fiel depositário fossem notificados para proceder à entrega do prédio rústico, sito em Nandufe, Tondela, composto de vinha e oliveiras, com 3600 m2, a confrontar do Norte com Albano Gomes Ferreira, do Sul com o caminho, Nascente e Poente com Celestino Gonçalves Coelho, inscrito na matriz, sob o artigo 126, e descrito na Conservatória, sob o nº 145, com o valor patrimonial de 1440000$00, vendido em hasta pública, e de que lhe foi adjudicado e passado o título de transmissão – Documento de folhas 95 a 99.
2 – O imóvel, aludido em 1, foi nomeado à penhora pela exequente D..., tendo sido penhorado, em 30 de Outubro de 1996 – Documento de folhas 105.
3 – A penhora, aludida em 2, encontra-se registada, desde 8 de Junho de 1997 – Documento de folhas 48 a 51.
4 – Não foi efectuada a entrega do prédio, referido em 1 – Documento de folhas 95 a 99.
5 – No dia 26 de Maio de 1993, o executado C... e mulher, Maria Alzira Galhardo Antunes, doaram ao agravante A... e mulher, G..., o prédio descrito em 1, que, por seu turno, declararam aceitar a doação – Documento de folhas 44 a 47.
6 – A aquisição do prédio descrito em 1, a favor de A... e mulher, G..., encontra-se inscrita, no registo predial, desde 19 de Agosto de 1993 – Documento de folhas 48 a 51.



7 - O agravante A... e G... casaram um com o outro, segundo o regime da comunhão de adquiridos – Documentos de folhas 44 a 47 e 48 a 51.
8 - G... instaurou acção especial de separação judicial de pessoas e bens contra a sua ex-esposa, G..., tendo decorrido o inventário para separação de meações, que terminou com a prolação da sentença homologatória do respectivo mapa de partilha, que adjudicou a esta última o imóvel, aludido em 1 – Documento de folhas 52 a 62.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se existe fundamento legal para decretar a suspensão da entrega do imóvel penhorado ao adquirente em execução.

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DA SUSPENSÃO DA ENTREGA DO IMÓVEL AO ADQUIRENTE EM EXECUÇÃO

Estipula o artigo 900º, nº 1, do CPC, na versão anterior à introduzida pelo DL nº 38/03, de 8 de Março, aplicável, «ex vi» do estipulado pelos artigos 21º, nº 1 e 23º, deste diploma legal, que “os bens apenas são adjudicados e entregues…após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão”, e, uma vez proferido o despacho de adjudicação, prossegue o respectivo



nº 2, “…é passado ao adquirente título da transmissão, no qual se identifiquem os bens, se certifique o pagamento do preço e o cumprimento das obrigações fiscais e se declare a data em que os bens lhe foram adjudicados”, e, tratando-se de imóvel, o número da descrição do prédio adquirido ou, inexistindo, a menção da sua omissão no registo, em conformidade com o disposto pelos artigos 95º, nº 1, a) e 48º, do Código do Registo Predial.
Este título de transmissão constitui o documento bastante para instruir o pedido de registo definitivo da aquisição do bem, a favor do transmissário, nos termos das disposições combinadas dos artigos 43º, nº 1, 92º, nº 1, g) e 101º, nº 2, c), todos do Código do Registo Predial.
Se, porém, o adquirente de bens em execução tiver dificuldades em obter a sua entrega material ou simbólica, pode, com base no despacho de adjudicação, acabado de referir, que servirá de título executivo, revestido de eficácia, para além da acção executiva em que for lavrado, requerer o prosseguimento da execução, deduzindo, imediatamente, contra o detentor dos bens o correspondente incidente, nos termos prescritos para a execução para entrega de coisa certa, mas sem que tal importe a instauração autónoma desta acção executiva.
Mas, tal como acontece na situação de renascimento da execução extinta, contemplada pelo artigo 920º, do CPC, em que nada obsta a que a acção executiva se renove no mesmo processo, quando o título tenha trato sucessivo, para pagamento de prestações que se vençam, posteriormente, ou prossiga a requerimento do credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja sido, liminarmente, admitido, também o adquirente de bens em execução que tiver dificuldades em obter a sua entrega, material ou simbólica, pode, com base no despacho de adjudicação, requerer o prosseguimento da execução, sem necessidade de deduzir, autonomamente, execução para a entrega de coisa certa, nos termos consagrados pelo artigo 930º, nº 1, do CPC.
E isto, sem embargo de, ao requerer o prosseguimento da execução, o adquirente, por não ser credor do executado, não ter como finalidade satisfazer






qualquer crédito próprio, por se não tratar de uma pretensão obrigacional, mas antes credor de uma pretensão real de reivindicação, por violação de um direito absoluto Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 391 e 392 e nota 1099..
Revertendo ao caso em análise, importa reter que o prédio objecto de arrematação pela adquirente E..., cuja entrega esta solicita ao Tribunal, fora doado ao agravante e a sua ex-esposa, G..., casados entre si, segundo o regime da comunhão de adquiridos, e que inscreveram, no registo, a respectiva titularidade, muito, anteriormente, à data da penhora.
Assim sendo, trata-se, inequivocamente, de um bem comum do casal, em conformidade com o que resulta do disposto pelo artigo 1724º, b), do Código Civil (CC).
Por seu turno, acontece uma indevida apreensão de bens comuns, quando não tenha sido requerida a citação do cônjuge do executado, em conformidade com o estipulado pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, excepto se a penhora tiver incidido sobre os bens aludidos no nº 2, do artigo 1696º, do CC, quando, não tendo sido citado o cônjuge do executado, no património próprio deste ainda existam bens penhoráveis que não foram objecto de apreensão, e, finalmente, quando o cônjuge, único executado, nomear, voluntariamente, à penhora, sem a autorização do outro, bens comuns cuja oneração careça do consentimento de ambos.
O princípio da exigência da convocação do cônjuge do executado, que se destina a assegurar aquele a participação nos actos de venda dos bens, restringiu o seu âmbito de incidência aos “…bens imóveis de que este não possa alienar livremente,…”, conforme resulta do estipulado no artigo 864º, nº 1, a), 1ª parte, do CPC, ou seja, aos imóveis de que o executado não tenha a livre disposição.
Assim sendo, considerando que, no regime da separação absoluta, todos os bens são da livre disposição do cônjuge a quem pertencerem, a citação do cônjuge do executado, nos termos e para os efeitos do estipulado pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, citado, restringe-se às hipóteses de aplicação dos regimes da comunhão geral e da comunhão de adquiridos.
A norma em apreço tem de ser entendida como tendo em vista, tão-só, os imóveis comuns, que não podem, legalmente, ser penhorados, em execução movida



contra um dos cônjuges, senão nos casos previstos na lei e sob a forma nela indicada da expressa convocação do cônjuge do executado, e não os imóveis que constituam bens próprios do executado.
Por isso, a falta de citação do cônjuge do executado apenas pode importar a penhora em bens, ostensivamente, alheios quando se trate de bens comuns nomeados, com a consequente anulação da execução, na parte respectiva, nos termos do estipulado pelo artigo 921º, do CPC, porquanto o cônjuge não citado é, ou está na emergência, de ser executado.
Aliás, a partir da citação, nos termos do estipulado pelo artigo 864º, nº 3, a), do CPC, na versão interpretativa que decorre do DL nº 38/03, de 8 de Março, o cônjuge do executado passa a ocupar, funcionalmente, a posição de executado e a figurar como parte no processo, ainda que não como parte principal, não assumindo a sua intervenção a natureza de litisconsórcio sucessivo, mas apenas a de promotor dos termos do processo de separação judicial de bens comuns Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, 2000, 365 e 366..
A isto acresce que o cônjuge do executado deve ser, obrigatoriamente, citado, a solicitação do exequente, de modo a que possam ser penhorados os bens comuns do casal, ou os bens próprios do executado, mas que este não possa alienar, livremente, sob pena de se produzirem os efeitos próprios da falta de citação, em conformidade com o estatuído pelos artigos 825º, nº 1, 864º, nºs 3, a) e 10, a) e 864º-A, todos do CPC.
Ora, sendo o imóvel penhorado, cuja entrega é reclamada pelo adquirente em execução, um bem que o executado não podia alienar, livremente, porquanto se tratava de um imóvel comum do casal, de que o mesmo não tinha a livre disposição, porquanto fora adquirido, a título gratuito, por ambos os seus membros, que se encontravam casados um com o outro, segundo o regime da comunhão de adquiridos, não podia o mesmo ser penhorado, de modo regular, independentemente da citação do seu cônjuge, nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 825º, nº 1, do CPC, aplicável.



A isto acresce, como já se referiu, que o imóvel penhorado foi adjudicado ao cônjuge do executado, pela sentença homologatória do mapa de partilha, proferida no inventário para separação de meações, na sequência da acção de separação judicial de pessoas e bens, instaurada por aquele cônjuge, nos termos do estipulado pelo artigo 1406º, nº 1, a), do CPC.
Existe, portanto, fundamento legal para declarar a suspensão da entrega do imóvel ao adquirente em execução, por se reportar a um bem comum do casal, adquirido, a título gratuito, por ambos os seus membros, na constância do matrimónio, e do qual o executado não podia dispor, livremente.
Colhem, assim, as conclusões constantes das alegações do agravante.

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CONCLUSÕES:

I – Quando o adquirente de bens em execução tiver dificuldades em obter a sua entrega, material ou simbólica, pode, com base no despacho de adjudicação, requerer o prosseguimento da execução, deduzindo, imediatamente, contra o detentor dos bens o correspondente incidente, nos termos prescritos para a execução destinada à entrega de coisa certa, mas sem que tal importe a instauração autónoma desta acção executiva.
II - O princípio da exigência da convocação do cônjuge do executado, a que aludem os artigos 825º, nº 1 e 864º, nº 1, a), do CPC, que se destina a assegurar aquele a participação nos actos de venda dos bens, restringe o seu âmbito de incidência aos imóveis comuns do casal, ou de que o executado não tenha a livre disposição, o que não acontece, em relação aos imóveis que constituam bens próprios do executado, com excepção daqueles que este não possa alienar, livremente.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar provido o agravo e, em consequência, revogam a decisão recorrida, devendo o Mº Juiz determinar a suspensão da entrega do imóvel, até ao trânsito em julgado da acção ordinária nº 716/06.8, pendente no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela.

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Custas, a cargo das agravadas D..., e E..., em igual proporção.

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Notifique.