Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
706/06.0
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGO 814.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 58.º, 79.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES
Sumário: Sendo a decisão condenatória da autoridade administrativa uma decisão “de inspiração jurisdicional”, os fundamentos para a oposição à execução devem reconduzir-se aos que são enunciados no art. 814º do C.P.C., pelo que deve ser liminarmente indeferida a petição inicial de embargos, quando o executado embargante mais não faz senão questionar o mérito da condenação constante do título executivo
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção cível da Relação de Coimbra
I-RELATÓRIO
O M.P. instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa contra A…. Lda com vista à cobrança coerciva da quantia de 5. 083,25 € relativa à coima que lhe foi aplicada pela Direcção Geral de Transportes Terrestres – Delegação de Transportes do Centro no processo de contra-ordenação, e custas respectivas.
Citado para os termos da execução, a executada veio deduzir os presentes embargos, alegando, em síntese, que a decisão que serve de base a esta execução assentou numa errada interpretação e aplicação das normas legais, porquanto:
- se considerou que a executada não fez prova de que o motorista que conduzia o veículo se encontrava ao seu serviço, em regime experimental, como acontecia, sendo que o Código do Trabalho não impõe a redução a escrito do contrato de trabalho;
- embora esse trabalhador deva constar do registo de pessoal da entidade patronal, “a violação de tal obrigação não pode ter como consequência a não consideração do mesmo trabalhador, como trabalhador em regime experimental”;
Termina concluindo que é inexequível o título que serve de base à execução, propugnando pela extinção da execução, com o consequente levantamento e cancelamento da penhora.
Foi então proferido o despacho recorrido, que concluiu da seguinte forma:
Em face do exposto e ao abrigo do disposto no art.º 817.º, n.º 1, al. b) do CPC, rejeito liminarmente a oposição à execução.
Custas pela executada”.
Inconformada, a executada interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1ª Na oposição à execução baseada em decisão administrativa, o executado pode alegar, para além dos fundamentos especificados no artigo 814º do Código de Processo Civil, quaisquer outros que lhe teria sido lícito deduzir como defesa no processo de contra ordenação e, designadamente, em sede de recurso de impugnação.
2ª Ao rejeitar liminarmente a oposição à execução, a sentença recorrida violou o disposto no art. 816º do Código de Processo Civil.
3ª Deve, pois, ser substituída por outra que admita a deduzida oposição à execução, prosseguindo esta os seus termos até final”.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva a seguinte factualidade, que se dá por assente, considerando os elementos que constam do processo de contra ordenação incorporado na acção executiva:
1. Em 18 de Maio de 2005 a Direcção Geral de Transportes Terrestres – Delegação de Transportes do Centro, proferiu decisão no processo de contra-ordenação instaurado contra a executada, A….. Lda, condenando-a no pagamento de uma coima no valor de 5.037,86€, fixando ainda as custas, da responsabilidade da executada, em 45,39€.
2. Essa decisão foi notificada à executada por carta registada enviada com A/R, expedida em 19 de Maio de 2005 e que a executada recebeu.
3. A executada não apresentou recurso desta decisão, nem procedeu ao pagamento da coima.

III FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C., diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem –, salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 664.
Atendendo à delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, apenas, da admissibilidade da dedução de embargos com os fundamentos invocados pela executada.

2. O M.P. pretende executar uma decisão proferida por uma autoridade administrativa, que condenou a agravante no pagamento de uma coima, por violação do disposto no art. 21º, nº1, al) a do Dec. Lei 38/99 de 6 de Fevereiro – que pune a realização de transportes por entidade diversa do titular da licença respectiva –, sendo inquestionável a força executiva dessa decisão, em face do disposto no art. 89º, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Dec. Lei 433/82 de 27 de Outubro.
A divergência da recorrente face à decisão da 1ª instância radica, fundamentalmente, na qualificação da espécie de título executivo em causa.
Na decisão recorrida considerou-se que estamos em presença de um título executivo equivalente a uma sentença, pelo que os fundamentos da oposição à execução devem reconduzir-se ao disposto no art. 814º.
Pode aí ler-se:
“Resulta assim evidente que a requerente pretende apenas ver sindicada a própria factualidade cuja verificação determinou e fundamentou a aplicação da coima.
Ora, da conjugação das normas plasmadas nos artºs 813º, 814º e 816º do Código de Processo Civil resulta que são restritos e limitados os fundamentos de oposição à presente execução.
Com efeito, o legislador pretendeu, ao estatuir este regime, evitar a possibilidade de duplicação de decisões sobre uma mesma questão, dessa forma obstando a que os executados/opoentes possam, nesta fase, invocar as razoes de que, em tempo oportuno poderiam ter lançado mão para se oporem a decisão primitiva.
Efectivamente, pese embora a circunstância de a decisão administrativa que aplica uma coima não ter a natureza e a dignidade de uma sentença – artº 156º do Código de Processo Civil - a verdade é que a lei, não só rodeou a sua elaboração de especiais cuidados, em tudo semelhantes aos exigidos para as sentenças, como lhe atribuiu efeitos análogos (vide artºs 58º e 79º/1 do Regime Geral das Contra-Ordenações), maxime no que concerne ao seu carácter definitivo, por força do qual se afigura que fica precludida a possibilidade de nova apreciação do facto em questão, em termos em tudo idênticos ao que acontece com uma sentença.
Em primeiro lugar, o arguido condenado no âmbito de um processo de contra-ordenação, caso discorde da correspondente decisão administrativa, pode sempre provocar uma decisão judicial, uma vez que a lei assegura a este plenas garantias de defesa (artºs 50º e 59º do Regime Geral das Contraordenações). Depois, a admitir-se a discussão dos fundamentos de facto e de direito da decisão administrativa nesta situação em que da mesma não foi deduzida qualquer impugnação judicial, estaria a estabelecer-se uma indiscutível desigualdade em relação às situações paralelas em que a decisão administrativa apenas se tornou definitiva depois de confirmada por sentença em sede de impugnação judicial, situação em que, evidentemente, não seria admissível a oposição à execução com os mesmos fundamentos.
Afigura-se, por isso, que promovida a execução da decisão administrativa, o executado não pode vir discutir novamente os factos, invocando razões que já poderia ter oposto pela via da impugnação judicial. A não ser assim, e a adoptar-se uma interpretação restritiva e literal do art. 813º do Código de Processo Civil, no que diz respeito a palavra sentença, estaria a sufragar-se uma solução não querida pelo legislador e que poria em causa valores como a economia processual e segurança jurídica, contrariando expressamente o disposto no artº 79º/1 do RGCOC.
A restrição dos fundamentos de oposição a execução baseada em sentença fazem-se sentir com a mesma preponderância quando a decisão executar é proferida pela autoridade administrativa que aplicou a coima (vide, neste sentido, António Leones Dantas, “Considerações sobre o processo das contra-ordenações”, Revista SMMP, ano 15º, nº 57), sendo por isso de, nesta sede, interpretar restritivamente o disposto no artº 816º do Cód. Proc. Civil.
A agravante entende, ao invés, que foi intenção do legislador “tratar” a decisão administrativa “de modo diverso da sentença judicial”, enquadrando o título em causa na alínea d) do nº 1 do art. 46º – “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”. E acrescenta que tanto assim é que o legislador equiparou à sentença, “sob o ponto de vista da força executiva, outros despachos e decisões judiciais e decisões do tribunal arbitral” – art. 48º –, não o fazendo relativamente às decisões da autoridade administrativa.
Parece-nos que esta argumentação não tem cabimento, sendo inequívoco que o legislador não aludiu, expressamente, às decisões emanadas de autoridades administrativas por manifesta desnecessidade.
Efectivamente, como bem se salientou no despacho recorrido, estamos perante uma decisão em tudo similar a uma sentença. Assim, deve ser estruturada, em termos de fundamentação, como se de uma verdadeira sentença judicial se tratasse, sob pena de nulidade (art. 58º, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações), pode ser judicialmente impugnada, funcionando o tribunal de 1ª instância como tribunal de recurso – com possibilidade, em certos casos, de duplo grau de jurisdição – e a condenação torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada, exactamente nos mesmos termos das sentenças judiciais condenatórias – nº 2, al) a do referido preceito.
Sendo a decisão condenatória da autoridade administrativa uma decisão “de inspiração jurisdicional , os fundamentos para a oposição à execução devem reconduzir-se aos que são enunciados no art. 814º, pelo que deve ser liminarmente indeferida a petição inicial de embargos, quando o executado embargante mais não faz senão questionar o mérito da condenação constante do título executivo.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso.
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Conclusões
Sendo a decisão condenatória da autoridade administrativa uma decisão “de inspiração jurisdicional”, os fundamentos para a oposição à execução devem reconduzir-se aos que são enunciados no art. 814º do C.P.C., pelo que deve ser liminarmente indeferida a petição inicial de embargos, quando o executado embargante mais não faz senão questionar o mérito da condenação constante do título executivo.
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Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o agravo, mantendo o despacho recorrido.
Custas pela agravante.