Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
369/05.0TMCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
A CARGO DO FGADM
INÍCIO DA SUA CONTAGEM OU PAGAMENTO PELO FGADM
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º E 3º DA LEI Nº 75/98, DE 19/11, E D. L. Nº 164/99, DE 13/05.
Sumário: I – O artº 69º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, atribui ao Estado a obrigação de velar pelas crianças órfãs, abandonadas ou privadas de um ambiente familiar normal, explicitando o nº 3 do artº 63º da CRP que o sistema de segurança social protege os cidadãos que se encontrem na situação de falta ou diminuição dos meios de subsistência.

II – A concretização deste desígnio constitucional passou pela publicação da Lei nº 75/98, de 19/11, cujo artº 1º preceitua: quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artº 189º do D.L. nº 314/78, de 27/10, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

III – Pode considerar-se como opinião jurisprudencial maioritária a que defende que o FGADM garante o pagamento das prestações de alimentos a menores a partir do momento em que é chamado a substituir o devedor, o que ocorre na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado nos termos do artº 3º da Lei nº 75/98, de 19/11.

IV – Portanto, tendo dado entrada, no Tribunal de Família e Menores, em 5/12/2006, o incidente para fixação da prestação de alimentos devidos a menor a cargo do FGADM, data a partir da qual o menor nada recebeu da parte do Requerido, é nesse dia que deve ser fixada a data a partir da qual são devidas as prestações a suportar pelo FGADM.

Decisão Texto Integral:

Acórdão

                Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra.

                1. Relatório

                A..., em representação de B... e de C..., intentou o presente incidente de incumprimento da prestação de alimentos contra D.... No essencial alegou que o requerido ficou obrigado a prestar a título de alimentos aos seus filhos menores a quantia de € 200,00, quantia que deveria ser paga até ao dia 15 de cada mês e depositada numa conta da mãe. Vencida a prestação devida em Julho de 2005, o requerido não a pagou.

                Concluiu que nos termos do artigo 189º, alínea a) da OTM se proceda ao desconto das prestações vincendas, bem como das que estão em atraso.


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                Notificado o requerido nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 181º da OTM, o mesmo nada disse.

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                Por despacho de folhas 14, ordenou-se a notificação da entidade patronal para proceder ao desconto da quantia mensal de € 300,00 a descontar no vencimento do requerido.

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                O processo evidencia avanços e recuos – pagamentos e não pagamentos – na prestação devida, até que A... requereu a fixação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, alegando que o requerido abandonou o posto de trabalho e que se encontra desempregado, não tendo bens próprios.

                Concluiu pela fixação da prestação de € 200,00 a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.


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                Realizadas diversas diligências, veio a apurar-se que o requerido voltou a trabalhar para a sociedade E... – folhas 74 – e por despacho de folhas 77, ordenou-se a notificação da entidade patronal para descontar na retribuição do requerido a quantia mensal de € 200,00 e a entregá-la directamente à mãe.

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                Por ofício de folhas 83, a entidade patronal do requerido informou que este deixou de comparecer ao trabalho a partir de 30 de Abril de 2007.

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                Determinou-se a realização de relatório social, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º do DL nº 164/99, de 13.5.

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                Por decisão, datada de 26 de Setembro de 2007, ordenou-se que o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores procedesse ao pagamento da importância correspondente a 3,5 Uc’s, sendo 2,5 Uc’s para a menor C... e 1,00 Uc para o menor B..., desde 5 de Dezembro de 2006 – folhas 29 e 30.

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                Por requerimento datado de 9 de Outubro de 2007, o Ministério Público interpôs recurso da sentença, que foi admitido como agravo, com subida imediata e nos próprios autos e ao qual foi fixado o efeito devolutivo – folhas 37.

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                O Ministério Público apresentou as suas alegações que rematou, na parte que releva ao conhecimento do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1. O Ministério Público discorda da sentença recorrida na parte em que determina que o Fundo de Garantia proceda ao pagamento da importância de alimentos desde 5 de Dezembro de 2006.

2. A responsabilidade assumida pelo Estado é uma obrigação nova distinta da do devedor, determinada por pressupostos próprios.

3. A obrigação de alimentos só nasce com a decisão judicial, pelo que a sentença deve ser revogada na parte em que determina que a pensão alimentar é devida desde 5 de Dezembro de 2006, por violação do disposto nos artigos 1º e 3º, nº 4 da Lei nº 75/98, de 15.11.

4. Tal pagamento só é devido após a data em que foi proferida a sentença.


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                O Tribunal a quo lavrou despacho de sustentação (folhas 49).

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                2. Delimitação do objecto do recurso

                A questão a decidir no presente recurso de agravo e em função da qual se fixa o seu objecto, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 660º e artigos 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte:

· Em que momento é que se inicia a prestação por parte do FGADM: desde a data da entrada da acção; ou desde a data da sentença.


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                3. Matéria de facto dada como provada

1. B... nasceu no dia 13 de Dezembro de 1992.

2. C... nasceu no dia 1 de Dezembro de 2000.

3. Os menores são filhos da requerente e requerido.

4. O exercício do poder paternal da referida menor encontra-se regulado por acordo homologado judicialmente.

5. No âmbito desse acordo ficou fixado que o requerido José pagaria a título de alimentos a quantia de € 200,00.

6. O requerido deixou de efectuar, desde Setembro de 2006, o pagamento das referidas prestações a que estava judicialmente obrigado.

7. Não foi possível apurar quaisquer bens ou rendimentos do requerido.

8. A mãe dos menores vive com eles auferindo a quantia mensal de € 300,00 líquidos (após desconto resultante de penhora) e €120,88, e suporta despesas mensais fixas de cerca de €539,00.

9. O agregado familiar dos menores é composto pela requerente e os dois menores, não dispondo de qualquer outro rendimento fixo, para além dos referidos.

10. A menor C... sofre de problemas neurológicos – tem paralisia cerebral e epilepsia, necessitando de medicação diária.


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                4. Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir

                Na decisão recorrida, a Exma. Juiz fixou a prestação mensal a satisfazer pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores no montante de € 3,5 Uc’s sendo esta prestação devida desde 5 Dezembro de 2006, data esta que corresponde à data de apresentação do respectivo pedido contra o FGADM.

                Como se pode verificar, não está em discussão a obrigação legal do FGADM no pagamento da prestação de alimentos devida aos menores, mas tão só, a questão de se saber se está vinculado ao pagamento desde a data em que foi formulado o pedido ou se a partir do mês seguinte ao da notificação da sentença ao FGADM.

                Apesar de ser esta a única questão a dirimir, impõe-se que façamos, ainda que breve, uma incursão pelos preceitos constitucionais e leis ordinárias que disciplinam e regulam o direito das crianças a alimentos.

                Com o efeito, o artigo 69º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa atribui ao Estado à obrigação de velar pelas crianças órfãs, abandonadas ou privados de um ambiente familiar normal, explicitando o nº 3 do artigo 63º da CRP que o sistema de segurança social protege os cidadãos que se encontrem na situação de falta ou diminuição dos meios de subsistência.

                  A concretização deste desígnio constitucional             passou pela publicação da Lei nº 75/98, de 19.11, cujo artigo 1º preceitua: quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DL nº 314/78, de 27.10 e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.

                Com um cariz essencialmente regulamentar da Lei nº 75/98, surge o DL nº 164/99, de 13 de Maio cujo nº 5 do artigo 4º prescreve: O Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal.

                É em torno desta norma que o agravante constrói a tese, segunda a qual o pagamento das prestações devidas aos menores se inicia «após a data em que foi proferida a respectiva decisão».

                Trata-se de uma questão que apesar de não ter um tratamento jurisprudencial consensual, a verdade é que pode considerar-se largamente maioritária a orientação jurisprudencial que defende que o FGADM garante o pagamento das prestações de alimentos a menores a partir do momento em que é chamado a substituir o devedor, o que ocorre na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado nos termos do artigo 3º da Lei nº 75/98, de 19.11[1].

                Também por nós foi subscrito, na qualidade de adjunto, um acórdão[2] onde esta questão foi abordada do qual se transcreve, por expressiva, a seguinte passagem:

                Consideramos, na linha de uma corrente jurisprudencial que não sendo unânime é muito significativa, que o Fundo garante o pagamento das prestações de alimentos fixadas que se forem vencendo desde a data em que é desencadeado o mecanismo de substituição previsto [na Lei 75/98 e no DL 164/99], fazendo assim sentido que se considere o princípio contido no artigo 2006º do CC”[3]. Este entendimento, cujo sentido assume em nosso entender a natureza de interpretação conforme à Constituição[4], justifica-se, face à outra interpretação mencionada, a aqui propugnada pelo Agravante, considerando que “[…] uma solução que passasse por só serem devidas as prestações após a decisão seria incongruente com o princípio acolhido no artigo 2006º do CC, preceito que estabelece, como regra, que «os alimentos são devidos desde a proposição da acção». Esta norma – por regular genericamente a obrigação de alimentos – contém evidente afloramento de uma regra geral, que, para ser afastada no caso da prestação de alimentos devida pelo FGADM, imporia a necessidade da consagração expressa de solução específica de sentido diverso”[5]. Com efeito, sendo nosso entendimento que a natureza autónoma da prestação a cargo do Fundo não lhe retira, por ser esse o seu referencial genético, a natureza de ainda constituir uma prestação de alimentos[6], consideramos valerem, relativamente a este tipo de prestação, as normas com vocação de generalidade – rectius as regras gerais – atinentes às (a todas as) prestações que têm essa concreta natureza. Ora, relativamente a estas, ou seja, às prestações alimentares, funciona como regra geral, fixando o momento desde quando são devidas, o artigo 2006º do CC[7], sendo que deste decorre que o exercício da faculdade de pedir as prestações alimentares origina, por si próprio e desde logo, embora dependente da (e condicionado pela) ulterior declaração judicial, o direito a alimentos respectivo[8].

                A este argumento acresce o da determinação do sentido do apontado nº 5 do artigo 4º do DL 164/99. Este, com efeito, dispõe, no quadro da apropriação da verba do Orçamento de Estado (v. artigo 6º, nº 4 da Lei 75/98) que irá satisfazer aquela prestação concreta, por um determinado centro regional de segurança social, sobre o início do pagamento dessa prestação, e não quanto ao momento desde quando ela é (substantivamente) devida. Este último aspecto é tratado, como já se disse, pelo artigo 2006º do CC.

                 Já mencionámos no texto deste Acórdão a particularidade da presente situação, por referência aos casos jurisprudenciais indicados nas notas 8, 9 e 10 deste texto. Traduz-se isso na circunstância de estar em causa aqui a situação de uma destinatária das prestações que alcançou a maioridade posteriormente ao desencadear do incidente, mas anteriormente à decisão judicial que fixou a prestação a cargo do FGADM, sendo que essa decisão – a Decisão ora agravada – reduziu as prestações devidas às vencidas nesse concreto período (entre a propositura do incidente e o alcançar da maioridade).

                Não se desconhece a posição doutrinária sustentada a este respeito por J. P. Remédio Marques, distinta da que aqui seguiremos[9]. Não obstante, e sempre ressalvando o enorme respeito que esta posição nos suscita, não deixamos de ainda ver na presente situação uma concreta manifestação do princípio geral do artigo 2006º do CC, de referenciação do nascimento da obrigação alimentar ao acto de propositura da acção de alimentos, ou ao acto, como aqui sucede, a ele equivalente. Em lado algum vemos que o legislador tenha assumido uma posição expressa ou interpretativamente inequívoca a este respeito, pelo que não deixamos aqui, sendo que nos movemos num quadro em que ainda existe correspondência verbal na letra da lei (artigo 9º, nº 2 do CC), de realizar, como antes se referiu, uma interpretação conforme à Constituição[10]. Este tipo de interpretação, com efeito, também vale – ou, se quisermos, não deixa de valer – no quadro, que aqui sem dúvida se configura, dos chamados “direitos a acções positivas do Estado”[11], constitucionalmente referenciáveis.

                A este entendimento que, como dissemos, foi por nós sufragado podemos juntar um outro de carácter interpretativo segundo o qual o texto da lei – nº 5 do artigo 4º do DL nº 164/99, de 13.5 – está longe de poder acolher a tese subscrita pelo agravante. Com efeito, esta norma não estabelece o momento a partir do qual são devidas as prestações por parte do FGADM, o que diz é que o seu pagamento se inicia no mês seguinte ao da notificação da decisão do Tribunal, o que bem se compreende considerando a necessidade de implementação de todo o processo burocrático conducente ao respectivo pagamento, por parte do Centro Regional de Segurança Social.

                Ou seja, uma realidade é o início do pagamento por parte da entidade do Estado responsável pela sua satisfação, outra bem diversa prende-se com o momento a partir do qual são tais prestações devidas e quanto a este defendemos que são devidas desde a data em que a acção foi intentada. Compulsados os autos, verificamos que deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Coimbra em 5 de Dezembro de 2006, o incidente para fixação da prestação de alimentos devidos aos menores a cargo do FGADM.

                É certo que entre a data de entrada do requerimento – 5 de Dezembro de 2006 – e a data em que foi proferida a sentença recorrida, o Tribunal diligenciou, infrutiferamente, no sentido de conseguir liquidar, a partir do vencimento do requerido, as prestações em atraso. Também sabemos que pese a informação de 5 de Abril de 2007 que dava conta que o requerido estava a trabalhar – folhas 74, logo se lhe seguiu outra que dava nota que o requerido deixou de comparecer ao trabalho – folhas 83 – e assim deixou de ser possível descontar do seu ordenado as prestações em dívida.

                Em face desta impossibilidade, o Ministério Público, por promoção de 28 Maio de 2007 promoveu a elaboração de relatório por parte da Segurança Social, que culminou com a prolação da sentença recorrida.

                Não existe a mais leve dúvida quanto ao facto do requerimento ter dado entrada em 5 de Dezembro de 2006, que desde essa data até à data em que foi proferida a sentença recorrida, os menores nada receberam por parte do requerido, daí que entendamos que bem andou o Exmo. Juiz ao fixar o dia 5 de Dezembro de 2006, como a data a partir da qual são devidas as prestações a suportar pelo FGADM.


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                Decisão

                Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.


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                Sem custas.

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                Notifique.

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                Coimbra[12], 27 de Maio de 2008


DECLARAÇÃO DE VOTO

                Votei vencida porque considero que a obrigação que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores assegura é uma prestação nova e inteiramente autónoma e distinta da do devedor, determinada por pressupostos próprios, visando garantir os alimentos devidos aos menores e não a substituição da obrigação alimentícia que recai sobre o devedor de alimentos.

                Deste modo, entendo que a obrigação de prestar do Fundo se constitui com a decisão que fixa a prestação, sendo esta devida a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão da 1ª instância, conforme melhor se explica no Ac. do T.R.Lisboa, de 13.3.08, relatado por Fernanda Isabel Pereira, acessível em www.dgsi.pt, proc. n.º899/2008-6.

                Assim, julgaria o recurso parcialmente procedente.


(Sílvia Maria Pires)


[1] Acórdão da RC, datado de 3 de Maio de 2006, proferido no âmbito do processo nº 805/06, relatado pela Exma. Juiz Desembargadora Regina Rosa, publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. Neste acórdão identificam-se outros arestos proferidos pelos Tribunais das Relações que perfilham idêntico entendimento. Também a decisão recorrida identifica jurisprudência recente que acolhe este entendimento.
[2] Acórdão desta Relação proferido no âmbito do processo nº10140-A/1991.C1, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Teles Pereira, cujas notas abaixo identificadas sob os nºs 3 a 11 dele fazem parte integrante.
[3] Acórdão desta Relação de 03/05/2006 (Regina Rosa), proferido no Proc. nº 805/06, disponível em www.dgsi.pt/jrtc.nsf.
[4] Conforme se referiu, entre outros, no Acórdão desta Relação de 12/04/2005 (Távora Victor), proferido no Proc. nº 265/05, disponível em www.dgsi.pt/jrtc.nsf.
[5] Acórdão da Relação de Évora de 08/02/2007 (Mário Serrano), proferido no Proc. nº 91/07-2, disponível em www.dgsi.pt/jtre.nsf.
[6] Veja-se, enquanto significativo elemento interpretativo, o exórdio justificativo do DL 164/99, ao referir a teleologia das prestações a cargo do FGADM ao cumprimento, além do comando constitucional decorrente do artigo 69 da CRP, das “[…] Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de Fevereiro de 1982, relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores, R(89)1, de 18 de Janeiro de 1989, relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais, bem como o estabelecido na Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela ONU em 1989 e assinada em 26 de Janeiro de 1990, em que se atribui especial relevância à consecução da prestação de alimentos a crianças e jovens até aos 18 anos de idade” (sublinhados acrescentados).
Se bem que compreendamos a operação interpretativa que subjaz à linha jurisprudencial que, afirmando o carácter autónomo da obrigação do FGADM, a vê como prestação assistencial específica do Sistema de Segurança Social, e, nesta medida, formada fora do quadro das prestações de alimentos [é o sentido do Acórdão desta Relação de 28/09/2004 (Garcia Calejo), proferido no Proc. nº 2193/04, disponível em www.dgsi.pt/jrtc.nsf], cremos assentar essa opção, salvo o devido respeito, que é muito, numa escolha algo arbitrária dos objectivos do legislador, que, na sua essência interpretativa, não segue o “rasto” deixado por esse mesmo legislador no preâmbulo citado. 
[7] V. a explicitação do respectivo regime por Pires de Lima, Antunes Varela, in Código Civil anotado, vol. V, Coimbra, 1995, pp. 585/586.
[8] Neste sentido, interpretando o artigo 2006º do CC, Maria de Nazareth Lobato Guimarães, “Alimentos”, in Reforma do Código Civil, Lisboa, 1981, p. 216.
[9] Diz este Autor: “[e]ssencial é que, a mais dos requisitos gerais à data da dedução do pedido contra o Fundo de Garantia, o credor de alimentos seja menor e ainda o seja à data em que o tribunal fixe o montante das prestações a cargo do Fundo de Garantia, decisão esta que é seguida da notificação ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (artigo 4º, nº 3 do […] DL 164/99)” [“Aspectos sobre o cumprimento coercivo das obrigações de alimentos, competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões estrangeiras”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol I (Direito da Família e das Sucessões), Coimbra, 2004, p. 684, nota 67]
[10] Esta, nos termos em que a define J. J. Gomes Canotilho, opera: “[…] no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas deve[ndo] dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição”, ou seja, “[…] a interpretação conforme a Constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a Constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela […]”; “[…] o princípio da interpretação conforme a Constituição é um instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª ed., s. d., mas publicada em 2002, pp. 1212/1213 e 1294).
[11] A expressão, cunhada na doutrina constitucional alemã – recht auf positive handlungen des staates ou, abreviadamente, Leistungsrechts (“direitos a prestações”); cfr. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Franquefurt, 1986, pp. 395 e ss.) –, refere-se “a um direito a algo que o titular desse direito, caso dispusesse de meios financeiros suficientes e encontrasse no mercado uma oferta suficiente, poderia obter, também, de pessoas privadas” (ob. cit. p. 403), abrangendo aqui tanto as “prestação fácticas” (faktische Leistunge), como as chamadas “prestações normativas” (normative Leistunge) (ibidem).
[12] Acórdão elaborado e revisto pelo relator.