Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1031/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. OLIVEIRA MENDES
Descritores: TRIBUNAL EXECUÇÃO DE PENAS
Data do Acordão: 04/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP - COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO REJEITADO
Legislação Nacional: ARTIGOS 400°,414° E 420°, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 61° E 62°, DO CÓDIGO PENAL E 127°, DO DL 783/86, DE 29 DE OUTUBRO
Sumário:

I - Despachos de mero expediente são os que se destinam a regular ou a disciplinar o andamento ou a tramitação do processo que não importem decisão, julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.
II - É irrecorrível a decisão proferida pelo Juiz do Tribunal de Execução de Penas que ordena a organização do processo para apreciação de concessão de liberdade condicional.
Decisão Texto Integral:
Recurso n.º 1031/04

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
Nos autos de processo gracioso para concessão de liberdade condicional n.º 523/01, do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, o Mm.º Juiz proferiu despacho no qual ordenou a preparação do processo para apreciação de concessão de liberdade condicional pelo meio da pena ao arguido AA.
Interpôs recurso a Digna Procuradora Adjunta, sendo do seguinte teor a parte conclusiva da respectiva motivação:
1. A apreciação da libertação condicional relativamente a reclusos punidos com pena superior a 5 anos por crimes de perigo comum, crimes contra as pessoas ou tráfico de estupefacientes só tem lugar aos dois terços da pena.
2. O crime de roubo, se bem que inserido no título dos crimes contra o património, é um crime também contra bens jurídico-pessoais.
3. A pena única aplicada é superior a 5 anos de cadeia.
4. Foi violada a norma do n.º 4, do art.61º, do Código Penal.
Com tais fundamentos, no provimento do recurso, pretende a Digna Magistrada recorrente seja revogado o despacho impugnado, sendo substituído por outro que determine a apreciação da libertação antecipada do arguido apenas a dois terços da pena única.
O recurso foi admitido.
Na contra-motivação apresentada o arguido pugna pela confirmação do despacho recorrido.
Foi proferido despacho de sustentação.
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual entende que o recurso não deve ser conhecido dada a irrecorribilidade da decisão impugnada, atenta a sua natureza de despacho de mero expediente, adiantando porém que, caso venha a ser conhecido, deve ser julgado improcedente já que não é aplicável à situação dos autos o disposto no artigo 61º, n.º 4, do Código Penal, segundo o qual, no caso de condenação a pena de prisão superior a 5 anos por crime contra as pessoas ou de crime de perigo comum, a liberdade condicional apenas pode ter lugar quando cumpridos dois terços da pena, posto que a lei ao ali aludir a condenação em pena superior a 5 anos por crime contra as pessoas ou de perigo comum, exige que a pena se refira exclusivamente à condenação por um daqueles crimes, não sendo pois aplicável aos casos em que a pena de 5 ou mais anos é o resultado de cúmulo jurídico resultante do cometimento daqueles e de outros crimes, sendo a pena relativa àqueles crimes inferior àquele indicado patamar, o que no caso vertente se verifica.
No exame preliminar a que se refere o artigo 417º, do Código de Processo Penal, deixou-se consignado que o recurso deve ser rejeitado por não ser legalmente admissível.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Despachos de mero expediente são os que se destinam a regular ou a disciplinar o andamento ou a tramitação do processo que não importem decisão, julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito.
Como referem Leal Henriques e Simas Santos ( - Código de Processo Penal Anotado (2000), II, 671.), tais despachos resumem-se, em princípio, aos despachos de carácter meramente interno que dizem respeito às relações hierárquicas administrativas entre o juiz e a secretaria, reportando-se apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes.
Daqui resulta a necessidade de não confundir despachos de mero expediente com despachos que se destinam a regular termos do processo ( - Sobre o conceito de despacho de mero expediente, de despacho regulador do processo e despacho discricionário, veja-se Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º, 178/186.), posto que estes últimos, ao contrário dos primeiros, são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros.
Das breves considerações expostas resulta que o despacho recorrido não deve ser qualificado como despacho de mero expediente, pois que reconhece ou, pelo menos, aceita um direito do arguido, qual seja o de poder vir a beneficiar da concessão de liberdade ou libertação condicional a meio da pena.
Conquanto não deva ser qualificado como de mero expediente, em todo o caso, entendemos que o despacho impugnado não é susceptível de recurso.
Vejamos.
Tem vindo esta Relação a decidir, sem dissonância, que das decisões que concedam ou neguem a liberdade condicional, a saída precária prolongada e a sua revogação, bem como daquelas que julguem os recursos interpostos pelos reclusos relativos a sanções disciplinares que lhes imponham o internamento em cela por tempo superior a oito dias, não cabe recurso, conforme preceito do artigo 127º, do Decreto-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro ( - Cf. entre outros os acórdãos proferidos nos recursos n.º 128/98 e 538/98.).
Certo é entendermos que o preceito do artigo 127º, do Decreto-Lei n.º 783/76, não foi revogado pelas alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pelo Decreto-Lei n.º 317/95 e pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, sendo o mesmo conforme aos princípios constitucionais, designadamente ao constante do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República ( - O artigo 32º, n.º1, da CRP, declara que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.), pelo menos, relativamente aos casos de liberdade ou libertação condicional facultativa ( - Neste preciso sentido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 321/93, de 5 de Maio de 1993, publicado no DR II, de 93.10.22.).
No caso vertente estamos perante recurso em que se impugna um despacho inserido em processo de liberdade condicional previsto no artigo 484º, do Código de Processo Penal, mais concretamente um despacho preparatório de decisão de eventual libertação (facultativa) condicional de condenado.
Uma das regras básicas da actividade interpretativa diz-nos que as leis se interpretam umas às outras, consabido que elas se acham todas mais ou menos relacionadas entre si, pelo que é necessário interpretá-las de modo a que umas se harmonizem com as outras e reciprocamente se completem, excluindo-se as interpretações que levem a aplicar a lei de forma que fique em contradição com os conceitos formulados noutras leis ( - Cf. Guilherme Moreira, Instituições de Direito Civil Português, I, 45. ).
Tendo presente tal regra, certo é que não admitindo a lei a impugnação das decisões que concedem ou negam a liberdade condicional, ter-se-á de entender não admitir também, por maioria de razão, a impugnação das decisões preparatórias daquelas.
Deste modo se conclui no sentido da irrecorribilidade da decisão impugnada, a significar a rejeição do recurso – artigos 414º, n.ºs 2 e 3 e 420º, n.º1, do Código de Processo Penal.
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Termos em que se acorda rejeitar o recurso
Sem tributação.
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