Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3506/02
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO - UNIÃO DE FACTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 02/21/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL, OBRIGAÇÕES
Legislação Nacional: ART.º 483.º, 496.º, 562.º E 566.º DO C.C. E 13.º E 36.º DA CONSTITUIÇÃO
Sumário:
1) Em sede de indemnização tem a Companhia de Seguros que indemnizar os danos que o lesado teria sofrido se não fosse a lesão; nessa sede encontram-se as despesas que o Autor teve que suportar com o funeral da companheira, contratação de uma empregada doméstica para prestar assistência que a falecida vinha facultando nomeadamente ao filho do casal.
2) O facto de se não haver provado que a companheira do A. Américo prestasse alimentos ao filho do casal deriva da circunstância de a mesma viver em união de facto com o primeiro em economia comum e portanto a sua contribuição patrimonial para o menor bem como para o casal encontrava-se não autonomizada mas antes diluída.
3) Todavia dando-se como provado que a Celeste Caldeira auferia pro-ventos da exploração de um armazém de pesticidas, rações, adubos e cimento localizado junto da sua resi-dência, entende-se equitativamente equilibrado condenar a Ré no paga-mento da importância de € 35.000 ao Autor Nelson cor-respondente aos alimentos que a falecida deixou de lhe prestar.
4) É equilibrado o montante de esc. 8 000 000$00 para compensar o direito à vida de uma pessoa que esteja no nível etário da companheira do Autor.
5) Em caso de morte de um dos membros da união de facto o sobrevivo não tem direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais não podendo considerar-se o mesmo incluído na previsão a que se reporta o artº 496º nº 2 do Código Civil.
6) Na fixação dos juros em caso de indemnização há que tomar em linha de conta nas diversas parcelas indemnizatórias o disposto no Acórdão de Uniformização de Jurisprudên-cia nº 4/2002 de Supremo Tribunal de Justiça in DR 1ª Série-A nº 146 de 27 de Junho de 2002.
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A..., divorciado, carpinteiro, resi-dente no lugar de Chão da Serra, Ferreira do Zêzere, por si e em representação do seu filho menor N..., instaurou a presente acção sumária destinada à efectivação de responsabili-dade civil emergente de acidente de viação demandando a Ré Companhia de Seguros Mundial Confiança, S.A., com sede no Largo do Chiado, nº 8, em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a si, a quantia de 17 418 700$00 e ao seu filho menor a quantia global de 25 000 000$00, acrescida de juros legais vencidos desde a data da citação.
Para tanto alega, em síntese, ter ocorrido um aci-dente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula XA-69-16 no qual seguia como pas-sageira a sua companheira, Celeste Maria Silva Cal-deira, mãe do menor Nelson, e o veículo pesado de mer-cadorias, matrícula LQ -85-27, conduzido no momento do embate por Luciano Martins Margarido, tendo a Ré assumido a responsabilidade pelos danos causados a ter-ceiros pela circulação do veículo pesado por meio de contrato de seguro titulado pela apó1ice nº 6266240.
Após descrever a sua versão do acidente, que imputa à conduta culposa do condutor do veículo pesado, alega o Autor os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por si bem como pelo seu representado e direc-tamente resultantes do sinistro, do qual veio a resul-tar a morte de Celeste Caldeira.
Válida e regularmente citada, contestou a Ré, excepcionando a prescrição dos direitos exercidos pelos Autores na demanda e impugnando a versão do acidente alegada por aqueles. Impugna igualmente, por os desco-nhecer, os danos invocados pelos Autores, sustentando ainda que os danos não patrimoniais cuja compensação vem pedida pelo Autor Américo Dias Afonso não têm cobertura legal, reputando também de excessivos os mon-tantes peticionados na acção.
Responderam os AA. pugnando pela improcedência da excepção invocada.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo sido seleccionados os factos prova-dos e elaborada a Base Instrutória sem que se tivesse verificado qualquer reclamação.
Procedeu-se a julgamento com a observância do for-malismo legal, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em conformi-dade, decidiu:
a) Condenar a Ré Companhia de Seguros Mundial Con-fiança, S. A. a pagar ao Autor Américo Dias Afonso a quantia de € 14.418,75 (catorze mil quatrocentos e dezoito curas e setenta e cinco cêntimos);
b) Condenar a Ré a pagar ao Autor Américo Dias Afonso as quantias por este despendidas com deslocações efectuadas para tratar das formalidades decorrentes do óbito de Celeste Maria Caldeira, no montante que se liquidar em execução se sentença;
c) Condenar a Ré a pagar ao Autor Américo Dias Afonso as quantias por este despendidas bem como aque-las que efectivamente venha a despender com uma ter-ceira pessoa que desempenhe as funções de ama/empregada doméstica, até ao dia 24 de Junho de 2004, no montante que se liquidar em execução se sentença;
d) Condenar a Ré a pagar ao Autor Nelson Diogo da Silva Afonso a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros);
e) Condenar a Ré a pagar aos Autores juros de mora sobre todas essas quantias à taxa de 10% desde o dia 12 de Dezembro de 1998 até 17 de Abril de 1999 e de 7% a partir dessa data, até efectivo e integral pagamento;
f) Condenar os Autores e a Ré nas custas da acção, na proporção do respectivo decaimento, no que respeita à parte já liquidada (artigo 446º, nº 1 e 2 do C6digo de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que àqueles foi concedido;
g) Condenar, provisoriamente e em partes iguais, os Autores e a Ré nas custas da acção no que respeita à parte ainda não liquidada, sem prejuízo do decaimento que venha a verificar-se na liquidação em execução de sentença, mas também sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que àqueles foi concedido.
Daí o presente recurso de apelação interposto por AA. e R.
Pedem os primeiros que se revogue a sentença e se substitua a sentença apelada por outra que, actuali-zando os valores peticionados condene a Ré Mundial Confiança a:
- Pagar ao recorrente Nelson Diogo da Silva Afonso quantia a fixar entre esc. 10 000 000$00 (€ 49.879,79) e esc. 20 000 000$00 (€ 99.759,58) a título de danos não patrimoniais.
- Pagar ao recorrente Américo Dias Afonso uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados, reputando-se como suficiente uma verba de montante não inferior a esc. 4 000 000$00 (€ 19.951,92).
Por seu turno a Ré pede também a revogação da sen-tença para que se julgue conforme a sua tese explanada nas conclusões da sua alegação de recurso.
Foram apresentadas as seguintes

Conclusões.

Apelação dos AA. (No essencial)

1) Em 09-12-93, ocorreu na EN 1, ao Km 105, um aci-dente de viação de que resultou a morte de Celeste Maria Silva Caldeira, companheira de uma vida de Amé-rico e mãe do Nelson, com estes formando uma verdadeira família.
2) A análise da Jurisprudência permitirá fixar o montante médio da indemnização que é (ou seria) conce-dida no caso de invalidez total (perda do movimento, dos sentidos, etc., mas a capacidade de compreender o seu estado… e de sofrer com isso). A indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior – pois a morte é um dano acrescido e isso tem de ser feito sentir economicamente ao culpado” (Antunes Varela, Ob., loc. cit.).
3) Trata-se de um dano incomensurável, na medida em que este bem é incomparável a todos os outros, não existindo qualquer valor monetário susceptível de cons-tituir uma contrapartida pelo mesmo.
4) Ora, se o valor da vida humana é idêntico em todas as pessoas, então, também neste caso concreto terá que ser esse o montante a conceder a título indem-nizatório, tendo a sentença ora recorrida pecado “por defeito” ao conceder a esse título apenas a quan-tia de 7.000.000$00, quando deveria ter procedido à sua actualização, de acordo com a mais recente Jurisprudên-cia e Doutrina, fixando-o em valor situado entre os 10.000.000$00 e os 20.000.000$00, possibilidade que lhe era permitida nos termos do artigo 661º, nº 1 do C.P.C. e Jurisprudência interpretativa (cfr. Acs. STJ de 11/06/76; 18/11/75 e RL de 14/10/77 in BMJ, 258, pág. 208; 251, pág. 107 e 292, pág. 248 e STJ, de 2/03/83, BMJ 325, pág. 365).
5) O C.C. vigente aceitou, em termos gerais a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora com uma forte limitação: os que, pela sua gravidade, mere-cerem a tutela do direito. Serão indemnizáveis a dor física, a dor psíquica resultante de deformações ou da morte de outrem, a ofensa ao bom-nome e reputação, o desgosto pela não conclusão de um determinado objectivo pessoal, etc.
6) A nossa lei, autonomiza no nº 2 do art. 496º do C.C., a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos em caso de morte, estabelecendo, ao que parece, uma “listagem” taxativa e decrescente na titu-laridade desse direito, isto é, uma interpretação posi-tivista da letra da Lei levará a que se afirme que ape-nas os danos não patrimoniais sofridos pelas (ou apenas por algumas das) pessoas aí numeradas em caso de morte da vítima, merecem a tutela do direito.
7) Porém, “pode naturalmente suceder que a morte da vítima cause ainda danos patrimoniais a outras pessoas, não contempladas na graduação que faz o nº 2, tal como pode acontecer que esses danos afectem as pes-soas abrangidas na disposição legal por uma forma dife-rente da ordem de precedências que o legislador estabe-leceu”.
8) Ora, a dor (tal como os restantes sentimentos) não está nem directa nem proporcionalmente dependente de qualquer vínculo jurídico ou material, ligando-se antes a vínculos de diversa natureza, embora estes sejam facilmente apreensíveis pelos sentidos, podendo existir fundamentos aceitáveis, coerentes, objectivos e notórios, que, ponderados em face das circunstâncias de cada caso concreto, levem a que se afirme que naquele caso, exista a obrigatoriedade de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos por determinada pessoa (diversa das enumeradas “taxativamente” no art. 416º nº2 do C.C.) em caso de morte de outrem.
9) De entre esses fundamentos deverá ser enqua-drada a união de facto. Na verdade, e como se refere na sentença ora recorrida “não se duvida que no caso da união de facto com um certo grau de solidez é natural-mente o companheiro sobrevivo da pessoa (ou uma das pessoas) que lidava mais de perto com a vítima e que, consequentemente, mais sofreu com a sua perda. E isso sucedeu, por certo, também no caso dos autos. Donde não repugne a ideia que, ao menos em certas situações, mormente em caso de uniões com uma certa estabilidade, a indemnização por danos não patrimoniais pudesse também contemplar o companheiro da vítima. ”
10) Sendo certo que a legislação referente às uniões de facto foi publicada e entrou em vigor antes da efectivação do julgamento e prolação da sentença, vindo, finalmente, de alguma forma regularizar situa-ções que acarretavam para aqueles que nelas viviam uma manifesta e intolerável desigualdade.
11) Ao estabelecer um elenco de “detentores de danos morais” indemnizáveis em caso de morte, a lei não pretendeu de modo algum fazê-lo de forma arbitrária, tentando antes retirar das mãos do julgador precisa-mente esse arbítrio. Contudo, não decorre da mesma a impossibilidade de existência de outras pessoas serem titulares de direito idêntico, desde que se verifiquem os requisitos do artº 483º e do nº1 do artº 496º, ambos do C.C.
12) É a própria Constituição, nos seus artsº 13º e 36º, que impõe uma interpretação do referido preceito no sentido de, o unido de facto que se vê privado da companheira de uma vida, ser indemnizado pelos danos não patrimoniais que o mesmo sofreu.
13) Pelo que se verifica a inconstitucionalidade do artº 496º, nº 2 do C.C. na interpretação que dele se faz na sentença recorrida.
14) Assim, e em face de uma correcta interpretação da norma do art. 496º nº2 do C.C., o recorrente Américo tem o direito a ser indemnizado dos danos não patrimo-niais sofridos em virtude do desaparecimento da vida terrena da mãe do seu filho e sua mulher (como era tida por todos – cfr. factos provados “com a morte da sua mulher, o Autor Américo sofreu grande angústia, pro-funda tristeza e enorme desgosto), em montante a calcu-lar segundo a equidade, mas que se computa em montante não inferior a 4 000 000$00.
15) Sendo certo que tais valores correspondem a actualização das verbas peticionadas na acção, que deu entrada em Novembro de 1998, e representam a aplicação das mais recentes decisões dos nossos Tribunais nesta matéria, sendo tal actualização possível e legal por as verbas cuja actualização se pretende e o valor total de condenação daí resultante, não exceder o montante glo-bal peticionado.
16) A sentença em apreço, violou, por erro de interpretação, os artsº 483º e 496º nº 1 do C.C. e, por erro de aplicação os artsº 13º e 36º da Constituição.

Recurso da Ré.

1) No que toca às indemnizações arbitradas, a sen-tença foi muito além do que resultaria duma correcta aplicação dos critérios legais, condenando a R. em pedidos ilegítimos ou em valores claramente excessivos;
2) Em primeiro lugar, o conteúdo do artº 495º do Código Civil é inequívoco: ressalvando as despesas de socorro, tratamento e funeral, só têm direito a indem-nização de danos patrimoniais os terceiros que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural;
3) Ao sustentar a condenação da R. a pagar ao A. Américo Afonso as despesas que suportou (ou virá a suportar) com a contratação de uma empregada domés-tica/ama, a sentença recorrida violou, assim, os artsº 483º e 495º do Código Civil;
4) Sendo certo que, a existir tal direito de indem-nização, não só este seria um direito próprio do A. Nelson Afonso – e não do seu pai (que foi quem pediu como foi erradamente peticionado na petição inicial) – como esse direito só abrangeria a contratação de uma pessoa para o serviço de ama (e não de empregada domés-tica), e somente durante o período em que os seus ser-viços eram necessários;
5) E, sobretudo, tal direito só poderia existir ao abrigo do disposto no nº 3 do artº 495º e nos seus justos limites (ou seja, a cobertura desses encargos seria suportada pela indemnização atribuída ao lesado a título de alimentos);
6) Acresce que, ao condenar a R. a pagar os encar-gos futuros com a referida contratação, sem a fixação de quaisquer limites, a sentença violou os artsº 483º, 562º, 563º e 564º do Código Civil e, ainda, o artº 5º nº 1 alínea a) do DL 522/85, de 31/12;
7) Em segundo lugar, a indemnização a que a R. foi condenada a pagar ao A. Nelson Afonso a título de danos patrimoniais por efeito da perda de alimentos (que receberia de Celeste Caldeira), não só é manifestamente excessiva como carece de fundamento em face do direito e dos factos que foram dados como provados;
8) Com efeito, e ao contrário do que se conclui na sentença, dos factos dados como provados, não resulta que a malograda Celeste Caldeira prestasse quaisquer alimentos ao A., ou, sequer, que tivesse possibilidade de os prestar;
9) Aliás, mesmo que admitíssemos como seguro que a actividade comercial (que a A. iniciava) iria propiciar proveitos (o que não se concede), não existe qualquer elemento que permita determinar a medida desses lucros e que permitisse a fixação de um valor tão alto de ali-mentos;
10) Por outro lado, é preciso não esquecer que essa actividade era desenvolvida também em proveito do A. Américo Afonso, que Celeste Caldeira sempre haveria de gastar uma parte no seu próprio sustento e que o A. Américo Afonso, enquanto pai e com uma capacidade eco-nómica superior, também está obrigado a prestar alimen-tos ao A. Nelson;
11) Ora, de acordo com um alto grau de probabili-dade, o capital de remição determinado pela sentença recorrida a título de alimentos é, por si só, sufi-ciente para o sustento do A. Nelson até à referida idade de 22 anos;
12) Também não existe fundamento factual para con-cluir que a obrigação de alimentos, que recaía sobre a Celeste Caldeira, iria, com um grau mínimo de probabi-lidade, prolongar-se depois do A. Nelson Afonso comple-tar os seus 18 anos;
13) Ao fixar uma indemnização, a título de alimen-tos, ainda para mais neste montante, a sentença sob censura violou os artsº 562º, 563º, 564º e 566º nsº 2 e 3, todos do Código Civil;
14) Deve, pois, a R. ser absolvida, e na sua tota-lidade, do pedido de indemnização a título de alimen-tos;
15) Em terceiro lugar, as despesas com "formalida-des" decorrentes do óbito, que a R. foi condenada a pagar, não estão previstas nos nsº 1 e 2 do artº 495º e no artº 563º do Código Civil – normas estas que, portanto, a sentença violou;
16) Em quarto lugar, ao condenar a R. a pagar des-pesas não concretizadas e infundadamente não liqui-dadas, a sentença recorrida violou o artº 661º nº 2 do CPC;
17) Acresce que a sentença condenou a R. no paga-mento desses encargos com "formalidades" sem fazer referência ao limite de 70 000$00 peticionado pelo A. na sua petição inicial, violando, assim, o disposto no artº 661º nº 1 do CPC, o que acarreta a respectiva nulidade (artº 668º nº 1 al. e), a qual, para todos os efeitos, aqui se argúi;
18) Aliás, ao condenar a R. nestas despesas sem referência ao limite absoluto resultante do montante do capital do contrato de seguro, a sentença violaria sem-pre o 5º nº 1 alínea a) do DL 522/85, de 31/12;
19) Em quinto lugar, o montante indemnizatório fixado em sede de compensação da perda do direito à vida é claramente superior aos padrões fixados pelos nossos Tribunais Superiores para este tipo de indemni-zação – padrões estes a que o Meritíssimo Juiz a quo estava sujeito por uma questão de justiça relativa;
20) Ao determinar um valor tão exagerado, a sen-tença recorrida violou o disposto nos artsº 496º nº 3 e 494º do Código Civil;
21) Por último, ao condenar a R. a pagar juros de mora desde a data da citação (e não desde a data da sua prolação) sobre as indemnizações atribuídas a título de danos não patrimoniais (incluindo o direito à vida) e dos danos decorrentes da perda de alimentos, a sentença sob censura não obedeceu ao disposto nos artsº 805º nº 3 e 806º nº 1 do Código Civil, na interpretação sufragada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudên-cia nº 4/2002 do Supremo Tribunal de Justiça (publi-cado no Diário da República, 1ª série-A, nº 146, de 27 de Junho de 2002).
Contra-alegaram os apelados pugnando pelo venci-mento dos respectivos pontos de vista e improcedência das teses contrárias.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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2.1. Factos.
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Considerando que não vem impugnada a matéria de facto dada como provada na 1ª instância, nem tão pouco há qualquer alteração a introduzir-lhe, dá-se aqui a mesma por reproduzida, ao abrigo do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil.
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2.2. O Direito.
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Tendo em linha de conta que nos termos do precei-tuado nos artsº 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal e conside-rando a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- O "quantum indemnizatório".
- A indemnização por danos patrimoniais.
- A indemnização por danos não patrimoniais
- A contagem dos juros.
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2.2.1. O "quantum indemnizatório".

Nos termos do preceituado no artº 483º nº 1 do Código Civil, — Diploma a que pertencerão os restan-tes normativos a citar sem menção de origem — aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Ali se estabelece pois o princípio geral da respon-sabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito.
Para que desse facto irrompa a consequente respon-sabilidade, necessário se torna à partida que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisa-mente de não ter agido como podia e devia, de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.
A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente conside-rada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjec-tivo do facto jurídico.
A responsabilidade traduz-se na obrigação de indem-nizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado.
Este dever de indemnizar compreende não só os pre-juízos causados, como os benefícios que o lesado dei-xou de obter em consequência da lesão — artº 564º do Código Civil.
O prejuízo surge pois como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.
Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patri-moniais) abrangendo os danos emergentes, efectiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).
A reparação dos danos deve efectuar se em princí-pio mediante uma reconstituição natural, isto é repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que subsidiariamente fixar-se a indemni-zação em dinheiro. Cfr. artsº 562º e 566º do Código Civil. Nesta hipótese, o dano real ou concreto é expresso pecunia-riamente, reflectindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstracto) Cfr. por todos, Pessoa Jorge "Ensaio dos Pressupostos da Responsabilidade Civil" pags. 61 ss e 371 ss e Dario Martins de Almeida "Manual de Acidentes de Viação", 3ª Edição pags. 39 ss e 76..
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2.2.1.1. A indemnização por danos patri-moniais.
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Insurge-se a Ré Mundial Confiança contra a sen-tença apelada na medida em que a condenou a pagar as despesas que o Autor gastou com o funeral da compa-nheira e a ainda as que suportou (ou virá a suportar) com a contratação de uma empregada doméstica/ama a fim de tratar do seu filho, o também Autor Nelson Afonso, já que estaria em causa um direito deste último e não do pai impetrante, sendo certo, por outro lado, que o invocado direito só poderia existir ao abrigo do artº 495º e nos seus justos limites (ou seja a cobertura desses encargos seria suportada pela indemnização atri-buída ao lesado a título de alimentos).
A Ré não tem razão. Da conjugação do disposto nos artsº 483º e 495º e 563º resulta que o lesante tem que indemnizar os danos que o lesado teria sofrido se não fosse a lesão. Ora de entre estes estão sem dúvida alguma as despesas que o Autor teve que suportar com o funeral da companheira como expressamente prevê o nº 1 do artº 495º.
O mesmo se poderá dizer da necessidade de contra-tar uma empregada doméstica; decorrente da morte da mãe ficou o Autor menor Nelson, privado dos cuidados que aquela lhe proporcionava; esta privação constitui uma consequência necessária do decesso daquela e assim indemnizável ao abrigo dos normativos supracitados.
No que toca à legitimidade para peticionar a indemnização neste particular, entende a apelante Mun-dial Confiança que quem deveria formular o pedido seria o Nelson e não o pai como erroneamente foi feito. É correcta a objecção se nos deixarmos levar por um excesso de purismo; todavia não devemos permitir que a formalidade faça esquecer o cerne da questão; é que na verdade encontram-se na lide ambos os AA. pai e filho, sendo certo que é aquele que representa este último em juízo, de harmonia com o disposto nos artsº 1 878º nº 1, 1 881º nº 1 e 10º do Código Civil.
A sentença apelada condenou ainda a Ré no paga-mento da importância de € 35.000 ao Autor Nelson cor-respondente aos alimentos. Entende a apelante que não havia qualquer prova que a falecida prestasse quaisquer alimentos ao menor seu filho, ou mesmo que tivesse pos-sibilidade de os prestar; e ainda que tivéssemos como seguro que a actividade comercial da falecida iria pro-piciar proventos, não existe qualquer elemento que per-mita determinar a medida desses lucros em ordem à fixação de um montante tão elevado.
Não tem razão; na verdade, o facto de se não pro-var que a falecida prestasse alimentos ao seu filho tem uma justificação óbvia; vivia com este e o seu compa-nheiro em economia comum e portanto a sua contribuição patrimonial para o menor, como para o casal, encon-trava-se não autonomizada mas antes diluída. Todavia dá-se como provado que a Celeste Caldeira auferia pro-ventos da exploração de um armazém de pesticidas, rações, adubos e cimento localizado junto da sua resi-dência. É certo que declarou à administração fiscal em 1997 o resultado positivo de apenas esc. 257 368$00; mas é um facto notório que essas declarações não servem necessariamente de base de cálculo para averiguar o rendimento real de uma pessoa ou instituição, tendo em linha de conta que pecam geralmente por defeito as declarações que os contribuintes, nomeadamente os que trabalham por conta própria entregam às finanças. Aliás é claro que com aquele lucro não valia a pena ter aberta a casa comercial; nesta conformidade considerando a idade do menor, 9 anos, e o previsível tempo em que a prestação de alimentos se manteria – até aos 22 anos – está equi-librado o montante encontrado, que daria mensalmente o quantitativo de esc. 44 000$00 ou seja € 219.47 – artº 2 003º do Código Civil.
Quanto às despesas com as formalidades decorrentes do óbito peticionadas pelos AA. e que a Ré igualmente impugna, também carece a Ré de razão quando pretende não as cobrir; na verdade as mesmas apresentam-se como vínculo de causalidade necessária ao acidente que viti-mou a Autora; se não fora esse infausto acontecimento aquele não se teria verificado; por esta razão não há qualquer censura a fazer neste ponto ao aresto citado. Ainda dentro deste item, a apelante refere que a sen-tença é nula já que o Sr. Juiz não referiu que o mon-tante global de tal indemnização deveria conter-se den-tro do que foi pedido a esse título, i.e. esc. 70 000$00.
Decidindo, diremos que essa omissão não é rele-vante, até porque é possível ao tribunal que venha a liquidar nessa parte a indemnização, não se quedar naquela importância. Constitui Jurisprudência unânime, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que o Tri-bunal não está limitado na atribuição da indemnização ao valor dos pedidos parcelares podendo arbitrá-la par-celarmente para mais, com o limite contudo do valor do pedido global, este sim sem possibilidade de ser exce-dido Cfr. nomeadamente nesse sentido os Acs. STJ 28/2/80 in BMJ 294, 283; 11/6/1980 in BMJ 1980, 238. 2/3/83 in BMJ 325, 365. Cfr. ainda na Jurisprudência, A. Varela e outros "Manual de Processo Civil", 1ª Edição pags. 657, nota 2..
No que toca ao montante encontrado para compensar o direito à vida que foi fixado em esc. 7 000 000$00 quer AA. quer R. se insurgem contra o mesmo; esta última entende que se mostra excessivo enquanto que os AA. adiantam que peca por diferença.
Quanto a este particular diremos que se a indemni-zação que os AA. pretendem é excessiva, também a que foi atribuída já não está de acordo com os parâmetros por que se regem os Tribunais Superiores e nomeadamente esta Relação para casos idênticos Cfr. Apelação Proc. nº 1521/02 - 3ª Secção Acórdão de 09.07.2002 in Acórdãos desta Relação http://www.come.to/trc.pt.; nesta conformidade iremos atribuir a esse título aos AA. a indemnização de esc. 8 000 000$00, ou sejam e por arredondamento € 40.000.
Quanto à impossibilidade de condenação a liquidar em execução de sentença no que concerne às despesas várias que o Autor teve que suportar em consequência do acidente, a Ré não tem razão, já que o decidido está em conformidade com o disposto no artº 661º nº 2 do Código de Processo Civil; "se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o Tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida".
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2.2.1.2. Indemnização por danos não patrimoniais ao membro sobrevivo da união de facto.
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Peticiona o apelante Américo a indemnização de esc. 4 000 000$00 a título de danos não patrimoniais em virtude da morte da companheira.
Estatui o artº 496º do Código Civil que "1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao côn-juge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização será fixado equitati-vamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior".
Entendeu a sentença apelada que à face da lei vigente não é possível atribuir ao Autor a indemnização que peticiona.
Decidindo.
Da análise da letra da lei constata-se que a mesma não prevê no elenco dos titulares da indemnização por danos não patrimoniais o membro da "união de facto" sobrevivo; e a primeira questão a indagar será a de saber se não o fazendo e devendo tê-lo previsto, estará o artº 496º ou mais propriamente a interpretação que lhe foi dada a violar o princípio constitucional da igualdade. Haverá, na óptica do apelante, que estender ao Autor o direito à indemnização por danos não patri-moniais, já que a razão que esteve na origem da atri-buição daquela indemnização ao membro sobrevivo de um casamento, nos termos do disposto no artº 496º nº 2 do Código Civil, é no fundo a mesma que fundamenta a tese da ressarcibilidade no caso de união de facto.
O "princípio da igualdade" consagrado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa estatui que 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".
O "princípio da igualdade" não pretende contudo igualar todas as situações; apenas se proíbe tratamento diferente para aquilo que é igual. E será igual a posi-ção do membro sobrevivo da união de facto e a do côn-juge? Não se nega, como bem se salienta no douto Acór-dão do Tribunal Constitucional nº 275/02 de 19 de Junho, que à intensidade subjectiva dos danos sofridos por um facto ilícito de que resultou a morte de um dos membros do casal possa ser irrelevante a existência do vínculo do casamento Cfr. www.tribunalconstitucional.pt; só que na realidade não estamos objecti-vamente a tratar de duas situações iguais; ao decidir-se por uma situação de "união de facto" optou "o casal" por um conjunto de vantagens que valorou em sua óptica acima das desvantagens inerentes que constituem o reverso da medalha… e a todo o momento poderia inverter os termos do binómio, casando-se pura e sim-plesmente. O casamento pressupõe, para além dos direi-tos, um conjunto de deveres a que os cônjuges se encon-tram vinculados e que não são extensivos à simples "união de facto"; bastará referir neste último caso, que os membros do "casal" não se encontram aqui vincu-lados pelos deveres de respeito, coabitação, fidelidade, cooperação e assis-tência a que se reporta o artº 1 672º; a vinculação recíproca não existe… e não custa por isso entender que o legislador aceitando muito embora o carácter liberal da "união de facto", que se não se equipara ao casamento, também não valorasse os danos não patrimo-niais de uma pessoa que à partida quisesse permanecer completamente livre. São pois duas situações diferentes que podem ser tratadas de forma desigual sem qualquer ofensa do princípio da igualdade; aliás essa diferença tem consequências ainda a outros níveis até mais can-dentes do direito positivo; basta referir desde logo, que os membros de um casal unido apenas de facto não são herdeiros um do outro; e não se diga que a natureza que se pretende dinâmica do "princípio da igualdade" vise de forma progressiva, igualar tendencialmente todas as situações; na verdade, não atendendo à desigualdade de estatutos, cair-se-ia numa situação extrema de esvazia-mento das próprias instituições, o que também seria fonte de situações de flagrante injustiça; sirva-nos de exemplo o direito matrimonial; a atribuição à "união de facto" de todas as vantagens inerentes ao casamento acabaria por esvaziar este do seu conteúdo a ponto de o instituto se tornar apenas fonte de problemas que poucos compreensivelmente desejariam assumir. Assim se entende que também o legislador ordinário tenha avan-çado com muita cautela ao conformar as situações de "união de facto", que aliás não pretende incentivar, mas apenas contemplar pontualmente nos seus aspectos mais gravosos Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira "Curso de Direito de Família" Coimbra Editora, Volume I, pags. 92 ss..
Afastada a ofensa do "princípio da igualdade" com o tratamento desigual da "união de facto" face ao casa-mento para a atribuição da indemnização a que alude o artº 496º nº 2 do Código Civil, há que indagar se de iure constituto a mesma pode e deve ser arbitrada no caso vertente, face ao direito civil.
Estatui o artº 9º nº 2 do Código Civil que "1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legisla-tivo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada".
O método jurídico-intepretativo consagrado no Código Civil procura conciliar neste domínio as concep-ções subjectivista e objectivista pretendendo assim encontrar uma solução de compromisso entre ambas. Significa isto que se por um lado a letra da lei é o ponto de partida para a solução do caso, não é menos verdade que à interpretação e aplicação da lei são conaturais sempre os ingredientes teleológico e actua-lista; a lei para ser um instrumento actuante de reali-zação do direito deverá ser moldada ao caso concreto historicamente situado;
Considerando os cânones interpretativos consagra-dos no Código Civil e atentando no caso concreto, veja-mos se algo se apura no sentido da interpretação exten-siva (aqui o artº 496º nº 2) desta norma de molde a abranger na respectiva previsão a "união de facto". Como já referimos, a letra da lei é clara no sentido de que o legislador pretendeu atribuir o direito à indem-nização por danos não patrimoniais apenas ao cônjuge sobrevivo e escalonadamente às pessoas referidas na lei, sendo certo que em momento algum se fala em membro da "união de facto" (o que aliás bem se compreende atenta a época em que a norma foi elaborada) Deverá ainda salientar-se que na base desta decisão esteve uma opção do legislador baseada acima de tudo num critério prag-mático; evitar a proliferação de pedidos de indemnização por danos morais por um conjunto alargado de pessoas, algumas porven-tura não menos lesadas com a morte do membro do casal falecido do que o próprio cônjuge; cfr. mais informações em Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" I, 4ª Edição pags. 499 ss. . Ao consi-derarmos a unidade do sistema jurídico, teremos que aquilatar do papel que nela representa a união de facto; o seu relevo é um elemento de fundamental impor-tância para decidir se há uma omissão no sistema que evidencie uma lacuna de regulamentação de molde a impor a consideração do membro da "união de facto" sobrevivo também como necessário destinatário da norma. No entanto ainda aqui somos conduzidos às conclusões acima afloradas; a união de facto não é o casamento, não pertencendo ao âmbito das relações familiares a que se reporta o artº 1 576º do Código Civil Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Ob. e Loc. cita-dos pags. 83 ss. ; por imperativos essencialmente constitucionais e de justiça, intentou o legislador contemplar certos aspectos da união de facto cuja falta de regulamentação se traduzia em discriminação mani-festamente injustificada em relação a um casal unido pelo vínculo do matrimónio; mas foi muito parco reconhecimento de direitos Cfr. Leis nsº 135/99 de 28 de Agosto e 7/2002 de 11 de Maio, esta última actualmente vigente. Traduzem-se essencialmente em concessões à margem do direito matrimonial, que não infirmam a tese de quem vê na união de facto mera relação parafamiliar. O direito de família assenta neste aspecto a sua tónica na relação jurídico-matrimonial, surgindo a união de facto como um instituto que se reconhece apenas para determinados efeitos. Nesta medida não pode em nosso entender con-cluir-se que o princípio da unidade do sistema jurídico imponha o alargamento da indemnização a que se reporta o nº 2 do artº 496º à união de facto, já que estão em causa duas situações diferentes que o legislador pre-tendeu tratar como tal. É claro que tal não exclui em nosso entender, que a questão que nos ocupa não possa vir a ser decidida de outra forma de iure constituendo; trata-se todavia não de um acto que seja imposto pelo sistema, mas antes de uma opção a tomar pelo legislador quando e se entender oportuno.
Dispõe o artigo 9º nº 3 que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legisla-dor consagrou as soluções mais acertadas e soube expri-mir o seu pensamento em termos adequados". Ora tendo o legis-lador regulamentado vários aspectos da união de facto pela Lei 7/2001 de 11 de Maio, teria aproveitado a oca-sião para que, se assim o entendesse, alterar o dis-posto no nº 2 do artº 496º do Código Civil no sentido propugnado pelo Autor apelante e entendeu não o fazer; esta solução, face ao normativo citado, tem de presumir-se acertada; e esta presunção, por tudo o que deixámos exposto, terá que entender-se por não ilidida, já que nada impõe a adopção de outro entendimento.
Nesta conformidade improcedem as considerações dos Autores sobre este item No sentido de não alargamento à união de facto do regime do artº 496º nº 2 Cfr. ainda Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira Ob. e Loc. citados pags. 114 ss..
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2.2.1.3. A contagem dos juros.
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Insurge-se a Ré contra a sentença apelada na parte em que a condenou a pagar ao Autor Nelson juros de mora desde a data da citação (e não da data da sua prolação sobre as indem-nizações atribuídas a título de danos não patrimoniais (incluindo o direito à vida) e dos danos patrimoniais decorrentes da perda de alimentos. Mostrar-se-ão violados os artsº 805º nº 3 e 806º nº 1 do Código Civil na interpretação sufragada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudên-cia nº 4/2002 de Supremo Tribunal de Justiça in DR 1ª Série-A nº 146 de 27 de Junho de 2002.
Decidindo.
O Acórdão supracitado veio fixar jurisprudência no sentido de que " Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no artigo 805º nº 3 (interpretado restritiva-mente), e artigo 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação".
Desta forma não poderá ser mantida nesta parte a sentença.
As indemnizações concedidas ao Autor Nelson no que toca aos danos patrimoniais sofridos no montante de € 35.000 e não patrimoniais nos valores de € 20.000 (danos sofridos pelo próprio) e € 40.000 (direito à vida da mãe) respectivamente, vencem juros de mora a contar os dois primeiros da sentença de 1ª instância e o último deste Acórdão e até integral pagamento.
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Pode assim concluir-se o seguinte:

1) Em sede de indemnização tem a Companhia de Seguros que indemnizar os danos que o lesado teria sofrido se não fosse a lesão; nessa sede encontram-se as despesas que o Autor teve que suportar com o funeral da companheira, contratação de uma empregada doméstica para prestar assistência que a falecida vinha facultando nomeadamente ao filho do casal.
2) O facto de se não haver provado que a companheira do A. Américo prestasse alimentos ao filho do casal deriva da circunstância de a mesma viver em união de facto com o primeiro em economia comum e portanto a sua contribuição patrimonial para o menor bem como para o casal encontrava-se não autonomizada mas antes diluída.
3) Todavia dando-se como provado que a Celeste Caldeira auferia pro-ventos da exploração de um armazém de pesticidas, rações, adubos e cimento localizado junto da sua resi-dência, entende-se equitativamente equilibrado condenar a Ré no paga-mento da importância de € 35.000 ao Autor Nelson cor-respondente aos alimentos que a falecida deixou de lhe prestar.
4) É equilibrado o montante de esc. 8 000 000$00 para compensar o direito à vida de uma pessoa que esteja no nível etário da companheira do Autor.
5) Em caso de morte de um dos membros da união de facto o sobrevivo não tem direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais não podendo considerar-se o mesmo incluído na previsão a que se reporta o artº 496º nº 2 do Código Civil.
6) Na fixação dos juros em caso de indemnização há que tomar em linha de conta nas diversas parcelas indemnizatórias o disposto no Acórdão de Uniformização de Jurisprudên-cia nº 4/2002 de Supremo Tribunal de Justiça in DR 1ª Série-A nº 146 de 27 de Junho de 2002.
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3. DECISÃO.
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Pelo exposto julgam-se as apelações parcialmente procedentes, revogando-se nessa medida a sentença ape-lada.
Assim condena-se a Companhia de Seguros "Mundial Confiança" SA a pagar ao Autor Nelson Diogo da Silva Afonso a quantia de € 40.000 a título de indemnização pelo direito à vida da sua mãe.
As indemnizações concedidas ao Autor Nelson no que toca aos danos patrimoniais sofridos no montante de € 35.000 e não patrimoniais nos valores de € 20.000 (danos sofridos pelo próprio) e € 40.000 (direito à vida) respectivamente, vencem juros de mora a contar os dois primeiros da sentença de 1ª instância e o último deste Acórdão e até integral pagamento.
A sentença vai confirmada em tudo o mais. Custas das apelações na proporção do decaimento.