Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
407/07.2GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO ANTÓNIO MIRA
Descritores: PRINCIPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
LEGITIMA DEFESA
Data do Acordão: 02/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º; 428.º E 431.º DO C.P.P.; E 31.º, N.º 1, ALÍNEA A)E 32.º DO C.P
Sumário: I. – Tendo-se baseado a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende as regras da experiência comum.
II. - O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não tem, assim, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de 1.ª instância, podendo o tribunal ad quem, na reapreciação da prova oralmente produzida em audiência de julgamento, modificá-la na justa medida em que a decisão não colhe qualquer apoio nos elementos de prova que o processo comporte.
III. - São requisitos da legítima defesa a verificação da existência do sequente quadro jurídico-legal: a) uma agressão actual ou iminente; b) uma agressão ilícita, não motivada por provocação do defendente; c) um animus defendendi; d) a impossibilidade de recurso à força pública; e e) a necessidade racional do meio empregado.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No Tribunal Judicial de Soure, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido:

- …, casado, feirante, natural de Sé Nova, Coimbra, nascido no dia …., filho de … e de …, residente em………,

acusado da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.

2. O assistente … deduziu pedido de indemnização cível, por via do qual impetrou a condenação do arguido no pagamento da quantia total de € 4.392,00, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca ter sofrido, decorrentes do acto ilícito descrito na acusação pública.

3. Por sentença de 24 de Julho de 2008, o tribunal da 1.ª instância proferiu decisão do seguinte teor:

«Pelo exposto, julgo a acusação improcedente, por não provada, e consequentemente decide-se:

i) Condenar o arguido …, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo n.º 1 do art. 143.º do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de € 9,00, perfazendo a quantia total de € 1800,00 (mil e oitocentos euros);

ii) Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido por …, contra o demandado …, e, em consequência, condenar este a pagar àquele a quantia de € 700,00 (setecentos euros) a título de danos não patrimoniais,

iii) Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido por …, contra o demandado …, e, em consequência, condenar este a pagar a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais provocados em virtude do demandante ter estado incapacitado para exercer a sua actividade, por um período de 8 dias.

iv) Absolve-se o Demandado do restante peticionado a título de pedido de indemnização civil»

4. Inconformado, o arguido interpôs recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – A sentença em recurso foi bem o espelho das muitas dúvidas que assaltaram ao julgamento do respectivo processo bem como, mas ainda bem maiores dúvidas, quanto à justeza da condenação, por demais injusta do arguido.

2.ª - Logo no início do dispositivo da sentença constatamos uma evidente contradição da parte decisória da sentença: se por um lado e logo no início ela julga por improcedente, por não provada a acusação, a seguir e em sentido inverso decide pela condenação do arguido numa pena de multa, em parte do pedido de indemnização civil a título de danos patrimoniais, em danos patrimoniais no que se vier a liquidar em execução de sentença, e nas custas.

3.ª - Portanto, os termos iniciais em que a sentença em apreço começou por ser escrita, ao julgar improcedente, por não provada a acusação tal mais não significa e não podia ter outra consequência que não fosse uma sentença absolutória, nos termos do art. 376.º do Código de Processo Penal, ou seja o indeferimento dos pedidos da acusação criminal e do pedido de indemnização civil deduzidos contra o arguido, e a sua isenção em todas e quaisquer custas do processo.

4.ª - Julgando improcedente, por não provado, a acusação, outra decisão não restava que indeferir todos e quaisquer pedidos da acusação pública e do pedido de indemnização civil, e isentar o arguido e requerido cível das respectivas custas.

5.ª - Imediatamente, o que decorre da Lei, porque é uma questão simples e incontroversa, a sentença em causa é nula, por violação do disposto legal da alínea b) do n.º 3 do art. 378.º do Código de Processo Penal.

6.ª - Não decidindo este Tribunal Superior pela nulidade da sentença recorrida, a sentença em causa incorre pelo menos sempre no vício de ambiguidade, por contradição da parte decisória, por violação do disposto legal dos 659.º, n.º 2, “in fine” e 664.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, devendo a mesma ser objecto de reforma, nos termos do disposto no art. 609.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, todos os artigos aplicáveis por via e força do disposto no art. 4.º do Código de Processo Penal, e do art. 380.º do Código de Processo Penal, e devendo por meio de acórdão a esclarecer e qual o alcance da decisão e efeitos do julgamento por improcedente, por não provada, da acusação e a seguir se pronuncie em coerência lógica segundo aquele juízo e julgamento prévio - da improcedência da acusação - quanto aos seus pedidos, quanto ao pedido de indemnização civil e quanto às custas do processo.

7.ª - A MM.ª Juíza do Tribunal de Soure, decidiu quanto aos factos essenciais da acusação julgá-los por provados, nomeadamente pelos pontos 2., 3., 4., 6., 7. e 8. da fundamentação e da matéria de facto provada, factos esses que não foram correctamente julgados, e nem tão pouco havia provas suficientes e minimamente indubitáveis para se concluir deles haver uma prova suficiente, segura e indubitável para se chegar a uma condenação.

8.ª - Uma melhor análise das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento e face ao que ficou assente pelas declarações dos intervenientes e testemunhas presenciais dos factos temos das versões do assistente e da testemunha P..., mulher daquele, abissais contradições entre os depoimentos do assistente e da testemunha P...:

Se: a esposa do Assistente diz que o arguido bate várias vezes com o ferro no assistente e o assistente por sua vez tinha dito que só tinha levada um pancada.

Em contrapartida: o assistente (marido daquela) diz que foi primeiro agredido com o ferro após o que caiu ao chão, tendo-se dado a troca de muros depois e após se ter levantado do chão, quando, veja-se a escancarada contradição.

Se: a testemunha … diz que o marido foi várias vezes agredido com um ferro, diferentemente o marido diz que foi só uma vez agredido.

Se: o ofendido diz que tinha um ferro na mão quando o arguido chegou junto de si, a mulher daquele diz que o ferro se encontrava no chão, onde o apanhou para agredir o seu marido.

A testemunha … diz que não viu a primeira pancada com o ferro, ao que perguntamos nós: se o marido disse que só levou uma pancada com o ferro, que pancadas podia ela afinal ter visto?

A própria Sra. Procuradora-Adjunta fica surpreendida com a contradição entre esta testemunha e o marido acerca do dissídio entre as duas versões acerca do número de pancadas – oiça-se o ficheiro áudio com a ref.ª 20080702105201 15270 - 65206 - de 4.10” a 5.30”.

9.ª - Ora a MM.ª Juíza assentou a sua condenação com base nestes dois depoimentos, muito especialmente no da testemunha …, esposa do alegado ofendido e assistente, mas o que é facto é que vemos que não batem certos um com o outro, antes pelo contrário.

10.ª - O depoimento da testemunha … em nada favorece a tese do assistente, colocando em causa toda a versão do depoimento deste último, e a seguir, em audiência de discussão e julgamento, esta testemunha desdiz o que o seu marido disse, e confrontada perante as contradições do seu testemunho com o depoimento do marido não mais consegue manter uma versão minimamente coerente e credível.

O relato da testemunha …, é frágil, vago, receoso, entaramelado e cheio de dúvidas, agravadas face às inúmeras contradições do depoimento anterior e respectiva versão do assistente, e ficou ainda fragilizado em dúvidas face aos esclarecimentos e ao contra-interrogatório a que foi sujeito.

E no final, apanhada a mentir, refugiou-se no silêncio.

11.ª - Ora, muito mais realistas e verdadeiras são as versões coincidentes do arguido e da sua esposa, declarações destes dois são coincidentes.

12.ª - Não se percebe nem se aceita que a Sra. juíza considere que o testemunho da testemunha … não é credível.

Ora muito pelo contrário!

É o único testemunho credível, verdadeiro, isento e sem contradições com o que o arguido, seu marido, disse sem que mentisse no julgamento.

E a Sra. Juíza não escreveu uma única linha que justificasse o seu raciocínio e juízo de descrédito perante o testemunho da esposa do arguido.

13.ª - A Sentença mostra profundas discrepâncias entre o que de facto e quanto ao apuramento dos factos do que na verdade se passou em audiência de discussão e julgamento, e o que ficou no retrato distorcido da sentença.

14.ª - Tribunal pesou de maneira bem diferente e arbitrariamente, e sem critério e nenhuma justificação para tanto, as versões da acusação e da defesa.

15.ª - Já para a tese e defesa do arguido impôs-lhe um ónus e uma defesa impossível: a quantos factos, a que quais factos, em que circunstâncias de tempo, modo e lugar há-de e tem que se defender?

16.ª - As versões díspares e contraditórias do assistente e da sua mulher, testemunha P..., não foram devidamente analisadas pelo Tribunal de Soure e perante as suas contradições, o arguido não encontra justificação em sede de sentença do fracasso da sua defesa.

17.ª - O ónus de prova que incumbia às acusações, pública e particular, eram a quem competia lograr convencer sem qualquer margem para dúvidas a tese ou as teses que apresentada em tribunal e finalmente lograr ser considerada, pelo menos minimamente razoável, credível e coerente, para em sede crítica e sem qualquer dúvida depois ser levada a sede de sentença e, só assim, condenando-se o arguido pela prática do crime semi-público de ofensa simples à integridade física e ao respectivo pedido cível.

18.ª - Salvo o devido respeito, o Tribunal mais não fez do que se impressionar pelo ruído de fundo de vozes acusadoras e sem que estas, como se lhe impunha, em ordem à verificação da verdade de que se diziam portadoras, fossem minimamente credíveis e coerentes no seu testemunho.

20.ª - Face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não nos conseguimos libertar do manto de incerteza e dúvida, até mínima, de que houvesse sido verdade que o arguido tivesse praticado o crime de que se encontrava acusado.

E em momento algum se levantaram dúvidas quanto ao que o arguido disse.

E em momento algum o arguido mentiu, e a sentença disso nada diz.

20.ª - Face às evidentes e escancaradas contradições entre o que a sentença entendeu ser verdade e suficiente para a condenação do arguido o que na verdade resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento entendemos deverem ser objecto de renovação as seguintes provas:

a - Declarações do arguido - ficheiro áudio com a ref.ª n.º 20080609110244 – 15270 – 65206 – de 1.56” a 5.46”;

b - Declarações do alegado ofendido e assistente - ficheiro áudio com a ref.ª n.° 20080609112609 – 15270 – 65206 - de 4.10” a 10.15”, e Ficheiro n.º 20080609120301 15270 – 65206 - de 4.10”a 6.40”;

c - Do testemunho e mulher do alegado ofendido - ficheiro áudio com a ref.ª n.º 20080702105201 – 15270 - 65206 de 2.20” a 7.18”, e ficheiro áudio com a ref.ª n.° 20080702105201J5270 65206 - de 17.50” a 25.10”;

d - Do testemunho da mulher do arguido: ficheiro áudio com ref.ª n.º 20080702122551 – 15270 – 65206 - de 4.30” a 6.54”.

21.ª - Mesmo que se venha a entender que arguido praticou as ofensas corporais que lhe são apontados dúvidas, ainda assim outras dúvidas se levantam: quanto a esses actos de consequências danosas na saúde e integridade físicas no assistente não terão sido praticados pelo arguido como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente?

22.ª - E será que as lesões não se deram no momento da queda? Será mesmo verdade que os danos corporais em causa no ofendido se verificaram no momento daqueles eventos? Ou não poderão ter sido noutro momento posterior? E quem pode ter sido o seu autor?

23.ª - E caso se tenham produzido esses danos na saúde e integridade  física do assistente por acção do arguido, não poderão ter sido produzidas num quadro que afaste a culpa do Agente: ou por terem sido praticadas por legítima defesa?

24.ª - Ou até não se pode considerar pelo menos um caso de excesso de legítima defesa?

25.ª - Muitas dúvidas fundadas se levantam, para além de um mínimo de dúvida razoável, que fica latente e não se consegue ultrapassar, quanto à conduta dolosa e respectiva autoria pelo arguido da prática do crime de ofensas à integridade física.

26.ª - O “in dubio” é no fundo a dúvida imposta como método judicial, e que obriga o Juiz a pronunciar-se favoravelmente ao arguido quando não puder ter a certeza sobre os factos que sejam decisivos para a solução da causa crime.

27.ª - E, a final, pelo menos, a condenação do arguido na pena de 200 dias de multa à razão diária de € 9,00, perfazendo a quantia total de € 1.800,00, e ainda condená-lo no pagamento ao assistente e requerente cível na quantia de € 700,00 a título de danos não patrimoniais são manifestamente exageradas as condenações em causa.

28.ª - Resulta da prova, e terá sempre de se admitir os factos por praticados pelo arguido foram produzidos num quadro e conjunto de circunstâncias de provocações de que ele foi vítima por parte do ofendido: na verdade encontra-se abundantemente referenciado e provado, no depoimento do arguido e no testemunho da esposa deste, que o ofendido proferiu várias expressões e nomes injuriosos, como “filho da puta” e “vigarista”, e que a esposa foi primeiro agredida, com um empurrão que a derrubou ao chão.

29.ª - Ora o arguido agiu num quadro de provocação, em que as palavras e agressão proferidas e praticada, respectivamente, pelo ofendido, são e foram de molde a alterar o estado emotivo do arguido, provocando-lhe excitação e cólera que, por sua vez, alteraram as condições normais de determinação do arguido e que por causa desse estado alterado, influíram decisivamente nos seu modo e actuação criminosas.

30.ª - Na verdade esse estado de excitação tem de considerar-se e aceitar-se que é e foi consequência emocional ininterrupta de um facto injusto praticado pelo arguido, mas é com probabilidade e resultado real uma sua consequência adequada.

31.ª - A ilicitude do facto apesar de alguma gravidade, atentos o modo e meios de produção das ofensas corporais de que o ofendido foi vítima, que apesar de tudo unicamente determinaram 8 dias de doença, e que para a sua produção foram igualmente concorrentes o modo como o ofendido se apresentou ao arguido, ou seja munido de um ferro, as provocações e palavras que lhe dirigiu e a agressão que praticou contra a esposa do arguido, portanto o especial condicionalismo em que o arguido praticou os factos em causa, temos que concluir que a culpa e o dolo do arguido diminuídos.

32.ª - Portanto, a pena de multa aplicada ao arguido, atentando-se ao limite mínimo de 10 dias e ao máximo de 360, e à quantia de € 5,00 a € 500,00 segundo o disposto no art. 47.° do Código Penal, deve ser modificado, e devendo-se considerar por adequado e justo, pelo menos, uma pena, no máximo, de 50 dias à razão diária de € 5,00, perfazendo a quantia total de € 250.00.

33.ª – E tendo em conta os mesmos critérios acima referenciados para a determinação da medida da pena da multa, deverá ser igualmente modificado o montante arbitrado do pedido cível, determinando-se o seu montante para € 250.00 (duzentos e cinquenta euros).

Pedido:

Nestes lermos, e nos melhores de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso, por meio de douto acórdão a proferir por esta Relação, vir a ser julgado procedente e provado e a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que absolva a arguido e tudo sob as legais consequências, e ou podendo o Tribunal, caso entenda não dever absolver o arguida, na sequência do recurso da matéria de facto suscitada, ordenar a renovação das provas solicitadas ou os demais meios que vierem a ser tidos por necessários, ou como o mesmo fim, reenviar o processo ao Tribunal recorrido, para que o reaprecie e dele tome novo e melhor conhecimento, e tudo sempre sob as legais consequências, nomeadamente sempre conducente à absolvição do mesmo arguido.

Ou assim não se entendendo, e em alternativa, ser proferido acórdão que absolva o arguido da prática dos factos de que se encontra acusado, considerando e decidindo que o arguido os praticou em legítima defesa (seg. os arts. 31.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 32.º, ambos do Código Penal.

Ou caso assim não se entenda e decida, que se considere que esses mesmos factos que foram praticados num quadro e circunstancialismo de excitação e cólera provocados directamente pelo assistente na pessoa do ofendido, e portanto que foram praticados ainda em excesso de legítima defesa, em resultado de perturbação, não censurável, pelo arguido, devendo por isso este ser condenado numa pena especialmente atenuada.

Ou, o que é válido para a determinação da pena especialmente atenuada, acima peticionada e requerida, que seja pelo menos reformulada a pena de multa aplicada ao arguido que, no máximo, não mais deverá ser do que 50 dias à razão diária de € 5,00, num total de € 250,00.

E, por fim, caso venha a ser condenado no ressarcimento de danos morais ao arguido, que o pedido cível nessa parte seja arbitrado num máximo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
5. O Magistrado do Ministério concluiu a resposta que apresentou ao recurso nestes termos:
1. As nulidades da sentença estão previstas no artigo 379.°, do Código de Processo Penal, sendo uma dessas nulidades o facto de a sentença não terminar pelo dispositivo que contém a decisão condenatória ou absolutória.
2. Ora, não se pode entender que o dispositivo que contém a decisão condenatória ou absolutória é o declarar procedente ou improcedente a acusação.
3. Com efeito, o tribunal a quo, por mero lapso de escrita, julgou a acusação improcedente por não provada. Contudo, na parte do dispositivo consta decisão condenatória e não absolutória, o que se constata pela simples leitura, ao que acrescem os factos dados como provados sob os números l a 8, que constituem reprodução da acusação pública.
4. No que às restantes alegações diz respeito, basta dizer que o tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à matéria de facto provada, enumerando os elementos probatórios que contribuíram para a formação da sua convicção, com indicação dos depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência, e das razões que os dotaram de relevância e credibilidade. Ademais, tal tarefa foi realizada com conhecimentos lógicos e objectivos e alicerçada nos elementos de prova obtidos em audiência, bem como nos documentos juntos aos autos e invocados na motivação fáctica;
5. O erro notório na apreciação da prova, invocado pelo recorrente e previsto no artigo 410.°, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que está notoriamente errado, que não podia ter acontecido. No entanto, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro.
6. Os argumentos que o recorrente invoca para dizer que o tribunal a quo deveria ter decidido em sentido diverso, foram devidamente sopesados, mediante uma análise crítica e cuidada das provas produzidas, pelo que tendo em conta o “princípio da imediação” e atendendo a que não se verifica nenhuma das situações previstas nos n.°s 2 e 3 do artigo 410.° do Código de Processo Penal, o douto acórdão recorrido nenhum reparo merece, tendo sido observado o disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal.
7. Quanto à violação do princípio in dubio pro reo, se o tribunal não tem qualquer dúvida insanável acerca da prática pelo arguido do crime de que vem acusado, não há lugar à aplicação deste princípio.
8. Por fim, concordamos com a posição e fundamentação constante da decisão recorrida, pelo que entendemos que a mesma não merece qualquer reparo, pois ao condenar o arguido na pena de 200 dias de multa, à razão diária de 9,00 €, fê-lo de uma forma proporcional e com observância dos critérios previstos no artigo 71.º do Código Penal.
Termos em que, com os fundamentos invocados, se requer a rectificação da douta sentença recorrida, corrigindo-se, na sua página 19, a parte inicial do dispositivo, onde se refere “Pelo exposto, julgo a acusação improcedente, por não provada (…)” para “Pelo exposto, julgo a acusação procedente, por provada (…)”, mantendo-se, no demais, a douta sentença recorrida.
6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto limitou-se à aposição de “visto”, solicitando, porém, a devolução dos autos ao tribunal de 1.ª instância para reparação do “lapso material” referido nas conclusões do Ministério Público, supra referidas.
7. Colhidos os vistos, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação:

1. Questão prévia:

O valor do pedido de indemnização civil formulado pelo demandante … é de € 4.392,00.

Tendo em conta a data da dedução do pedido cível (31-03-2008), a alçada do tribunal recorrido é de € 5.000 – cfr. art. 24.º da Lei n.º 3/99 – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Nestes termos, por força do disposto no n.º 2 do art. 400.º do Código de Processo Penal, não é admissível o recurso da sentença relativo à indemnização civil.

«A decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior» (art. 414.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

Não obstante, a delimitação do recurso à matéria de direito não prejudica o dever de retirar da eventual procedência do recurso as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (cfr. artigo 403.º, n.º 3 do Código de Processo Penal).

2. Delimitação do objecto do recurso e poderes cognitivos do tribunal ad quem:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Assim, há que apreciar e decidir:

1. Se a sentença recorrida padece da nulidade arguida pelo recorrente;

2. Da ocorrência dos alegados erros de julgamento em matéria de facto;

3. Violação do princípio in dubio pro reo;

4. Se estão verificados os pressupostos da legítima defesa;

5. Se por ocorrer, pelo menos, uma situação de excesso de legítima defesa, a pena deve ser especialmente atenuada;
5. Da medida da pena.

3. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 25 de Setembro de 2007, em hora não concretamente apurada, mas situada entre as 2 horas e as 3 horas da madrugada, durante as festas em Honra de São Mateus, em Soure, iniciou-se uma discussão verbal entre o assistente … e o arguido ….

2. Nessa sequência, o arguido começou a empurrar o queixoso e desferiu-lhe murros no seu corpo.

3. De seguida, o arguido, munido de um ferro desferiu várias pancadas no queixoso, atingindo-o na perna direita, nas costas e um pouco por todo o corpo.

4. Como consequência necessária e directa de tal conduta, resultaram para o queixoso equimose arroxeada na pálpebra inferior direita, equimose arroxeada na vertente direita do nariz, equimose ligeiramente arroxeada na região malar esquerda, escoriação no terço médio da face posterior do hemitórax direito, equimose arroxeada na face posterior do ombro, equimose arroxeada na face anterior do ombro, escoriação no terço inferior da face anterior da perna.

5. Tais lesões determinaram para o queixoso um período de doença fixável em 8 dias, com afectação de capacidade para o trabalho geral e 8 dias com afectação de capacidade para o trabalho profissional.

6. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.

7. No intuito de maltratar, como maltratou, P… no seu corpo e saúde.

8. Bem sabendo que a sua conduta era e é proibida e punida pela lei penal.

9. O arguido trabalha por conta própria como feirante, juntamente com a esposa, auferindo quantia não concretamente apurada.

10. Tem 3 filhos menores, de 7, 5 anos e 8 meses, pagando pela creche do mais pequeno a quantia mensal de € 50,00.

11. Não paga renda nem empréstimo ao banco para aquisição de casa própria.

12. Tem de escolaridade o 7.º ano.

13. Tem averbado no seu CRC as seguintes condenações:

i) A prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º CP, praticado em 29.09.1999, tendo sido aplicada a pena de multa no montante total de Esc. 70.000$00 por sentença datada de 05.05.2000 e transitada em julgado em 02.06.2000;

ii) A prática de um crime de furto, praticado em 10.01.1998, tendo sido aplicada a pena de multa no montante total de Esc. 63.000$00, por sentença datada de Janeiro de 2001 e transitada em julgado em 11.02.2001, a qual veio a ser convertida em 60 dias de prisão, declarada perdoada e consequentemente extinta, condicionada ao art. 4.º da Lei n.º 29/99, de 12.05, e posteriormente extinta pelo cumprimento do pagamento da pena de multa;

iii) A prática de um crime de cheque sem provisão, p. e p. pelo art. 11.º do DL n.º 316/97, de 19.11, praticado em 22.08.2000, tendo sido aplicada a pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no montante total de € 600,00, por sentença datada de 21.05.2004 e transitada em julgado em 23.06.2004, extinta pelo pagamento.

Do pedido cível:

14. O demandante sofreu dores e esteve pelo menos durante 8 dias com afectação da capacidade de trabalho geral e ainda 8 dias com afectação para o trabalho profissional, estando em casa, sem exercer a sua actividade, em virtude das lesões, pelo menos 8 dias.

15. Sentiu dores e dificuldade de locomoção.

16. A esposa não foi trabalhar, por se sentir insegura e para cuidar do marido.

17. O demandante não auferiu qualquer rendimento durante o período referido em 14).

18. O demandante andou nervoso e inquieto.

19. O demandante não fez mais feiras, com excepção de uma que o arguido frequenta, por se sentir receoso, auferindo menos lucro em virtude disso.

20. O filho assistiu aos factos vertidos de 1) a 3).

21. O ofendido é respeitado no meio onde vive.
4. E como não provado, que o assistente/demandante por dia aufira de lucro a quantia de € 150,00 por mês (é patente que o segmento “por mês” constitui manifesto lapso porquanto, como se vê do pedido cível de fls. 119 - ponto 3.º -, o facto alegado pelo demandante se reporta ao lucro cessante diário).

5. Relativamente à motivação da decisão de facto, ficou consignado:

A convicção do Tribunal assentou no conjunto da prova produzida e apreciada em audiência de discussão e julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

No que se refere aos factos atinentes ao crime em apreço, constantes da acusação pública, o arguido referiu que se dirigiu à roulote do ofendido porquanto a sua esposa lá se encontrava para pagar uma vassoura àquele, e o assistente a empurrou para o chão, admitindo ter dado um empurrão ao ofendido, o qual teria caído junto à lança de ferro da roulote. Negou ter desferido qualquer murro ao ofendido, referindo que as escoriações sofridas pelo mesmo teriam sido provavelmente advenientes da queda ou até dos terceiros que se encontravam no local e acorreram para os separar. Referiu ainda que o ofendido lhe deu com um chicote que teria consigo. Referiu depois que ia em passo de corrida, acudiu a esposa e depois veio a levar com o referido chicote.

O ofendido/assistente, em declarações, referiu que a situação ocorreu por ter emprestado uma vassoura ao arguido e sua esposa, e que os mesmos a teriam partido. Que em virtude de tal assunto o arguido se dirigiu para junto da sua roulote, o ameaçou, começou a empurrá-lo, acabando por cair, que o arguido lhe deu de seguida murros em várias partes do corpo, acabando ainda por o agredir com um ferro da sua roulote que aí se encontrava, e que entretanto chegaram pessoas para os separar.

A esposa do assistente, …, referiu ter presenciado os factos em apreço, esclarecendo que foi o arguido quem iniciou a discussão, tendo visto o mesmo empurrar o assistente, dando-lhe ainda murros em diversas partes do corpo, acabando posteriormente por ainda lhe bater com um ferro da sua roulote. Veio a esclarecer que embora permanecesse perto teve de ir buscar o filho, mas foi peremptória em afirmar que viu o arguido empurrar o marido, tendo visionado murros e ainda pancadas com o ferro, na precisa ordem que se referiu.

Esta testemunha prestou um depoimento, no geral, preciso e consistente, com um discurso claro e calmo, sendo que da forma como depôs parecia estar a visionar novamente toda a factualidade. Mereceu, por isso, credibilidade por parte do tribunal, não se descurando, ainda assim, o seu interesse na causa e a sua relação matrimonial com o assistente.

Este, o assistente, foi claro e preciso no relato da ordem dos factos, merecendo credibilidade.

A testemunha … nada viu, apenas tendo ouvido vozes altas.

A testemunha …, ouvido ao abrigo do art. 340.º CPP, por o arguido ter alegado que o mesmo estaria no local e teria visionado os factos, prestou um depoimento evasivo, pouco claro e objectivo, escudando-se de dar pormenores sobre a ordem cronológica da factualidade, suscitando-se sérias duvidas sobre o teor do seu depoimento não merecendo, por isso, credibilidade por banda do Tribunal.

Na verdade esta testemunha confirmou parcialmente a versão do arguido, no sentido de ter sido a esposa deste a dirigir-se à roulote do ofendido, que este empurrou a esposa do arguido, referindo que assistente e arguido se “agarraram”, não tendo especificado ou concretizado como ocorreu tal discussão (aliás todo o seu discurso quanto à agressão foi evasiva e pouco esclarecedora). Referiu que o assistente é que agrediu o arguido por duas vezes com um ferro. Primeiramente afirmou, todavia, que não viu o arguido agarrar o assistente, apenas que se agarraram um ao outro, acabando, mais tarde, no seu depoimento, e em esclarecimentos ao Tribunal, por referir que afinal o arguido é que se agarrou primeiramente ao ofendido, e posteriormente disse não saber em que zonas do corpo de ambos teriam ocorrido as agressões. Referiu expressamente que o arguido primeiramente levantou a esposa do chão e posteriormente é que se teriam agarrado um ao outro.

A testemunha …, esposa do arguido, confirmou ter ido à roulote do ofendido para lhe pagar a referida vassoura quando este a empurrou tendo caído para o chão. Referiu que o ofendido teria consigo nas mãos, um ferro e um outro objecto tipo cabos flexíveis. Referiu que o marido a ia ajudar a levantar quando o ofendido lhe bater, ao arguido com um ferro. Inquirida veio a referir que foi uma senhora que a teria posteriormente ajudado a levantar e não o marido, aqui arguido.

Esta testemunha prestou também um depoimento pouco preciso, com diversas incongruências, no que se refere à ordem dos factos.

Na verdade, conjugando o depoimento da testemunha … e da testemunha …, os seus depoimentos são contraditórios entre si, porquanto o primeiro nada refere sobre um segundo objecto na mão do ofendido, refere que ambos se agarraram e que antes disso o arguido ajudou a esposa a levantar-se do chão e que apenas depois pediu satisfações ao ofendido.

A referida …, contrariamente, referiu que quem a ajudou a levantar foi uma senhora porquanto quando o marido a pretendia ajudar foi agredido pelo ofendido, sendo que, como se frisou, o aludido … veio a confirmar que foi o arguido quem terá agarrado primeiramente o ofendido e não o inverso.

Note-se que esta testemunha referiu que o ofendido teria consigo um objecto em cada mão, mas que ainda assim a empurrou, acabando, de forma hesitante e nervosa, por referir que um dos objectos teria sido deitado para o chão.

Assim e como se aflorou já, estas testemunhas prestaram declarações de forma pouco clara e confusa, não se lembrando de determinados pormenores, referindo pormenores entre si contraditórios, suscitando-se sérias dúvidas ao julgador sobre o seu depoimento, pelo que, por isso, não mereceram credibilidade, não sendo os seus depoimentos valorados.

Por outro lado, como se disse, o depoimento do ofendido/assistente e da sua esposa, como testemunha, mereceram credibilidade, sendo claros e precisos, corroborando a ordem factual das agressões constantes da acusação pública.

De realçar ainda que o ofendido foi sujeito a consulta de urgência no dia em causa nos autos, pelas 2h 50m, ou seja, pouco depois, da hora e local em causa nos autos, sendo que se refere precisamente a existência de escoriações no braço e pernas.

Por outro lado, as lesões que o ofendido apresentava no relatório médico-legal de fls. 15 e ss. são compatíveis com o tipo de agressão a que foi sujeito, em causa nos autos, designadamente por se tratarem de lesões contundentes e, desta forma, compagináveis com o tipo se agressão em apreço – murros e pancadas com objecto (ferro).

Assim, dúvidas não subsistem no sentido de o arguido ter agido da forma descrita supra, desferindo empurrões, murros e pancadas com um ferro no corpo do arguido e que em virtude de tal comportamento o ofendido e assistente sofreu as lesões supra elencadas, tendo as mesmas sido causadas, pois, com as agressões em apreço.

Daí que se dessem como provados os factos vertidos de 1) a 8).

Quanto aos factos atinentes ao pedido cível, atentou-se no depoimento da testemunha T…, esposa do demandante, a qual confirmou que o marido sentiu dores, deixou de trabalhar durante cerca de 15 dias, e que a própria não foi trabalhar para a roulote para cuidar do demandante e por ter receio que ocorressem novas situações de agressão. Referiu que o demandante ficou triste, desanimado e não mais quis ir trabalhar para as feiras com receio, apenas tendo feito uma única feira, onde pensava não encontrar o arguido, dada a distância. Referiu ainda que o filho assistiu à situação.

Atentou-se ainda no depoimento das testemunhas … e …, vizinhos e amigos do demandante, que confirmaram que o mesmo teria feito um grande investimento naquela actividade e teve a roulotte parada durante muito tempo, mostrava-se receoso e preocupado, não fazendo as feiras, com excepção de uma, por se sentir receoso. O mesmo foi confirmado pela esposa.

Daí se consideraram provados os factos vertidos de 14) a 21).

Atentou-se nas declarações do arguido no que se refere às condições sócio-económicas e, bem assim, no CRC constantes dos autos.

Não se logrou provar o efectivo rendimento do arguido, porquanto o mesmo quanto a tal aspecto mostrou-se evasivo, não resultando credível que o mesmo, conjuntamente com a sua esposa, apenas retire mensalmente a quantia de € 500,00.

Assim, fazendo a análise crítica da prova produzida, e de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, resultou a convicção do tribunal expressa na matéria de facto acima exposta.

Não logrou o assistente provar o valor concreto do prejuízo por si sofrido pelos dias que deixou de laborar, referindo no seu pedido a quantia média de € 150,00. Na verdade, as testemunhas inquiridas sobre tal aspecto - … e … - não sabiam em concreto, com conhecimento directo, os valores auferidos em média pelo assistente e demandante na referida actividade. Não foi junto qualquer documento, para prova de tal valor. Ora, era ao demandante que incumbia provar o valor que deixou de auferir, como lucro cessante, pelo facto de ter estado impedido de exercer a sua actividade, pelo que não se deu tal facto como provado, por total ausência de prova.

6. Da nulidade da sentença:

Apelando ao disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 378.º do CPP (no contexto da motivação e das respectivas conclusões, só faz sentido que o recorrente se queira referir ao artigo 374.º do mesmo diploma), veio este arguir a nulidade da sentença recorrida.

Invoca, para tanto, a ambiguidade e contradição da decisão condenatória da sentença recorrida.

Mas sem nenhuma razão.

O dispositivo da sentença é afirmado, na vertente que importa ter em conta, pela decisão condenatória ou absolutória [cfr. art. 374.º, n.º 3, al. a) do CPP].

No vertente caso, a decisão proferida pelo tribunal a quo é clara e inequívoca no sentido da condenação do arguido, sucedendo tão só que, por manifesto lapso descrita, a acusação foi tida como improcedente, por não provada.

Assim, deve este Tribunal da Relação proceder à correcção da sentença, no segmento que revela o referido lapso, nos termos do disposto no artigo 380.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do CPP.
7. Dos alegados erros de julgamento em matéria de facto:
Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza/conteúdo das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.

O recorrente põe em causa, de forma manifestamente compreensiva, os pontos de facto constantes dos n.ºs 2 a 8 da factualidade provada, com especial incidência nos elementos de facto donde decorre a prática por si do crime de ofensa à integridade física simples que lhe está imputado e pelo qual foi condenado em 1.ª instância, sufragando que a prova documental que refere não sustenta esses mesmos factos.
Passando à análise da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, confrontamo-nos com duas posições completamente distintas e, no essencial, antagónicas, do arguido, da sua mulher (a testemunha …) e da testemunha …, de um lado, e do assistente da mulher deste (a testemunha …), de outro.

O arguido negou peremptoriamente a prática dos factos que lhe estão imputados, supra descritos, como se pode ver das declarações que prestou na sessão de julgamento do dia 9 de Junho de 2008.

Eis as passagens mais significativas de mesmo:

Na sequência da pretensão evidenciada pelo assistente para que procedesse ao pagamento de uma vassoura, «aquele chamou-me “cigano”, “caloteiro”, “filho da puta”».

(…)

«Nisto a minha esposa vai levar 5 € ao Sr. P…. Ele apanha os 5 € e empurra a minha mulher (…) que cai ao chão. (…) Eu vou em auxílio da minha esposa e ele dá-me uma chicotada. Eu fui obrigado a defender-me, mandei-lhe um empurrão (…), ele tropeça na lança e cai (…). Os dois indivíduos que vinham comigo puxaram-me (…) para ele não me dar outra vez com o ferro (…). Eu nunca lhe bati com o ferro. (…) Ele é que me agrediu a mim e não eu a ele (…). Dei-lhe um empurrão para defender a minha esposa».

Por sua vez, a testemunha … prestou, no essencial, depoimento deste teor (cfr. gravação no sistema habilus – sessão do dia 2 de Julho de 2007):

«Fui em direcção ao Sr. com € 5 na mão para lhe pagar a vassoura (…). Vejo-o com um ferro num mão e o jeito de uns cabos na outra.

Ele começou a dizer que nós éramos uns caloteiros (…) e que o meu marido era um “filho da puta” (…).

Eu disse-lhe: “Não é preciso chegar a tanto por causa de um pau de vassoura, faça o troco ou fique com o dinheiro e vai cada um à sua vida.

(…) Quando eu lhe digo isto, o Sr. dá-me um empurrão (…) eu caí (…). Quando o meu marido me viu no chão, veio para me ajudar a levantar (…). Este Sr. dá-lhe com o cabo nas costas, o meu marido virou-se e deu-lhe um empurrão para se defender. (…) O Sr. caiu para trás.

(…)

Se o meu marido não reage, ele se calhar dava-lhe com o ferro, dava-lhe com o que ele queria».

Por seu turno, a testemunha …, de relevante, declarou o seguinte:

«Assisti a “um jogo de palavras” (entre o assistente e o arguido) a propósito de um objecto que mais tarde vim a saber tratar-se de uma vassoura.

Vi a mulher do Sr. N… ir lá para pagar esse objecto e vi o assistente a empurrar a mulher, a qual caiu (…). O outro Sr. tinha um objecto na mão, não sei bem o que era, se era um ferro (…).

Eles pegaram-se. Vi o N… levar com o ferro.

(…) Primeiramente o assistente deu com o ferro no Sr. N…. Depois é que se agarraram e caíram ao chão».

Em contrário, o assistente descreveu o incidente nos seguintes termos:

«Quando eu peço a vassoura (…) ele (o arguido) disse que tinha partido» o referido objecto.

«Perguntei-lhe se a pagava»; ele disse que não, «que não tinha nada a ver com isso».

«Ele veio ter comigo» a exclamar «se sabia com quem se estava a meter, para ter cuidado», e depois começou aos encontrões e aos murros».

(…)

Eu tinha um ferro na mão porque estava a atrelar a roulote (…). O Sr. N… pegou no ferro e bateu-me com ele».

Quando começou aos encontrões, eu caio (…). Então o Sr. N… pegou no ferro e bateu-me com ele nas pernas.

Depois daquilo, levantei-me (…). Estamos agarrados um ao outro quando nos separaram.

Conforme ele me empurrou (…) tropecei logo num encaixe da roulote (…). Conforme ele me empurrou, caí logo (…). Depois há um ferro que cai no chão, ele apanha o ferro e bate-me com ele nas pernas». Em seguida, «consegui levantar-me (…) e ele veio novamente contra mim aos murros (…). Antes, foi só um empurrão. Depois de se levantar é que me deu os murros. Deu-me na cara, por onde me apanhava (…), na barriga.

Bateu-me só uma vez com o ferro na perna.

Numa altura, eu também lhe dei murros na barriga. O N… estava agarrado ao meu cabelo».

Versão esta que, nos aspectos essenciais, é confirmada pelo testemunho de …, como se pode ver das passagens infra referidas e/ou transcritas:

O arguido «disse que não pagava a vassoura e começou a empurrar o meu marido». Depois começou a agarrá-lo e a ofendê-lo. Começou aos murros ao seu marido. Vários murros, na face, num braço.

Nós tínhamos um ferro de levantar e baixar a roulote (…). O Sr. N… pegou nesse ferro e começou a bater no meu marido» com esse objecto. «Bateu com o ferro várias vezes. O ferro estava no chão. Agarrou o ferro e deu uma pancada.

Pensa que o seu marido caiu no chão com um empurrão (…). Que ele caiu no chão tem a certeza. Caiu de costas. Depois ele defendeu-se.

As pancadas com o ferro foram nos braços (…) e nos ombros. Ele ficou ferido na perna.

(…)

O Sr. N… agarrou o ferro do chão. Foi a ideia com que fiquei (…). Tanta azáfama, tinha o meu filho ao colo, a chorar, não reparei em pormenores.

Eu vi empurrar para o chão e vi o assistente levar com um ferro.

Os murros foram desferidos antes de o meu marido cair.

Que eu vi bater com o ferro vi».

Aos motivos de convicção expressos pelo julgador de 1.ª instância, contrapõe o recorrente que os depoimentos do assistente e da testemunha T… são inconsistentes e contraditórios, não merecendo, em consequência, o grau de credibilidade e verosimilhança que o tribunal a quo lhe atribuiu.

Escalpelando os apontados pontos de contradição, registe-se que, não obstante as hesitações da testemunha … no que diz respeito ao número de pancadas desferidas com o ferro, foi a mesma peremptória quanto ao facto de ter visto o arguido a agredir o assistente com o dito objecto.

No que concerne à invocada contradição entre os depoimentos do assistente e da testemunha, reportada ao local onde se encontrava o ferro utilizado pelo arguido, manifestamente ela não se verifica.

«Depois há um ferro que cai ao chão. Ele (arguido) apanha-o e bate-me com ele nas pernas», referiu o assistente.

«O Sr. N… agarrou o ferro do chão», foi dito pela testemunha T…

Na descrição da sequência das agressões, o assistente e a mesma testemunha não tiveram, é certo, posições inteiramente coincidentes. Todavia, também é inquestionável que existe absoluta convergência nas declarações de ambos, quando reportadas ao núcleo essencial, ou seja, às concretas agressões de que o primeiro foi alvo, perpetradas pelo arguido.

O tribunal a quo, apreciando a globalidade da prova produzida em julgamento, segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, nos termos do artigo 127.º do CPP, perante duas versões contraditórias, conferiu credibilidade ao depoimento da assistente e da testemunha …, em detrimento das declarações do arguido, da testemunha … e …, fundamentando a sua opção valorativa com a explicitação objectiva e motivada do processo de formação da sua convicção.

E, ciente dos riscos de falibilidade da prova oralmente prestada, usou de prudência e de rigor na sua produção e análise.

Ora, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia, como no caso em apreciação, numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade [[i]], o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende as regras da experiência comum.

A prova documentada deverá ser avaliada, é certo, com autonomia. Porém, a menos que o contrário resulte inequivocamente da documentação, o Tribunal da Relação não pode deixar de estar vinculado à situação de privilégio conferido pelos princípios da imediação e da oralidade de que desfrutam os julgadores de 1.ª instância.

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não tem, assim, a virtualidade de abalar o princípio da livre apreciação da prova que está conferido ao julgador de 1.ª instância, podendo o tribunal ad quem, na reapreciação da prova oralmente produzida em audiência de julgamento, modificá-la na justa medida em que a decisão não colhe qualquer apoio nos elementos de prova que o processo comporte.

Na situação dos autos, o tribunal a quo objectivou e motivou o seu convencimento da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável (a processualmente válida), através de uma via suficientemente racionalizável, em que assumiu compreensível relevo a fundamentação de facto que se transcreveu, onde é perfeitamente perceptível o raciocínio lógico-dedutivo seguido e as razões de credibilidade (ou de falta dela) que mereceram as declarações/depoimentos supra assinalados, prestados em audiência de julgamento, corroborados perifericamente pelos documentos de fls. 14/16 e 42 dos autos, os quais põem em evidência que o assistente foi assistido, logo após a ocorrência dos factos (dia 25-09-2007, pelas 2:50 horas), no Hospital Distrital de Pombal, apresentando as lesões descritas no ponto 4 da matéria de facto provada.
Se assim é quanto à ofensa física e lesões desta decorrentes, fazendo apelo ao razoável entendimento das regras de vida, são manifestamente compreensíveis laços de continuidade lógica que permitem formular um juízo de inferência sobre o processo psíquico revelador dos elementos (intelectual e volitivo) do dolo e da consciência que o arguido tinha da ilicitude da sua conduta.

Como assim, relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, o acervo factológico provado não justifica a formulação de juízo valorativo diferente do assumido pelo tribunal a quo.

8. Quanto à invocada violação do princípio in dubio pro reo, não existe o mínimo indício de o tribunal a quo ter ficado na dúvida em relação aos pontos de facto postos em destaque pelo recorrente, reapreciados por este tribunal ad quem nos termos supra indicados.

Como assim, mostrando-se o tribunal a quo convicto da prova dos factos que deu como provados, não poderia aplicar o referido princípio.

9. Da legítima defesa e excesso de legítima defesa:
Diz-nos o art. 32.º do Código Penal:

«Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro».

E o art. 33.º do mesmo diploma:

«1. Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada.

2. O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis».

São por demais conhecidos os requisitos da mencionada figura, que assim se podem consubstanciar:

a) Uma agressão actual ou iminente;

b) Que a agressão seja ilícita, não motivada por provocação do defendente;

c) A existência do animus defendendi;

d) Impossibilidade de recurso à força pública; e

e) A necessidade racional do meio empregado.

Por seu lado, há excesso de legítima defesa quando, pressuposta uma situação de legítima defesa, se utiliza um meio desnecessário para impedir ou repelir a agressão.

Em face da matéria de facto provada, de imediato se intui que os requisitos enunciados supra não se mostram preenchidos, já que tão pouco está demonstrada a existência de uma “agressão actual ou iminente” por parte do assistente relativamente ao arguido.

10. Da medida da pena:
Inexistindo excesso de legítima defesa fica arredada, por esta via, a atenuação especial da pena que o recorrente reclama.
Todavia, em qualquer caso, tendo presente o disposto no artigo 72.º do Código Penal, não se justifica de todo em todo a dita atenuação porquanto, do acervo factológico provado não sobressaem elementos que, pelo seu carácter excepcional, minorem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do arguido ou a necessidade da pena, em termos tais que se revele inadequada a pena concreta dentro da moldura normal do crime de ofensa á integridade física simples.

Preceitua o art. 40.º, do Código Penal, que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» (n.º 2).

O art. 71.º do mesmo diploma, estipula, por outro lado, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» (n.º1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2, do mesmo dispositivo).

Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

 O princípio da culpa tem a consideração do pensamento rector da justiça penal: a pena criminal só pode basear-se na constatação de que cabe reprovar ao agente a formação de vontade conducente à decisão de facto e tão pouco pode superar a que o autor mereça segunda a sua culpabilidade.

O limite mínimo da pena é dado pelo quantum que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro dos dois referidos limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Nos termos do art. 47.º do CP «A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360» (n.º 1); «Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais» (n.º 2).

A pena de multa deve representar para o delinquente um sofrimento análogo ao de uma prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas (...). Portanto, a pena de multa deve corresponder sempre, de acordo com as condições sócio-económicas e financeiras do condenado, a uma privação que, não sendo de liberdade, ele sinta como verdadeira.
Não é despiciendo o grau de ilicitude com que o arguido agiu, tendo essencialmente em conta as lesões provocadas no ofendido e as consequências delas resultantes.
Acresce o modo de execução do crime, com a utilização de objecto particularmente idóneo a causar lesões de alguma/muita gravidade.
O dolo revela-se na sua modalidade mais intensa: directo.
Ao nível do comportamento anterior do arguido, ele é pautado por três condenações, uma delas pela prática de um crime de ofensa à integridade física do artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
Ao nível das circunstâncias atenuativas, elas são de escassa relevância, avultando tão só o exercício por parte do arguido de uma actividade profissional (feirante, por conta própria), na qual, conjuntamente com a sua esposa, aufere quantia não concretamente apurada.
Tem 3 filhos menores, de 7 e 5 anos e 8 meses de idade. Pela creche de um deles, paga a quantia mensal de € 50,00. Não tem encargos com a casa de habitação.
Da análise complexiva de todos os elementos considerados, e não olvidando as necessidades de prevenção geral que o caso concreto evidencia, afigura-se-nos criteriosamente fixado quer o tempo da  pena de multa (200 dias) quer o seu quantitativo diário.
11. Da responsabilidade pelas custas:
Face à total improcedência do recurso, ao arguido incumbe o pagamento de custas, ao abrigo do disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais.
Tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do arguido, fixa-se a taxa de justiça em 5 UC.
III. Dispositivo:
Posto o que precede, decide-se:
1. Proceder à correcção da sentença de 1.ª instância nos seguintes termos: no dispositivo, onde consta “Pelo exposto, julgo a acusação improcedente, por não provada (…)” passará a constar: “Pelo exposto, julgo a acusação procedente, por provada (…)”;
2. Rejeitar o recurso no que tange ao pedido de indemnização civil, dada a sua inadmissibilidade;
3. Na parte estritamente penal, negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.


[i] A gravação dos depoimentos por registo áudio não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado pelo tribunal a quo. Além disso, a mera audição dos registos gravados impede o confronto dos depoentes com pedidos de esclarecimento sobre determinadas afirmações que são percepcionadas com uma efectiva mediação da prova. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância. Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção. Com efeito, o sistema não garante de forma perfeita quanto a que é possível na 1.º instância, a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada afirmação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo (Juiz Desembargador António Geraldes, Impugnação da matéria de facto e poder-dever da Relação em recurso versando matéria de facto, Julgar, n.º 4, pág. 74).