Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/07.4TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PENSÃO
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 09/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 249º DO CÓDIGO DO TRABALHO E 26º, NºS 2, 3 E 4 DA LAT (LEI Nº 100/97, DE 13/09)
Sumário: I – As pensões por incapacidade permanente parcial são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.

II - A retribuição anual corresponde ao produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de natal e de férias e de outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.

III – Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

IV – Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, nesta se incluindo a retribuição-base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se constituir retribuição, até prova em contrário, toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

V – As ajudas de custo não podem ser consideradas no cálculo de uma pensão emergente de acidente de trabalho se não assumirem a natureza de prestações de carácter retributivo.

Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:
I –
1.
Terminada, sem êxito, a fase conciliatória do processo, veio A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandar as RR. Companhia de Seguros «B...», com sede em Lisboa, e «C...», com sede em Matosinhos, pedindo, a final, a sua condenação no pagamento das quantias discriminadas, devidas a título de diferença de indemnização por incapacidades temporárias, despesas de transportes e capital de remição, tudo conforme fls. 78-79.
Pretextou em síntese útil que foi vítima de um acidente quando trabalhava por conta e sob a autoridade da co-R. patronal, como motorista de transportes rodoviários internacionais.
Sofreu as lesões descritas no processo, que lhe determinaram uma IPP com a desvalorização de 3%.
A sua retribuição anual auferida foi de 23.827,76 €, apenas parcialmente transferida para a co-R. Seguradora.

2.
Regularmente citadas, ambas as rés contestaram, em tempo útil.
A ré “Companhia de Seguros B...”, aceitando a existência do acidente de trabalho, as lesões sofridas pelo sinistrado, o nexo de causalidade entre estas e o acidente, e a sua responsabilidade derivada do contrato de seguro que firmou com a co-ré, recusa dever qualquer quantia ao autor, para além das despesas que aceitou pagar, por entender que o mesmo ficou curado sem desvalorização funcional. Peticiona esta ré a improcedência parcial da acção.
Por seu turno, a ré “C...” impugna parte da factualidade alegada pelo autor, recusando qualquer responsabilidade pela reparação devida ao autor, sustentando que transferiu integralmente para seguradora a sua responsabilidade pela ocorrência de sinistros laborais, uma vez que as prestações devidas ao autor não podem ser calculadas de acordo com os valores retributivos por ele invocados.
Na verdade, a ré nega carácter retributivo às verbas pagas a título de “ajuda de custo serviço internacional/subsídio TIR” e às quantias pagas por quilómetro.
Pretende, assim, esta ré a sua absolvição do pedido.

Não foi apresentada qualquer resposta.

3.
Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com condenação das co-RR. No pagamento das importâncias discriminadas no dispositivo, a fls. 208, para onde se remete.

4.
Inconformada, apelou a co-R. patronal.
Alegando, concluiu:
[…]
Deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão em crise, retirando-se do elenco da matéria os factos alinhados nos pontos 2.5, 2.6 e 2.7, ordenando-se o prosseguimento do processo com fixação da matéria de facto assente e Base Instrutória e ulteriores termos até julgamento.
No que respeita às ajudas de custo, a acção deverá ser julgada improcedente, por não provada, ou, quando assim se não entenda, deve a acção seguir também para julgamento.

5.
Respondeu o A., pelo M.º P.º, concluindo que ante a consideração dos elementos fornecidos pela acção e o elenco da matéria de facto, que não merece qualquer reparo, deve a retribuição do A. ser havida como constituída por todas as prestações referidas.
Por isso, o recurso não merece provimento, esperando-se a confirmação da sentença.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre conhecer.
___

II –

A – DE FACTO.
Vem seleccionada a seguinte materialidade, com base na adiantada fundamentação:
‘Encontram-se provados os seguintes factos, decorrentes do acordo das partes obtido nos articulados, dos documentos juntos aos autos, e ainda da posição assumida pelas partes na tentativa de conciliação (sendo de sublinhar que nessa diligência a ré “C...” aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente, e o salário transferido – retribuição base, remuneração da cláusula 74ª do CCT, e diuturnidades, pelo que a sua posterior impugnação de tais factos não assume qualquer efeito – art. 112º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho’):

2.1. No dia 7 de Dezembro de 2006, pelas 12 horas, em Euskirchen, na Alemanha, o autor A... foi vítima de um acidente de trabalho, sofrendo um traumatismo na perna direita causado pela porta do reboque do veículo, seguido de queda sobre o ombro, quando se encontrava a prestar a sua actividade de motorista de transportes internacionais rodoviários de mercadorias sob as ordens, direcção e fiscalização da ré “C...”;
2.2. Em consequência do referido no ponto anterior, o autor sofreu fractura dos pratos tibiais da perna direita, de que resultou dor e limitação dos movimentos do joelho
2.3. O autor sofreu de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) durante 64 dias, e de incapacidade temporária parcial (I.T.P.) de 30% durante 21 dias;
2.4. O autor ficou clinicamente curado a partir do dia 3 de Março de 2007, afectado por uma incapacidade permanente parcial (I.P.P.) de 2%;
2.5. No dia referido no ponto 2.1., a ré “C...” pagava ao autor a retribuição mensal composta por € 519,65 (retribuição base), € 41,13 (diuturnidades), € 112,18 (Aj. Custo Serv. Inter./subsídio TIR), e € 315,43 (trabalho extra TIR/cláusula 74ª do CCT);
2.6. Além das quantias referidas no ponto anterior, a ré “C...” pagava ao autor quantias que variavam em função do número de quilómetros percorridos ao seu serviço em cada viagem, calculadas ao valor de € 0,06 por quilómetro;
2.7. No período de 12 meses que antecedeu a data referida no ponto 2.1., a ré “C...” pagou ao autor a quantia global de € 9.990,30, correspondente a 166.505 quilómetros percorridos ao seu serviço;
2.8. A ré “C...” celebrou um acordo de seguro de acidentes de trabalho com a ré “Companhia de Seguros B...”, titulado pela apólice nº 1200713722, cuja cópia se encontra junta a fls. 15, abrangendo o autor pela retribuição anual de € 11.636,08 (correspondente a € 519,65 x 14 meses + € 41,13 x 14 meses + € 315,43 x 12 meses);
2.9. O autor já recebeu da ré “Companhia de Seguros B...” a quantia global de € 1.579,12, a título de indemnização por incapacidade temporária;
2.10. A ré “Companhia de Seguros B...” aceita pagar ao autor a quantia de € 20, a título de compensação de despesas.
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B – CONHECENDO.
Reportando-nos à síntese conclusiva – por onde se afere e delimita, como é sabido, o objecto e âmbito do recurso, por via de regra, excluídas as questões de conhecimento oficioso – constatamos que são basicamente dois os problemas que nos vêm colocados e que se analisam afinal na qualificação jurídica de certas (identificadas) prestações pecuniárias pagas ao A./sinistrado como constitutivas, ou não, da retribuição para efeitos infortunísticos.
Falamos das (…assim chamadas) ‘ajuda de custo de serviço internacional’ e das ‘quantias computadas com base nos quilómetros’.

Mostrando-se bem percepcionada e dilucidada, na decisão em crise, a noção legal de ‘retribuição’ relevante (mais abrangente na previsão da LAT, com os contornos definidos no seu art. 26.º, do que no art. 249.º do Código do Trabalho), vejamos então da pretensa bondade dos argumentos aduzidos na reacção da Recorrente patronal.
Antes porém:
Adianta a Apelante que – contrariamente ao referido na fundamentação da sentença sob protesto – a posição por si assumida na contestação coincide com a que tomou na tentativa de conciliação, não sendo assim certo que se diga que então reconheceu factos que posteriormente veio impugnar.
Já veremos se assim é.
Discordando do decidido relativamente à integração, no cômputo retributivo, das prestações acima identificadas, conclui a impetrante, em conformidade, que foram dados como provados factos que como tal não deveriam ter sido considerados.
São eles os items 2.5, 2.6 e 2.7.
Embora este ponto não integre propriamente o ‘thema decidendum’ (não consta, como tal, do elenco das questões levadas à síntese conclusiva), sempre diremos que se nos afigura que lhe assiste parcialmente razão.
Consignou-se efectivamente no primeiro (2.5) que, à data do acidente sujeito, a R. patronal pagava ao A. a retribuição mensal composta por uma retribuição-base, diuturnidades, ajuda de custo serviço internacional/subsídio TIR e trabalho extra TIR/cl.ª 74.ª do CCT.
E, mais, (pontos 2.6 e 2.7), que, além dessas importâncias, a R. patronal pagava ainda ao A. quantias que variavam em função do número de quilómetros percorridos ao seu serviço em cada viagem, calculadas pelo valor de € 0,06/km, sendo que no período de 12 meses que antecedeu a data do acidente, aquela pagou ao A. a quantia global de € 9.990,30, correspondente a 166.505 kms. percorridos ao seu serviço.

(Afinal, como se concede – a R. reconhece-o a fls.219, no ponto 6 da sua motivação – tais valores até foram realmente pagos…
…Todavia não como ‘retribuição’!
E será por isso, como propugna, que a causa deveria prosseguir para que se discuta a matéria controvertida constante dos artigos 9.º a 16.º da P.I. e 24.º a 63.º da contestação).

Como conferimos, aceita-se ser tecnicamente menos rigorosa, no contexto, (…e por isso perfectível) a locução usada no ponto 2.5 (´retribuição mensal’), já que o que está em causa é precisamente a qualificação jurídica das identificadas prestações pecuniárias pagas ao trabalhador …sem embargo de se reconhecer que a expressão é amiúde usada na sua ambivalência, (umas vezes para significar a remuneração global, enquanto soma das várias prestações percebidas, independentemente da sua proveniência ou destino; outras, mais precisamente, para representar a contrapartida sinalagmática acordada como pagamento da actividade contratada), uso esse, equívoco, que a própria R. também fez aliás – cfr. fls. 57.
Saber, por exemplo, se a prestação relativa a ‘ajuda de custo serviço internacional/subsídio TIR’, no montante de € 112,18, constitui ‘retribuição’ para efeitos do cômputo da reparação infortunística devida (art. 26.º/3 da LAT) é questão (de Direito) que se pretende dirimir, pelo que apelidá-la, em sede de facto, como retribuição mensal, sem outra explicitação, torna a tarefa hermenêutica mais embaraçosa …não podendo deixar de conferir-se à locução usada, naquela circunstância, o sentido vulgar da referida primeira acepção, de remuneração, entendida enquanto pagamento global das diversas prestações pecuniárias.

Isto posto, importará averiguar – depois da explicitação intercalar seguinte sobre a natureza e requisitos das prestações relevantes, a que alude a segunda parte do n.º3 do art. 26.º da LAT – se é ou não pertinente a alegação de que os identificados pontos constituem matéria de facto controvertida, já que a R. aceitou ter realmente pago tais variáveis, maxime as referidas no teor do 2.6, como expressamente assumiu nos artigos 40.º-41.º da sua defesa/contestação.

A questão decidenda é apenas a de saber – como se enunciou e repete – se as identificadas componentes pecuniárias assumem natureza retributiva, se são ou não computáveis para o efeito, à luz da noção plasmada no art. 26.º, n.ºs 2, 3 e 4 da LAT.
Nos seus precisos termos, as pensões por incapacidade permanente parcial serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado, (a retribuição anual corresponde ao produto de 12 vezes a retribuição mensal, acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade), entendendo-se por retribuição mensal tudo o que a Lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios’.

Como se vê, ao referir que deve entender-se por retribuição tudo o que a Lei considere como seu elemento integrante, o Legislador infortunístico remete-nos necessariamente para o critério geral ora constante do art. 249.º do Código do Trabalho (antes art. 82.º e ss. da LCT).
E, assim, só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, nesta se incluindo a retribuição-base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo-se constituir retribuição, até prova em contrário, toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
A retribuição é, pois, constituída por um conjunto de valores a que o trabalhador tem direito, por via contratual e/ou normativa, deles se excluindo as meras liberalidades.
Deste modo, se a importância recebida pelo trabalhador respeitar, v.g., a uma compensação ou reembolso pelas despesas a que foi obrigado por força das circunstâncias em que prestou a sua actividade (deslocações ao serviço do empregador, ‘inter alia’), não existirá qualquer correspectividade com a sua prestação funcional, ficando tal valor fora do cômputo da retribuição.
(Não se consideram retribuição as gratificações nem as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador – arts. 260.º e 261.º do Código do Trabalho).

Além disso, valem também como retribuição, neste âmbito da LAT, como se disse, todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
É aqui que entroncam as dificuldades da questão que se nos coloca, concretamente no que tange à segunda componente, ou seja, à quantia paga em função dos quilómetros percorridos em cada viagem, calculados à razão de € 0,06/km.
E isto porque, como nos parece, não se sabe imediatamente o que a R. pagava com estes valores.
(Ou saberá, como se considerou na decisão em crise?).
Com efeito:
Como era já pacificamente entendido na Jurisprudência tirada ao tempo da anterior LAT, a Lei n.º 2.127, de 3.8.1965 (cfr., ‘inter alia’, o Ac. do STJ de 8 de Março de 1995, in BMJ n.º 445/371), não cabiam na noção infortunística alargada de retribuição, prevista no n.º2 da Base XXIII, todas e quaisquer prestações, ainda que revestissem carácter de regularidade.
Já então se considerava que nela somente se integravam as atribuições patrimoniais que constituíssem para o trabalhador uma vantagem económica, um ganho efectivo, directamente decorrente da sua actividade laborativa, excluindo assim da retribuição os montantes pagos a título de ajudas de custo, uma vez que tais quantias não visavam pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade do trabalhador.
Terá sido certamente nessa sequência que o legislador infortunístico actual teve a preocupação de acrescentar, na previsão homóloga do n.º3 do falado art. 26.º, um último segmento: …todas as prestações que revistam carácter de regularidade…e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.

E, interpretando justamente tal precisão normativa, o S.T.J. vem proclamando (v.g. no Ac. de 2 de Dezembro de 2004, in CJ/STJ, Tomo III, pg. 286) que as ‘ajudas de custo’ não podem ser consideradas no cálculo de uma pensão emergente de acidente de trabalho se não assumirem a natureza de prestações de carácter retributivo.

Mas estaremos, in casu’, perante verdadeiras ‘ajudas de custo’?
Creditadas embora regularmente/mensalmente, as quantias pagas ao quilómetro (€0,06 x o número de kms. percorridos) destinavam-se a compensar o sinistrado por custos aleatórios?

Sabe-se apenas que tais quantias, variáveis em função dos quilómetros percorridos, se cifraram, nos últimos 12 meses anteriores à data do sinistro, no valor de € 9.990,30.
Reconhecendo embora que ficam excluídas da noção de retribuição relevante as prestações que tenham uma causa específica e individualizável diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, a solução escolhida na decisão em crise ateve-se ao elemento ‘regularidade’ ou periodicidade, característica que reconheceu na referida prestação e – mais considerando que a R., independentemente da prova do alegado na contestação (…que tal prestação se destinava a compensar o A. pelo eventual trabalho suplementar que realizasse ao seu serviço e pelas refeições que tivesse de tomar em restaurantes), dispensava a entrega de qualquer factura de refeição, procedendo ao pagamento da referida quantia – concluiu que o pagamento de tais importâncias não estava dependente de qualquer factor ou custo aleatório, sabendo o A. que lhe bastaria percorrer determinado número de kms. no mês ou realizar certo número de viagens para receber a quantia correspondente, pelo que considerou as mesmas como integrantes do conceito de retribuição relevante.

Será esta a solução certa?
Sendo compreensível a lógica e bondade da argumentação que a sustenta, a questão não é de todo precípua e envolve imediatamente algumas dificuldades operatórias.
Se dúvidas não nos suscita a resposta alcançada quanto à natureza retributiva do vulgarmente chamado ‘Prémio TIR’, que a R. apelidava de ‘Aj. Custo Serv. Inter./subsídio TIR’ e que consta do Anexo II do respectivo CCTV impropriamente referido como ‘ajuda de custo’ mensal – já como tal assente/aceite em sede contratual, inclusive com repercussão nos subsídios de férias e de Natal, conforme vem sendo jurisprudencialmente decidido, de modo mais ou menos consensual, nomeadamente neste Tribunal e Secção, (ver, por todos, o Acórdão de 29.3.2001, tirado na Apelação n.º 330/01, publicado no sítio deste Tribunal da Relação de Coimbra), pela singela razão de que se trata de um valor certo, pago mensal e regularmente, sem concreta vocação ou razão de ser, comungando de todos os elementos presuntivos da sua natureza retributiva – solução que ratificamos, analisemos então os contornos da segunda questão, cujo enunciado relembramos:
- As quantias pagas ao A., embora variáveis em função dos quilómetros percorridos ao serviço da R. em cada viagem, calculadas à razão de €0,06/km., destinavam-se a compensar o A./sinistrado por custos aleatórios?
(Aleatório é aquilo que está sujeito a contingências, dependente do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis; …que é casual ou fortuito).
Do elenco da materialidade seleccionada nada consta, realmente, que nos facilite a almejada resposta, para além do teor dos falados pontos 2.6 e 2.7!
Por aí (…apenas com esses elementos) não pode saber-se o que pagavam as quantias assim encontradas, o que dificulta a sua qualificação.
(No desenvolvimento dialéctico da decisão, ao tratar deste ponto, acaba por se adiantar a explicação para a desnecessidade da produção de prova, aí se consignando, ao menos parcialmente, o fundamento de facto em que se estribou a conclusão alcançada – cfr. fls. 206).
Compulsemos os articulados.
Os factos adrede aduzidos são controvertidos?
(A R./apelante adianta que sim).
Ou, conferidos, e confrontando-os, haverá factos bastantes, dos admitidos por acordo e/ou confessados, que nos permitam aceder à resposta que buscamos?
Vamos ver.
Na tentativa de conciliação a co-R. patronal não aceitou as restantes retribuições referidas pelo sinistrado por entender que não fazem parte da…retribuição – sic.
Na P.I. (artigo 9.º a 11.º) o A. alegou que, para além das prestações antes discriminadas, a que acrescia, foi acordado entre si e a Ré patronal o pagamento ao A. de quantias que variavam em função do número de quilómetros que percorria em cada viagem, na sua actividade de motorista de transporte internacional, calculadas ao valor de 0,06€/km.
Tais quantias eram processadas e pagas à margem dos recibos de retribuição, em documento próprio, que a R. titulava como ‘recibos de ajudas de custo’, referentes ao ‘pagamento de custos de viagem’ e ‘ajudas de custo trabalho prestado em dias de descanso semanal e complementar e feriados e refeições em deslocação’ (docs. 1 a 87), discriminando cada um dos pagamentos em rubrica e por verbas distintas.
Na verdade, as quantias correspondentes à primeira das referidas verbas destinavam-se a pagar despesas eventualmente efectuadas pelo A. em viagem, constituindo a segunda retribuição pelo trabalho que o A. lhe prestava e pela sua disponibilidade em prestá-lo em dias de descanso, domingos e feriados.

Mais adiante – depois de discriminar os valores pagos pela R., a tal título, nos 12 meses que antecederam a data do acidente – o A. consignou, no item 16.º do petitório: Tais quantias constituem na verdade, com os demais valores recebidos, a retribuição anual auferida pelo A. na data do acidente, considerando o CCT acima referido, os valores retributivos acordados e o disposto no art. 26.º, n.ºs 3, 4, 5 e 8 da Lei 100/97, de 13/9, no valor global de 23.827,76€’…

Por seu turno, a R., ao contestar, tomou a seguinte posição sobre a matéria assim articulada:
Embora dizendo formalmente ser falso o conteúdo do artigo 9.º – cfr. artigos 20.º e ss. da sua defesa - adiantou que…
‘Tal como os demais motoristas, o A. é encarregado da condução dos veículos com a indicação do respectivo destino e da data limite de chegada, sendo-lhe dada a liberdade de escolher o tempo de partida que mais lhe conviesse.
Desde que naturalmente chegue ao destino na data necessária.
Não tem portanto a R. forma exacta de saber se o A. terá iniciado uma viagem na manhã de um sábado, no fim desse dia ou ainda no dia seguinte.
O mesmo acontece no regresso, se o mesmo ocorrer perto de um fim-de-semana.
Casos em que a R. não tem também meios de saber se o mesmo terá ocorrido entre sexta-feira ou segunda-feira de manhã.
Assim, é impossível o apuramento rigoroso do trabalho suplementar que o A. preste em dias de descanso se, de facto, o prestar.
Para assim não ser, isto é, para que a entidade patronal pudesse controlar os tempos de condução, teria de ocupar vários trabalhadores no trabalho burocrático de verificar os percursos com base nos recibos de abastecimentos de combustível e das portagens, nos casos em que as há.
E, mesmo assim, nunca tal verificação poderia ser feita com rigor.
Por outro lado, nos termos da cl.ª 47.ª do CCT aplicável, quando deslocados no estrangeiro, os motoristas têm direito ao pagamento do que despendessem em alimentação durante as viagens, mediante a apresentação de factura comprovativa da despesa.
A observância estrita de tal disposição inviabilizaria a hipótese de, como é prática, os motoristas prepararem as suas próprias refeições.
E trata-se de prática generalizada.
Aliás os veículos que os motoristas conduzem são equipados com fogão, onde os mesmos aquecem refeições que trazem de casa ou adquiridas confeccionadas, ou ainda preparam refeições com géneros que compram.
Dessa forma poupam algum dinheiro que a entidade patronal sempre tem de despender e que então reverte para o seu bolso.
Por isso – items 39.º a 41.º – A. e R. acordaram que, para pagamento do trabalho suplementar eventualmente prestado em dias de descanso semanal ou feriados ou compensação de folgas eventualmente não gozadas e ainda em substituição do que teria de ser pago por refeições em restaurantes, aquele receberia verbas computadas de outras formas.
É neste âmbito que foi acordada a prestação de 0,06€ (seis cêntimos) por quilómetro.
Este valor e a sua referência ao quilómetro foi a ponderação que as partes entenderam adequada aos fins visados pelo pagamento’.

Ora, perante o articulado (pelo A.) e respectiva posição /impugnação da R., assumida na defesa, é-nos lícito assentar factualmente, para além do que (correctamente) se extractou no ponto 2.6 da fundamentação de facto, na sentença a fls. 201, que:
- A R. não reembolsava ao A. as despesas com alimentação contra a apresentação de factura.
- A e R. acordaram o pagamento de uma quantia, à razão de 0,06€/km., em função dos quilómetros percorridos em cada viagem, nela se incluindo a remuneração do trabalho (ou da disponibilidade para) prestado em dias de descanso, domingos e feriados, bem como despesas com alimentação.

Perante isto, podemos ora concluir, com segurança bastante, que, além do carácter regular do processamento da correspondente quantia/prestação (…cuja variabilidade apenas dependia do maior ou menor número de kms. percorridos), o seu pagamento não se destinava a compensar o trabalhador/sinistrado por custos aleatórios, em sentido próprio.
Ele sabia que, em função dos quilómetros que percorresse, no exercício normal da sua rotinada actividade profissional, tinha o crédito correspondente, quer comprasse os alimentos e os confeccionasse, quer os levasse de casa ou fosse tomar as refeições aos restaurantes.
Ele sabia necessariamente que, gastasse muito, pouco ou nada nas refeições, trabalhasse ou não/muito ou pouco em dias de descanso semanal, feriados ou folgas, teria o crédito certo, resultante dos quilómetros percorridos (…mais ou menos, naturalmente em função das viagens que o empregador lhe destinasse), multiplicados pelo valor acordado, quantia que acrescia às demais prestações remuneratórias mensais.

Em resumo e conclusão:
O pagamento desta quantia não assume, pois, os contornos de uma qualquer ‘ajuda de custo’, antes se perfilando, mais ou menos dissimuladamente, como uma componente de cariz retributivo, a considerar, nos termos médios em que o foi, no cômputo da retribuição anual, em conformidade com a previsão constante do art. 26.º, n.ºs 2 a 5, da LAT.

É por tudo o que se expendeu que não podem acolher-se as razões que enformam as conclusões da motivação do recurso.
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III –

DECISÃO
Em conformidade com a fundamentação exposta, deliberam-se os Juízes que integram esta Secção julgar improcedente a Apelação, confirmando a sentença impugnada.
Custas pela Recorrente.
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Coimbra,