Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2271/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
INQUÉRITO JUDICIAL
Data do Acordão: 12/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1479º DO CPC ; 288º E 292º DO CSC .
Sumário: I – O artº 288º do CSC estabelece um direito mínimo à informação, tendo por principais destinatários pequenos accionistas, permitindo-lhes a consulta de alguma documentação da sociedade .
II – Nas situações em que as informações solicitadas tenham sido recusadas, prevê o artº 292º do CSC o recurso aos tribunais, através da instauração de acção especial em que se formule pedido de inquérito à sociedade, nos termos do artº 1479º do CPC .

III – No sei deste tipo de processos – de jurisdição voluntária - o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo ser proferido um juízo de oportunidade ou conveniência face aos interesses em causa .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A..., B... e C..., intentaram acção especial de inquérito judicial contra D..., E..., F..., G... e H..., tendo alegado, em síntese, serem accionistas da sociedade requerida, terem notificado judicialmente a mesma para lhes prestar determinadas informações inerentes à gestão da sociedade, tendo- -se esta negado a prestá-las, sendo que tais informações seriam necessárias à determinação da responsabilidade da administração daquela quanto à prática de actos de gestão danosa.
Citados os RR., vieram estes contestar, defendendo não terem prestado as informações pedidas uma vez que a tal não estavam vinculados, legal ou contratualmente. Referiram ainda que tais informações poderiam ser utilizadas contra si, dado que os requerentes são sócios da sociedade I..., empresa esta que já foi accionista daquela.
Por despacho de fls.154-159, julgou-se a acção improcedente por se ter entendido não estarem “reunidos todos os pressupostos jusfácticos para que se ordene o inquérito requerido”.
Os requerentes recorreram de tal decisão, sendo que por acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, deu-se provimento ao recurso, revogando-se aquela decisão e determinou-se a apreciação dos “factos articulados, dentro do âmbito do art.º 291.º, n.ºs 1 e 2 do CSC, desenvolvendo-se a actividade processual prevista nos artgs. 292.º do citado diploma e 1479.º e 1480.º do CPC que permita a posterior decisão.”(fls. 190-194).
Na sequência de despacho do Senhor Juiz do Tribunal a quo veio a requerida apresentar diversos documentos.
Notificados de tal junção, vieram os requerentes, em 28/01/2003, solicitar que aquela procedesse à junção de alguns docs. complementares daqueles – docs. que identificassem e quantificassem as denominadas “senhas de combustível” de que os administradores beneficiariam e docs. que estivessem na origem de diversos débitos de accionistas à sociedade – tendo cumprido relativamente aos requeridos o disposto no art.º 229.º-A do CPC.
Em 7/07/2003 foi proferido o despacho recorrido, constante de fls. 351, que é do seguinte teor:
“Face à falta de junção dos elementos por parte dos requeridos e para evitar mais demora no processo, os autos irão prosseguir os seus trâmites normais.
“Constata-se nos autos que, embora por diversas vezes notificado, a sociedade requerida não prestou os esclarecimentos nem apresentou os elementos que deveria apresentar por forma a fornecer as informações pretendidas.
“Tal falta não mereceu qualquer justificação plausível por parte da requerida nomeadamente nos termos do art.º 291.º do C.S.C..
“Dispõe ainda o art.º 292.º do CSC que o accionista que tenha recebido informação incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.
“Dos autos resulta claro que a sociedade não prestou as informações completas como deveria pelo que se impõe determinar a realização de inquérito.
“Pelo exposto, nos termos do disposto no art.º 292.º, n.º 1 do C.S.C. e art.º 1480.º, n.º 1 do C.P.C., determino que se proceda a inquérito à sociedade D.....
“Notifique sendo as partes para, querendo e no prazo de 10 dias, se pronunciarem quanto aos pontos que a diligência deve abranger bem como quanto à nomeação de perito (art.º 1480.º, n.º 2 do C.P.C.).”
Por requerimento dado entrada no Tribunal a quo em 7/07/2003 e junto ao processo a fls. 354, a requerida apresentou a resposta àquele que fora apresentado pelos requerentes em 28/01/2003, tendo referido que nenhum administrador recebia “senhas de combustível”, sendo que quanto às dívidas de accionistas à sociedade, os valores seriam insignificantes e referenciados em escudos e não em euros como os requerentes tinham indicado no seu requerimento.
Notificados do despacho de fls. 351, vieram os requeridos recorrer do mesmo, tendo apresentado as suas alegações de recurso, nas quais exibiram as seguintes conclusões:
1. O inquérito judicial requerido não deveria ter sido deferido.
2. Os requerentes são sócios e gerentes de uma empresa cujo objecto social é concorrencial do da requerida D....
3. O requerente Augusto Fernandes foi até próximo da data do seu pedido administrador, efectivo, da requerida.
4. Tendo sido destituído da Administração com justa causa por actos lesivos à vida societária.
5. Não tendo sequer impugnado essa destituição.
6. As relações entre os requerentes e a requerida e entre os requerentes e os restantes administradores da requerida estão absolutamente deteriorados pelos factos que levaram à destituição do administrador da requerente Augusto Fernandes.
7. Sendo certo que os requerentes sabem muito bem da vida da sociedade, apenas lhes interessando, mormente ao requerente Augusto Fernandes, prejudicar a requerida e os seus administradores, sem razões válidas.
8. Sendo esse apenas o objectivo do pedido de informação.
9. Pelo que a requerida poderá negar as informações solicitadas nos termos do disposto no art.º 291.º, n.º 2 – in fine – do C. Sociedades Comerciais.
10. Acresce que os requerentes, sendo accionistas de D...., são, igualmente, sócios maioritários e gerentes de I..., que é estatutariamente concorrente da requerida.
11. Receando esta, face à situação existente, que a informação fosse usada para fins estranhos à sociedade e em seu prejuízo.
12. Justificando-se também aqui a sua recusa – n.º 4, alínea b) do art.º 291.º citado.
13. Se assim não entendesse, o Meritíssimo Juiz deveria, antes de ordenar o inquérito, indagar da existência dos factos alegados pelos requeridos conducentes à recusa da informação.
14. Mas, tendo sido ordenada, e efectuada, a junção de todos os documentos solicitados, que os próprios requeridos aceitaram, com excepção de dois “itens” (para cuja falta foi dada explicação nos autos) a ser ordenado inquérito este apenas deverá abranger estes pontos.
15. O Meritíssimo Juiz deverá, outrossim, apreciar os alegados factos que obstem à prestação de informação, nos termos do disposto no art.º 291.º, n.ºs 1 e 2 do C. S. Comerciais.

Os requerentes/agravados apresentaram contra-alegações com as seguintes conclusões:
a) O direito à informação dos sócios das sociedades comerciais é elemento essencial ao exercício pleno das suas capacidades como titulares do capital social;
b) A invocação da eventual responsabilidade dos membros do conselho de administração no que concerne a actos de gestão lesivos dos interesses da sociedade é suficiente para justificar o pedido de inquérito judicial a que se referem os artgs. 291.º e 292.º do CSC, cujo conteúdo assim foi violado.

Foram colhidos os vistos legais.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, ex vi do artigo 749º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
É apenas uma a questão suscitada pelos agravantes, a qual prende-se com o facto de, na sua óptica, não poder ser determinada a realização do inquérito, por falta de pressupostos para o efeito, atento o facto de existirem razões alegadas que justificavam a recusa do mesmo

III – FUNDAMENTOS

As questões a decidir são unicamente de direito, sendo que a factualidade que interessa ter em consideração é a que resulta do relatório.
Comecemos por ver o enquadramento legal que norteia o pedido de inquérito judicial previsto nos artgs. 1479.º e seguintes do Cód. Proc. Civil.
Desde logo o art.º 288.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece um direito mínimo à informação, tendo por principais destinatários pequenos accionistas, permitindo- -lhes a consulta de alguma documentação da sociedade:

Artigo 288.º

(Direito mínimo à informação)


1. Qualquer accionista que possua acções correspondentes a, pelo menos, 1 % do capital social pode consultar, desde que alegue motivo justificado, na sede da sociedade:

a) Os relatórios de gestão e os documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos aos três últimos exercícios, incluindo os pareceres do conselho fiscal ou do conselho geral, bem como os relatórios do revisor oficial de contas sujeitos a publicidade, nos termos da lei;

b) As convocatórias, as actas e as listas de presença das reuniões das assembleias gerais e especiais de accionistas e das assembleias de obrigacionistas realizadas nos últimos três anos;

c) Os montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros do órgão de administração e do órgão de fiscalização;

d) Os montantes globais das quantias pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos dez ou aos cinco empregados da sociedade que recebam as remunerações mais elevadas, consoante os efectivos do pessoal excedam ou não o número de 200;

e) O livro de registo de acções.

2. A exactidão dos elementos referidos nas alíneas c) e d) do número anterior deve ser certificada pelo revisor oficial de contas, se o accionista o requerer.

3. A consulta pode ser feita pessoalmente pelo accionista ou por pessoa que possa representá-lo na assembleia geral, sendo-lhe permitido fazer-se assistir de um revisor oficial de contas ou de outro perito, bem como usar da faculdade reconhecida pelo artigo 576.º do Código Civil.

Segue-se-lhe um outro normativo (291.º) que tem como entidades alvo, accionistas com maior peso na sociedade, conferindo-lhes, por isso a possibilidade de receberem por escrito as informações que solicitarem sobre assuntos sociais:


Artigo 291.º

(Direito colectivo à informação)


1. Accionistas cujas acções atinjam 10% do capital social podem solicitar, por escrito, ao conselho de administração ou à direcção que lhes sejam prestadas, também por escrito, informações sobre assuntos sociais.

2. O conselho de administração ou a direcção não pode recusar as informações se no pedido for mencionado que se destinam a apurar responsabilidades de membros daquele órgão, do conselho fiscal ou do conselho geral, a não ser que, pelo seu conteúdo ou outras circunstâncias, seja patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação.

3. Podem ser pedidas informações sobre factos já praticados ou, quando deles possa resultar a responsabilidade referida no n.º 2 deste artigo, de actos cuja prática seja esperada.

4. Fora do caso mencionado no n.º 2, a informação pedida nos termos gerais só pode ser recusada:

a) Quando for de recear que o accionista a utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum accionista;

b) Quando a divulgação, embora sem os fins referidos na alínea anterior, seja susceptível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os accionistas;

c) Quando ocasione violação de segredo imposto por lei.

5. As informações consideram-se recusadas se não forem prestadas nos quinze dias seguintes à recepção do pedido.

6. O accionista que utilize as informações obtidas de modo a causar à sociedade ou a outros accionistas um dano injusto é responsável, nos termos gerais.

7. As informações prestadas, voluntariamente ou por decisão judicial, ficarão à disposição de todos os outros accionistas, na sede da sociedade.

Este último direito à informação, estabelece por um lado uma imposição de informação – nos casos em que se alegue no pedido das mesmas que se destinam a apurar responsabilidades de membros daquele órgão, do conselho fiscal ou do conselho geral (1.ª parte do n.º 2) – e, por outro, consagra excepções a essa obrigação de informar (última parte do n.º 2 e n.º 4).

Nas situações em que as informações solicitadas tenham sido recusadas, prevê o art.º 292.º o recurso aos tribunais através da instauração de acção especial em que se formule pedido de inquérito à sociedade:


Artigo 292.º

(Inquérito judicial)


1. O accionista a quem tenha sido recusada informação pedida ao abrigo dos artigos 288.º e 291.º ou que tenha recebido informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade.

2. O Juiz pode determinar que a informação pedida seja prestada ou pode, conforme o disposto no Código de Processo Civil, ordenar:

a) A destituição de pessoas cuja responsabilidade por actos praticados no exercício de cargos sociais tenha sido apurada;

b) A nomeação de um administrador ou director;

c) A dissolução da sociedade, se forem apurados factos que constituam causa de dissolução, nos termos da lei ou do contrato, e ela tenha sido requerida.

3. Ao administrador ou director nomeados nos termos previstos na alínea anterior compete, conforme for determinado pelo tribunal:

a) Propor e seguir, em nome da sociedade, acções de responsabilidade, baseadas em factos apurados no processo;

b) Assegurar a gestão da sociedade, se, por causa de destituições fundadas na alínea a) do número anterior, for o caso disso;

c) Praticar os actos indispensáveis para reposição da legalidade.

4. No caso previsto na alínea c) do número anterior, o juiz pode suspender os restantes administradores ou directores que se mantenham em funções ou proibi-los de interferir nas tarefas confiadas à pessoa nomeada.

5. As funções do administrador ou director nomeado ao abrigo do disposto no n.º 2, alínea b) terminam:

a) Nos casos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 3, quando, ouvidos os interessados, o juiz considere desnecessária a sua continuação;

b) No caso previsto na alínea b) do n.º 3, quando forem eleitos os novos administradores ou directores.

6. O inquérito pode ser requerido sem precedência de pedido de informações à sociedade se as circunstâncias do caso fizerem presumir que a informação não será prestada ao accionista, nos termos da lei.

Ora, havendo recurso aos tribunais, a acção em causa é a que se encontra prevista nos artgs. 1479.º a 1483.º do Código Processo Civil.
Aí, o interessado que pretenda a realização do inquérito deverá alegar os fundamentos da sua pretensão e indicar desde logo os pontos de facto que pretende averiguar e requererá as providências que repute convenientes (art.º 1479.º, n.º 1).
Haverá lugar à citação da sociedade e dos titulares dos órgãos sociais, nos casos em que a estes sejam imputadas irregularidades no exercício das suas funções, para que contestem (art.º 1479.º, n.º 2).
Por seu turno, o art.º 1480.º, n.º1, confere ao juiz desde logo, independentemente de ter havido ou não contestação, o poder de decidir pela realização, ou não, do inquérito, ou determinar que seja prestada a informação pedida.
Foi no âmbito deste quadro legal que foi proferido o despacho ora recorrido, afigurando-se-nos que nenhum reparo há a fazer a sua prolação.
Com efeito, há desde logo que ter presente que a acção intentada pelos recorrentes resultou de prévios pedidos de informação por eles formulados, de onde se destaca o resultante da notificação judicial avulsa despachada em 29/06/1999 e concretizada em 7/07/1999 (fls. 50 a 53 deste recurso), onde expressamente se referia que os elementos pedidos se destinavam “a aquilatar da eventual responsabilidade dos membros do Conselho de Administração no que concerne a actos de gestão lesivos dos interesses da sociedade.”
Tal pedido teve como resposta por parte da sociedade requerida a carta de fls. 108 (fls. deste recurso), onde se refere que “o Conselho de Administração… continua a considerar que não existe qualquer suporte legal ou contratual que obrigue a Sociedade a fornecer os elementos solicitados, pelo que entendemos que não haverá lugar à sua disponibilização.”
Posteriormente, por carta datada de 31 de Março de 2000 (fls. 130 deste recurso), os requerentes comunicaram à requerida a sua ida à sede daquela para “consulta e recolha de elementos da escrita da sociedade, nos termos dos artgs. 288.º, 289.º e 291.º do Código das Sociedades Comerciais, dado que não nos foi dada informação completa sobre assuntos sociais que por escrito, solicitamos a esse Conselho.
“Considerando os números um a quatro do art.º 291.º do referido Código, informamos que o pedido de informação se destina a apurar responsabilidades desse Conselho de Administração e do cumprimento do seu dever de diligência nos termos do art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais.
“…”
A esta carta respondeu a Sociedade requerida através de missiva endereçada aos requerentes (fls. 133 deste recurso), onde referiu que “A consulta de documentos na sede da sociedade, a que se referem os artgs. 288.º e 289.º do Código das Sociedades Comerciais, não diz respeito aos elementos solicitados na mesma, não se enquadrando em qualquer dos seus números ou alíneas.
“Sendo certo que os pontos 1. e 2. da vossa carta já foram comunicados a V. Exas. Das seguintes formas:
“- Em reunião convocada especificamente pelo Conselho de Administração, para comunicação, em particular, a V. Exas. Da forma e princípios do acordo;
“- Em Assembleia Geral, se 27 de Março de 1999, onde foram discutidos e aprovados os termos do acordo.
“Assim, parece certo que a vossa pretensão se enquadra numa estratégia, mais ampla, de denegrir a imagem desta empresa e da Administração, por parte de V. Exas., pelo que se recusa a informação pedida.
“Acresce que, considerando todo o histórico da actuação de V. Exas., em prejuízo desta Sociedade e seus Administradores, receia a Administração que os mesmos elementos sejam utilizados em prejuízo de D... e seus accionistas.
“…”
Já com a acção proposta em juízo e após notificação à requerida para que a mesma juntasse aos autos as informações pedidas, esta fê-lo, sendo certo porém que na sequência de tal junção os requerentes formularam dois pedidos de esclarecimento complementares (requerimento apresentado em tribunal em 28/01/2003 e nessa data notificado à requerida – fls. 292 a 295 deste recurso), solicitando que a requerida procedesse à junção de docs. que identificassem e quantificassem as denominadas “senhas de combustível” de que os administradores beneficiariam e de docs. que estivessem na origem de diversos débitos de accionistas à sociedade.
Ora, foi perante este quadro factual que o Senhor Juiz, em 7/7/2003 (fls. 33 deste recurso e 351 dos autos principais) proferiu o despacho ora recorrido - pois que o requerimento em que a Sociedade requerida justifica a não apresentação dos docs. complementares foi apresentado em tribunal em 7/7/2003 mas só concluso em data posterior (fls. 296 deste recurso e 354 dos autos principais).
Como referimos supra, afigura-se-nos que nada há a apontar ao despacho recorrido, pois que a conduta reiterada da sociedade requerida foi sempre no sentido de não facultar aos requerentes as informações por eles pedidas, sendo que a primeira recusa que aqui apontámos (a resposta à notificação judicial avulsa de 7/7/1999), face à alegação por parte dos requerentes de que a informação se destinaria a aquilatar da eventual responsabilidade dos membros do Conselho de Administração, não avançou com qualquer justificação no sentido do pedido pelo seu conteúdo ou outras circunstâncias, ser patente não ter por fim essa verificação de eventuais responsabilidades sociais.
Ora, por força do disposto no n.º 2, do art.º 291.º do CSC, só em tal caso seria possível a recusa, sendo que o facto da mesma não ter tido por fundamento o facto que legalmente a permite, torna- -a ilegal, situação que permitiria desde logo que pudesse ser determinado o inquérito.
Porém o Senhor Juiz do Tribunal deu ainda a possibilidade à requerida de apresentar a documentação.
Esta, tendo começado por apresentar variada documentação, perante o pedido de adição de mais alguns documentos complementares (apresentado pelos requerentes em 28/01/2003), esteve cerca de seis meses sem nada dizer, sendo que só em 7/7/2003 o fez (curiosamente na mesma data em que foi proferido o despacho que ordenou o inquérito, mas que não foi alvo de apresentação ao Senhor Juiz nessa data – vd. as folhas onde se encontram inseridos um e outro).
Lembre-se que por força do disposto no art.º 153.º do Cód. Proc. Civil a requerida deveria ter-se pronunciado sobre o requerimento de 28/01/2003, no prazo de dez dias após ter sido dele notificado, considerando-se precludido o direito de o fazer para além desse prazo (art.º 145.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), o que nos leva a concluir que tal apresentação, por extemporânea, não poderia ser considerada validamente.
Toda a conduta dos requeridos dá, quanto a nós, inteira cobertura ao despacho do Senhor Juiz, proferido à luz do disposto no art.º 1480.º, n.º 1, do CPC, preceito este que, como referimos supra, confere ao juiz o poder de decidir pela realização do inquérito, independentemente de ter havido ou não contestação.
O artigo em questão refere que o “… juiz decidirá se há motivos para proceder ao inquérito…”, situação que tem de ser entendida no âmbito da natureza do processo em que nos encontramos – jurisdição voluntária, sendo-lhe por isso aplicável o disposto nos artgs. 1409.º a 1411.º do Cód. Proc. Civil.
Ora, no seio de tais processos, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo ser proferido um juízo de oportunidade ou conveniência face aos interesses em causa.
Como referia o Professor Alberto dos Reis Processos Especiais, Vol. III, pág. 400 “… o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa.”
É por via disso que o tribunal “pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes” Art.º 1409.º, n.º 2, do Cód. Civil.
No caso em apreço, a decisão que determinou o inquérito, valorou todo o comportamento dos requeridos – quer fora do processo, quer no seu seio – e, numa apreciação abrangente de todos os elementos conhecidos (e por nós já focados) encontrou a motivação necessária para a decisão que proferiu.
Não vemos pois qualquer razão para alterar o despacho recorrido.


IV – DECISÃO

Face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em negar provimento ao recurso e, em consequência, em manter a decisão recorrida.

Custas pelos agravantes.

Coimbra,