Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
267/06.0GBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: CRIME DE DANO
BENS COMUNS
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 212º, DO C. PENAL
Sumário: O elemento do tipo do crime de danocoisa alheia” apenas pressupõe que o agente do crime não seja o titular exclusivo do bem danificado, nele cabendo, nomeadamente, as situações de propriedade comum.
Decisão Texto Integral: I – Relatório

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o n.º 267/06.0GBACB, do Tribunal Judicial de Alcobaça, 2º Juízo, submetida a julgamento, foi a arguida MM..., melhor identificada a fls. 502, condenada, pela prática, em autoria material, de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos).

De outro lado, na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante JJ..., foi a arguida/demandada MM... condenada a pagar àquele a quantia que se vier a liquidar em ulterior liquidação, a título de danos não patrimoniais sofridos, até ao montante máximo de 500,00 (quinhentos euros).

Inconformada com esta decisão, a arguida dela interpôs o presente recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
«1. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de dano, p. e
p. pelo artigo 212°, n.°1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de
multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

2. A recorrente foi ainda condenada no pagamento ao demandante da quantia que se vier a liquidar em ulterior liquidação, a título de indemnização pelos danos sofridos, até ao máximo de € 500,00.

3. Através do presente recurso pretende a recorrente impugnar a douta decisão proferida a fls (...) não só quanto à matéria de facto dada como provada, mas também quanto às consequências jurídicas que daí ocorrem, ou seja, a condenação da arguida.

4. Pretende também a recorrente impugnar ainda o montante indemnizatório a que foi condenada a pagar a título de danos patrimoniais, valor cuja quantificação foi relegada para liquidação em execução de sentença.

5. Para fundar a sua convicção o Tribunal atendeu à apreciação conjunta e crítica das declarações da arguida, do assistente, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.

6. Para haver uma condenação em processo penal, a matéria constante da acusação tem de ser provada.

7. No entanto, salvo o devido respeito, a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não foi devidamente ponderada já que o depoimento da arguida não foi devidamente relevado.

8. Devendo assim merecer credibilidade o depoimento da arguida constante nas passagens (4.13 - 07.12), não podendo ser liminarmente desvalorizado.

9. O Tribunal recorrido deu como provados, em sede de sentença, factos que deveria ter dado como não provados;

10. Desta forma, a recorrente entende que os pontos 12, 13 e 14 da matéria de facto provada se encontram incorrectamente julgados, o que resulta do depoimento da arguida, gravado em CD através do sistema integrado de gravação digital disponível no Tribunal "a quo".

11. No entanto, a douta sentença, em prejuízo da recorrente quando tendo em consideração designadamente as passagens transcritas, deveria ter dado como provada esta matéria que foi apurada em audiência de discussão e julgamento o que não foi contrariada.

12. Analisado o depoimento da arguida constata-se que a mesma não tinha conhecimento de que estaria a cometer um crime de dano.

13. A recorrente negou ter conhecimento de que entrar na sua própria casa, o que resulta do depoimento da recorrente gravado em CD, estaria a cumprir um crime.

14. Assim, a recorrente não praticou o crime de dano de que vinha acusada e pelo qual foi condenada.

15. Parece que o Tribunal "a quo", salvo o devido respeito, não ponderou com a devida atenção a prova que foi produzida ao longo das duas sessões de julgamento, fazendo "tábua rasa" da prova produzida, ao dar como provados factos que a ver da recorrente não ficaram suficientemente provados.

16. Devia-se ter tido em conta o n.°2 do artigo 32° da CRP, pois, o arguido presume-se inocente, devendo ser absolvido, o que devia ter acontecido no presente caso.

17. Concluindo, no entender da recorrente os pontos elencados encontram-se incorrectamente julgados, bastando atentar no depoimento transcrito para verificar que estes impõem decisão diversa, pelo que, deverá a recorrente ser absolvida do crime de dano a que foi condenada.

18. Não tendo ficado provado que a arguida sabia e tinha consciência que o seu comportamento era punido por lei e dessa forma não tendo agido com dolo, não pode a mesma ser condenada pelo crime de dano.

19. A arguida agiu convencida de que se trava de um bem comum do casal, atendendo a que à data da prática dos factos a mesma se encontrava casada com o assistente sendo aliás a dita habitação património comum do casal, onde residia.
Previamente, ligou ao seu então advogado aconselhando-se sobre o que era permitido fazer.

20. Não se encontrando preenchidos os elementos típicos do crime de dano, não pode assim a arguida ser merecedora de qualquer juízo de censura jurídico-penal.

21. Relativamente ao pedido de indemnização civil entende a recorrente, na mesma sequência, ser também absolvida do seu pagamento.

22. Não pode considerar-se fundado o pedido de indemnização civil, no sentido dado pelo artigo 377° do Código de Processo Penal, pelo que deverá a arguida ser absolvida do respectivo pedido, isto atendendo a que a arguida agiu em erro sobre a direito de propriedade e a título de negligência.

23. Ainda, quanto ao pedido de indemnização civil, o Tribunal "a quo " relegou para liquidação em execução de sentença a determinação do valor, não podendo no entanto ser superior a € 500,00.

24. Salvo o devido respeito, só podem ser relegados para liquidação em execução de sentença os danos que não sejam quantificáveis numa determinada acção o que não é o caso, porquanto a quantificação poderia ter sido efectuada na presente acção, se outros motivos não houvesse pelo tempo decorrido entre a prática dos factos e a decisão proferida.

25. Assim, decidiu erradamente o Tribunal "a quo", salvo o devido respeito, relegar para execução de sentença os danos cujo apuramento e prova poderia e deveria ter sido efectuada no presente processo.

26. Assim, em conjugação de tudo o que se vem dizendo, a prova produzida impunha decisão diversa da recorrida.

Face ao exposto e ao que resulta dos autos.


DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA CONDENATÓRIA SER DECLARADA NULA, por violação dos preceitos legais invocados e, em consequência, ser o presente recurso julgado procedente, com as legais consequências.




Assim se fará JUSTIÇA!»

O Ministério Público apresentou resposta, conforme se alcança de fls. 579 a 586, concluindo que a sentença não padece de qualquer nulidade, nem dos vícios enumerados no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, devendo ser o recurso rejeitado e mantida a sentença recorrida.

Também o assistente apresentou resposta, conforme fls. 591 a 595, entendendo que deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida

O recurso foi admitido por despacho de fls. 587.

Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, a fls. 603 a 604, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do Código de Processo Penal, apresentou a arguida a resposta de fls. 607 a 611, na qual mantém a posição já assumida nas alegações.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, ao abrigo do disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação
Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as de nulidade da sentença e as previstas no art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – v. ainda, entre outros, o acórdão do STJ de 3.2.99, em BMJ n.º 484, pág. 271; o acórdão do STJ de 25.6.98, em BMJ n.º 478, pág. 242; o acórdão do STJ de 13.5.98, em BMJ n.º477, pág. 263; Simas Santos/Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, pág. 48; Germano Marques da Silva, em “Curso de Processo Penal”, III, pág. 320 e 321.
Constitui princípio geral que as relações conhecem de facto e de direito — v. art.º 428.º do Código de Processo Penal.
Tendo presente as conclusões da recorrente, as questões a apreciar por este Tribunal são as seguintes:
- A impugnação da matéria de facto, considerando a arguida que não devem ser considerados provados os factos constantes dos n.ºs 12, 13 e 14 da matéria de facto provada.
- Entende a recorrente que não devia ser condenada em indemnização civil, porquanto o tribunal a quo decidiu erradamente relegar para execução de sentença os danos cujo apuramento e prova poderia e deveria ter sido efectuada no presente processo.

São os seguintes os factos provados (transcrição):
«Discutida a causa e produzida a prova, com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
1. No dia 30 de Agosto de 2006, cerca das 15h00, a arguida deslocou-se ao imóvel composto de casa de habitação, correspondente à fracção D do prédio urbano sito na Rua …, que, na ocasião, constituía a habitação do assistente e dos seus dois filhos.
2. A arguida já não habitava tal imóvel desde Junho de 2006.
3. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1., e fazendo uso de ferramenta vulgarmente designada de “pé de cabra” e por modo não concretamente apurado, a arguida forçou e arrombou as três fechaduras da porta de entrada traseira da habitação, que dava acesso à cozinha no rés-do-chão, logrando, assim, entrar no interior daquela residência.
4. Em consequência da actuação da arguida as fechaduras ficaram totalmente inutilizadas.
5. Também a porta ficou inutilizável para o fim a que se destinava, designadamente, vedar a habitação.
6. De seguida, a arguida deslocou-se ao escritório da habitação descrita em 1..
7. Aí, e como a porta do escritório se encontrava fechada, a arguida, e fazendo uso de ferramenta vulgarmente designada de “pé de cabra” e por método não concretamente apurado, forçou a fechadura da porta, logrando, assim, abrir a mesma.
8. Em consequência de tal actuação, a fechadura ficou inutilizada, o aro da porta partido e a porta empenada.
9. De seguida, a arguida subiu ao 1.º andar da habitação e deslocou-se ao quarto que constituía o quarto de dormir do assistente.
10. Como a porta se encontrava fechada, a arguida, e fazendo uso de ferramenta vulgarmente designada de “pé de cabra” por método que não se logrou apurar, a arguida forçou a fechadura, logrando, assim, abrir a porta.
11. Em consequência de tal actuação, a fechadura ficou inutilizada, o aro da porta ficou partido e a porta empenada.
12. A arguida ao agir da forma descrita agiu com o propósito de danificar e inutilizar as fechaduras e as portas que se deixaram descritas em 3., 7. e 10..
13. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente.
14. Sabia ainda a arguida que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.
Mais se provou que
15. A arguida sabia que as fechaduras e portas referidas em 3., 7. e 10. faziam parte integrante da habitação que, há data dos factos, ainda constituía o “património comum do casal”.
16. Arguida e assistente, no dia 10 de Outubro de 1998, contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial.
17. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. arguida e assistente ainda eram casados entre si.
18. Por escritura de compra e venda, outorgada no dia 7 de Maio de 2002, no Cartório Notarial da Marinha Grande, o prédio referido em 1. foi adquirido, por compra, em 15-04-2002, por arguida e assistente à sociedade “XX... – Construção Imobiliária, Lda.”.
19. A arguida, presentemente, encontra-se desempregada, auferindo a título de subsídio de desemprego a quantia de € 419,00 mensais.
20. Vive com companheiro e filha menor com 19 meses de idade em casa dos pais do seu companheiro.
21. Como habilitações literárias tem o 12º ano de escolaridade.
22. Do Certificado de Registo Criminal da arguida nada consta.
Do pedido cível
23. O assistente teve que substituir a porta da cozinha.
24. O gastou quantia não concretamente apurada com a substituição da porta da cozinha, arranjo das portas do quarto e escritório e respectivas fechaduras.
Mais se provou que
25. Do certificado de Registo Criminal da arguida nada consta.»

Estes os factos não provados:
«Não se lograram provar quaisquer outros factos com relevância directa para a decisão da causa, designadamente, não se provou que:
a) As portas do escritório e do quarto, referidas em 7. e 10. dos factos provados, tenham ficado totalmente inutilizadas.
b) O assistente/demandante teve que esperar mais de 48 horas pela substituição das portas.
c) Durante mais do que 48 horas o assistente/demandante viveu em permanente sobressalto, temendo pela sua segurança e a dos seus filhos, bem como pelos seus bens.
d) Durante esse período de tempo a porta que dava acesso à habitação pela cozinha ficou apenas encostada.
e) O assistente/demandante perdeu horas de sono durante a noite para velar pela sua segurança e dos seus filhos.
f) O assistente/demandante pediu a familiares e vizinhos que o ajudassem ou revezassem nessa tarefa de vigia.
g) Tais factos causaram fortes arrelias ao assistente/demandante e, em consequência, o mesmo sentiu-se angustiado e vexado com o sucedido.
h) O assistente/demandante sentiu-se inseguro na sua habitação e sentiu medo por si e pelos seus filhos.»

O tribunal recorrido exarou a seguinte fundamentação da matéria de facto (transcrição):
«A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto considerada provada, fundou-se na apreciação conjunta e crítica das declarações da arguida, do assistente, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em sede de audiência e julgamento.
Mais concretamente, e no respeita à arguida a mesma nas suas declarações assumiu que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, arrombou as fechaduras e portas aí mencionadas. Porém, antes de o fazer, telefonou ao assistente a perguntar porque tinha mudado a fechadura da porta da cozinha, uma vez que ainda residia na casa, embora em quartos separados, ao que o assistente, segundo a mesma, respondeu que não lhe dava as chaves.
Esclareceu que nessa ocasião detinha no interior da residência todos os seus pertences.
Acrescentou, a este propósito, que nunca pensou que estava a praticar um crime, uma vez que a casa ainda era propriedade dos dois.
Instada a propósito referiu não saber se os aros das portas ficaram ou não inutilizados, uma vez que apenas forçou as fechaduras com o auxílio de uma ferramenta.
Quando arrombou a fechadura do escritório a sua ideia era a de levar consigo livros e televisão. No entanto, acabou por não levar quaisquer bens do interior do escritório, uma vez que optou por levar outros bens que considerava mais essenciais. Assim, do quarto que era ocupado pelo assistente tirou dois cobertores e uma colcha e da casa de banho duas toalhas.
Depois deste dia não voltou a habitar a casa.
Esclareceu ainda, em sede de declarações iniciais, que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. ligou ao seu advogado que a aconselhou a falar com o assistente, o que fez. Após ter falado com o assistente, e como este se recusava a entregar as chaves optou por forçar as fechaduras das portas, arrombando as mesmas, sem que previamente se tenha aconselhado com alguém para tomar tal decisão.
Porém, em sede de últimas declarações, e contrariando as declarações iniciais, referiu que o seu advogado a aconselhou a arrombar a porta, uma vez que estava no exercício de um direito e que não estava a cometer qualquer crime.
Também no que se refere aos objectos que acabou por retirar do interior da casa, em sede de últimas declarações referiu ter levado loiças e roupas.
Tomadas declarações ao assistente referiu o mesmo que não presenciou a arguida a estragar as fechaduras e as portas.
Relatou que quando chegou a sua casa depois de ser alertado por uma vizinha constatou que as fechaduras e as portas descritas na acusação estavam danificadas.
De forma peremptória referiu que em inícios de Julho de 2006 a arguida abandonou definitivamente a casa da habitação e, desde essa data, não voltou aí a residir.
No dia em que a arguida procedeu ao estrago das portas não recebeu qualquer telefonema da arguida, contrariando frontalmente a tese avançada pela mesma.
Mudou a fechadura da porta da cozinha uma semana antes do sucedido porque, por vezes, a arguida ia a casa e levava alguns objectos sem dar qualquer conhecimento.
No dia dos factos, quando chegou à residência verificou que a arguida e o companheiro estavam no interior da mesma e as portas já estavam arrombadas.
Quanto aos estragos verificados, em consequência da actuação da arguida, adiantou que os aros das três portas tiveram que ser substituídos. Também as portas tiveram que ser substituídas e, bem assim, as fechaduras das portas.
GG..., vizinha do assistente, de forma coerente e credível, adiantou que a arguida, aquando da prática dos factos descritos na acusação já não vivia na casa há cerca de 3/4 meses, esclarecendo as respectivas razões de ciência quanto a tal afirmação.
No dia a que se reportam os factos entrou no interior da residência do assistente e constatou que as portas e respectivas fechaduras estavam arrombadas. Também os aros das portas estavam estragados.
VV…, vizinha do assistente aquando da prática dos factos, não teve quaisquer dúvidas em afirmar que a arguida já não residia na habitação do assistente há cerca de 3/4 meses.
Após a prática dos factos descritos na acusação, entrou no interior da residência do assistente e constatou que as fechaduras da porta da cozinha e a fechadura da porta do escritório estavam danificadas. As portas encontravam-se amolgadas e os aros estragados.
Adiantou recordar-se que a porta da cozinha terá sido substituída 1 ou 2 dias após a ocorrência dos factos.
Quanto ao estado de espírito do assistente na sequência da actuação da arguida, relatou a testemunha que o mesmo ficou nervoso e preocupado.
JB… e CV… limitaram-se a relatar episódios circunstanciais, sem grande relevo para o objecto dos autos.
HD…, familiar da arguida e a residir em Lisboa desde os seus 12 anos de idade, relatou que no dia 30 de Agosto de 2006 a arguida telefonou a relatar que tinha ido almoçar a casa e que o marido tinha mudado as fechaduras da porta.
Adiantou a testemunha nunca ter frequentado a casa da arguida, no entanto, pensa que na ocasião dos factos aquela era a sua residência.
KT… e AP… afirmaram ser seu entendimento que no dia 30 de Agosto de 2006 a arguida ainda residiria na casa de habitação referida em 1. dos factos provados. Justificaram tal afirmação com o facto de no dia 14 de Agosto de 2006 aí terem ido buscar a arguida para a levarem à festa que decorria na localidade da Batalha, tendo a arguida identificado aquela residência como sendo sua.
Ora, analisando conjunta e criticamente toda a prova produzida em Audiência de Julgamento, não podemos, desde logo, deixar realçar que as declarações da arguida não nos mereceram credibilidade.
Com efeito, além das suas declarações não terem revelado qualquer espontaneidade, acabaram ainda por se apresentar, em vários aspectos, contraditórias e incongruentes.
Na verdade, a arguida pretendeu trazer aos autos a versão segundo a qual ainda residia naquela habitação, deslocou-se à mesma para almoçar, no entanto, ao ver a porta com as fechaduras mudadas optou por arrombar a mesma para, segundo a arguida, retirar os bens mais essenciais.
No entanto, e incompreensivelmente, a arguida no interior da residência optou por arrombar a fechadura da porta do escritório (de onde não veio a retirar nada) e a fechadura da porta do quarto que era apenas ocupado pelo arguido de onde terá retirado cobertores e colchas.
Fazendo apelo às regras da experiência comum e normalidade da vida, é absolutamente incompreensível que uma pessoa que se encontrasse a residir em determinada habitação e ao ver vedado o respectivo acesso arrombasse as portas para retirar colchas e cobertores, não trazendo quaisquer objectos de uso pessoal. Afigura-se igualmente incompreensível que a arguida, no interior da habitação, tenha arrombado a porta do escritório e porta do quarto que apenas eras ocupado pelo assistente, como a própria admitiu.
Igualmente não ofereceu qualquer credibilidade ao Tribunal a versão aventada pela arguida em como, quando actuou, fê-lo na convicção de que estava no âmbito do exercício de um direito.
Desde logo, e como infra se expenderá, da prova produzida ficou demonstrado que a arguida já não habitava aquela residência há cerca de 3 meses. Situação que abala, desde logo, a versão que a arguida pretendeu sustentar em Audiência de Julgamento.
Por seu turno, e como já se deixou consignado, muito embora em sede de declarações finais a arguida tenha afirmado ter sido o seu advogado que a aconselhou a arrombar a porta de entrada; nas suas primeiras declarações a arguida foi peremptória em afirmar que quando tomou a decisão de arrombar as portas não se aconselhou previamente com ninguém.
Mais acresce que a arguida não logrou demonstrar minimamente que nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. tenha previamente entrado em contacto telefónico quer com o assistente (situação que foi veementemente negada por este), quer com um advogado.
E, a este propósito, por apelo a critérios de razoabilidade e normalidade da vida, não podemos deixar de considerar que não se afigura crível que uma pessoa minimamente diligente deixando de habitar uma determinada residência por um período de 3 meses, antes de tomar uma atitude de arrombar as fechaduras e respectivas portas não pensasse que estava a praticar um acto ilícito ao saber que essa residência estava a ser habitada por outra pessoa.
Todas as contradições e incongruências que se deixaram elencada abalaram completamente a credibilidade das declarações apresentadas pela arguida.
Para prova da factualidade relativa à circunstância de a arguida não residir na habitação em questão desde Junho de 2006 o Tribunal atentou na apreciação conjunta das declarações do assistente e dos depoimentos credíveis das testemunhas GG... e VV… .
A este propósito cumpre consignar que apesar das testemunhas tenham apresentado em Audiência a versão em como a arguida ainda habitava a residência em questão na data da prática dos factos, a verdade é que tais depoimentos denotaram grande fragilidade, não tendo sido considerados pelo Tribunal.
Na verdade, desde logo, a testemunha HD… (a qual reside em Lisboa) limitou-se a relatar um telefonema que terá sido efectuado pela arguida, sem que, no entanto, tenha revelado quaisquer conhecimentos directos quanto à situação da arguida habitar ou não aquela casa, até porque, e segundo a testemunha, nunca frequentou a habitação da arguida.
Por sua vez, as testemunhas JB… e CV… apenas lograram esclarecer que na noite de 14 de Agosto de 2006 foram buscar a arguida à residência descrita em 1. dos factos provados, tendo nessa altura ficado na convicção de que tal habitação era a habitação da arguida.
No mais estas testemunhas nada souberam esclarecer.
Por seu turno, e quanto aos factos alegados em sede de pedido de indemnização civil, o Tribunal apenas considerou provado, e com base na prova que supra se elencou, os estragos que foram provocados nas portas e respectivas fechaduras.
Porém, e já no que tange aos montantes que foram desembolsados pelo demandante para as respectivas reparações, não foi produzida em Audiência qualquer prova.
Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos do tipo de ilícito em causa consideram-se assentes em função daqueles factos objectivos, encarados à luz das regras da experiência comum como supra se deixou consignado.
O Tribunal considerou ainda o teor do CRC da arguida, o teor de fls. 391-397, bem como o teor de fls. 407-416.
Quanto às condições de vida da arguida o Tribunal considerou as suas próprias declarações.
Por último, e quanto aos factos não provados, os mesmos tiveram origem na total ausência de prova ou inexistência de prova suficientemente idónea e credível que permitisse dar tais factos como provados.»

Analisando.
Analisemos agora as questões suscitadas pela recorrente.
Entre o mais, a recorrente MM... pretende ser absolvida da indemnização civil.
Tendo o pedido cível o valor de 1.500,00 €, não é susceptível de recurso como decorre do disposto no art.º 24.º da Lei n.º 3/99, de 13/01, com a alteração dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e no art.º 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o que significa que a parte cível da decisão recorrida só pode ser modificada nos termos do art.º 403.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Do que decorre que este tribunal não pode conhecer da suscitada questão relativa à condenação cível no que se liquidar em execução de sentença.
Nessa parte deve o recurso ser objecto de rejeição.

A recorrente impugna a matéria de facto considerando mal julgados os factos sob os n.ºs 12, 13 e 14 da sentença recorrida, que na sua perspectiva deviam ser considerados não provados.
Confrontado o teor das declarações da arguida, constata-se que ela não assumiu ter consciência de que o arrombamento da porta de entrada da habitação do assistente constituía crime.
Mas, torna-se patente pelo conjunto de circunstâncias que são salientadas pelo tribunal a quo que a arguida bem sabia que os actos que praticou eram proibidos.
E as regras da experiência também são demonstrativas no sentido de que quem recorreu ao arrombamento nas circunstâncias em que a arguida o fez não pode deixar de conhecer a natureza proibida dessa conduta quando se trata de uma casa de habitação onde se deixou de residir e que pressupõe sempre autorização de quem lá reside para entrar.
Deve ainda notar-se que a consciência da ilicitude não pressupõe nem exige o conhecimento concreto da norma que é violada.
Por outro lado, a credibilidade ou não que se concede a depoimentos está intimamente ligada à imediação da prova que, salvo situações excepcionais em que existe manifesta afronta das regras da experiência, não pode fundadamente ser posta em causa pelo tribunal de recurso que não assistiu à produção da prova.
No âmbito da impugnação da matéria de facto, fundamento de recurso previsto no art.º 412.º do Código de Processo Penal, invoca a recorrente a existência dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que dizem respeito a diferentes fundamentos de recurso, demonstrando assim manifesta confusão entre as previsões em causa.
Enquanto os vícios do art.º 410.º, n.º 2, se referem ao teor da decisão recorrida e apenas são reconhecíveis através desse texto, já a impugnação da matéria de facto visa a reapreciação da prova produzida devendo fundar-se na invocação de um erro de julgamento que não seja notório porque não reconhecível através do texto da decisão mas apenas através do conteúdo concreto da prova produzida.
Certo é que a recorrente nada alega que revele a existência dos vícios que invoca, nem a existência dos mesmos se divisa no texto da decisão recorrida.
Invoca ainda a recorrente a existência de violação do princípio in dubio pro reo.
No entanto, como já se salientou a prova produzida em audiência de julgamento consente a convicção positiva que foi formulada e na sentença recorrida é essa convicção positiva que é expressa não resultando do respectivo texto que o tribunal a quo tenha formulado um juízo de dúvida resolvido contra a arguida.
A matéria de facto em que a decisão decorrida assentou deve manter-se e por consequência também se deverão manter as condenações criminal e cível, posto que se verificam todos os elementos do crime de dano e da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Na verdade, o elemento do tipo do crime de dano “coisa alheia” apenas pressupõe que o agente do crime não seja o titular exclusivo do bem danificado, nele cabendo, nomeadamente, as situações de propriedade comum.
E bem se compreende que assim seja, porque de outro modo sempre que o direito de propriedade tivesse dois ou mais titulares, então estaria legitimado que qualquer deles, pudesse, até, destruir a coisa objecto do direito à revelia dos restantes (cfr. Prof. Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 212, e vd. Acórdão do TRP de 27/06/2007, processo 0712547, in www.dgsi.pt).


III – Decisão
Nos termos expostos, decide-se:
- Rejeitar o recurso interposto pela arguida MM... no que respeita ao pedido cível; e
- negar provimento ao recurso interposto no respeitante à parte crime.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.


Frederico Cebola (Relator)
Jorge Jacob