Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3597/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: DOLO
FRAUDE SOBRE MERCADORIA
Data do Acordão: 06/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 23º, N.º 1, AL. A) DO D. L. N.º 28/84 (RJIA)
Sumário: Não se pode enganar outrem nas relações comerciais se a pessoa com quem se contrata procura o produto que lhe é oferecido. Se uma pessoa procura numa “feira”, a preço reduzido, uma imitação de “marca”, não é enganada por não ter comprado marca original.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Audiência, na secção criminal:


No Proc. Comum nº163/03.3 TAACB.1 do Tribunal de Alcobaça foi submetido a julgamento o arguido A..., completamente identificado nos autos, e a final, foi proferida decisão, que além do mais, o condenou pela prática, em autoria material, e concurso real de:
- Um crime de uso ilegal de marca, p. e p. no artº 264º nº 2 do Cód. Propriedade Industrial de 1995, aprovado pelo Dec. Lei nº16/95, de 24/01 (vigente á data da prática dos factos), na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos.
- Uma contra-ordenação, p. e p. no artº 65º nº 1 al. a) do Dec. Lei nº 28/84 de 20/01, na coima de 150 €;
- Uma contra-ordenação, p. e p. no artº 65º nº 1 al. c) do Dec. Lei nº28/84, de 20/01, na coima de 150 €.
Operando o respectivo cúmulo jurídico com a pena aplicada ao arguido no âmbito o dos autos de PCS nº 30/02.8 do 2º Juízo deste Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça (7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 4 anos e coima de 300 €), o condenou na pena única de 15 (quinze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos; e na coima única de 500 € (dos quais lá se encontram pagos 300€).
E, o absolveu da prática do crime de fraude sobre mercadoria p.p. pelo artº 23º n1 al. a) pelo qual também vinha acusado.
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Inconformado com a decisão, na parte em que absolveu o arguido, dela veio recorrer o Digno Magistrado do Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público da douta Sentença de fls. na parte em que absolveu o arguido A... pela prática de 1 (um) crime fraude sobre mercadorias. p e p. pelo artigo 23º nº 1, al. a) do Regime Jurídico da Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, aprovado pelo D.L. nº 28/84 de 20 de Janeiro, na versão que lhe foi dada pelo D.L. nº 20/99 de 28 de Janeiro.
2 -Foram incorrectamente dado como não provados os factos supra enunciados na presente Motivação, em IV (1ª questão) (- “ Que tais artigos de vestuário tivessem o valor total aproximado, no mercado interno, de 32.075 €;
-Que os logótipos e símbolos das marcas registadas apostas em tais artigos de vestuário não originais fossem de molde a induzir facilmente o consumidor em confusão, por forma a este poder pensar que, ao comprar tais produtos, estaria a comprar produtos originais das marcas;
- Que, ao comprar tais produtos não originais, o consumidor sofresse algum prejuízo;
- Que, quando, fosse vender tais produtos não originais, o arguido pretendesse enganar os compradores, fazendo passar tais produtos como originais das marcas");
3 - A prova documental e pericial existente nos Autos, assim como os depoimentos do arguido A... (que confessou os factos) e os prestados pelas testemunhas C..., D..., E... e F... constantes da Cassete 1, Lados A e B. impõem decisão diversa daquela que foi tomada na douta Sentença a quo, na medida em que os factos constantes dos mesmos depoimentos que conforme expressamente se refere na Motivação da douta Sentença, “todas as testemunhas inquiridas tinham conhecimento pessoal sobre os factos acerca dos quais depuseram e efectuaram relatos claros e revestidos de coerência, que mereceram credibilidade por parte do tribunal” permitem preencher os elementos objectivos e subjectivo do crime de fraude sobre mercadorias. p. e p. no artigo 23º nº 1, al. a) do Regime Jurídico da Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, aprovado pelo D.L. nº 28/84 de 20 de Janeiro, na versão que lhe foi dada pelo DL. nº 20/99, de 28 de Janeiro:
4 - Pelo que se impõe e requer, nos termos do disposto no artigo 412º nº 3, als. b) e e) e 4 do Código de Processo Penal a renovação de tais meio de prova, assim como o exame crítico do Auto de Apreensão e Avaliação aos objectos apreendidos e de todos os exames periciais efectivados.
5 - Ao ter decidido de forma diversa, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 26º, 30º nº1 e 77º, todos do Código Penal, o disposto no artigo 23º nº 1, al. a) do Regime Jurídico da Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, aprovado pelo DL nº 28/84 de 20 de Janeiro, na versão que lhe foi dada pelo DL nº 20/99 de 28 de Janeiro e o disposto nos artigos 127º, 163º nº 1 e 2 164º nº 1, 355º nº 1 “a contrário” e 412º nº 3 als. a), b) e c) e 4, todos do Código de Processo Penal:
6 - Razão pela qual entende o Ministério Público que a mesma deverá ser substituída por outra que condene o arguido A.... pela prática. em autoria material e em concurso efectivo, com o crime de uso ilegal da marca. p. e p. pelos artigos 193º e 264º nº 2, do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL. nº16/95 de 24 de Janeiro, pelo qual já foi condenado, também pela prática do crime fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo artigo 23º nº 1, al. a), do Regime Jurídico da Infracções Antieconómicas e Contra a Saúde Pública, aprovado pelo DL. nº 28/84, de 20 de Janeiro, na versão que lhe foi dada pelo DL. nº 20/99, de 28 de Janeiro, em cúmulo jurídico com as penas nas quais foi condenado nos Autos de Processo Comum Singular nº 30/02.8 FANZR do 2º Juízo deste Tribunal Judicial de Alcobaça, de acordo com a gravidade e exigências cautelares de prevenção geral e especial que se impõem, tendo em conta, sobretudo, os antecedentes criminais ao arguido.
Contudo, mesmo que assim se não entenda, não obstante poder aproveitar-se a prova já produzida em Julgamento e cuja renovação se requereu. sempre se dirá que.
7 - Percorrendo a douta Sentença verifica-se que os factos dados como provados se contradizem entre si e estes com os factos não provados violam os juízos periciais efectuados, subtraídos que se encontram à livre apreciação do julgador e que, não obstante deles ter divergido, não fundamentou as razões da sua divergência, pelo que existem os invocados erros de contradição na fundamentação e entre esta e a decisão.
8 - Resultando do texto da decisão recorrida erros manifestamente perceptíveis, contradições entre os factos dados como provados com os demais e os outros factos dados como não provados. existem os indicados erros notórios na apreciação da prova:
9 - Pelo que, tendo decidido como decidiu, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 127º, 163º, nºs. 1 e 2, 355º nº 1, “a contrario” e 410º nº 2, al. b) e c) todos do Código de Processo Penal.
10 – E, em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente, devendo anular-se o julgamento e Sentença ora recorrida, ordenando-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 426º do Código de Processo Penal.
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O recurso foi recebido.
Respondeu o arguido pugnando pelo improvimento do recurso.
Remetido os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência.
Corridos os vistos legais, e efectuada a audiência, cumpre apreciar e decidir.
Para tanto temos de ter em conta que a sentença recorrida julgou os seguintes:
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Factos provados
No dia 17 de Maio de 2003, pelas 7h 10m, o arguido A.... detinha, com vista à sua posterior exposição e venda em feiras:
Na cave e garagem da sua residência, sua na Quinta do Almeida, lote 1, nesta Cidade e Comarca de Alcobaça:163 (cento e sessenta e três) fatos de treino que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “ADIDAS”,143 (cento e quarenta e três) fatos de treinos que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca ‘NJKE’:
- 3 (três) fatos de treino que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca QUICK SILVER’
-10 (dez calças de fato de treino que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca ADIDAS;
- 20 (vinte) calças de fato de treino que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “NIKE”:
- 15 (quinze) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “RIP CURL
- 18 (dezoito) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “O’NEILL “;
- 7 (sete) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca QUICK SILVER
- 1 (uma) camisola que ostentava os símbolos e ‘dizeres” da marca BURBERRYS’:
- 2 (duas) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca“PRINCE “‘
- 75 (setenta e cinco) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca“TOMMY”:
- 19 (dezanove) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca“PAUL SHARK”:
- 29 (vinte e nove) camisolas que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “RALPH LAUREN”
- 68 (sessenta e oito) calções que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca“ADIDAS “:
- 4 (quatro) T’ shirts que ostentavam os símbolos e ‘dizeres’ da marca “REEBOK”:
- 5 (cinco) T’shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “NIKE “;
– 3 (três) T’ shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca ‘LE VIS”;
– 3 (três) T’ shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca ‘RIP CURL
- 3 (três) T’ shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca QUICKSIL VER
- 2 (duas) T’ shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “GUESS”;
- 2 (duas) T’ shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “NOFEAR”:
- 2 (duas) Sweet-shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca“NIKE “.
No interior do veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula 58-31- DG, de marca “Iveco”, cuja propriedade se encontra inscrita em nome do arguido A..., a qual que se encontrava no logradouro da mesma residência, o arguido detinha:
- 48 (quarenta e oito) calções que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “NIKE”:
- 9 (nove) calças que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “LEVIS”;
- 5 (cinco) T’ shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca ‘ADIDAS”;
- 2 (duas) T’shirts que ostentavam os símbolos e “dizeres” da marca “LACOS TE”.
Tais artigos de vestuário foram adquiridos pelo arguido A..., em lugar, a pessoa e por preços não apurados, com conhecimento de que, aquando da sua produção em local que se desconhece, lhe haviam sido apostos todos os símbolos e referências das marcas supra referidas, símbolos esses apostos de tal forma que se tornavam semelhantes às verdadeiras marcas daqueles nomes as quais o arguido não está autorizado a usar e que se encontram patenteadas e registadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, para artigos de vestuário.
Quer os mencionados símbolos, quer o tecido daqueles artigos de vestuário, não são das marcas “Tommy Hilfiger Licensing, Inc.”, “Nike International, Ltd. “, “Levi Strauss & Co. “, “Guess, Inc. “, “Quick Silver” Garments Pave., Ltd. “, “O Neill Incorporated”, “Reebok International Limited”, “Rip Curl Internacional PJ.Ltd. “, ‘‘Burberrys Limited’’, “Prince Manufacturing, Inc ‘‘, “Magnifico Dama S.PA ‘‘‘Paul Shark “Fear Inc “, “La Chemise La Coste, fabricados com o conhecimento e/ou com autorização dos proprietários das mesmas marcas.
As peças de vestuário supra referidas são diferentes das originais, apresentando imperfeições dos contornos das letras e das figuras que constituem os logótipos das mascas em apreço, assim como o aspecto tosco e imperfeito da confecção das peças, como, sucede relativamente:
Às camisolas que ostentam os símbolos e “dizeres” da marca “Paul & Shark”: a qualidade da malha e dos acabamentos destas peças falsificadas é muito inferior ao original. A etiqueta interna com logótipo da marca colocada na parte da gola está diferente da original quer no modelo quer na sua aplicação juntamente com uma etiqueta de tamanho, o que não acontece no original. Tem uma fraca imitação da fita de bandeiras aplicada na parte de dentro da gola, aplicação que não acontece nas peças originais; Relativamente à composição e ás instruções de lavagem, estas nem sequer são mencionadas nesta peça pois não há qualquer etiqueta a referi-lo, situação que é impensável na marca “Paul & Shark “. Sem qualquer etiqueta exterior de cartão, situação que não acontece com as originais onde é sempre aposta uma etiqueta composta por folhas tipo livro “: o logótipo da marca original “Paul & Shark” é semelhante ao original mas é falso, porque não tem qualidade.
Aos artigos de vestuário supra descritos que ostentam os símbolos e “dizeres” da marca “Adidas”: “os artigos em causa não fazem parte de nenhuma colecção da marca “Adidas»: Os modelos não são originais da marca “Adidas,’ je noras’ eni decorativa original da marca “Adidas “; As referidas peças não estavam embaladas em sacos plásticos originais da marca “Adidas”; As mesmas apresentam, relativamente aos originais, semelhanças gráficas, figurativas e fonéticas”.
Quanto aos artigos de vestuário supra descritos que ostentam os símbolos e “dizeres” da marca “Reebok”. verifica-se:
Ausência da embalagem autêntica da REEBOK PORTUGAL que inclui saco de plástico, etiqueta de cartolina (cl referência, cor e tamanho da peça) e outras etiquetas de tecnologia (próprias de cada peça), aplicadas com fio de suporte nas peças;
Palavra e logótipo da “Reebok” (Vector) no bordado, com contornos diferentes do original da marca registada; imagem gráfica desactualizada:
Qualidade e nível de acabamentos das peças, diferente e inferior ao dos padrões exigidos pela marca original;
Etiqueta identificativa da marca, aposta na peça, é falsa.”
Quanto aos artigos de vestuário supra descritos que ostentam os símbolos e “dizeres” da marca “O’Neil”, verifica-se que:
“Não são modelos originais das colecções “O ‘Neil “;
As peças em causa têm uma etiqueta contrafeita com o logótipo da marca “O Neil “, que foi colocada no interior da gola, o bordado apresenta muitas imperfeições;
A etiqueta de tamanho, é mais pequena que as originais:
A etiqueta de composição têxtil e origem de fabrico, tem informação do tamanho da peça, o que não acontece nas originais da marca “07*111”;
A etiqueta não é como as originais, a imagem do papel é inferior às da marca ‘Neil”;
O material com que estas foram fabricadas, assim como o não de acabamentos e bordados, não respeitam os padrões de qualidade exigidos pela “O ‘Neil”;
Não estão embaladas como são habitualmente os produtos da marca “O ‘Neil “.
No que concerne aos artigos de vestuário supra descritos que ostentam os símbolos e “dizeres” da marca “NIKE”, verifica-se que:
“Os mesmos silo falsos pois todas as peças de vestuário “Nike’ apresentam 3 etiquetas: -- a etiqueta de tamanho e fabrico “NIKE”: a etiqueta de composição “NIKE” e a etiqueta de referência do produto e de código de barras “NIKE”.
As peças analisadas apesar de ostentarem a marca “NIKE” não têm qualquer uma destas etiquetas reveladoras da sua autenticidade;
Existem diferenças entre os artigos originais, e os falsificados.
Quanto aos artigos de vestuário supra descritos que ostentam, nos lugares próprios e habituais, os símbolos e “dizeres” da marca “Tommy Hilfiger”, verifica-se que:
“Os logótipos utilizados no que respeita à fonte da letra, às tonalidades das cores e às suas dimensões, são diferentes dos utilizados nas peças originais;
Não foi possível identificar as seguranças introduzidas em todas as peças originais;
A matéria-prima usada é de diferente qualidade relativamente à utilizada nas peças originais;
A dimensão da peça analisada, em função da etiqueta de tamanho colocada, fio corresponde à mesma dimensão das peças originais;
A etiqueta de cartão exterior é diferente das empregues nos artigos originais;
As peças analisadas têm deficiente qualidade intrínseca.
Quanto aos artigos de vestuário supra descritos que ostentam os símbolos e dizeres da marca ‘Levis Strauss ‘, verifica-se que:
Nas calças a etiqueta vermelha, colocada na parte superior do bolso traseiro das calças, difere das originais quer pelo tipo, quer pelo bordado, quer pela lavagem, quer pela forma de colocação; A etiqueta de instruções de lavagem, colocada no interior, não é utilizada pela “Levis Strauss “, os botões diferem dos originais quer pelo bordado quer pela sua forma de colocação:
Na TShirt, não tem etiqueta de instruções de lavagem, sempre existente nas peças originais Levis Strauss “: Este modelo não é utilizado pela ‘Levis Strauss
O arguido tinha conhecimento de que aqueles artigos eram mera imitação das verdadeiras marcas Tommv Hilfiger Licensing, Inc., Nike Inrernationa!. Ltd. Levi Strauss & Co. “, Guess. Inc‘, Quick Silver Garments Pty., Ld. “O Neill Incorporated ‘Reebok International Limited , Rip Curl Internacional Pty, Ld. ‘. “Burberrys Limited ‘. ‘Prince Manufacturing. Inc “, ‘Magnifico Dama S. PA “ (Paul & Shark Yatching “), The Polo Laurent Company “, ‘Fear. Inc. “, “La Chemise Lacoste “e “Adidas Sportschufabriken Adi Dassler Stifung & Co KG”, sabia que os artigos originais destas marcas têm um preço, não inferior, em média, a 50.00 £ (cinquenta Euros) por unidade.
O arguido propunha-se vender os artigos de vestuário que tinha em seu poder por preço situado entre 5.00 € (cinco Euros) e os 10.00 € (dez) euros), em média, por cada peça de roupa.
O arguido agiu de forma livre e consciente, com intenção de retirar dessa actividade vantagens patrimoniais com expressão pecuniária de montante não concretamente apurado. mas a que sabia não ter direito, bem sabendo que o fazia em prejuízo dos proprietários das marcas supra referidas.
O arguido bem sabia que as referidas peças de vestuário ostentavam marcas que não correspondiam às verdadeiras, e, não obstante, aceitou recebê-las para o comércio sem qualquer factura ou guia de remessa. por não lhe ler sido passada nem por ele exigida, apesar de bem saber que não é permitida a circulação de tais mercadorias, mesmo de origem nacional, sem que estejam acompanhadas dessas facturas ou guias de remessa contendo a data, nomes e residências dos vendedores e compradores e suas assinaturas, menção de sua origem ou procedência, qualidade e quantidade, marcas e números, cores e quaisquer outros sinais de diferenciação e embora tivesse consciência de que, sem tais documentos, lhe estava vedada a detenção, transporte e exposição para venda desses produtos, assim como sabia que a lei lhe impunha a obrigação de identificar o vendedor a quem adquiriu as supra identificadas mercadorias.
O arguido actuou de forma deliberada, livre e consciente bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
A demandante “B...” é agente e representante exclusiva para Portugal da DAMA S.A. sociedade italiana titular da marca internacional Paul & Shark, marca esta que se encontra registada para artigos de vestuário e têxteis em geral no Instituto Português da Propriedade Industrial.
Na qualidade de representante da marca ‘Paul & Shark” incumbe à demandante distribuir com carácter de exclusividade os respectivos artigos no território português.
Os produtos de vestuário originais da marca ‘Paul & Shark’ são de qualidade superior e têm preços de venda ao público acima dos 100 € por unidade, visando consumidores alvo de estatuto médio-alto, que almejam, para além de um produto de qualidade, um produto com marca reveladora de um estatuto económico e social de uma minoria de classe alta.
A venda de produtos não originais da marca Paul & Shark” em feiras e mercados origina a banalização e desgaste da marca.
No ano de 2004 as vendas globais de produtos da marca “Paul & Shark” diminuíram cerca de 35%, comparativamente com o ano de 2003.
Cerca de 30% dessa diminuição das vendas deveu-se à proliferação de produtos não originais da marca.
O arguido declarou auferir da sua actividade de vendedor ambulante cerca de 500 £ mensais.
Vive com a companheira e tem a cargo dois filhos menores.
Vive em casa própria.
De habilitações literárias tem a 4ª classe.
Tem os antecedentes criminais constantes do Certificado de Registo Criminal de fls. 388-392 - cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Sob a epígrafe, factos não provados escreveu-se na mesma sentença:
Para além dos que ficaram descritos, não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente não se provou:
Qual o valor no mercado interno dos diversos artigos de vestuário apreendidos ao arguido:
Que tais artigos de vestuário tivessem o valor total aproximado. No mercado interno de 32.075€:
Que os logótipos e símbolos das marcas registadas apostas em tais artigos de vestuário, não originais, fossem de molde a induzir facilmente o consumidor em confusão, de forma a este poder pensar que, ao comprar tais produtos, estaria a comprar produtos originais das marcas;
Que ao comprar tais produtos não originais, o consumidor sofresse algum prejuízo;
Que, quando fosse vender tais produtos não originais, o arguido pretendesse enganar os compradores, fazendo passar tais produtos como originais das marcas:
Que o arguido tivesse cm seu poder 19 cachecóis não originais da marca “Paul & Shark”,
Que a diminuição das vendas da marca “Paul & Shark” se deva totalmente à venda em mercados de produtos não originais:
Que seja o arguido o único a vender produtos não originais da marca “Paul & Shark” em mercados e feiras:
Que o arguido já tivesse transaccionado uma quantidade de produtos não originais da marca “Paul & Shark”.
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O tribunal fundamentou a sua convicção probatória nos seguintes termos:
Pela discussão da causa sopesadas as declarações do arguido, confessou deter no interior da sua residência as peças de roupa não originais das marcas referidas na acusação, e que as destinava para venda ao público em feiras e mercados, ao preço unitário de 2 a 10 euros sopesados os depoimentos das testemunhas de acusação C..., G... e D..., (todos militares da GNR - Destacamento Fiscal da Nazaré, sendo que o último procedeu à apreensão da mercadoria, e observou a mesma, e disse que, da mera observação dos artigos de vestuário em causa, era evidente que os mesmos não eram originais das marcas neles apostas, face à sua apresentação, e à manifesta qualidade inferior dos mesmos); sopesados os depoimentos das testemunhas arroladas pela demandante cível, E... e F... (respectivamente, um funcionário da demandante, e um cliente desta, retalhista de vestuário, que comercializa a marca “Paul & Shark” num estabelecimento comercial na cidade de Leiria: o qual disse que, em conversas tidas com clientes do seu estabelecimento, que também compram roupa contrafeita em feiras, aqueles têm conhecimento que o vestuário adquirido nas feiras e mercado é contrafeito, de muito pior qualidade e apresentação que os originais, mas apenas porque tem aposta uma etiqueta — embora falsa - faz as mesmas vezes (SIC no que respeita ao objectivo de ascensão e reconhecimento social associados ao uso dessa marca), sendo que todas as testemunhas inquiridas tinham conhecimento directo e pessoal sobre os factos acerca dos quais depuseram e efectuaram relatos claros e revestidos de coerência, que mereceram credibilidade por parte do tribunal para além de que, no actual estádio de evolução de mentalidades da sociedade portuguesa, e com toda a informação disponibilizada á generalidade dos cidadãos, designadamente ao nível dos media”, não é crivei nem plausível. de acordo com as regras da experiência, que um cidadão comum”, com um nível de conhecimentos médio, acredite ser verdadeira a peça de roupa que compra na feira por cerca de um décimo ou um vigésimo do preço da peço original, numa loja da marca; tanto mais que. conforme resulta da prova produzida em audiência, tais clientes das feiras procuram, não o produto original — nem aí o encontrariam — mas sim uma mera etiqueta” falsa, que compram, com vista a aparentar um status” económico mais elevado do que aquele que na realidade possuem; e feita a análise critica dos documentos juntos aos autos a fls. 2, de fls. 12-26 (certidão judicial), 39-42, 43-73; 85-87 (auto de notícia), 89 (auto de busca e apreensão), 128-160, 200-205, 206-213. 217-218, 220-228, 239-244, 267 (relatórios de peritagem); 219, 229 (queixas crime); 214 (desistência de queixa da ofendida ‘Reebok’), 235-237, 247 ( autos de compromisso de peritos ), e do certificado de registo criminal de fls. 286-289.
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Decidindo:
Como é sabido o âmbito dos poderes de cognição deste tribunal é dado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação ( Sem prejuízo de conhecer obviamente das questões de conhecimento oficioso mesmo que não alegadas.)
E esta dirige-se em primeira linha á absolvição do arguido da prática do crime de fraude sobre mercadorias, atacando-a como questão de facto, conclusões 1 a 6, para depois e, ao que nos parece, em alternativa, invocar os vícios do artº 410º nº2 al. b) e c) ( Como serão todos os que se indicarem sem menção de diploma.) da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova para concluir que o julgamento deve ser anulado por via de tais vícios.
Erro notório.
Como escrevem Simas Santos e Leal Henriques in CPP, Anotado,II, 2ª, 740; “Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditório, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”.
E continuam: “ Mas quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro”.
Quanto ao vício do erro notório na apreciação da prova a que se reporta a al. c) do nº 2 do artº 410º, escreve-se, também, no Ac. STJ de 15/04/82 – in BMJ, 476º-91, no mesmo sentido, Ac. STJ de 13/10/99 in C.J., ano VII, tomo 3º, pág. 186 - “como se vem reafirmando constantemente, não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente... e só existe quando, do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária aquela a que chegou o tribunal”
Erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctico ou excluindo dela algum facto essencial.”
Contradição insanável:
Contradição insanável na fundamentação existirá quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugados com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposto, impõe decisão diversa.
Seguindo o Ac. STJ de 12.10.99 – in C.J., VI, 2º, pág. 200 “ Existe tal vicio, conforme entendimento generalizado, quando de acordo com um raciocínio lógico no base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que o fundamentação justifica decisão oposto, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre factos provados e não provadas, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal”
Ou seja, para se verificar contradição insanável o que se reporta a referida al. b), têm de constar do texto do decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado.
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Descendo ao caso concreto, aí se não insere qualquer dos vícios referidos, antes, se está perante diferentes convicções sobre a prova produzida e decorrente decisão absolutória.
De facto, o que se vê da decisão recorrida é que se, por um lado, dá inteira credibilidade ao depoimento das testemunhas – “todas as testemunhas inquiridas tinham conhecimento pessoal sobre os factos acerca dos quais depuseram e efectuaram relatos claros e revestidos de coerência, que mereceram credibilidade por parte do tribunal” - por outro lado, afasta toda a factualidade da acusação concernente ao crime assacado ao arguido e por que se viu absolvido.
Mas isto sem que se deixe de explicitar racional e logicamente os motivos de tal absolvição, pela inclusão no lote dos factos não apurados dos que suportariam a condenação por que ora se pugna.
E se certo é que a invocada prova documental serviu de base à confirmação das provas documentais/periciais, como se deixa ver da fundamentação da convicção que serviu de “intróito”( A fundamentação da convicção aparece antes da indicação dos factos provados e não provados, subvertendo a ordem imposta pelo artº 374º nº2 do CPP.) da sentença, supra transcrito em “motivação da convicção”, daí se parte para se concluir pela inverificação dos factos atinentes ao crime por que foi absolvido, com base nas regras da experiência comum em casos que tais.
Nos factos provados acolheram-se os relatórios de peritagem, que analisaram objectivamente as peças contrafeitas submetidas aos conhecimentos técnico-científicos dos respectivos laboratórios.
Nos factos não provados onde se afastou o crime objecto do presente recurso, o tribunal aplicou á situação concreta considerando todas as circunstâncias que rodearam a venda das mercadorias contrafeitas, conjugando-as não só com os depoimentos das testemunhas inquiridas mas também com as regras da lógica e da experiência comum, não havendo assim qualquer contradição entre uns e outros e muito menos erro notório na apreciação da prova, designadamente por o tribunal ter desrespeitado aqueles juízos técnico científicos violando o prescrito no artº 165º, como pretende o Digno Recorrente.
Sendo certo que, quanto ao valor total dos objectos que consta apenas do auto de notícia, e não de qualquer perícia cientifica, o tribunal não estava impedido, como fez, de encontrar outro valor, certo sendo que aquele é uma mera estimativa feita pelos agentes da autoridade que procederam à apreensão das peças contrafeitas e por isso sujeito á livre apreciação da prova, sendo que do julgamento apenas se apurou o que consta dos factos provados.
De salientar que não se percebe bem o que se entende “por mercado interno”, tratando-se de peças contrafeitas, e assim também não é apreensível como chegaram os “avaliadores” a tais preços unitários cuja soma atinge o valor total que foi dado como não provado na sentença impugnada, que optou por dar como assente, como aliás resultou da prova produzida, o preço médio de venda das peças em presença (as contrafeitas) e o preço das peças originais.
Conclui-se assim que o problema não se põe ao nível dos vícios do artº 410º, mas ao nível da apreciação da matéria de facto.
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No que tange á apreciação da matéria de facto rege o artº 127º que manda os julgadores apreciarem livremente a prova à luz das regras da experiência e da sua própria convicção.
Esta regra da livre apreciação da prova “não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo”.
“O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-se basear-se na correcção do raciocínio, que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência”·.
Ora, lendo a transcrição resulta que nem o arguido queria enganar os seus clientes nem estes foram efectivamente enganados, segundo o próprio sabia perfeitamente que as peças eram contrafeitas e que era proibida a sua venda, mas optou por vende-las a pedido dos próprios clientes, que lhe pedem este tipo de peças imitando as originais (fls 495).
A testemunha D..., a fls. 505 e 506 da transcrição, afirma que aprendeu a roupa devido as aspecto, pela apresentação apesar de ter a marca “imprintada” a qualidade é notória para pior.
Por seu lado, a testemunha E... técnico de contas da proprietária de uma das marcas contrafeitas, afirmou, fls. 512e 516 “As pessoas vão à feira, ainda que de Carcavelos (apontada como aquela que é frequentada por pessoas de extractos sócio económicos mais elevados) para comprar a imagem…A pessoa que compra não está preocupada com a qualidade mas sim com a imagem”.
Por fim, segundo a testemunha F... (fls. 527 e 528) proprietário de um estabelecimento em Leiria, onde vende em exclusivo uma das marcas contrafeitas, que transmitiu ao tribunal o que lhe é transmitido pelos próprios clientes simultaneamente clientes de feiras “ isto faz o mesmo efeito e é mais barato” “o que interessa é o emblema”, eu sei que isto não é verdadeiro mas vai fazendo as vezes de verdadeiro” que revela conhecimento por parte dos compradores que estão a comprar peças não genuínas.
Conjugando estes depoimentos com as regras da experiência comum, que nos dizem que tipo de pessoas frequentam as feiras o modo como os produtos aí são expostos, e apregoados, não é crível que as pessoas aí busquem marcas originais, (o que implica por si só um conhecimento da própria existência das mesmas), e que tenham em mente a aquisição de marcas originais, mas antes procuram a imitação dessas marcas por preços reduzidos, buscam só a imagem de tais marcas só acessíveis a pessoas de elevado estatuto económico, que as mais das vezes não têm capacidade económica para adquirir.
Assim sendo, não pode deixar de merecer a nossa concordância a opção tomada pelo tribunal.
Não é crível que os clientes hajam sido enganados e menos que houvesse o intento, por parte do arguido de os levar ao engano, pretendendo vender-lhes produtos de marca, numa feira e por preços de “saldo”!
Não se engana quem quer ser enganado.
“A intenção de enganar - elemento típico do crime de fraude sobre mercadorias do artº 32º nº 1 b) do DL 28/84 – sendo um facto do foro psicológico, é indemonstrável naturalisticamente, salvo o caso de confissão e só pode chegar-se à sua demonstração através de outros factos que inevitavelmente levem à conclusão de que ele ocorreu” – cf. Ac. R. P. de 26/2/03 in JTRP.00034631
A norma em referência não se basta com a verificação das condutas aí descritas: ela exige o dolo, ou seja, a intenção de enganar outrem nas relações comerciais.
Como se pode falar em enganar outrem nas relações comerciais se a pessoa com quem se contrata procura o produto que é oferecido?
Este pressuposto não se verifica in casu, como se depreende de tudo o que foi dito, e não se verificando a intenção de enganar, não pode o arguido ser condenado pelo assacado crime do artº 23º nº 1 a) do mencionado DL 28/84 de 20/1.
Do que, bem se andou ao decidir-se pela absolvição.
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Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a impugnada sentença.
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Sem tributação.
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Coimbra,