Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1326/18.2T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA DO TRABALHADOR DE LOCAL DE TRABALHO
PREJUÍZO SÉRIO
Data do Acordão: 04/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 129º, 194º, 366º, 395º E 398º DO CT.
Sumário: I – A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

II - Decorre do artº 194º, nº 1, al a), e nº 5, do CT que é legítimo ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço e a transferência não importar prejuízo sério para o trabalhador.

III - No caso de a transferência ser definitiva e verificando-se um prejuízo sério, o trabalhador terá direito à compensação prevista no artº 366º do CT- nº 5 daquele artº 194º.

IV - Resulta do disposto no artº 129º do CT, como corolário do princípio jurídico-laboral da inamovibilidade, que o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, não podendo ser transferido para outro local de trabalho, sem o seu acordo, fora das situações expressamente previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.

V - A existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade - entre outros, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, sendo necessário, para que se verifique, que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.

VI - Tal como configurado na alínea b) do n° 1 do artº 194° do CT, a inexistência de prejuízo sério é um requisito constitutivo do direito do empregador a transferir o trabalhador. Daí que lhe caiba o ónus de alegar e provar, na parte que controla, a concreta inexistência de prejuízo sério para o trabalhador afectado pela medida, nos termos do artº 342°, n° 1, do Cod. Civil.

Decisão Texto Integral:






                    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                    C... veio intentar a presente acção emergente de contrato de trabalho contra D... SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., pedindo que:

                    a) Julgar-se que o Autor resolveu o seu contrato de trabalho com a Ré, com justa causa.

                    b) A Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia global de €47.155,21, sendo €44.406,25 a título de indemnização por antiguidade, quantia essa acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

                    Para tanto alegou, em síntese e tal como consta da sentença recorrida, ter celebrado com a S... – Companhia ... SARL, em 4 de Abril de 1983, um contrato de trabalho, sendo que ultimamente, e na sequência de várias vicissitudes ocorridas na vigência de tal contrato, exercia as funções de encarregado de loja Classe A no Supermercado que a Ré explorava em ... Por meio das cartas juntas aos autos a fls. 8 e 8 verso foi-lhe comunicada pela Ré a sua transferência definitiva de local de trabalho, de ... para Santarém, sendo que as viagens diárias desde a residência do Autor até ao estabelecimento da Ré em Santarém e vice-versa implicam uma deslocação diária de 220 km, com uma duração de 1 hora e 30 minutos (cada) e com um custo de cerca de 40 euros /dia. Mais alegou ter vários problemas de saúde que o impedem de fazer viagens longas diariamente e ainda que tem à sua responsabilidade a sua esposa, que é doente do foro psicológico e que necessita de acompanhamento, não podendo por isso mudar a sua residência para Santarém. Por esse motivo, e invocando justa causa, resolveu o seu contrato de trabalho, por carta que enviou à Ré em 19.03.2018. Esteve de baixa médica de longa duração desde 26 de janeiro de 2005 e até à data da cessação do contrato, pelo que não gozou as férias que se venceram em 01.01.2005, não tendo também recebido o respetivo subsídio de férias ou os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano de 2018.

                    A Ré contestou, dizendo que a transferência do local de trabalho do autor de ... para Santarém não implica para este qualquer prejuízo sério, tanto mais que o mesmo não trabalha há mais de 13 anos, atenta a situação de baixa médica em que se encontra, inexistindo por isso qualquer justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

                    Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                    “Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:

                        1. Condenar a ré “D... SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA” a pagar ao autor C... a quantia de 173,80€ a título de férias não gozadas e subsídio de férias não pago do ano de 2005, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento;

                        2. Absolver a ré “D... SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA” do demais peticionado;

                        3. Absolver o autor C... do pedido reconvencional deduzido pela ré.

                        Custas da ação por autor e ré, na proporção dos respetivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o autor”.

                                                           x
                    Inconformado com o decidido, veio o Autor interpor recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões:

...

                    Não foram apresentadas contra-alegações.

                    Foram colhidos os vistos legais.

                    O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

                    Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos, como única questão a apreciar:

                    - se, por se verificar prejuízo sério com a transferência do local de trabalho, assistiu ao Autor o direito de resolver o seu contrato de trabalho com justa causa e à correspondente indemnização.                                     

                    Na 1ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade, não objecto de impugnação e que este Tribunal de recurso aceita:

...
                    O direito:
                    A sentença recorrida entendeu que não assistiu ao Autor justa causa para a resolução do seu contato, baseando-se na seguinte argumentação:

                        “Ora, no caso dos autos resulta provado que:

                        O estabelecimento de Santarém, onde a R. pretendia colocar o A., encontra-se a cerca de 110 km da residência do A., sita na ...

                        As viagens diárias, desde a residência do A. até ao estabelecimento de Santarém e vice-versa implicam uma deslocação diária de cerca de 220 quilómetros, com um custo de cerca de 40,00 euros / dia.

                        O A. padece de queixas de lombalgias com irradiação para o membro inferior esquerdo, parestesias no pé esquerdo e perda de força no membro inferior esquerdo, agravando-se tal sintomatologia com o esforço físico, situação, essa, que o impede de fazer viagens longas, diariamente.

                        O autor tem à sua responsabilidade a sua esposa, pessoa doente do foro psicológico, com quem vive, a qual precisa do acompanhamento do A., mais de perto.

                        O autor não tem ninguém que cuide da sua esposa nas suas ausências.

                        A viagem entre a residência do autor e Santarém representa um tempo de deslocação de 1 hora e 30 minutos.

                        Entre a residência do autor e o antigo local de trabalho em ..., distavam 46,8 Km, demorando essa distância a percorrer 54 minutos em cada sentido.

                        Parece assim, à primeira vista, atenta a distância do novo local de trabalho em relação à residência do trabalhador, bem como a duração das viagens diárias a realizar pelo trabalhador e as condições de saúde do mesmo e da esposa, a quem presta assistência, que a alteração de local de trabalho unilateralmente determinada pela entidade empregadora é suscetível de introduzir uma modificação substancial no “plano de vida”, pessoal e profissional, do trabalhador.

                        Sucede que no caso dos autos o trabalhador, conforme resulta da matéria de fato considerada provada, se encontra de baixa de longa duração desde de 26 de Janeiro de 2005.

                        Ora, encontrando-se o trabalhador de baixa médica de longa duração, terá de se concluir que o contrato de trabalho objeto dos autos se encontra suspenso, nos termos do artigo 294º do Código do Trabalho.

                        Na verdade, preceitua tal artigo, sob a epígrafe “factos determinantes de redução ou suspensão” que:

                        1-A redução temporária de período normal de trabalho ou a suspensão de contrato de trabalho pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respectivamente parcial ou total, de prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador ou ao empregador.

                        2-Permitem também a redução do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, designadamente:

                        a)-A necessidade de assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção de postos de trabalho, em situação de crise empresarial;

                        b)-O acordo entre trabalhador e empregador, nomeadamente acordo de pré-reforma.

                        3-Pode ainda ocorrer a suspensão de contrato de trabalho por iniciativa de trabalhador, fundada em falta de pagamento pontual da retribuição.

                        Mais dispõe o artigo 295.º, sob a epigrafe “efeitos da redução ou da suspensão” que:

                        “1-Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.

                        2-O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.

                        3-A redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.

                        4-Terminado o período de redução ou suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efectiva prestação de trabalho.

                        5-Constitui contra-ordenação grave o impedimento por parte do empregador a que o trabalhador retome a actividade normal após o termo do período de redução ou suspensão”.

                        Daqui resulta que durante a suspensão ficam suspensos todos os direitos, deveres e garantias relacionados com a efetiva prestação de trabalho – mas apenas esses.

                        Nas palavras de Júlio Gomes “durante a suspensão o contrato continua vivo – embora, de sono, de letargia ou de morte aparente – a e produzir efeitos, mantendo-se, pelo menos, certos deveres que não dependem da efetiva prestação de trabalho” – in “Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, pág. 852, Coimbra Editora.

                        Conforme se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 16/05/1983 (que se mostra publicado na Coletânea de Jurisprudência, 1983, tomo 3, pág. 200), durante a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado ficam em suspenso os seguintes direitos, deveres e garantias: pagamento de retribuições; prestação de trabalho; obediência à entidade patronal no que respeita à execução e disciplina no trabalho; velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho; promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa. A suspensão não afeta: o dever da entidade patronal respeitar o trabalhador como seu colaborador; o dever de o trabalhador tratar e respeitar com urbanidade e lealdade a entidade patronal, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa; o dever de guardar lealdade à entidade patronal, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ela, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção e negócios.

                        Ora, regressando ao caso dos autos, dir-se-á que encontrando-se o contrato de trabalho do autor suspenso desde 2005, o autor estava dispensado do dever de prestação de trabalho. Consequentemente, estava dispensado do dever de se apresentar no local de trabalho.

                        Dir-se-á também, colhendo os ensinamentos de Monteiro Fernandes, que o prejuízo sério do autor terá de ser apurado - em ternos hipotéticos ou virtuais, é certo – mas sempre considerando “elementos de facto atuais”– cfr. MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 395.

                        E aqui chegados teremos de concluir que, em face dos elementos de facto atuais, a alteração unilateral do local de trabalho não comporta para o autor qualquer prejuízo sério, não introduzindo qualquer modificação substancial no “plano de vida”, pessoal e profissional, do trabalhador, pela simples mas decisiva razão de que o contrato de trabalho do mesmo se mostra suspenso e por essa razão o trabalhador não tem que prestar trabalho, apresentar-se no local de trabalho e por isso também não tem que para o mesmo se deslocar.

                        Donde, e na esteira dos considerandos acima tecidos, entende-se não ser de reconhecer ao autor o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa, não lhe assistindo consequentemente o direito a ser indemnizado - o que se decide”.

                    Vejamos.

A sentença arvorou o seu raciocínio em dois aspectos fundamentais:

                    - existir potencial prejuízo sério para o Autor - trabalhador, com a transferência, mas caso ela se viesse a verificar, por ser susceptível de introduzir uma modificação substancial no “plano de vida”, pessoal e profissional, do trabalhador.

                    - dado que o Autor se encontrava de baixa (em que continuou até à resolução do contrato), com a consequente suspensão do contrato de trabalho, ficando suspensa, naturalmente, a prestação efectiva de trabalho, e tendo em conta que o prejuízo sério se tem de avaliar em termos de actualidade, não se verificou “qualquer modificação substancial no “plano de vida”, pessoal e profissional, do trabalhador, pela simples mas decisiva razão de que o contrato de trabalho do mesmo se mostra suspenso e por essa razão o trabalhador não tem que prestar trabalho, apresentar-se no local de trabalho e por isso também não tem que para o mesmo se deslocar”.
                    Paralelamente, a sentença faz uma abordagem teórica, com amplas referencias doutrinais e jurisprudenciais.
                    Não procedendo a repetições inúteis, há que dizer o seguinte:

                    A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

          É o seguinte o teor da carta de resolução enviada pelo Autor à Ré:

                        “- Como V/Exas bem sabem, o meu serviço tem sido prestado, até à data, em ...

                        Nos termos do n.º 1 do art. 194º do C.T., “O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações: a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço; b) Quando outro motivo de interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”.

                        Ora, se a alínea a) do supra referido artigo não se aplica porquanto o estabelecimento não foi mudado ou extinto, hipoteticamente estaria a minha mudança condicionada à alínea b) do art. 194º do C.T.

                        No entanto, cabe referir que a mudança para Santarém implica sério prejuízo para a minha pessoa, por bastantes razões, nomeadamente:

                        - O estabelecimento de Santarém, encontra-se a cerca de 110 km da minha residência, pelo que sempre estarão fora de hipótese as deslocações diárias, desde a minha residência, até ao estabelecimento de Santarém e vice-versa, como bem se compreenderá.

                        - Quanto à mudança de residência, não se afigura a mesma possível, porquanto tenho à minha responsabilidade a minha esposa, pessoa doente do foro psicológico, a qual precisa do meu acompanhamento mais de perto, para além do meu estado de saúde, não me permitir fazer tantos Km diários.

                        Por outro lado, a comunicação recebida, não fundamenta a exigência da minha mudança de local de trabalho, desconhecendo por isso tais razões.

                        Constituindo tal mudança um prejuízo sério para a minha pessoa e em consequência para o meu agregado familiar,

                        Neste sentido, mais opções não restam para que a entidade patronal possa transferir o trabalhador para outro local de trabalho, ainda que temporária ou definitivamente.

            Pelo que, outra alternativa não me resta, atentos os prejuízos irreparáveis para mim e para a minha família que despedir-me com justa causa, solicitando desde já o modelo 5044 acompanhado da indemnização a que tenho direito.

                        Decorre do artº 194º, nº 1, al a), e nº 5,  do CT que é legítimo ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho,  se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço e a transferência não importar prejuízo sério para o trabalhador.

          No caso de a transferência ser definitiva e verificando-se tal prejuízo s“ como se disseilidade  artº 194 al. f) le artº 192º.o local de trabalho, desde haja um motivo sério, o trabalhador terá direito à compensação prevista no artº 366º do CT- nº 5 daquele artº 194º.

                    Resulta do disposto no artº 129º do CT, como corolário do princípio jurídico-laboral da inamovibilidade, que o trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, não podendo ser transferido para outro local de trabalho, sem o seu acordo, fora das situações expressamente previstas na lei ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.

                    Sabe-se que o local de trabalho é um elemento essencial do contrato de trabalho, quer na perspectiva do empregador quer na perspectiva do trabalhador.

     No que a este se refere basta atentar que é em função deste local que o resto da sua vida, pessoal e familiar, é planificado.

                    Uma das excepções a esse princípio da inamovibilidade é, como se disse, a admissibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço .

                    Com elucida Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pag. 443), o fundamento da admissibilidade da transferência neste tipo de situações radica no facto de o estatuto contratual do trabalhador estar ligado,em certos termos, à organização técnico-laboral em que ele se insere, segue-lhe o destino e as vicissitudes”.

Parafraseando ainda o mesmo autor, o “(..) único meio de resistência à alteração do local de trabalho, nesses casos, parece consistir na resolução do contrato (..) procedimento que, segundo a letra da lei, o trabalhador só pode adoptar se houver prejuízo sério. O exercício desse direito dará lugar à indemnização (...)”.

                    Como se  refere no Ac. da Rel. de Lisboa de 10/10/2013, in www.dgsi.pt, embora seja claro que para existir direito a indemnização a transferência deve causar ao trabalhador um “prejuízo sério”, não se encontra na lei o que se deve entender como tal, isto é, não existe um conceito legal.

                    Ainda no domínio da LCT, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 2ª Edição, Lisboa, 1999, p. 198), escrevia queembora o conceito de prejuízo sério não esteja determinado na lei, tendo de ser fixado caso a caso pelos tribunais, parece certo que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador”.

                    Mais recentemente, Monteiro Fernandes, na mesma linha de pensamento a propósito da determinação do sentido e alcance do requisito “prejuízo sério“, escreveu o seguinte:

                     “Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece.

                    (...)

                    De resto, o carácter virtual do «prejuízo sério» implica uma ponderação de condições concretas que podem, como se viu, pertencer ao foro privado do trabalhador. Os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho relacionam-se muito estreitamente, com a tutela de interesses pessoais (e não tanto profissionais) do trabalhador. A consideração de uma transferência como «causa adequada» de prejuízos importantes – e, portanto, a determinação da possibilidade de recusa da alteração unilateral do lugar de trabalho – só pode resultar de uma análise das condições concretas da organização de vida do trabalhador, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade.

                    Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis” (ob. cit., pags. 449/450).

                    Por sua vez, o Supremo Tribunal de Justiça tem adoptado entendimento semelhante:

                    “Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado-  acórdão de 25/11/2010, proc. 411/07.0TTSNT.L1.S1.

                    “O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.(..)A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.(..) A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais” - acórdão de 03/03/2010, proc. 933/07.3TTCBR.C1.S1.
                    “O prejuízo sério há-de consistir num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do trabalhador visado. – acórdão de 13/04/2011, proc. 125/08.4TTMAI.P1.S1.

                    Estando todas estas decisões publicadas em www.dgsi.pt.
                    A intensidade do prejuízo é diferente, na hipótese de se tratar de uma transferência definitiva ou de uma transferência temporária, justificando-se uma maior intensidade do prejuízo nesta do que naquela.
                    Mas o prejuízo não tem de estar já concretizado, podendo

ser conjectural, desde que seja objetivamente comprovável, e que, no caso concreto, vá implicar uma modificação substancial da vida do trabalhador em consequência da mudança do seu local de trabalho
.

     Assim, e em termos de síntese, como o faz o Ac. da Rel. de Lisboa citado, pode afirmar-se que a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade -entre outros, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, sendo necessário, para que se verifique, que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.

     Quanto à imputação do ónus da prova, entendemos que o mesmo impende sobre a entidade empregadora, como aliás decidiu o Ac. do STJ de 12/2/2009, in www.dgsi.pt, referindo-se que “face à letra do n.º 1 do citado artigo 315.º, que a inexistência de prejuízo sério é pressuposto do exercício do poder do empregador, pelo que sobre este recai o ónus da respectiva prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil”.

                    No acórdão da Rel. de Lisboa de 05/06/2013, proc. nº 107/13.4TTBRR-A.L1-4, citado pela sentença e disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se que “cabe à entidade empregadora a alegação e prova dos factos demonstrativos «da inexistência de prejuízo sério» para o trabalhador da pretendida transferência, sufragando tal interpretação do preceito a Dr.ª Catarina Carvalho, obra citada, páginas 61 a 65, quando afirma que “A admissibilidade de a entidade patronal proceder a uma transferência individual de local de trabalho está dependente da verificação de um interesse da empresa e da inexistência de “prejuízo sério” para o trabalhador envolvido. Trata-se, portanto, de um direito do empregador cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo - a ausência de prejuízo sério. Assim, por força das regras gerais de repartição do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), cabe ao empregador provar que a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador afetado, assim como a existência de um interesse da empresa”.

                    Tal como configurado na alínea b) do n° 1 do artº 194° do CT, a inexistência de prejuízo sério é um requisito constitutivo do direito do empregador a transferir o trabalhador. Daí que lhe caiba o ónus de alegar e provar, na parte que controla, a concreta inexistência de prejuízo sério para o trabalhador afectado pela medida, nos termos do artº 342°, n° 1, do Cod. Civil.

                    Esta parece ser a solução que melhor se enquadra com o teor da alínea c) do nº 1 do art. 194º do CT e não deverá ser rejeitada com a argumentação de que a inexistência é um facto negativo, de difícil prova, porque no artº 196° do CT o legislador instituiu o procedimento a seguir na transferência do local de trabalho, impondo ao empregador que, antes de comunicar a sua decisão de transferência ao trabalhador, explicitando os seus fundamentos, se inteire da situação deste, para proceder à sua ponderação, em face do interesse da empresa. Deste modo, a averiguação da inexistência de prejuízo sério terá de ser efectuada com os elementos que o empregador conhece ou tem obrigação  de conhecer.

                    Neste sentido vejam-se Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho p. pag. 644, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, pag. 247; Pedro Madeira de Brito, Código do Trabalho Anotado, anotação ao artº 194º.

                    Acolhe-se, assim, a sentença recorrida no entendimento de que, nas circunstâncias concretas do caso, a transferência para o novo local de trabalho comportava, a concretizar-se, para Autor um prejuízo sério, susceptível de fundamentar a resolução do contrato de trabalho com direito a indemnização.

                    Mas, como se viu, a sentença não reconheceu tal fundamento de resolução, argumentando que, tendo em conta um critério de actualidade dos respectivos elementos factuais, o prejuízo sério não chegou a ser posto em equação, em termos da sua verificação efectiva, dada a situação de baixa em que o Autor se encontrava desde há alguns anos, com a consequente suspensão do contrato de trabalho, sendo um dos efeitos daquela a não obrigação de prestação de trabalho por parte do trabalhador, a não comparência no local de trabalho.

                    Em sede de recurso, e  só nesta sede, o Autor, aceitando implicitamente aquela configuração jurídica, vem aduzir um elemento novo: que, com as comunicações de mudança de local de trabalho, a Ré lhe determinou que regressasse de imediato ao trabalho, apresentando-se no local de trabalho identificado no prazo de 30 dias, pondo assim fim à situação de baixa e à correspondente suspensão do contrato de trabalho. É o que resulta, claramente, do conteúdo das conclusões 7ª e seguintes do recurso.

                    Acontece que nem na petição inicial tal argumentação foi utlizada, nem na carta de resolução o Autor faz qualquer referência  a tal cessação da suspensão do contrato de trabalho por determinação unilateral da Ré (a qual sempre seria claramente ilegal). Por outro lado, a Ré, na sua contestação nem em qualquer das comunicações que enviou ao Autor, em parte alguma invoca ou aceita, ainda que implicitamente, essa cessação. 

                    E, concomitantemente, essa problemática não foi objecto de abordagem na 1ª instância.

                    Estamos, assim, na presença de uma questão nova.

                    As questões novas suscitadas pela parte apenas em sede de recurso, que não foram alegadas oportunamente, nem consideradas pelo tribunal de 1ª instância, não podem por isso ser levadas em conta, estando vedada a sua apreciação ao tribunal de recurso.

                    Tal contrariaria a função dos recursos, que é a de proceder ao reexame das decisões da instância a quo e não a de criar decisões sobre matéria nova, não ponderada pelo tribunal recorrido. 

            Aliás, tem sido este o entendimento unânime da nossa jurisprudência - cfr., a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, Proc. 09P0308 e de 18/06/2006, proc. 06P2536

          Não sendo a referida questão de conhecimento oficioso, constituindo tal temática uma questão nova, não pode este tribunal conhecer da mesma.

                    E ainda que assim não fosse, sempre diremos, ainda que sucintamente, que de modo algum se pode interpretar, do ponto de vista de um declaratário normal (nº 1 do artº 236º do CC), que, com as comunicações escritas a que se referem os factos 6, 8 e 12,  a Ré tenha pretendido fazer cessar a suspensão do contrato, fazendo regressar o Autor imediatamente ao trabalho, nem no seu comportamento posterior, nomeadamente na carta de resolução, o Autor denota que assim tenha entendido essas comunicações (nº 2 desse artº 236º).

     Improcedendo, como tal, a apelação.
                    Decisão:

                    Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

                    Custas pela apelante.

                                                      Coimbra, 30/04/2019