Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2330/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE: SEUS PRESSUPOSTOS
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 10/28/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROCEDENTE
Área Temática: PROCESSO CIVIL, PARTE GERAL, PROCEDIMENTO
Legislação Nacional: ART.º S 388.°, N.° 2 E 393.° DO C.P.C.
Sumário: I- Optando o requerido pela oposição à providência cautelar contra ele requerida, tem ele a faculdade de alegar tudo aquilo que poderia sustentar na sua defesa, se tivesse sido previamente ouvido, reabrindo-se, assim, toda a discussão sobre as matérias que tenham sido alegadas no requerimento inicial.
II - Nessa medida, pode ser alterada a primeira decisão sobre a matéria de facto, sem que ocorra a excepção do caso julgado, competindo ao juiz, de acordo com a prova produzida na oposição, decidir da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, constituindo esta decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida - o que constitui uma excepção ao princípio da imodificabilidade das decisões judiciais, plasmado no art.º 666.° do C.P.C..
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de COIMBRA
I – RELATÓRIO
Os requerentes – M... e esposa M... – instauraram, no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse, contra os requeridos:
1) - JOSÉ ... e esposa ANA ...;
2) - REINALDO ...;
3) - RICARDO ...;
4) - ELÍSIO ...;
5) – LEONEL ....
Alegaram, em resumo:
São proprietários e legítimos possuidores de um prédio rústico, sito na freguesia de Louriçal, concelho de Pombal.
Os demandados, em conjugação de esforços, invadiram a propriedade e procederam com uma máquina ao corte da seara existente, fresaram o terreno e ameaçaram agredir os requerentes se entrassem no prédio.
Pediram a restituição provisória da posse do prédio aos requerentes.
Produzida a prova, foi proferida decisão que ordenou a restituição provisória da posse do terreno aos requerentes, seguindo-se o auto de restituição.
JOSÉ DA SILVA JORDÃO e LEONEL MOTA DA SILVA JORDÃO – deduziram oposição.
O oponente LEONEL alegou, em síntese, estar convencido que o terreno pertencia aos seus pais, bem como a seara nele implantada, não tendo praticado qualquer acto de esbulho, nem consciência de ter agido contra a vontade e interesses patrimoniais dos requerentes.
Por despacho de 2/12/2002, decidiu-se julgar improcedente a oposição, mantendo a decretada restituição provisória de posse
Argumentou-se, no essencial, que nenhum dos requeridos/opositores conseguiu provar factos ou apresentar prova capaz de levar à revogação ou redução da providência cautelar.
Inconformado com este despacho, LEONEL MOTA DA SILVA JORDÃO dele interpôs recurso de agravo, em cuja motivação formulou as seguintes conclusões:
1º) - O recorrente deduziu oposição e foi citado na pessoa de sua mãe e curadora;
2º) - O despacho reconhece que sofre de doença do foro psicológico, de distúrbio crónico, entendendo que lhe não afecta as funções cognitivas e o estado de consciência, excepto em raros momentos de agitação psicomotora e de disrupção do comportamento;
3º) - Também aceita que tem ataques, que há ocasiões em que está hospitalizado, mas que apesar disso conduz na estrada, quer tractores, tem alturas que não anda bem, mas que há testemunhas para quem ele falou normalmente;
4º) - Sem que ninguém dissesse que falou sobre o caso dos autos, nenhuma testemunha sabendo dizer o que quer que seja sobre o conhecimento que ele teria das acções referidas ou das diligências para a restituição de posse, entendendo-se que o recorrente não fez prova do que alegara;
5º) - É pela falta de prova que o tribunal presume o conhecimento, supondo-o por o recorrente não estar internado e viver com os pais;
6º) - Não se provaram minimamente os fundamentos para o pedido da providência, com base nos arts.393 e segs. do CPC, que foram violados;
7º) - Não houve por parte do recorrente, ora internado em hospital psiquiátrico, a prática de qualquer acto que consciente e provadamente violasse os direitos dos requerentes;
8º) - Não houve por parte do recorrente violação dos preceitos constitucionais ou cíveis referidos na petição inicial;
9º) - O despacho recorrido violou ainda, quanto ao recorrente, os preceitos reguladores do ónus da prova.
Não foram apresentadas contra-alegações e a M.ma Juiz proferiu despacho de sustentação.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).
Por seu turno, no nosso sistema processual civil, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
Como resulta das conclusões do recurso, são essencialmente duas as questões que importa decidir:
a) – O erro na apreciação da prova, em sede de oposição;
b) - Se a matéria de facto contém os pressupostos legais da providência requerida.
2.2. - 1ª Questão – o erro na apreciação da prova:
O agravante ataca, desde logo, a matéria de facto, invocando erro na apreciação da prova, mas não o fez da forma consentida pelo art.690-A nº1 e 2 do CPC, inviabilizando, assim, o poder de cognição do Tribunal da Relação.
Sobre a doença psiquiátrica do recorrente e a sua repercussão, designadamente, quanto a saber se tinha ou não consciência dos actos praticados, e, por conseguinte, se agiu voluntariamente, refira-se que o despacho recorrido, ponderou o relatório médico com os depoimentos das testemunhas, sendo, por isso, temerária a alegação de que o conhecimento, ou seja, o elemento subjectivo, derivou da falta de prova ou apenas da presunção baseada na circunstância de viver com os pais e não estar internado.
Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo, segundo os princípios da oralidade e imediação.
Por outro lado, não tem consistência a alegação de que o despacho recorrido violou, quanto ao recorrente, as regras do ónus da prova, pois inexistindo qualquer presunção legal, era precisamente sobre o oponente que impendia tal ónus, e não logrou demonstrar os factos da oposição.
Não se verificando, pois, nenhum dos pressupostos do art.712 nº1 do CPC, a matéria de facto fixada na 1ª instância é intangível.
2.3. - 2ª Questão - Os pressupostos da restituição provisória de posse:
2.3.1. - Sustenta o agravante não se terem provado os fundamentos para decretar a providência, pelo que foi violado o art.393 do CPC.
Decretada a providência cautelar sem audição prévia dos requeridos, com vista à garantia do contraditório subsequente, o art.388 do CPC possibilita, em alternativa, dois instrumentos de defesa:
a) - Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida ( nº1 alínea a/ ).
b) – Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 386º e 387º ( nº1 alínea b/ ).
Optando pela oposição, o requerido tem a faculdade de alegar tudo aquilo que poderia sustentar a sua defesa se tivesse sido previamente ouvido, reabrindo-se, assim, toda a discussão sobre as matérias que tenham sido alegadas no requerimento inicial.
Nesta medida, pode ser alterada a primeira decisão sobre a matéria de facto, sem que ocorra a excepção do caso julgado, competindo ao juiz, de acordo com a prova produzida na oposição, decidir da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida ( nº2 do art.388 do CPC ).
2.3.2. - Coloca-se, assim, a questão de saber se no recurso do despacho que julgou improcedente a oposição, pode o recorrente contestar os requisitos legais da decisão inicial que deferiu a providência cautelar.
Sobre esta problemática existem duas correntes jurisprudenciais.
a) - Tese da inadmissibilidade:
Os tópicos argumentativos arrancam, por um lado, da autonomia processual do incidente da oposição, cuja função específica se limita ao contraditório dos factos, já que o oponente apenas pode alegar factos novos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal que infirmem os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, e, por outro, do carácter alternativo dos meios de impugnação.
Nesta perspectiva, a alternatividade assenta numa lógica dicotómica entre a questão de direito/recurso e a questão de facto/oposição ( cf., por ex., Ac RP de 20/4/99 e de 6/7/2001, www dgsi.pt/jtrp ), ou, como se refere-se no Ac RL de 15/4/99 ( C.J. ano XXIV, tomo II, pág.107 ) o agravo dirige-se particularmente ao acto do juiz, enquanto a oposição visa directamente o acto do requerente.
E muito embora a decisão da oposição fique a constituir “ complemento ou parte integrante da inicialmente proferida “, só a decisão sobre a oposição constitui objecto deste recurso, já que a inicialmente proferida apenas pode ser alterada ou revogada se proceder a oposição.
Por isso, entende-se que, tendo deduzido oposição, se o oponente não logrou provar os fundamentos susceptíveis de afastar os fundamentos da providência decretada ou a sua redução, já não pode vir em recurso da decisão proferida sobre a oposição defender a inexistência de requisitos legais da providência, uma vez que esta matéria constitui objecto da decisão que decretou a providência ( cf., Ac RP de 16/1/99, BMJ 485, pág.486; Ac RL de 11/7/2002, www dgsi.pt/jtrl ).
No mesmo sentido, ANTÓNIO GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol.III, 2ª ed., pág.252 e segs., salientando o argumento da alternatividade e o princípio da legalidade dos meios de defesa.
b) - Tese da admissibilidade:
Deduzida a oposição e sendo admissível recurso da decisão da oposição, não obstante a proibição do uso simultâneo dos dois meios impugnatórios, o seu objecto pode compreender os fundamentos da “ decisão inicial “.
O argumento essencial é o da “ unidade das duas decisões “, já que a decisão inicial não faz caso julgado, configurando-se como uma “ decisão provisória “, de forma que constituindo a decisão sobre a oposição “ complemento ou parte integrante “, à semelhança do que prescreve o art.670 nº2 para o esclarecimento, rectificação ou reforma da sentença, o procedimento cautelar passa a ter uma “ decisão unitária “.
Por seu turno, o incidente da oposição, contrariamente aos embargos antes da reforma do Código de Processo Civil, visa ampliar o âmbito da defesa do requerido, tal como tivesse sido previamente ouvido, pois só assim se assegurará em plenitude o princípio do contraditório.
Após caracterizar a natureza da oposição e seguindo o critério da “ unidade das decisões “ na compreensão hermenêutica do art.388 nº1 alínea b) do CPC, decidiu-se, em caso similar, no Ac do STJ de 6/7/2000 ( BMJ 499, pág.205 ) que “ a proibição do uso simultâneo do recurso e da aludida oposição, diversamente do que sucedia no regime anterior, não implica, em caso de opção pela segunda, que seja proibido atacar no recurso da respectiva decisão, os fundamentos da decisão originária “ ( cf., no mesmo sentido, Ac RE de 14/10/99, BMJ 490, pág.334 e Ac RP de 30/9/99, www dgsi.pt/jtrp ).
Também LOPES DO REGO ( Comentários ao Código de Processo Civil, pág.284 ) escreve a dado passo:
“ O sistema instituído visa evitar que a parte tenha o ónus de lançar mão simultaneamente do recurso de agravo e da oposição subsequente, sempre que entenda que concorrem os pressupostos das alíneas a) e b) do nº1 do art.388, com o inconveniente manifesto das questões, muitas vezes conexas, estarem simultaneamente a ser apreciadas na 1ª instância de na Relação.
“ Daí que, verificando-se os fundamentos da oposição, traduzida na invocação de matéria nova, deva a parte começar por deduzi-la, aguardando a prolação da decisão que a aprecie, que se “ considera complemento e parte integrante” da sentença inicialmente proferida e abrindo-se só neste momento, a via de recurso, relativamente a todas as questões suscitadas, quer pela decisão originária, quer pela que a completa ou altera “.
Análise crítica de ambas as teses:
A possibilidade conferida ao requerido de recorrer, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência ( alínea a) do nº1 do art.388 CPC ), não se confina à estrita impugnação da legalidade do mesmo, ou seja à questão de direito, pois não lhe está vedado impugnar a própria decisão de facto ( art.690-A CPC ), face aos princípios gerais do recurso de agravo, tanto mais que a prova testemunhal é obrigatoriamente registada e, por outro lado, a Relação pode reapreciar a matéria de facto ( art.712 por remissão do art.749 CPC ).
Daí que a lógica dicotómica ( recurso/questão de direito e oposição/questão de facto ) em que assenta o argumento da alternatividade careça de consistência jurídica. De resto, a individualização do facto pressupõe o critério da relevância jurídica, como acentua MICHELE TARUFFO ( La Prueba De Los Hechos, Editorial Trotta, pág.89 e segs. ).
Por outro lado, o argumento da autonomia processual da oposição, não parece suficientemente seguro para afastar a tese da admissibilidade.
Com efeito, a oposição destina-se ao exercício subsequente do contraditório, mas apenas quanto à alegação de novos factos ou produção de provas não tidas em conta na decisão inicial, o que implica um incidente processual enxertado no procedimento cautelar, com regras processuais adoptadas para o efeito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts.386 e 387.
Ao contrário dos anteriores embargos, a oposição é apenas uma fase do próprio procedimento cautelar, inscrita na mesma instância e a respectiva decisão faz parte integrante da primeira, até porque colimada ao pedido e fundamentos inicialmente formulados pelo requerente, agora contraditados por novos factos, ficando ambas as decisões aglutinadas numa só, ou seja, uma “ decisão unitária “.
Trata-se, assim, de uma excepção ao princípio da imodificabilidade das decisões, plasmado no art.666 do CPC, pelo que a decisão inicial não faz caso julgado ( Cf. Ac STJ de 15/6/2000, C.J. ano VIII, tomo II, pág.110 ).
A natureza da “ decisão unitária “ foi também adoptada no Acórdão desta Relação de 28/11/98 ( C.J. ano XXIII, tomo V, pág.30 ), onde se decidiu que “ (…) no atinente à matéria de nulidades, se a decisão primitiva, chamemos-lhe primeiro momento da decisão unitária, cometeu alguma nulidade, esta pode ser suprida na segunda, o segundo momento, omitindo ou praticado o acto, cuja prática ou omissão geram nulidade. Com efeito, na sua globalidade, a sentença deixou de estar viciada “.
Ora, decidindo o tribunal manter a providência cautelar anteriormente decretada, e, por consequência, também os seus fundamentos jurídicos, constituindo complemento e parte integrante da inicialmente proferida, o que significa uma “ decisão unitária “, se o requerido já não os pudesse impugnar ficaria claramente cerceado o exercício do contraditório.
Neste contexto, a argumentação dogmaticamente mais consistente é a subjacente à tese da admissibilidade, que, por isso, aqui de adopta, impondo-se aquilatar se os factos provados, que se passam a discriminar, contêm todos os requisitos legais do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, ou seja, se foi violada a norma do art.393 do CPC.
2.4. - Os factos provados:
1) — Os ora requerentes são donos do prédio rústico, composto por terra de cultura, sita em Raza dos Foitos, Freguesia de Louriçal, concelho de Pombal, com a área aproximada de 3800 m2, a confrontar do norte e do sul com o próprio, do nascente com herdeiros de Sebastião Lopes e do poente com José Lopes Leal e outro, inscrito na matriz respectiva, sob o artigo 2951 e descrito na Conservatória do registo predial sob o número 1278 definitivamente ao seu favor.
2) - Os requerentes adquiriram tal prédio mediante acção judicial de preferência, a qual correu os seus termos no tribunal do círculo de Pombal, sob o n° 47/96 e, confirmada por acórdão de Relação de Coimbra, cujas decisões transitaram em julgado em 11.03.99.
3) - Nessa mesma acção foram demandados os primeiros requeridos.
4) - Os requerentes por si e, seus antepossuidores, há mais de 1, 10, 20, 30 e mais anos sempre têm vindo a possuir tal prédio.
5) - Nele cavado, semeado, plantado, sachado, colhido todos os produtos agrícolas e culturas tradicionais tais como: milho, trigo, pasto, feijão, favas, batata.
6) - Tudo e sempre dia após dia e sem interrupção, à vista da generalidade das pessoas, sem oposição ou intromissão de ninguém e sem violência de qualquer espécie.
7) - Certo de, com essa prática, não lesarem ou ofenderem direito ou interesses de outrem, na firme convicção de exercerem um direito pleno, próprio e singular - o de propriedade.
8) - No exercício deste direito e posse os requerentes mantinham na propriedade que adquiriram uma cultura de pasto e seara de trigo e favas, a qual se encontrava em fase de maturação.
9) - Contudo, os requeridos demandados na aludida acção, filhos e trabalhadores daqueles de comum acordo e de conjugação de interesses e esforços;
10) - No dia 17 do corrente mês de Maio, na pessoa dos 2°, 3º e 4° requeridos, invadiram o prédio e ali, com uma máquina procederam ao corte da seara existente.
11) - No dia seguinte 18 do mesmo mês, voltaram a invadir e a introduzir-se na propriedade e, de novo, continuaram o corte da mesma seara.
12) - Para no dia 20, o 2° e 5º requeridos concluírem o corte.
13) – Após, apoderaram-se da seara cortada, a qual transportaram para local que bem entenderam, fazendo como a coisa sua.
14) - Os requerentes participaram os factos à Guarda Nacional Republicana da Guia e, apresentaram queixa-crime neste Tribunal.
15) – Porém, os requeridos no dia 29 de Maio, mais uma vez, voltaram a invadir o prédio e com uma máquina fresaram o terreno.
16) - Fazem constar que, de seguida, vão proceder a sementeira e plantação do mesmo, e, caso os requerentes pretendam entrar no prédio serão agredidos.
17) - Ora os requeridos actuam em flagrante violação do direito de propriedade e da posse, contra a vontade e os interesses dos requerentes e a decisão do Tribunal.
18) - Os requeridos conhecem e sabem que a propriedade e, a posse foi entregue aos requeridos por via judicial no âmbito da acção em execução de sentença.
19) - Actuam contra a vontade dos requerentes.
2.5. - O procedimento cautelar especificado da restituição provisória da posse pressupõe a comprovação de três requisitos cumulativos, claramente definidos no art.393 do CPC: a posse, o esbulho e a violência.
A posse, segundo a concepção subjectiva ( tese savignyana ) adoptada pela lei ( art.1251 do Código Civil ) é integrada por dois elementos: o corpus ( elemento material ), que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzida no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício; e o animus, ou seja, a intenção de exercer sobre a coisa o direito real correspondente a esse domínio de facto.
Considerando os factos elencados de 1) a 8), é apodíctico estar demonstrada a posse dos requerentes sobre o prédio rústico, composto por terra de cultura, sita em Raza dos Foitos, Freguesia de Louriçal, concelho de Pombal, inscrito na matriz sob o artigo 2951 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 1278.
O esbulho consiste na privação, total ou parcial, da posse, ou seja, quando o possuidor fica privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à posse e distingue-se da turbação porque esta apenas diminui, altera ou modifica o gozo ou o exercício do direito possessório, mas o possuidor conserva ainda a posse ( cf. MANUEL RODRIGUES, A Posse, 3ª ed., pág.363, HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, 1967, pág.126, MOITINHO DE ALMEIDA, Restituição de Posse, 2ª ed., pág.109 ).
Comprovou-se que os requeridos, de comum acordo e em conjugação de esforços, invadiram o prédio nos dias 17, 18 e 20 de Maio de 2000 procederam ao corte da seara, com uma máquina, da qual se apropriaram, e no dia 29 do mesmo mês voltaram a invadir o prédio e fresaram-no, também com uma máquina, com vista a nele fazerem sementeira e plantação.
Por vezes, não é fácil distinguir se o acto lesivo da posse configura esbulho ou turbação, mas no caso de destruição ou realização de uma sementeira, lavrar, ou alqueivar um prédio de outrem, a doutrina aponta-os como exemplos de actos de turbação ( cf. MANUEL RODRIGUES, loc.cit., pág. 363 e 364, HENRIQUE MESQUITA, loc.cit., pág.126 ).
Nesta perspectiva, os requerentes não ficaram privados, mas tão só perturbados da posse sobre o terreno.
Porém, ainda que se qualifiquem tais actos como esbulho, os elementos factuais disponíveis não são suficientes para caracterizar a violência, como requisito postulado nos arts.393 do CPC e 1279 do CC.
Não fornecendo estas normas o conceito operativo de violência, deve o mesmo corresponder ao definido no art. 1261 nº2 do Código Civil - "considera-se violenta a posse, quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255º".
Por isso, não basta para integrar o conceito de violência que a actuação do esbulhador seja feita sem o consentimento ou contra a vontade do possuidor ou que este tenha ficado prejudicado com a actuação daquele.
É necessário alegar e provar a existência de coacção física ou moral, sendo certo que, nos termos do art. 255 nº1 do CC., se refere feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
Assim, o esbulho é feito sob coacção moral se o possuidor cede pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda daquele ou de terceiro ( nº2 do art.255 CC ).
Em resumo, a violência do esbulho deve traduzir-se em coacção física ou moral e tanto pode ser exercida sobre as pessoas, como sobre as coisas, mas neste caso só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, o que só poderá ocorrer sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho e não sobre a própria coisa, objecto da posse.
Pois bem, provando-se apenas que os requeridos fizeram constar que, de seguida, iriam proceder à sementeira e plantação do terreno, e, caso os requerentes pretendessem entrar no prédio seriam agredidos, não está demonstrada a violência.
Desde logo, não se comprovou o emprego de coacção física contra os requerentes e a entrada no prédio rústico de máquinas agrícolas sem necessidade de vencer qualquer obstáculo, não constitui violência.
Por outro lado, a ameaça de agressão não foi dirigida directamente aos requerentes, já que a fizeram constar ( não se sabe a quem ), e só relevaria se tivesse sido demonstrado que ela interferiu ou prejudicou a liberdade de determinação dos requerentes.
Neste contexto, sendo os factos provados insuficientes para caracterizar o esbulho e a violência, a sentença que decretou o procedimento cautelar de restituição provisória da posse violou o art.393 do CPC, impondo-se a sua revogação.
III - DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)Julgar procedente o agravo e revogar a decisão que decretou a restituição provisória da posse aos requerentes.
2) Custas, em ambas as instâncias, pelos agravados.
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COIMBRA, 28 de Outubro de 2003 ( processado por computador e revisto ).