Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1675/20.0T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIORIDADE DE PASSAGEM
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
EXCLUSÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DAS CALDAS DA RAINHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 11.º, 2; 30.º E 44.º, 1, DO CÓDIGO DA ESTRADA
ARTIGO 570.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 423.º; 425.º; 443.º, 1; 607.º, 3 A 5; 638.º, 7; 639.º; 640, 2, A); 651.º, 1 E 665.º, DO CPC
ARTIGO 27.º, 1 E 4, DO REG. DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário: 1. - Ocorrido acidente de viação, em entroncamento, entre motociclo sem prioridade de passagem e veículo automóvel que, apresentando-se pela direita daquele e pretendendo virar à esquerda – para a via por onde seguia, em frente, o motociclo –, dispunha de tal prioridade, o embate do motociclo na parte lateral do veículo automóvel, quando este circulava no interior do cruzamento, é imputável a culpa efetiva do motociclista.

2. - Porém, tendo o condutor do veículo automóvel efetuado a manobra de mudança de direção de forma inadequada, seguindo trajetória enviesada – em diagonal – para a esquerda, de onde provinha o motociclo, em vez de circular em perpendicular, com o que encurtou o espaço frontal de circulação do motociclo e diminuiu o tempo possível de reação ao obstáculo assim surgido, a conduta daquele condutor também contribuiu, de forma culposa, para o eclodir do evento danoso.

3. - Para tal caso, tratando-se de culpas efetivas concorrentes, rege o disposto no art.º 570.º, n.º 1, do CCiv., devendo graduar-se, perante este circunstancialismo, as culpas em 80% para o motociclista (lesado) e 20% para o automobilista (condutor do veículo seguro).

4. - A entender-se inexistir culpa do condutor do veículo seguro, não poderia obter-se, no caso, indemnização pela seguradora mediante a interpretação que admite a concorrência do risco (do lesante) com a culpa (exclusiva) do lesado: o dever de indemnizar sempre estaria excluído pelo disposto no art.º 570.º, n.º 2, do CCiv., norma geral do regime indemnizatório.

5. - É que o nosso direito vigente não permite indemnização dos danos num tal caso, uma vez que, se aquele n.º 2 do art.º 570.º exclui o dever de indemnizar perante o concurso entre culpa efetiva do lesado e culpa presumida do lesante, então necessariamente haverá exclusão (desse dever) no caso de concurso entre risco do lesante (isto é, responsabilidade objetiva, ausência de culpa) e culpa efetiva do lesado.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***
I – Relatório

P..., Unipessoal Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra

1.ª - “G..., S. A.”,

2.º - AA e

3.º - BB,

todos também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a pagar-lhe a quantia indemnizatória de € 22.157,05.

Para tanto, alegou, em síntese:

- a existência de um acidente de viação, em que foram intervenientes um veículo motociclo, propriedade de CC, trabalhador ao serviço da A., e o veículo automóvel de matrícula «..-BJ-..», segurado na Ré «G...», conduzido pelo R. AA e propriedade do R. BB, de que resultaram danos para aquele seu trabalhador;

- tratando-se de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, procedeu a A. à indemnização do seu trabalhador, no âmbito de decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho;

- todavia, a responsabilidade culposa pelo acidente é exclusivamente imputável ao condutor do veículo seguro na 1.ª R., com a consequente responsabilidade indemnizatória pelos danos causados a impender sobre aquela (e demais RR.), para a qual se encontrava transferida por via de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel;

- assim, a A. pretende exercer um seu «direito de regresso» sobre (todos) os RR., relativamente aos valores pagos ao seu trabalhador, que ascendem ao montante peticionado.

Na sua contestação, a R. seguradora, impugnando os factos alegados quanto ao desenrolar do acidente, concluiu pela improcedência da ação.

Também os demais RR. apresentaram a respetiva contestação, alegando – tal como a 1.ª R. – que o embate é imputável exclusivamente ao condutor do motociclo e impugnando a factualidade alegada pela A., assim concluindo pela respetiva absolvição do pedido.

Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida sentença ([1]), na qual, depois de se declarar a «ilegitimidade do[s] Réus AA e BB», com consequente absolvição dos «mesmos da instância», conhecendo-se em matéria de facto e de direito e considerando-se totalmente improcedente a ação, foi a R. seguradora, por sua vez, absolvida «de todo o peticionado».

Inconformada, recorre a A., apresentando alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([2]):

«1. O tribunal errou na apreciação da prova, ao não dar como provado:

a) - Que o entroncamento de onde provinha o veiculo ligeiro, na Rua ... tem má visibilidade obrigando a parar para se conseguir ter visibilidade sobre que vem da esquerda;

2. Resulta da prova gravada, quer do depoimento da testemunha DD, quer da testemunha EE, agente da PSP, que o cruzamento de onde saía o veículo automóvel BJ tinha má visibilidade, sendo necessário parar a marcha para ter visibilidade sobre quem vinha da esquerda;

3. Também errou do tribunal “a quo” ao dar como provado o ponto 16) da Forma como o fez.

4. Resulta não só do depoimento claro da Testemunha EE, agente da PSP, que o ponto de embate do motociclo BF com o veículo automóvel BJ, ocorre na parte lateral esquerda, no guarda lamas e do espelho retrovisor para a frente e não para o lado da porta.

5. Ao invés o tribunal “a quo” devia ter dado como provado que

- 16) O motociclo BF embateu com a parte da frente na parte lateral esquerda do veículo BJ, do espelho retrovisor para a frente, sobre o guarda lamas (art.18º da petição inicial e art. 29º da contestação da Ré G...);

6. Facto este relevante para se perceber que a hemifaixa de rodagem por onde circulava o motociclo BF, tinha 3,56metros, se o o embate ocorreu a 2,10metros ou 2.15metros dessa faixa de rodagem, tendo o embate ocorrido na parte anterior lateral esquerda do veículo automóvel BJ, ou seja na zona do guarda lamas dianteiro, é forçoso concluir que este tinha iniciado a manobra frações de segundo antes do motociclo atingir o ponto de embate;

7. Ao que acresce que o Tribunal “a quo”, também decidiu em contradição com a matéria da facto provada, senão vejamos:

8. Resultou provado: 14) O veículo BJ, após o separador referido em 11), mudou de direcção à esquerda e, direccionando-se, na diagonal, no sentido Sul-Norte, atravessou a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo de matricula BF, não fazendo a perpendicular para entrar na via referida em 13) (art.16º, 17º, 18º e 20º da petição inicial);

9. Mas conclui o tribunal “a quo” , que tal manobra, que constitui uma infração estradal, não teve influência na ocorrência do acidente.

10. A mudança de direção à esquerda, pelo perigo que potencia, exige especiais cuidados de quem a empreender. Daí a exigência de que os condutores que pretendam mudar de direcção para a esquerda se devem aproximar-se, com a necessária antecedência do eixo desta, quando a via esteja afecta ambos os sentidos de trânsito, e efectuarem a manobra de modo a entrarem na via que pretende tomar pelo destinado ao seu sentido de circulação (artigo 44º, nº 1, do Código da Estrada).

11. O que resultou provado, designadamente do depoimento das testemunhas regeridas e do documento 6 junto à Contestação pela R. Seguradora, é que atenta a configuração do local se o condutor do veículo automóvel BJ, tivesse parado o carro, tomados as precauções necessárias, face à má visibilidade do entroncamento de onde provinha e

12. ao invés de encostar à esquerda a seguir ao separador e virar na diagonal como fez, tivesse tomado o eixo da via, cerca de 8 metros à frente do separador e realizasse a perpendicular na manobra de viragem à esquerda, a distância entre o motociclo e o veiculo ligeiro aumentava exponencialmente,

13. Permitindo ao motociclo maior tempo de reação e mais espaço para se desviar do veiculo ligeiro, o que só não aconteceu porque o veiculo ligeiro entrou de forma inesperada e na diagonal na hemifaixa por onde circulava o motociclo, cortando a faixa de rodagem destinada ao motociclo, daí a necessidade da existência da previsão legal contida no artigo 44º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada.

14. Mais, dispõe o artigo 35º do Código da Estrada: - O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.

15. É assim forçoso concluir, que: - quer pela configuração e má visibilidade do entrocamento de onde provinha o condutor do veículo ligeiro,

16. - quer pelo perigo que representa o tipo de manobra que efetuou, sendo que a efetuou desrespeitando as regras estradais quanto à forma como se faz a mudança de direção à esquerda e à especial cautela que este tipo de manobra implica,

17. - quer pelas medidas da hemifaixa onde ocorreu o embate e ponto de embate, no guarda lamas dianteiro do veículo ligeiro e atento também o comprimento do veiculo ligeiro,

18. O Condutor do veículo ligeiro BJ, contribuiu de forma determinante para que o acidente ocorresse como ocorreu, havendo também culpa do seu lado da produção do acidente.

19. Ao decidir como decidiu o tribunal “ a quo” violou, os artigos 35º e 44º, n.ºs 1 e 2 do Código da Estrada.

20. À cautela e aderindo na integra ao raciocínio feito na sentença, pelo Tribunal “ a quo” – mas não à conclusão que chega - e ao circunstancialismo do acidente sub judice, será sempre de aplicar ao caso a solução da concorrência entre o risco da actividade do agente e um facto culposo do lesado, com base na nova interpretação, conjugada, do disposto nos artigos 505º e 570º nº 1 do Código Civil, como perfilhado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido na sentença recorrida.

21. Ao concluir pela inaplicabilidade do regime da responsabilidade pelo risco o Tribunal “a quo”, violou os artigos 505º e 570º, n.º 1 do Código Civil;

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” substituindo-se por outra, que:

- Conclua pela existência de culpa do condutor do veículo ligeiro BJ, na produção do acidente e condene a R. seguradora ao pagamento dos valores peticionados;

Se assim não se entender:

- Decida pela aplicação ao caso sub judice do regime da responsabilidade pelo risco, devendo a Ré seguradora ser condenada ao pagamento do[s] valores peticionados.

Com o que se fará JUSTIÇA!».

A R. (seguradora) apresentou contra-alegação, pugnando pela rejeição da impugnação da decisão de facto – por inobservância do ónus de indicação exata das passagens da gravação da prova pessoal convocada – e pela improcedência do recurso.


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Tal recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito do recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa decidir, em matéria de facto e de direito, no essencial, sobre as seguintes questões ([4]):

a) Admissibilidade de junção de prova documental na fase de recurso (questão prévia);

b) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto: admissibilidade e procedibilidade;

c) Culpa (exclusiva ou concorrente) do condutor do veículo seguro na R. – em termos de reapreciação da dinâmica e causas do acidente –, determinando a responsabilidade da Apelada (ou a repartição de responsabilidades);

d) Concorrência entre o risco (do lesante) e a culpa (do lesado);

e) Quantum reparatório, importando fixar o montante da obrigação.


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III – Questão prévia

A A./Recorrente veio, com a sua peça recursiva (cfr. fls. 294 v.º do processo físico), juntar um «documento» [constituído por representação gráfica / fotografia aérea, retirada do Google, com aposição de setas indicativas do que a parte considera ter sido feito e do que deveria ter sido feito em termos de trajetória de circulação do veículo seguro no local do acidente (trajetória em diagonal, em vez de em perpendicular)].

Entendendo o relator que não deve a parte apresentante limitar-se a fazer acompanhar a sua alegação de recurso de documentos de cariz probatório, antes devendo, desde logo, alegar/motivar no sentido de demonstrar que a junção é admissível/tempestiva (ante os parâmetros legais do art.º 651.º do NCPCiv.) e que é útil/pertinente, veio a Apelante, em resposta, argumentar que a junção se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.

Assim, entende haver novidade da questão decisória justificativa da junção do documento, só revelada pela decisão recorrida, visto o «tribunal “a quo”, apesar da prova quer testemunhal, quer documental produzida», apesar de «ter resultado provado, que o condutor do veículo automóvel, tinha que se encostar ao eixo da via, fazer a perpendicular, para poder virar à esquerda e não o fez, violando regras estradais», ter decidido «não atribuir ao condutor do veículo automóvel qualquer culpa na produção do acidente».

Uma tal decisão «só pode resultar do facto de o tribunal não ter levado em atenção a configuração da via, distâncias e da importância vital, que naquela via, com aquela configuração concreta, a realização da perpendicular é fundamental para evitar o acidente», razão pela qual a Apelante pretende «demonstrar, que o Tribunal “a quo”, na sua decisão omite por completo a análise da configuração da via e a forma como o desrespeito pelas regras estradais, operadas pelo condutor do veículo automóvel, foram determinantes da produção do acidente».

Cabe tomar posição decisória.

Assim:

Verifica-se que pretende a Recorrente se admita a junção de um documento, ao abrigo do disposto no art.º 651.º, n.º 1, do NCPCiv., por a sua junção apenas se ter tornado necessária agora, em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Que dizer?

Dir-se-á, desde logo, quanto à tempestividade da junção, que cabia à agora Recorrente juntar – e não alega, nem mostra, que o não pudesse fazer – o documento até vinte dias antes da data de realização da audiência final, como resulta do disposto no art.º 423.º do NCPCiv., notando-se até que a contraparte já antes, perante a 1.ª instância, intentou juntar «registo fotográfico» do local do acidente (cfr. requerimento de 21/04/2022, a fls. 234 e segs. do processo físico), contendo oito fotografias, no intuito de elucidar sobre a matéria da (in)visibilidade quanto ao local (nos seus enquadramentos pertinentes), o que lhe foi indeferido, por extemporaneidade, considerando-se, aliás, então, que «a Ré G... juntou aos autos “relatório pericial” de onde constam diversas fotografias do local», sendo que «ambos os Réus se pronunciaram nos seus articulados quanto à visibilidade do local, pelo que não se compreende como só agora tal questão se possa ter suscitado» (cfr. despacho de 06/05/2022, a fls. 243 do processo físico).

Assim, vista até a polémica anterior nos autos (em 1.ª instância), sempre seria de concluir pela intempestividade da junção na fase recursória (agora de trabalhada fotografia aérea, extraída de ferramenta informática do Google), exceto demonstração da necessidade da junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância (art.ºs 425.º e 651.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.).

Ora, é manifesto que a prova documental pretendida juntar não visa a alteração do quadro fáctico fixado pela 1.ª instância, nenhuma relevância assumindo, pois, em sede de impugnação da decisão de facto, uma vez que não é indicada para prova ou contraprova quanto a nenhum dos factos objeto de impugnação recursiva (matéria omitida pela parte).

Ela apenas se destina, como a Recorrente expressamente afirma, a fortalecer a impugnação da decisão de direito, em matéria de culpa pela produção do acidente, atento o desfecho do processo em 1.ª instância.

        Ora, como é consabido, a junção de documentos na fase de recurso é excecional (art.º 651.º do NCPCiv.), pois que a junção de prova documental “deve ocorrer preferencialmente na 1.ª instância, regime que se compreende na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica” ([5]).

        Assim, é admissível a junção em sede de recurso quando a apresentação dos documentos não tenha sido possível até então ou quando a junção apenas se tenha revelado necessária por força do julgamento proferido, “maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”, sendo de recusar a junção “para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” ([6]).

        Como visto, o documento em causa, embora constitua um meio de prova, nem sequer se destina a provar quaisquer factos, já que apenas visa abalar a fundamentação de direito – que, como tal, não é suscetível de prova documental – da decisão recorrida, não podendo dizer-se que a sua apresentação se tornou necessária por virtude de ocorrência posterior à sentença ([7]).

        Com efeito, inexiste qualquer ocorrência posterior que tivesse tornado necessária a apresentação e a junção também não aparece agora como “necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, pois que, por um lado, com o documento cuja junção se sindica não pretende a Apelante pôr em causa outros meios probatórios surgidos de surpresa nos autos e que tivessem sido considerados na decisão recorrida, nem, por outro lado, esta decisão se fundou em provas desse cariz (inesperadamente apresentadas), designadamente surgidas por determinação (oficiosa) do tribunal, ou em qualquer norma jurídica com que tal ora Apelante não contasse.

Não sendo, pois, a junção adequada ao fim pretendido – pôr em causa as conclusões de direito da decisão em crise, em matéria de culpa por acidente de viação –, resta concluir, não só pela extemporaneidade, mas também pela impertinência e desnecessidade, do documento apresentado, impondo-se, assim, a sua rejeição.

        Pelo exposto:

a) Não se admitirá a requerida junção de documento, ordenando-se, por isso, o seu desentranhamento, ficando cópia no seu lugar;

        b) E condenando-se a parte apresentante na legal multa a que aludem os art.ºs 443.º, n.º 1, do NCPCiv., e 27.º, n.ºs 1 e 4, do RCProc., que se fixa em 1,5 UC.


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IV – Fundamentação

A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Admissibilidade da impugnação (e eventual procedibilidade da mesma)

Como visto, começa a A./Apelante por se insurgir contra o quadro fáctico da sentença, o dado como provado (facto 16, para o qual pretende diversa redação) e outro que não foi contemplado na sentença (ter o entroncamento correspondente ao local do acidente, na perspetiva de onde provinha o veículo automóvel, má visibilidade, obrigando a parar para conseguir ter visibilidade para a esquerda), indicando ainda, como lhe competia, quais as provas em que se fundamenta – provas gravadas – e qual o sentido pretendido da alteração por que se bate.

Ex adverso, argumenta a R./Apelada que deve ser rejeitada a impugnação da decisão da matéria de facto, explanando que a Recorrente não indicou “os concretos minutos do registo da gravação das passagens que transcreveu dos depoimentos que considerou relevantes (…)” ([8]).

Será assim?

É certo que a Recorrente alicerça a sua impugnação, no âmbito fáctico, em provas oralmente produzidas e, por isso, gravadas (mormente, depoimentos testemunhais, a que alude a ata de audiência final).

Da exarada fundamentação da convicção da 1.ª instância resulta que o Tribunal a quo se alicerçou na análise crítica e conjugada das provas produzidas, mormente depoimentos das testemunhas ouvidas, entre elas as duas a que se reporta a impugnante. Isto é, foi essencial a prova gravada, incluindo os depoimentos daquelas testemunhas, expressamente referidas ao longo da dita fundamentação da convicção (cfr. fls. 266 e segs. dos autos em suporte de papel).

Assim sendo, esperava-se que a Apelante esclarecesse devidamente, não só quais os factos que, na sua ótica, foram julgados erradamente, como ainda quais as concretas provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto, devendo, ademais, indicar com exatidão, baseando-se em provas gravadas, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([9]).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou, ou não, adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente, tudo por forma a verificar se as provas produzidas impunham decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Como explicita Abrantes Geraldes ([10]), “(…) b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;

c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…)”.

Para depois concluir que a rejeição do recurso – total ou parcial – quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, na situação de “Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, acrescentando que “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([11]).

Ante este quadro referencial, parece notório – salvo o devido respeito por diverso entendimento – que a Apelante não observou adequadamente um imperativo ónus a seu cargo, estabelecido no art.º 640.º do NCPCiv. – conjugado com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, pois que omitiu, nas conclusões e na antecedente motivação, a necessária indicação (exata) das passagens da gravação em que se funda o recurso, apenas tendo indicado a hora de início e fim de cada um dos depoimentos (como logo consta mencionado em ata) e procedido à (facultativa) transcrição de excertos dos depoimentos a que se reporta, mas, até aí, sem qualquer menção temporal ([12]).

É patente, pois, que a Apelante se limitou, neste particular, a indicar algumas das provas gravadas (por depoimentos testemunhais), sem aludir à hora/minutos/segundos das passagens da respetiva gravação, faltando, pois, a concreta localização na gravação dos segmentos que lhe interessavam, com o que se afastou da observância daquele ónus – decorrente de preceito legal imperativo – de indicação exata das passagens da gravação em que se funda ([13]), para o que a lei concedia um prazo recursório acrescido de dez dias à parte recorrente (art.º 638.º, n.º 7, do NCPCiv.).

Vício este determinante, como pretende a contraparte, da “imediata rejeição do recurso na respetiva parte”, segundo o disposto naquele preceito imperativo do n.º 2, al.ª a), do art.º 640.º do NCPCiv. ([14]).

Especificamente sobre o ónus legal de indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recorrente e consequências da respetiva omissão, veja-se ainda o Ac. STJ de 19/02/2015 ([15]), em cujo sumário pode ler-se:

«(…) 3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.

4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. (…)».

Atente-se ainda no Ac. STJ de 26/05/2015 ([16]), em cujo sumário consta que, «Se o recorrente não alegar, ou alegando, não concluir, o requerimento de interposição do recurso é indeferido, nos termos do estipulado pelo art. 641.º, n.º 2, b), do CPC, mas se alegar e concluir, faltando as especificações quanto à exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, o mesmo é, imediatamente, rejeitado …».

Em suma, faltando, in casu, as especificações quanto à exatidão das passagens da gravação em que a Apelante se funda (que não constam da alegação nem das conclusões recursórias), comprometida fica, por razão de ordem formal, a impugnação empreendida, pois que toda essencialmente baseada em prova por depoimentos objeto de gravação, restando, por isso, a rejeição desta parte do recurso.

Mas mesmo que se entendesse que a junção/apresentação, sem qualquer menção temporal, de excertos da gravação áudio supriria a falta de menção exata das passagens da gravação, outros obstáculos se levantariam à pretensão da Recorrente.

Vejamos.

Na sua conclusão 1.ª, a Apelante pretende que houve erro de julgamento ao não se dar como provado «Que o entroncamento de onde provinha o veiculo ligeiro, na Rua ... tem má visibilidade obrigando a parar para se conseguir ter visibilidade sobre que vem da esquerda».

Ora, tratando-se de pretendido facto que não consta do quadro fáctico da sentença (nem do provado, nem do não provado), apesar da caraterização factual, operada na decisão recorrida, do local do acidente, não refere a impugnante, desde logo, que se trate de facto alegado por alguma das partes (e onde se mostrasse alegado).

Acresce que, a mais da sua dimensão de alguma forma conclusiva, ante o modo de formulação proposto (uso de conceitos como «má visibilidade» e «obrigar a parar para conseguir ter visibilidade», com uma dimensão algo vaga e subjetiva, ao arrepio do que resulta, quanto a conteúdo factual objetivo, do art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.), sempre se trataria de ampliação da matéria de facto, posto haver omissão a respeito na sentença.

Isto é, para além do que já consta dos factos provados – e da enunciação dos não provados –, não houve pronúncia a respeito na 1.ª instância.

Porém, cabe dizer, salvo o devido respeito, que não cabe à Relação a reapreciação recursiva quanto a matéria de facto sobre que não se pronunciou o Tribunal recorrido. Com efeito, como entendido no acórdão desta Relação de 10/05/2022 ([17]), e consta do respetivo sumário:

«I- O dever de reapreciação, pela Relação, da prova produzida, sindicando a decisão de facto, só existe em relação aos factos objeto de pronúncia pelo tribunal recorrido.

II- Se o tribunal de 1.ª instância não se pronunciou sobre uma determinada questão de facto, cuja resposta seja indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão é a da anulação da decisão recorrida, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão.

III- Esta é a solução que resulta da conjugação das als. c) do n.º 2 e c) do n.º 3 do art. 662.º do CPCiv., só assim não sendo se a matéria em questão estiver admitida por acordo, provada (plenamente) por documentos ou por confissão reduzida a escrito.».

Isto é, por regra, não pode a Relação, no âmbito da impugnação da decisão de facto, proceder, por si mesma, à ampliação da matéria de facto, apenas podendo – a mais da sindicância do juízo proferido quanto a factos dados como provados ou não provados (âmbito de efetiva pronúncia da decisão recorrida) – anular, a requerimento ou oficiosamente, a decisão impugnada para que o Tribunal a quo proceda, após baixa do processo para esse efeito, à dita ampliação do quadro fáctico relevante.

No caso, todavia, nem a parte recorrente pediu a anulação da sentença para baixa do processo e ampliação, nem esta Relação, por sua vez, vista a natureza dos autos, a factualidade apurada e os interesses em jogo, bem como os contornos da questão decidenda e os critérios decisórios a convocar, entende ser necessária tal anulação (art.º 662.º, n.º 2, citado).

Assim, não se tratando agora de matéria que esteja provada por documentos (com força probatória plena), tanto mais que a Recorrente convoca, para tanto, depoimentos testemunhais (cfr. conclusão 2.ª), sempre teria de improceder esta parte da impugnação.

Resta o impugnado ponto 16 (a que aludem as conclusões 3.ª a 6.ª da Recorrente, com referência à zona de impacto/danos entre os veículos).

Esse ponto tem o seguinte teor:

«16) O motociclo BF embateu com a parte da frente na parte lateral esquerda do veículo BJ, sobre o guarda lamas e a porta da frente (art.18º da petição inicial e art.29º da contestação da Ré G...);».

A Recorrente pretende a seguinte resposta alternativa: «16) O motociclo BF embateu com a parte da frente na parte lateral esquerda do veículo BJ, do espelho retrovisor para a frente, sobre o guarda lamas (art.18º da petição inicial e art. 29º da contestação da Ré G...);» (destaque aditado).

Pretende, então, a impugnante que o ponto de embate, em rigor, ocorreu sobre o guarda-lamas do veículo automóvel «e do espelho retrovisor para frente», excluindo «o lado da porta» (conclusões 4.ª e 5.ª); daí que, na redação agora proposta (pela parte), se pretenda a supressão da menção à porta como zona embatida.

Todavia, esta pretensão não pode proceder, com todo o respeito devido, posto o espelho retrovisor lateral (exterior esquerdo do veículo automóvel) ficar situado na própria porta, encontrando-se fixado nesta (cfr., por elucidativas, as fotos de fls. 149 e 150 v.º, 151 v.º e 152 a 153, do processo físico, onde se pode ver a posição do referido retrovisor e da porta que o suporta).

Quer dizer, vista a posição de colocação daquele retrovisor na viatura, na própria porta, esta estende-se, para a frente, na zona de impacto, para além do ponto de implantação/fixação/colocação do aludido espelho.

Assim sendo, sempre seria de manter a decisão de facto neste âmbito.

Permanece, pois, inalterado o quadro fáctico fixado na sentença recorrida, só a este devendo, assim, atender-se na decisão do recurso.


***

B) Matéria de facto

1. - É a seguinte a factualidade julgada provada na sentença recorrida e que aqui se mantém:

«1) A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à exploração de restaurante, pizzaria e serviços de take-away (art.1º da petição inicial);

2) Para o exercício da sua actividade contratou em 9 de Outubro de 2017, ao abrigo de contrato de trabalho a termo certo CC (art.2º da petição inicial);

3) Para a categoria profissional de cozinheiro de 3ª (art.3º da petição inicial);

4) Auferindo o salário mínimo mensal, à data, de €570 (art.4º da petição inicial);

5) Salário este que em Janeiro de 2018 era de €580 (art.5º da petição inicial);

6) No dia 2/1/2018, pelas 18h50mn o referido trabalhador CC deslocava-se no seu motociclo, de marca ..., matrícula ..-BF-.., a caminho do local de trabalho (art.6º e 12º da petição inicial e art.10º e art.12º da contestação da ré G...);

7) O veículo BF seguia no sentido norte-sul da Rua ..., em ... (art.7º e art.12º da petição inicial e art.18º da contestação da Ré G...);

8) No momento descrito em 6) ocorreu um embate entre o motociclo e o veículo com matrícula ..-BJ-.., marca ..., conduzido por AA e propriedade de BB (art.8º, 9º e 10º da petição inicial e art.11º da contestação da Ré G...);

9) O veículo BJ circulava na Rua ... (art.14º da petição inicial e art.19º da contestação da Ré G...);

10) A Rua ... entronca à direita com a Rua ..., atento o sentido de marcha do motociclo (art.19º da contestação da Ré G...);

11) A Rua ... antes de entroncar na Rua ... tem um separador central (art.19º da petição inicial);

12) A Rua ... tem uma largura de 7,13m, com duas vias de circulação em sentidos contrários e sem separador entre as mesmas (art.17º da contestação da Ré G...);

13) O veículo BJ, pretendia circular na referida Rua ..., no sentido Sul-Norte (art.14º da petição inicial);

14) O veículo BJ, após o separador referido em 11), mudou de direcção à esquerda e, direccionando-se, na diagonal, no sentido Sul-Norte, atravessou a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo de matricula BF, não fazendo a perpendicular para entrar na via referida em 13) (art.16º, 17º, 18º e 20º da petição inicial);

15) Quando se encontrava a passar a metade da hemifaixa de rodagem, surge do lado esquerdo o motociclo conduzido por CC (art.25º da contestação da Ré G...);

16) O motociclo BF embateu com a parte da frente na parte lateral esquerda do veículo BJ, sobre o guarda lamas e a porta da frente (art.18º da petição inicial e art.29º da contestação da Ré G...);

17) O embate ocorreu na hemi-faixa direita por onde circulava o motociclo de matricula BF, atento o seu sentido de marcha, a 2,2 m do limite da hemi faixa (art.26º da petição inicial);

18) O condutor do motociclo não abrandou a marcha e não se desviou para a sua direita (art.28º da contestação da Ré G...);

19) No momento descrito em 6) era de noite (art.16º da contestação da Ré G...);

20) No local do embate a velocidade é de 50 km/h (art.16º da contestação da Ré G...);

21) Nas circunstâncias descritas o veículo BJ circulava com os faróis acesos nos médios, a velocidade não concretamente apurada (art.21º da contestação da Ré G...);

22) Como consequência do embate descrito CC sofreu as seguintes lesões (art.28º da petição inicial):

i) Traumatismo do membro inferior esquerdo: fractura exposta de grau 3 no fémur e do côndilo femural medial esquerdo;

ii) Fractura luxação grau 3 do tornozelo esquerdo;

23) CC foi transportado de ambulância para o Centro Hospitalar ... (art.31º da contestação da Ré G...);

24) CC foi sujeito a tratamento cirúrgico (art.29º da petição inicial);

25) Na sequência das lesões sofridas apresenta amiotrofia da coxa e laxidão ligamentar anterior e posterior (art.30º da petição inicial);

26) Tendo ficado com uma incapacidade parcial permanente de 10,70% (art.31º da petição inicial);

27) A Autora não tinha seguro de trabalho, pelo que pagou directamente ao trabalhador CC as seguintes quantias (art.35º da petição inicial):

i) €5 891,87 relativos a indemnização de incapacidade temporária absoluta;

ii) €10 142,78 relativos a capital de remissão por incapacidade parcial permanente;

iii) €723,36 relativos a juros vencidos sobre o capital;

iv) €21 de valor gasto em deslocações obrigatórias;

28) A Autora pagou ao Centro Hospitalar ... – ..., ... e ... a quantia de €5 378,04 referente aos tratamentos médicos recebidos por CC (art.36º da petição inicial);

29) No exercício da sua actividade, a Ré G... SA declarou perante BB assumir a responsabilidade civil pelos eventuais danos causados pelo veículo de matrícula ..-BJ-.., propriedade deste, nos termos do acordo de seguro tutelado pela apólice nº ...15 (art.9º da contestação da Ré G...);».

2. - E permanece julgado como não provado:

«A) O motociclo circulava junto à berma direita, atento o sentido de marcha, a uma velocidade inferior a 50 km/h, com atenção ao tráfego e com as luzes em médios acesas (art.13º da petição inicial);

B) O condutor do veículo BJ ao entrar na Rua ... fê-lo sem parar (art.20º da petição inicial);

C) O condutor do veículo BJ em vez de entrar naquela via de modo cauteloso, olhando à esquerda e à direita, na perpendicular para a esquerda, para ocupar a faixa que lhe competia, não o fez (art.21º e 22º da petição inicial);

D) O do veículo BJ colidiu frontalmente com o velocipede (art.24º da petição inicial)

E) A colisão ocorreu com a zona frontal esquerda da frente do BJ, junto ao farol (art.25º da petição inicial);

F) O condutor do veículo BJ circulava a velocidade não superior a 20 km/h (art.21º da contestação da Ré G...);

G) O condutor do veículo BJ, quando se aproximou do entroncamento, accionou o sinal de mudança de direcção à esquerda, abrandou, praticamente tendo imobilizado o seu veículo, e olhou para ambos os lados da Rua ... (art.23º da contestação da Ré G...);

H) Tendo, após verificar que não circulava nenhum veículo em qualquer dos sentidos, iniciado a manobra pretendida (art.24º da contestação da Ré G...);

I) O motociclo circulava a velocidade não inferior a 70 km/h (art.26º da contestação da Ré G...);».

C) Matéria de direito

1. - Da culpa e obrigação invocadas

Importa agora, na lógica do recurso, verificar/sindicar da culpa no desencadear do acidente, em reapreciação da dinâmica e causas do evento, de molde a apurar, vista a argumentação da Recorrente, da pretendida responsabilidade (exclusiva) do condutor do veículo seguro ou, ao menos, repartição de responsabilidades entre os condutores intervenientes no acidente (concorrência de culpas), para depois, finalmente, se for o caso, se equacionar a responsabilidade pelo risco (incluindo, se não prejudicada, a problemática da concorrência entre risco do lesante e a culpa do lesado).

Na sentença foi entendido haver culpa exclusiva do lesado (o condutor do motociclo, trabalhador da aqui A./Apelante), por o mesmo ter inobservado a regra da prioridade de passagem, ao circular num entroncamento, assim dando causa (exclusiva) ao acidente, com o que não se resigna a Apelante.

Nesta perspetiva, pode ler-se na fundamentação jurídica da decisão em crise:

«Decorre (…) da factualidade assente que tal embate ocorreu num entroncamento, apresentando-se o veículo segurado na Ré [BJ] à direita do veículo de matrícula BF (…), sem que se tenha apurado que parou ou abrandou a marcha à aproximação do referido entroncamento.

Em consequência, ocorreu o embate (…).

Considerando que, nos termos do art. 30º do Código da Estrada, nos cruzamentos e entroncamentos o condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita, a inobservância de tal regra de trânsito implica, nos termos do entendimento jurisprudencial dominante, que se atribuísse ao condutor do motociclo de matrícula BF, FF, trabalhador da Autora, a culpa na produção do acidente.

Porém, não se pode ignorar que o condutor do veículo BJ, ao entrar no entroncamento e mudar a sua direcção à esquerda, não efectuou a manobra de forma perpendicular (Facto Provado 14)).

Nos termos do art. 44º, nº1 do Código da Estrada, “O condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.”

Acrescenta ainda o art. 11º, nº2 do Código da Estrada “Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.”

A regra básica da mudança de direcção à esquerda é, pois, a aproximação com antecedência, e o mais possível do limite esquerdo da faixa de rodagem e efectuar a manobra pelo lado esquerdo do seu sentido de circulação.

O condutor do veículo BJ ao não efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda no entroncamento de forma perpendicular, invadindo diagonalmente a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo infringiu, também, a regra de cuidado decorrente da citada norma do art. 44º do Código da Estrada, não obstante o direito de prioridade que lhe assistia.

Ora, o direito de prioridade “não é absoluto, pressupondo, por parte do condutor que dele goza, a adopção das precauções indispensáveis em ordem a evitar acidentes, como a diminuição de velocidade e a certificação da aproximação de outro veículo” (…).

No entanto, não se pode deixar de ponderar que o embate entre os dois veículos ocorreu pouco depois da metade da hemifaixa de rodagem por onde circulava o motociclo, o qual embateu com a sua parte da frente na lateral esquerda do veiculo de matrícula BJ (…).

O veículo BJ estava, pois, já no decurso da manobra quando o motociclo BF surgiu, o qual não abrandou nem se deteve no entroncamento, não cedendo passagem a quem se apresentava pela sua direita.

Afigura-se, assim, que o embate entre os dois veículos ocorreu, exclusivamente, por o veículo BF não ter cedido a passagem e não por o condutor do veículo BJ não ter efectuado a manobra de mudança de direcção à esquerda de forma não perpendicular.

Não se tendo apurado que o condutor do veículo tenha infringido qualquer outra regra de cuidado, entende-se que nenhuma culpa pode ser imputada a AA, condutor do veículo BJ, nem mesmo em concorrência com a culpa do lesado.» (destaques aditados).

A Recorrente contrapõe que a mudança de direção para a esquerda, designadamente em entroncamento, pelo perigo que potencia, exige especiais cuidados, os quais não foram adotados – antes foram inobservados – pelo condutor do veículo automóvel (veículo seguro), atenta a trajetória que adotou em pleno entroncamento, efetuado a manobra em diagonal, quando o deveria ter feito em perpendicular, caso em que a distância entre o motociclo e o veículo automóvel aumentaria exponencialmente, o que daria ao condutor do motociclo um maior tempo de reação e mais espaço para se poder desviar do obstáculo surgido à sua frente.

Conclui, pois, pela concorrência de culpas (cfr. conclusão 18.ª).

Mas será, então, a culpa do lesado exclusiva ou concorrente (por haver concurso)?

Vejamos.

Desde logo, cabe dizer que as normas jurídicas convocadas pela sentença são as adequadas, tal como a interpretação que delas ali se fez, o que não parece ser posto em causa pela Recorrente.

Questão diversa é a da específica aplicação do direito ao caso, atentas as particularidades deste.

Neste âmbito, também não restam dúvidas, vista a configuração do local e respetiva ordenação estradal e sinalética, de ter o lesado (condutor do motociclo) inobservado a regra da prioridade de passagem no entroncamento: como o veículo automóvel se lhe apresentava pela direita e pretendia entrar no entroncamento, mudando de direção – para a esquerda (o lado de onde vinha o motociclo) –, cabia, inevitavelmente, ao condutor do motociclo ceder-lhe a passagem, o que não fez, acabando por embater na parte lateral esquerda do automóvel (na zona de confluência entre o guarda-lama e a porta da frente, junto ao espelho retrovisor esquerdo).

Esta situação torna inequívoca a culpa do lesado, no exercício da condução, consabidamente uma atividade voluntária de quem se decide conduzir veículos nas estradas, âmbito em que a apreciação levada a cabo na decisão recorrida, no sentido da existência de tal culpa, não merece censura.

Porém, vem provado que o veículo automóvel, ao mudar de direção à esquerda, fê-lo direcionando-se enviesadamente, em adotada trajetória diagonal, no sentido sul-norte, pelo que atravessou a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo sem fazer a perpendicular para entrar na via por onde pretendia prosseguir a sua marcha (ponto 14).

Ao assim agir, sem observar/cumprir, por sua vez, a regulamentação estradal, aludida na sentença, referente ao modo como deve ser efetuada a manobra de mudança de direção – neste caso, mudança para a esquerda, a implicar o atravessamento da via para onde se pretende seguir ([18]), com o seu elevado potencial de perigo, por se tratar de estrada com trânsito nos dois sentidos (opostos) –, o condutor do veículo seguro encurtou, na prática, o espaço de circulação do motociclo (para a frente deste), atento o sentido de marcha em que seguia, e diminuiu, por consequência, o tempo para possível reação do respetivo condutor (em face do obstáculo assim surgido).

Assim, tal entrada em diagonal no entroncamento (e via por onde circulava o motociclo), em infração à legislação estradal – como enfatizado na sentença – sobre a forma como deve efetuar-se a manobra de mudança de direção para a esquerda, traduz também o incumprimento do dever de abstenção da prática de atos suscetíveis de prejudicar o demais trânsito e a segurança da circulação rodoviária.

Um acidente de viação, como o aqui em causa, é um evento que ocorre de forma repentina, em curtíssimo período temporal, pelo que tem de ser analisado numa perspetiva dinâmica, em vez de estática, com dois veículos em progressão simultânea, a obrigar os condutores a uma atenção total (a todo o demais trânsito) e a uma condução defensiva e previdente, mormente se em ambiente urbano/citadino.

Não há dúvida, neste contexto, que cabia ao condutor do motociclo respeitar a regra da prioridade e, se o houvesse feito, não teria ocorrido o acidente, termos em que a sua conduta culposa é necessariamente causal – em elevado grau – do evento danoso.

Mas o condutor do veículo automóvel, ante a forma como executava a manobra, também contribuiu, com culpa, para o eclodir do acidente, ao entrar de forma inadequada no entroncamento, adotando trajetória enviesada/diagonal para a esquerda, em vez de um movimento perpendicular, com o que aumentou o perigo de embate, diminuindo, como dito, de forma inesperada, o espaço frontal de circulação do motociclo e o tempo para possível reação do respetivo condutor, quando, atentas as conduções do local, se lhe impunha, apesar do seu direito prioritário de passagem, uma condução especialmente cuidadosa e cumpridora.

Por isso, se entende, salvo o devido respeito, haver culpas efetivas concorrentes de ambos os condutores, que, por isso, importa graduar.

Como a contribuição culposa para o acidente é substancialmente maior do lado do condutor do motociclo/lesado – que, ademais, não abrandou a marcha, num local onde a velocidade máxima era de 50 km/h, infringindo a regra essencial da prioridade de passagem –, afigura-se-nos adequado graduar culpas em 80% para este condutor e 20% para o condutor do veículo seguro.

Assim, devendo a reparação dos danos operar em conformidade (cfr. art.º 570.º, n.º 1, do CCiv., referente ao concurso de culpas efetivas), afastada fica a aplicação da figura (e respetivo regime) da responsabilidade pelo risco, que é subsidiária perante a responsabilidade culposa, por factos ilícitos ([19]).

2. - Do montante a fixar

Graduadas já as culpas – em 80% para o lesado (condutor do motociclo) e 20% para o condutor do veículo seguro –, resta fixar em conformidade, à luz dos critérios normativos do art.º 570.º, n.º 1, do CCiv., o montante a prestar pela R./Apelada à A./Apelante, valendo aqui a regra da substituição ao Tribunal recorrido (cfr. art.º 665.º do NCPCiv., considerando-se observado já o contraditório, mediante todo o debate ocorrido até ao momento, em 1.ª e 2.ª instâncias).

Os montantes a considerar – pagos pela A./Recorrente ao seu trabalhador (lesado), perante acidente simultaneamente de viação e de trabalho e a inexistência de seguro de sinistros laborais – são os que se mostram apurados sob os pontos 27 e 28 dos factos provados: i) € 5.891,87, relativos a indemnização de incapacidade temporária absoluta; ii) € 10.142,78, relativos a capital de remissão por incapacidade parcial permanente; iii) € 723,36, relativos a juros vencidos sobre o capital; iv) € 21,00, de valor gasto em deslocações obrigatórias; v) € 5.378,04, de tratamentos médicos/hospitalares.

O que perfaz o montante total de € 22.157,05, a que se aplica aquela percentagem de 20% (que onera a seguradora de acidentes de viação), obtendo-se, assim, o montante, a prestar à A./Apelante (entidade patronal do lesado), de € 4.431,41, sabido, ademais, que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes em matéria de adoção das regras de direito (art.º 5.º, n.º 3, do NCPCiv.).

Âmbito este em que, na procedência parcial do recurso, em parte haverá de proceder a ação, com a consequente condenação da R./Apelada em conformidade.


***

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:

a) Não admitir a junção de documento requerida pela Apelante na fase de recurso (o de fls. 294 v.º do processo físico), ordenando-se, por isso, o seu desentranhamento (ficando cópia no seu lugar), com condenação da parte apresentante na legal multa a que aludem os art.ºs 443.º, n.º 1, do NCPCiv., e 27.º, n.ºs 1 e 4, do RCProc., que se fixa em 1,5 UC.;

b) Julgando parcialmente procedente a apelação, alterar, em consequência, e em substituição ao Tribunal a quo, a decisão recorrida, assim condenando a R./Apelada, na procedência em parte da ação, a pagar à A./Apelante, no âmbito do peticionado, o montante total de € 4.431,41 (quatro mil quatrocentos e trinta e um euros e quarenta e um cêntimos), correspondente a uma graduação de culpas concorrentes efetivas – pela produção do acidente de que resultaram os danos – consubstanciada em 20% para o condutor do veículo seguro na R..

Custas da apelação e na 1.ª instância por A./Recorrente e R./Apelada na proporção do respetivo decaimento (atento o montante agora fixado), dependendo de simples cálculo aritmético (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

                                                           ***

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 12/04/2023

Vítor Amaral (relator)

         

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro

(…)



([1]) Datada de 29/08/2022 (cfr. fls. 264 dos autos em suporte de papel).
([2]) Cujo teor se deixa transcrito (com destaques retirados).
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma delas resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([5]) Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 184.
([6]) Vide Abrantes Geraldes, op. cit., ps. 184 e seg..
([7]) Veja-se até o teor do ponto 14 dos factos provados da sentença, com o seguinte conteúdo relevante (não objeto de impugnação recursiva): «14) O veículo BJ, após o separador referido em 11), mudou de direcção à esquerda e, direccionando-se, na diagonal, no sentido Sul-Norte, atravessou a hemi-faixa de rodagem por onde circulava o motociclo de matricula BF, não fazendo a perpendicular para entrar na via referida em 13)» (itálico aditado).
([8]) Assim, considera que, apesar da oferecida transcrição, não cumpriu a Apelante o ónus de alegação/conclusão imposto na al.ª a) do n.º 2 do art.º 640.º do NCPCiv., cujo cumprimento lhe competia e se revelava imprescindível.
([9]) Cfr. art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([10]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 e seg., com negrito aditado.
([11]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..
([12]) Isto é, embora apresentando transcrição segmentada, dela não resulta, quanto a qualquer das testemunhas, referência temporal alguma, de que pudesse extrair-se a exata indicação das passagens da gravação respetiva (sem referência alguma, pois, aos minutos do registo áudio, como refere a contraparte).
([13]) Aquelas onde precisamente se encontram os segmentos de cada depoimento que a parte pretende ver reexaminados, onde, assim, cada depoimento se reporta à factualidade objeto de impugnação, e não onde as testemunhas depõem sobre a demais factualidade (que não mereceu impugnação recursória).

([14]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg..
([15]) Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Cons. Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados. 
([16]) Proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1 (Cons. Hélder Roque), também disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados.
([17]) Proc. 1932/19.8T8FIG.C1 (Rel. Emídio Francisco Santos), disponível em www.dgsi.pt.
([18]) Ao contrário da mudança de direção para a direita, que não implica um tal atravessamento (completo), mas apenas a entrada na metade mais próxima da via para onde se pretende avançar. 
([19]) De notar, relativamente ao expendido sob as conclusões 20.ª e 21.ª da Apelante, que, no caso, não poderia – ainda que se entendesse inexistir culpa/responsabilidade do condutor do veículo seguro (como defendido, afinal, na sentença) – aplicar-se de forma proveitosa a solução/interpretação que admite a concorrência do risco (do lesante) com a culpa (exclusiva) do lesado: ainda que se acolhesse tal concorrência entre risco do veículo lesante e culpa do lesado, perante os termos do disposto nos art.ºs 503.º, n.º 1, e 505.º, ambos do CCiv., o dever de indemnizar sempre estaria excluído, no caso, pelo disposto no art.º 570.º, n.º 2, do mesmo CCiv., norma geral do regime indemnizatório (que se não esgota na matéria dos acidentes de viação). Com efeito, «o nosso direito vigente não permite indemnização dos danos no caso de concorrência entre risco do lesante e culpa efetiva do lesado (ocorre causa de exclusão do dever de indemnizar, que opera em termos gerais e abstratos)», uma vez que, se aquele n.º 2 do art.º 570.º exclui o dever de indemnizar no caso de concurso entre culpa efetiva do lesado e culpa presumida do lesante, então necessariamente haverá exclusão (desse dever) no caso de concurso entre risco do lesante (isto é, ausência de culpa) e culpa efetiva do lesado. Como o aqui relator escreveu noutro local: «(…) se a culpa (efetiva) do lesado é causa de exclusão da obrigação indemnizatória em caso de culpa presumida do lesante, então por maioria de razão o terá de ser se este apenas responder pelo risco (responsabilidade objetiva, sem culpa). // Não se compreenderia que a exclusão da indemnização ocorresse, como ocorre, em geral – salvo disposição em contrário, no caso inexistente –, quando o lesante é responsabilizado por culpa presumida e não operasse quando responsabilizado sem culpa (pelo simples risco)» – cfr. José Vítor Amaral, Socialização do risco e culpa por acidentes de viação, in Estudos em Comemoração dos 100 Anos do Tribunal de Relação de Coimbra, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 212 e segs..