Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
20463/09.8YIPRT.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: COMPENSAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Legislação Nacional: ARTS.847 DO CC, 90, 99, 128, 146 DO CIRE
Sumário: I – Os direitos de crédito sobre a insolvência têm de ser exercidos segundo os meios processuais regulados no CIRE.

II – Não pode invocar a compensação de créditos sobre a insolvência o credor que não tenha visto o seu crédito reconhecido em conformidade com o disposto nos arts.129 e segs. do CIRE.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Relatório:

            Massa Insolvente de A.... com domicílio na ...., intentou procedimento de injunção contra B....., com sede na ...., tendente a obter pagamento da quantia de € 6.721,35, sendo € 5.690,03 de capital e € 1.031,32 de juros de mora, calculados à taxa legal, desde 27.05.2007, alegando, em resumo, ter fornecido à requerida, para aplicação desta na sua actividade de materiais de construção, produtos no valor do referido capital, que ela não pagou nas datas de vencimento das correspondentes facturas.

Regularmente citada, a R. deduziu oposição, afirmando, em síntese, o seguinte:

No dia 29.05.2007, intentou contra a ora requerente uma execução com vista a ser paga do valor de € 8.353,91, relativo a material que esta lhe adquiriu, para o que emitiu a factura n.º FO7 268, no montante de € 15.359,39, com vencimento na mesma data.

A requerente entregou-lhe dois cheques sem provisão, que serviram de título à dita execução.

É credora da requerente por montante superior ao que lhe deve, tendo-lhe, aliás, comunicado que pretendia operar a compensação, quando ela lhe reclamou o pagamento desta dívida, o que a administradora da insolvência aceitou.

Concluiu pela improcedência do pedido.

Em virtude da oposição, a injunção foi remetida à distribuição, como acção declarativa sob a forma de processo especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a € 15.000,00.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando verificada a excepção peremptória da compensação de créditos, absolveu a requerida do pedido.

            Inconformada, a requerente interpôs recurso, visando a revogação da sentença, com a consequente procedência da acção, e apresentou a sua alegação, que concluiu assim:

            1) O reconhecimento do contra-crédito da requerida estava dependente da sua tempestiva reclamação, nos termos dos artigos 90.º e 128.º, n.ºs 1 e 3, do CIRE, o que não aconteceu, como, aliás, a requerida reconheceu no artigo 6.º do seu articulado de oposição;

            2) Por outro lado, tendo a requerida sido notificada pela senhora administradora da insolvência, em cumprimento do n.º 4 do artigo 129.º do CIRE, de que não lhe havia sido reconhecido qualquer crédito e não tendo impugnado a lista dos credores, nos termos do artigo 130.º, n.º 1, do mesmo diploma, nunca lhe assistiria o direito de peticionar a verificação do seu crédito, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 146.º daquele Código;

            3) Assim, a admissão do direito de compensação do crédito da requerida sobre a requerente com o crédito por esta reclamado nos autos viola o princípio da “par conditio creditorum” consagrado no artigo 194.º do CIRE;

            4) Ademais, o respectivo exercício não obedeceu à disciplina do artigo 90.º do CIRE.

            A recorrida respondeu à alegação da recorrente, tendo concluído deste modo:

            1) Resultaram provados o crédito da recorrente sobre a recorrida e o crédito desta sobre aquela, como resultaram provados os requisitos da compensação de créditos, previstos no artigo 99.º do CIRE;

            2) Em 12.09.2008, a senhora administradora da insolvência comunicou à recorrida a dívida desta à massa insolvente e a recorrida informou aquela da existência do seu crédito, bem como da sua pretensão de operar a compensação;

            3) A dita administradora aceitou a compensação, embora sem contabilizar os juros;

            4) Ainda que se entenda que não houve reclamação de créditos, a recorrida poderia intentar acção de verificação ulterior de créditos, no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença declaratória da insolvência, nos termos do artigo 146.º do CIRE;

            5) A recorrida não foi notificada nos termos do artigo 129.º, n.º 4, do CIRE, pelo que poderia intentar acção de verificação ulterior de créditos.

            Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

            Rigorosamente, é uma só a questão a resolver: a de saber se se verificam os requisitos da compensação de créditos.

            II. Na sentença apelada foram dados por assentes os seguintes factos:

1 – A pedido da gerência da requerida, e para aplicação na sua actividade de comércio de materiais de construção, à qual se dedica regularmente, na mira de obter ganhos, A... forneceu-lhe produtos do seu comércio, que lhe facturou, na data das respectivas entregas, através das seguintes facturas:

a) Factura n.º 17388, datada de 2007-02-13, no valor de € 582,92;

b) Factura n.º 17447, datada de 2007-02-19, no valor de € 14,22;

c) Factura n.º 17786, datada de 2007-04-10, no valor de € 1.633,50;

d) Factura n.º 17800, datada de 2007-04-13, no valor de € 1.923,90; e

e) Factura n.º 17864, datada de 2007-04-27, no valor de € 1.535,49;

2 – Estas facturas tinham vencimento a 30 dias das respectivas datas de emissão;

3 – A solicitação de A..., a requerida forneceu-lhe o material constante da factura nº. FO7 268, no dia 27 de Fevereiro de 2007, no valor de € 15.259,39, com vencimento na mesma data;

            Por sua vez, foram declarados não provados os factos que seguem:

1 – No dia 29 de Maio de 2007, a ora requerida intentou contra A...., execução para pagamento do valor de € 8.353,91;

2 – A.... entregou à requerida dois cheques sem provisão, que serviram de titulo executivo à execução que correu termos mo 2º Juízo do Tribunal Judicial sob o n.º de processo 673/07.3TBILH.

III. O direito:

            Está em causa, unicamente, como acima se referiu, saber se, no caso concreto, se verificam os requisitos da compensação de créditos.

            É líquido, em face da matéria de facto assente, que a recorrente e a recorrida celebraram entre si, reciprocamente, contratos de compra e venda, já que aquela, entre 13 de Fevereiro e 27 de Abril de 2007, forneceu a esta produtos do seu comércio, pelo preço de € 5.690,03, e esta, no dia 27 de Fevereiro do mesmo ano, forneceu àquela mercadorias no valor de € 15.259,39 (cfr. o artigo 874.º do Código Civil).

            Como nenhuma delas cumpriu a obrigação a que, como compradora, se achava adstrita – o pagamento do preço, que é elemento essencial da compra e venda, nos termos do preceituado na alínea c) do artigo 879.º do mesmo diploma –, é óbvio que se tornaram credoras uma da outra.

            A compensação é uma de entre várias causas de extinção das obrigações. Na definição do Prof. Antunes Varela, é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor (Das Obrigações em Geral, volume II, 5.ª edição, página 195).

            Em termos práticos, a compensação traduz-se num encontro de contas, com vista a evitar às partes um duplo acto de cumprimento. Nos casos em que duas pessoas mantém entre si relações comerciais frequentes o encontro de contas é particularmente vantajoso, pois permite substituir múltiplos pagamentos por um único, efectuado periodicamente.

            Mas, como esclarece o Prof. Almeida Costa, é, também, o princípio da equidade a dar o seu contributo, já que não seria justo obrigar a cumprir quem seja credor do seu credor, até pelo risco de vir a perder a garantia de pagamento do respectivo crédito, como sucederia, por exemplo, em caso de insolvência da contraparte (Direito das Obrigações, página 797).

            Os requisitos da compensação vêm enunciados no artigo 847.º do Código Civil, nos seguintes termos:

            1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livra-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

            a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

            b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

            2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

            3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

            Segundo o Prof. Antunes Varela, são quatro os pressupostos que emergem do preceito: a) a reciprocidade de créditos; b) a validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito; c) a fungibilidade do objecto das obrigações; d) a existência e validade do crédito principal (obra citada, páginas 198 a 206).

            Do primeiro pressuposto trata o artigo 851.º do mesmo diploma, dele podendo extrair-se, em síntese, que a compensação só pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, e que o declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios.

            O segundo exige que o compensante se possa prevalecer da acção de cumprimento e da execução do património do devedor, o que não acontece, por exemplo, nas obrigações naturais nem nas obrigações sob condição ou a termo, enquanto a condição se não verificar ou o prazo se não vencer.

            O terceiro significa que tem de haver homogeneidade das prestações, na consideração de que o credor não pode ser obrigado a receber coisa diferente da que lhe era devida. O que não obsta, no entanto, à compensação de obrigações de montante desigual ou cujos lugares de cumprimento sejam diferentes.

            Do quarto extrai-se que não procede a compensação quando o crédito da contraparte não exista ou não seja válido. Por isso, se não concebe, como diz aquele mestre, que alguém invoque a compensação para se liberar dum crédito cuja existência impugna. Mas isso não impede, acrescenta, que se trate de uma obrigação natural, pois que se é o próprio devedor que quer cumprir, aceitando, em troca, a extinção do seu crédito civil, nenhum obstáculo se levanta à sua intenção.

            Mas mesmo que se se verifiquem todos estes requisitos, há casos em que a compensação não opera; assim acontece em relação aos créditos provenientes de factos ilícitos dolosos, aos créditos impenhoráveis (a menos que ambos sejam da mesma natureza), aos créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas e, ainda, quando haja prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou quando o devedor tenha renunciado à compensação (artigo 853.º do Código Civil).

            De referir, finalmente, que a compensação se exerce mediante declaração de uma das partes à outra (feita, tanto por via judicial – notificação judicial avulsa ou acção declarativa de simples apreciação –, como extrajudicial), se torna eficaz logo que chega ao conhecimento do destinatário e opera retroactivamente (artigos 848.º, n.º 1, 224.º e 854.º, todos daquele diploma).

            Tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se, sendo a compensação invocada pelo réu em acção judicial contra ele intentada, deve ser utilizada a via da excepção ou a da reconvenção.

            Como é sabido, foram três as posições que se desenharam: para uma, que invoca como argumento, o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 274.º do Código de Processo Civil, o meio próprio seria sempre a reconvenção; para outra, só a via da excepção (peremptória) faria sentido, dada a natureza jurídica da compensação; para uma terceira, finalmente, a compensação seria, sob o ponto de vista processual, um instituto “sui generis”, equiparável, ora à excepção – quando o montante do crédito a compensar não excedesse o reclamado na acção –, ora à reconvenção – na parte em que se verificasse excesso (Professores Antunes Varela e Almeida Costa, obras citadas, páginas 213 e seguintes e 803 e seguintes, respectivamente).

            A nossa jurisprudência inclina-se maioritariamente para a última destas posições (cfr. o acórdão do STJ, de 28.05.09, processo 09B0676, n.º convencional JSTJ 000, onde a questão vem minuciosamente tratada).

            No caso em apreço, é manifesto, perante a matéria de facto comprovada, que se configuram todos os requisitos da compensação e se não perfila qualquer das causas da sua exclusão.

            Na realidade, e por um lado, tanto o crédito como a dívida são da própria ré, o crédito é válido, exigível e exequível (pelo menos, nada foi oposto a este título), as obrigações são homogéneas (são ambas pecuniárias), e o débito da ré/compensante foi expressamente aceite.

            Por outro lado, ambos os créditos (o activo e o passivo) provém de negócio lícito (compra e venda), a respectiva penhora não está legalmente proibida, pertencem a privados (e não ao Estado ou a outra pessoa colectiva pública), não se verifica prejuízo de terceiros (ou não foi invocado, o que vem a dar no mesmo) e não houve renúncia à compensação.

            Por via do regime geral do Código Civil, portanto, nenhum obstáculo existe à compensação, que, noutra perspectiva, teve tratamento processual correcto, já que foi deduzida como excepção peremptória e a ré só visou extinguir a sua obrigação e não arrecadar um eventual excesso.

            Questão, porventura, bem menos linear (e é aqui, de facto, que a recorrente centra o núcleo da sua discordância relativamente à decisão recorrida) será a de saber se a compensação opera quanto se pretenda compensar uma dívida com um crédito sobre a massa insolvente.

            Na sentença concluiu-se pela afirmativa, mas a recorrente sustenta o contrário com base na tese de que isso só seria admissível se a recorrida tivesse reclamado atempadamente o seu crédito no processo de insolvência, o que não fez.

            Ora, vejamos:

            Rege, neste particular, o artigo 99.º do CIRE, que preceitua:

            1 – Sem prejuízo do estabelecido noutras disposições deste Código, a partir da declaração de insolvência os titulares de créditos sobre a insolvência só podem compensá-los com dívidas à massa desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos:

            a) Ser o preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da declaração da insolvência;

            b) Ter o crédito sobre a insolvência preenchido antes do contra-crédito da massa os requisitos estabelecidos no artigo 847.º do Código Civil.

            2 – Para os efeitos das alíneas a) e b) do número anterior, não relevam:

            a) A perda do benefício do prazo previsto no n.º 1 do artigo 780.º do Código Civil;

            b) O vencimento antecipado e a conversão em dinheiro resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo 91.º e no artigo 96.º.

            3 – A compensação não é prejudicada pelo facto de as obrigações terem por objecto divisas ou unidades de cálculo distintas, se for livre a sua conversão recíproca no lugar do pagamento do contra-crédito, tendo a conversão lugar à cotação em vigor nesse lugar na data em que a compensação produza os seus efeitos.

            4 – A compensação não é admissível:

            a) Se a dívida à massa se tiver constituído após a data da declaração de insolvência, designadamente em consequência da resolução de actos em benefício da massa insolvente;

            b) Se o credor da insolvência tiver adquirido o seu crédito de outrem, após a data da declaração de insolvência;

            c) Com dívidas do insolvente pelas quais a massa não seja responsável;

            d) Entre dívidas à massa e créditos subordinados sobre a insolvência.

            Os n.ºs 2 e 3 não relevam para o caso, pelo que nos debruçaremos, apenas, sobre os n.ºs 1 e 4.

            Ora, os requisitos do n.º 1 parecem verificados (e só um é exigível), uma vez que a dívida da recorrente se venceu a 27 de Fevereiro de 2007 e a da recorrida entre 13 de Março e 27 de Maio de 2007, logo, aquela antes desta e ambas antes da declaração de insolvência, que só ocorreu em 2008. 

            E as causas de exclusão do n.º 4 estão manifestamente arredadas, na medida em que a recorrida é a titular originária do crédito activo, a dívida é da responsabilidade da massa, porque resultante de negócio jurídico celebrado pela insolvente no exercício da sua actividade comercial, e o crédito não se acha abrangido no conceito de crédito subordinado, dado pelo artigo 48.º do CIRE.

            Dir-se-ia, a uma primeira abordagem, que nada obstava à compensação de créditos, tal como se decidiu na sentença.

            Só que a questão não resiste a uma observação mais atenta.

            É que não basta ser credor da insolvência, sendo necessário, antes de tudo, que os direitos sejam exercidos em conformidade com os preceitos do CIRE, como dispõe o artigo 90.º deste diploma.

             Comentando o normativo, escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda: «(…) o art.º 90.º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos “em conformidade com os preceitos do presente Código”. Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE. É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art.º 1.º do Código. Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de nele exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (...). Por conseguinte, a estatuição deste art.º 90.º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores» (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, edição de 2008, página 364).

            Da citada disposição decorre que só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, condição sem a qual a compensação não opera (veja-se o corpo do n.º 1 do referido artigo 99.º), quem como tal tenha sido reconhecido no processo de insolvência.

            Para tanto, é imperioso que reclame o seu crédito, no prazo fixado na sentença declaratória de insolvência, ainda que ele se ache reconhecido por decisão definitiva (artigo 128.º do CIRE), ou o faça posteriormente, se verificado o condicionalismo do artigo 146.º do mesmo Código.

            Parece pacífico que a recorrida não reclamou o crédito que pretende compensar, nos termos e no prazo estabelecidos no mencionado artigo 128.º, nem o mesmo foi reconhecido, visto que ela própria o admitiu, ao juntar cópia de um fax que lhe foi dirigido pela senhora administradora da insolvência, onde lhe é dada conta disso mesmo, bem como da possibilidade de impugnar a lista de credores, nos termos do artigo 130.º, n.ºs 1 e 2, do falado diploma.

            Como parece não haver dúvidas de que não impugnou a lista de credores, nem reclamou o seu crédito em conformidade com o preceituado no artigo 146.º do CIRE, já que alegou estar em tempo de o fazer.

            Não reclamado o crédito, nem reconhecido pelo administrador, não pode ele ser compensado com a dívida à massa.

            Sustenta, porém, a recorrida que está, ainda, em prazo para intentar acção de verificação ulterior de créditos, porque a notificação a que alude o n.º 4 do artigo 129.º do mesmo diploma não foi efectuada, como devia, na pessoa da sua mandatária, o que acarreta a respectiva nulidade.

            Com o devido respeito, a argumentação é completamente irrelevante, porque a eventual nulidade da notificação tem de ser discutida no lugar próprio, ou seja, no apenso de reclamação de créditos, e não na presente acção. As nulidades são arguidas perante o tribunal onde foram praticadas.

No recurso, então, é que nunca poderia ser apreciada, visto tratar-se de questão nova, isto é, não submetida previamente ao tribunal de 1.ª instância.

De resto, pouco importa que a recorrida esteja, ou não, em tempo de se socorrer do mecanismo processual previsto no artigo 146.º, porque o facto é que não é titular de qualquer crédito que lhe tivesse sido reconhecido nos termos das disposições legais aplicáveis ao processo de insolvência.

Se lhe vier a ser reconhecido, poderá exercer, então, o direito à compensação com a dívida que tem para com a massa.

Resumindo, o crédito invocado pela recorrida não se mostra reconhecido em conformidade com os preceitos do CIRE, pelo que falece o pressuposto essencial da compensação de créditos, que é a existência de um crédito sobre a insolvência.

O que significa que a excepção de compensação não pode proceder e que a sentença recorrida tem de ser revogada.

A improcedência da compensação haverá de determinar, como não podia deixar de ser, a procedência da acção, uma vez que ficou provada (aliás, por aceitação expressa da recorrida) a existência do crédito reclamado pela recorrente, derivado da celebração de diversos contratos de compra e venda.

 Não tendo a recorrida pago o preço das mercadorias que lhe foram fornecidas no prazo estabelecido (até trinta dias da data da emissão das facturas), terá de reparar os prejuízos causados à recorrente (artigo 798.º do Código Civil), satisfazendo o preço acordado e os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal fixada para as operações comerciais (artigos 804.º, 805.º, n.º 2, alínea a), 806.º, n.ºs 1 e 2, e 559.º do Código Civil e 102.º do Código Comercial), tal como foi pedido na acção.

IV. Em conclusão:

1) Os direitos de crédito sobre a insolvência têm de ser exercidos segundo os meios processuais regulados no CIRE.

2) Não pode invocar a compensação de créditos sobre a insolvência o credor que não tenha visto o seu crédito reconhecido em conformidade com o disposto nos artigos 129.º e seguintes daquele diploma.

V. Decisão:

Por tudo quanto se deixou exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, em revogar a sentença apelada, que se substitui por outra que, declarando improcedente a excepção de compensação deduzida pela recorrida, julga, por sua vez, a acção procedente e condena a recorrida a pagar à recorrente a quantia de € 5.690,03 (cinco mil e seiscentos e noventa euros e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos até à propositura da acção, no montante de € 1.031,32 (mil e trinta e um euros e trinta e dois cêntimos), e de juros vincendos, à taxa legal para as operações comerciais, até efectivo pagamento.

Custas em ambas as instâncias pela recorrida.