Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2921/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO MARTINS
Descritores: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
FALTA DE AVISO PRÉVIO
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 236º E SEGS. DO C. CIV.; ARTºS 37º, 38º E 39º DO D.L. Nº 64-A/89, DE 27/02 .
Sumário: I – Para a interpretação de cláusulas contratuais laborais, consubstanciadoras de declarações negociais, regem os artºs 236º e segs. do C. Civ. .
II – A expressão “desempenho adequado” é uma qualificação subjectiva que, não tendo sido objectivada pelos contratantes com indicadores numéricos, nomeadamente permitindo a avaliação desse desempenho por forma quantitativa, comporta um certo grau de dificuldade na sua observação e concretização práticas, pelo que na interpretação dessa cláusula há que recorrer à regra básica do artº 236º, nº 1, do C. Civ., nos termos da qual a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante .

III – Se o trabalhador não cumprir o prazo de aviso prévio estabelecido no artº 38º do D.L. nº 64-A/89, de 27/02, fica obrigado a pagar à entidade empregadora uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta, sem prejuízo de responsabilidade civil .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. A... instaurou contra B... a presente acção declarativa sob a forma de processo comum (Proc. nº 1262/03.7TTCBR do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra) pedindo que seja declarado que não há justa causa que justifique a rescisão do contrato pelo trabalhador e que o R. seja condenado a pagar-lhe a indemnização de € 14 964,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde 02.10.2003.
Alega, em resumo, que o R. rescindiu sem justa causa o contrato de trabalho que mantinha com a A. desde 25.06.2001, tendo deixado de comparecer e prestar a sua actividade desde 01.10.2003, pelo que deve indemnizá-la por aquele montante, correspondente ao valor da clausula penal acordada por cada mês em falta de aviso da desvinculação, sendo certo que tinha sido acordado entre as partes fixar em seis meses tal aviso.
Contestou o R. e deduziu reconvenção, peticionando a improcedência da acção, que a rescisão do contrato seja declarada feita com justa causa e que a A. seja condenada a pagar-lhe as quantias de: € 3 775,06 relativa à diferença das quantias que o R. recebeu a título de retribuição e as que, por força do acordo, lhe eram devidas, bem como os juros de mora sobre essas quantias, calculados à taxa legal aplicável na data que se venceram, até efectivo e integral pagamento; as actualizações anuais devidas por imposição legal sobre a retribuição mensal, relegando-se a sua liquidação para execução de sentença, salvo liquidação oficiosa por este Tribunal; os créditos salariais devidos por força da cessação do contrato de trabalho, os quais ascendem ao montante de € 2 915,01 e, finalmente, a indemnização devida por força da justa causa da rescisão, a qual monta à quantia de € 2 694,00.
Estriba a sua posição invocando que sempre cumpriu as suas obrigações, tendo sido a A. que não procedeu ao aumento de salário base, não lhe pagou as horas extraordinárias e desrespeitou a sua categoria profissional, pelo que tendo reclamado por carta tais direitos e não tendo a A respondido à mesma, rescindiu o contrato de trabalho, com justa causa. Mais alega que lhe são devidos os valores supra indicados como peticionados.
Conclui assim que ocorre fundamento para a rescisão por justa causa que invocou, pelo que a acção deve improceder e a A é-lhe devedora das descritas quantias, em cumprimento do contrato de trabalho e como indemnização pela rescisão do mesmo.
Na resposta à contestação a A reafirma que não era sua obrigação aumentar a retribuição do R., por não ter havido um desempenho adequado por parte deste, sendo que tal aumento estava dependente desse desempenho adequado, alega que não entende a que “actualizações anuais” se refere o R., pois não as especifica, e aceita serem devidos ao R. os montantes peticionados a titulo de férias, subsidio de férias e de Natal, na proporção de 9/12, a compensar com o crédito da A.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos, com abstenção de fixação da base instrutória, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente absolvendo o R. do pedido e parcialmente procedente a reconvenção condenando a A. a pagar ao R. as seguintes quantias:
- € 2 640,00 (correspondente ao diferencial da retribuição devida desde Outubro de 2001 até à cessação do contrato de trabalho, 01.10.12003), acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, contados sobre o vencimento de cada uma das retribuições (sobre o valor de € 110,00 e a partir de cada um dos meses em que a prestação devia ter sido paga);
- € 2 694,00 (a titulo de indemnização por cessação do contrato de trabalho), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos contados desde 01.10.2003 e até efectivo e integral pagamento;
- € 2 524,50 (a titulo dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsidio de Natal) acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, contados desde 01.10.2003 e até efectivo e integral pagamento.
3. É desta decisão que, inconformada, a A. vem apelar.
Alegando, conclui:
I. Tendo as partes fixado a retribuição no montante de 788 € e, nos termos constantes do contrato, não podia o tribunal a quo concluir que a retribuição seria aumentada de forma automática passados três meses;
II. A afirmação de que a entidade patronal elevará a retribuição para 898 €, após três meses iniciais de “desempenho adequado” constitui uma promessa da entidade patronal no sentido de proceder a tal correcção depois de passarem três meses sucessivos em que considere que o trabalhador satisfez plenamente as suas obrigações;
III. Era pressuposto do aumento salarial que o R. tivesse desempenho considerado adequado das funções que lhe foram confiadas;
IV. O tribunal deu como não provado que desempenhou adequadamente as suas funções;
V. Pelo contrário, foi provado que o gerente da A. lhe chamava a atenção pelo mau desempenho;
VI. A douta decisão a quo ofende, no que se refere à interpretação do contrato, os artºs 236° nº1 e 238° do Código Civil;
VII. Mesmo que assim não fosse, se se entendesse como entendeu o tribunal a quo, não podia o R. rescindir o contrato com justa causa, por ter caducado o seu direito, nos termos do art. 34° nº 2 da LCCT;
VIII. Mesmo que se entendesse que havia lugar ao aumento salarial - para o que, em todo o caso, teria o R. que demonstrar que teve um “desempenho adequado” das suas funções -, tendo caducado o direito de invocar justa causa para rescisão, estava o R. obrigado a fazer um pré-aviso de seis meses à A.;
IX. Se se entendesse que o R. tinha o direito de rescindir o contrato com justa causa, sempre teria que se considerar, tomando em consideração o texto contratual e os interesses em jogo, que agiu com abuso de direito, ofendendo o disposto no art. 334° do Código Civil;
X. Ao desconsiderar que o R. nunca reclamou qualquer aumento da retribuição, que se inscreveu para um concurso de acesso à PJ sem conhecimento da A. e que, claramente, rescindiu o contrato de trabalho sem qualquer pré-aviso apenas para tentar furtar-se à cláusula penal contida no texto contratual, o tribunal a quo ofendeu o art. 334° do Código Civil;
XI. Deve revogar-se a douta decisão recorrida e condenar-se o R. no pedido, absolvendo-se a A. do pedido reconvencional.
4. Nas contra-alegações, bateu-se o R. pela manutenção do julgado, terminando com as seguintes conclusões:
1- Efectivamente, foi doutamente julgado por provado que “ Por contrato datado de 25 de Junho de 2001, a A. contratou o R. para prestar, sob a sua direcção, a actividade própria de director comercial, incumbindo-lhe, nomeadamente, a tarefas constantes do ponto 3 do contrato junto a fls.14 a 16, cujo teor aqui se dá por reproduzido”;
2 - O Tribunal a quo considerou provado que “Nos termos desse contrato foi convencionado que a retribuição mensal seria de 788 euros, acrescida de um subsídio mensal de almoço, do montante de 44 euros”;
3 - Mais considerou provado que “Foi ainda acordado entre a A. e o R. que após os três meses iniciais de desempenho adequado, a entidade patronal elevará a retribuição para 898 euros”;
4 - “O R. manteve-se ao serviço da A. sem que lhe fosse aumentada a retribuição”;
5 - Com data de 1 de Outubro de 2003, o R. dirigiu à A. a carta junta a fls. 19, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
6 - O R. durante a vigência do contrato nunca foi alvo de um processo disciplinar por incumprimento das suas obrigações ou, sequer, devido a falta de desempenho adequado;
7 - Perante esta factualidade julgada provada o Tribunal a quo, e muito bem, veio julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo o R. do pedido de condenação deduzido pela A. com fundamento em ausência de justa causa da rescisão do contrato;
8 - Na verdade o R. sustentou a sua rescisão com a falta de pagamento pela A. da retribuição nos termos convencionados no referido contrato de trabalho;
9 - A referida expressão “desempenho adequado” só pode ter o sentido votado pelo Tribunal a quo, isto é, “significando apenas o desempenho normal para as concretas funções exercidas”;
10 - Por conseguinte, o sentido pretendido pela A. é, citando o Tribunal a quo, “linguística e legalmente inadequado, não sendo equivalente”, como o A. quis mas não conseguiu fazer crer, muito menos provar, “… a um desempenho elevado, ou de excelência, a legitimar o aumento”;
11 - Acontece que “desde 25 de Junho de 2001 e até 1 de Outubro de 2003, a A. manteve a remuneração de 788 euros, correspondente ao vencimento acordado para os 3 primeiros meses (Julho, Agosto e Setembro de 2001)”;
12 - Consequentemente, o Tribunal a quo entendeu que a A. violou o art. 35º n.º 1, alínea a) do Dec. Lei n.º 64- A/89, de 27 de Fevereiro;
13 - E porque ao R. apenas incumbia alegar e provar os factos que objectivamente consubstanciam a justa causa da rescisão, este soube alegar e provar ostensivamente este conceito em sede de julgamento.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de dever ser confirmada a sentença impugnada.
A A não usou da faculdade de resposta a este parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Do despacho de fls. 159/160, que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a matéria de facto provada:
1. Por contrato datado de 25 de Junho de 2001, a A. contratou o R. para prestar, sob a sua direcção, a actividade própria de director comercial, incumbindo-lhe, nomeadamente, as tarefas constantes do ponto 3 do contrato junto a fls. 14 a 16, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
2. Nos termos desse contrato foi convencionado que a retribuição mensal seria de 788 euros, acrescida de um subsídio mensal de almoço, do montante de 44 euros;
3. Foi ainda acordado entre a A. e o R. que “após os três meses iniciais de desempenho adequado, a entidade patronal elevará a retribuição para 898 euros”;
4. O R. manteve-se ao serviço da A. sem que lhe fosse aumentada a retribuição;
5. O R., a trabalhar para a A. e com autorização desta, continuou a fazer o estágio de advocacia;
6. Em 5 de Dezembro de 2001 candidatou-se ao concurso de inspectores estagiários da Polícia Judiciária, tendo sido admitido ao curso de formação em 16 de Setembro de 2003;
7. Com data de 11 de Setembro de 2003, o R. escreveu à A. a carta constante de fls. 17 e 18, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
8. Com data de 1 de Outubro de 2003, o R. dirigiu à A. a carta junta a fls. 19, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido;
9. O R. durante a vigência do contrato nunca foi alvo de um processo disciplinar por incumprimento das suas obrigações, ou, sequer, devido a falta de desempenho adequado;
10. A A. não respondeu à carta que lhe foi enviada pelo R. em 11 de Setembro de 2003;
11. A A. nos recibos de vencimento do R. classificou-o de “chefe de departamento”;
12. A A. não pagou ao R. qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, respeitantes ao trabalho prestado em 2003.
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil (Adiante designado abreviadamente de CPC.).
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
a) Qual o sentido e alcance do acordo entre as partes no que tange ao aumento da retribuição ?
b) O R. tinha ou não fundamento para rescindir, com justa causa, o contrato de trabalho celebrado com a A ?
c) Caducou o direito do R. à rescisão do contrato ?
d) Agiu o R. com abuso de direito ?
e) Quais as consequências jurídicas, em face da rescisão operada pelo R. e considerando as respostas obtidas nos itens antecedentes ?
Vejamos pois.
a) Sentido e alcance da clausula de aumento da retribuição
Nos termos da cláusula 5ª do contrato de trabalho celebrado entre a A e o R. foi acordado entre eles que “Após os três meses iniciais de desempenho adequado, a entidade patronal elevará esta retribuição para 898 euros” (o itálico e sublinhado são nossos evidentemente) - v. nº 3 da fundamentação de facto e doc. de fls. 14/5.
Para a interpretação de cláusulas contratuais como esta, consubstanciadoras de declarações negociais, regem os artºs. 236º e segs do Código Civil. Nos termos do nº 1 daquele art. 236º a “declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante ...”
Ora afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião em contrário, que a afirmação constante da sentença recorrida de que “a expressão «desempenho adequado» é pouco mais do que inócua, significando apenas o desempenho normal para as concretas funções exercidas” não tem fundamento.
Desde logo porque tal interpretação, não tendo correspondência no texto do documento em causa - caso contrário dir-se-ia, “após os três meses iniciais de desempenho normal” - e não se mostrando alegado, nem provado, que esse sentido interpretativo correspondia à vontade real das partes contratantes, é violadora das regras estabelecidas no art. 238º do último diploma legal citado.
Também qualificar-se tal clausula, como se faz na sentença recorrida e com o aplauso do parecer do Mº Pº, como indo de “encontro ao padrão de comportamento típico e usual, em que, a partir do «período experimental», ocorre um aumento do vencimento do trabalhador”, é interpretação que, pelos motivos acima expostos, não subscrevemos.
Aliás, note-se que o período experimental normal do contrato em causa - contrato a termo incerto -, era apenas de 60 dias, por força do estatuído no nº 2 do art. 55º do DL 64-A/89 de 27.02 (Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação e que é o aplicável ao caso dos autos, considerando que o Código de Trabalho actualmente vigente apenas entrou em vigor em 01.12.2003, por força do estatuído no art. 3º da Lei 99/2003 de 27.08.) , até porque não foi convencionado o alargamento desse prazo nos termos previstos no nº 3 do último preceito legal citado.
Assim sendo, afirmar que o questionado aumento de retribuição estava ligado ao período experimental e que, decorrido este, tal aumento deveria verificar-se automaticamente é algo que o clausulado do contrato não contem, quer na letra quer no espírito e, por isso, é interpretação não admissível, segundo as referidas normas do Código Civil.
Isto não invalida que subscrevamos a afirmação, contida na decisão recorrida, de que as partes claramente pretenderam ligar o “desempenho adequado” aos três meses iniciais e não a qualquer outro período posterior.
Não deixa de reconhecer-se que “desempenho adequado” é uma qualificação subjectiva que, não tendo sido objectivada pelos contratantes com indicadores numéricos, nomeadamente permitindo a avaliação desse desempenho por forma quantitativa, comporta um certo grau de dificuldade na sua observação e concretização práticas. Porém, partir dessa dificuldade prática para afirmar que esse clausulado é inócuo, afigura-se-nos que é algo que as referidas regras de interpretação dos contratos não permitem.
Aliás, note-se que quer a A quer o R., nos seus articulados, transmitem precisamente a ideia que aquele clausulado tinha algum sentido e que o aumento da retribuição para € 898,00 não era automático ao fim dos três meses iniciais do contrato. Tanto assim que a A, nos nºs 4 a 9 da p.i., alega factualidade para concluir porque é que não houve por parte do R. “desempenho adequado” e por isso não lhe aumentou a retribuição, apesar de o ter mantido ao serviço. Igualmente o R., nos nºs 7 a 15 da contestação invoca diversa factualidade para concluir que sempre cumpriu adequadamente com todas as suas obrigações e, apesar disso, a A não o aumentou.
Por outro lado, cremos que a conclusão 2ª das motivações da recorrente, no sentido de que a elevação da retribuição, nos descritos termos, “constitui uma promessa da entidade patronal”, dependente da sua consideração de “que o trabalhador satisfez plenamente as suas obrigações”, não é de subscrever.
Na verdade, interpretar tal clausula como simples promessa unilateral da entidade empregadora e dependente do seu exclusivo critério sobre o facto de o trabalhador satisfazer plenamente as suas obrigações, é algo que os termos do clausulado em causa não comportam e são violadores das regras do art. 238º citado, nomeadamente porque não tem qualquer correspondência no texto do contrato e não vem alegado nem provado que fosse essa a intenção dos contraentes.
Afigura-se-nos pois que há que recorrer à regra básica do art. 236º nº 1 para interpretar tal clausula, nos termos do qual “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante …”.
Na lição do Prof. Castro Mendes (Direito Civil (Teoria Geral), Vol. III, Faculdade de Direito de Lisboa, 1973, págs. 461/2.) , “o sentido a que o preceito faz referência é o sentido pretendido. Somente vale aquilo que como sentido pretendido for dedutível pelo homem normal e médio, «colocado na posição do real declaratário»”, ou seja, “dispondo dos elementos de interpretação de que o declaratário dispõe”.
Assim, para um declaratário normal, colocado na posição dos contraentes em causa, a expressão “desempenho adequado” há-de estar ligado, na falta de outros elementos disponíveis, não alegados nem provados, ao significado etimológico da expressão.
“Desempenho” há-de corresponder assim a “maneira como actua ou se comporta alguém ou algo, avaliada em termos de eficiência, de rendimento” (Citámos o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Ed. do Circulo de Leitores, Tomo III, pág. 1269.) .
Por sua vez, “adequado” deve entender-se como o “que está em perfeita conformidade com algo; adaptado, ajustado; apropriado ou conveniente” (Idem, Tomo I, pág. 106.) .
Desta forma parece-nos ser de concluir que foi entendimento dos contraentes que o aumento salarial em causa estaria dependente de o R. ter um rendimento ou actuação em termos profissionais que fosse apropriado, ajustado, adaptado.
Terá o R. tido “após os três meses iniciais desempenho adequado” ?
É questão a que procuraremos dar resposta de seguida, definida que está desta forma, em nosso entender e ressalvada melhor opinião em contrário, o sentido e alcance da referida cláusula de aumento da retribuição.
Previamente caberá deixar afirmado que este facto, desempenho adequado por parte do R., é constitutivo do direito que o mesmo invoca, ou seja, é constitutivo do direito a uma determinada retribuição superior à que lhe vinha sendo paga e, consequentemente, o ónus da prova de tal facto é do R., nos termos do art. 342º nº 1 do Código Civil.
Como atrás se disse, o R. alegou nos nºs 7 a 15 da sua contestação, além de algumas considerações e conclusões sobre a problemática em causa, diversa factualidade para concluir que sempre cumpriu adequadamente com todas as suas obrigações e, apesar disso, a A não o aumentou.
Porém, dessa factualidade apenas se provou parte da alegada no nº 8 da contestação e que se mostra supra narrada sob o nº 9 da fundamentação de facto, ou seja, que nunca foi alvo de processo disciplinar por incumprimento das suas obrigações ou devido a falta de desempenho adequado.
Nomeadamente, não se deu como provada a factualidade invocada nos nºs 7, 9 e 15 da contestação, como decorre do despacho de fls. 159/160, que decidiu a matéria de facto, ou seja, não se provou que:
“O R. sempre cumpriu pontual e adequadamente todas as obrigações que para ele decorriam do referido contrato, nomeadamente todas as instruções emanadas pela A ao abrigo do seu poder de direcção”;
“Mais, o R. nunca foi alvo sequer de qualquer queixa ou reclamação por parte da A relativa ao seu desempenho profissional ou ao cumprimento adequado dos deveres que lhe incumbiam”;
“…sempre cumpriu adequadamente com todas as suas obrigações, contribuindo para a produtividade e consequente locupletamento da empresa”.
Desta forma, tendo-se apenas provado que o R. nunca foi alvo de processo disciplinar por incumprimento das suas obrigações ou devido a falta de desempenho adequado é pouco, afigura-se-nos, ressalvada sempre melhor opinião em contrário, para concluir e afirmar que o R. teve um comportamento perfeitamente ajustado ou um rendimento apropriado, conveniente, no fundo, um desempenho adequado.
Poderá questionar-se, e o R. assim procede na contestação, que não tem sentido que a A o mantivesse ao serviço durante mais de dois anos, ainda para mais com funções de direcção, se não desempenhasse adequadamente as suas obrigações.
Bom, sobre essa objecção diremos apenas que, para tal questão, a realidade laboral em causa terá com toda a certeza uma ou várias explicações. A A avança com uma explicação, na resposta à contestação (v. nºs 9 a 12), qual seja a de que o não cumprimento das obrigações do R. não era em termos tão graves que considerasse serem suficientes para o despedir. Eventualmente haverá outras, a que não será alheio a ponderação da relação custo/proveito da manutenção ou não do R. enquanto seu trabalhador.
É óbvio que não decorre da factualidade provada qual a razão concreta que levou a A a manter o R. ao seu serviço, nomeadamente se foi a razão por si invocada ou não. E também não cabe a este tribunal encontrar uma explicação para tal.
Porém, o que temos como seguro é que cabia ao R. alegar e provar que teve um desempenho adequado nos três meses iniciais do contrato e, embora tenha alegado factos para isso, não logrou a prova dos mesmos.
É irrelevante para o caso que a A também não tenha logrado a prova dos factos que alegou no sentido de demonstrar que o R. não teve um “desempenho adequado”, nomeadamente os invocados nos nºs 4 a 8 da p.i. – v. despacho de fls. 159/160 que decidiu a matéria de facto. É que o ónus da prova de que houve um “desempenho adequado” não lhe cabia, antes ao R., como acima se justificou.
Desta forma é de concluir que não pode subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal "a quo" em relação a esta questão, procedendo pois as conclusões I, III, IV e VI das alegações da recorrente.
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b) Rescisão com justa causa pelo trabalhador
Preceitua o art. 35º nº 1 al. a) que constitui justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador o comportamento da entidade empregadora consubstanciado em “falta culposa de pagamento pontual da retribuição na forma devida”.
Estribava o R. a rescisão do contrato que levou a cabo, através do envio da carta de 01.10.2003, com base no não pagamento da retribuição devida, nomeadamente o não pagamento de acordo com a cláusula 5ª do contrato de trabalho – v. nº 8 da fundamentação de facto e documento de fls. 19.
A sentença ora impugnada concluiu que se verificava tal causa de rescisão por a A ter mantido a remuneração mensal em € 788,00 e não ter procedido ao aumento para € 898,00 após os três primeiros meses.
Como acima se procurou justificar, o R. não logrou fazer a prova de ter tido um desempenho adequado nos três meses iniciais do contrato e, consequentemente, ter assim direito ao referido aumento da retribuição.
Nessa medida, não existindo por parte da A a obrigação de aumentar a remuneração mensal do R. de € 788,00 para € 898,00, não se verifica qualquer falta de pagamento da retribuição devida.
Conclui-se, desta forma, que o R. não tinha direito à rescisão do contrato, com este fundamento invocado (Os outros fundamentos invocados na carta de rescisão de fls. 19, não pagamento da retribuição devida por força de lei, diminuição da categoria profissional e não pagamento de trabalho suplementar, foram apreciados na sentença sob recurso e aí se decidiu que não tinham fundamento, tendo nesta parte transitado a decisão, já dela não interpôs recurso o R.) .
Aliás, sempre se dirá, perante a factualidade apurada, que é duvidoso até que o R. no momento em que rescindiu o contrato, ou seja, em 01.10.2003, o pudesse fazer. Isto na medida em que é duvidoso que nessa altura não tivesse já ocorrido uma rescisão por facto natural, ou seja, a integração do R. numa outra entidade patronal, vinculado a esta por determinado tipo de contrato (No sentido de que se considera “rescindido pelo trabalhador o contrato de trabalho quando aquele, cessando as suas funções em determinada empresa, passa a trabalhar noutra diferente”, cfr. o Ac. da Relação de Évora de 14.11.89, C.J., Ano XIV, Tomo V, pág. 286.) .
Na verdade, resulta da factualidade provada que o R. se tinha candidatado ao curso de formação de inspectores estagiários da Policia Judiciária e que foi admitido ao curso de formação em 16.09.2003 (v. nº 6 da fundamentação de facto).
Não é esclarecedora essa factualidade quanto a saber em que termos é que tal admissão ocorreu, nomeadamente se o R. se encontrava ou não vinculado e em que termos, a partir dessa data, 16.09.2003, com a entidade Policia Judiciária, onde estava admitido a frequentar o curso de formação.
E só por falta desse esclarecimento é que não concluímos que o R. em 01.10.2003 nem sequer poderia exercer o direito de rescisão que exerceu, por já anteriormente se ter desvinculado unilateralmente da A.
Porém, mesmo sem esse esclarecimento, afigura-se-nos que de alguma forma é legitima a alegação da recorrente, contida nas alegações, de que a verdadeira causa da rescisão contratual levada a cabo pelo R. não foi a alegada, sendo isso apenas “um expediente para se furtar à referida obrigação de pré-aviso com o dito prazo” (v. fls. 197).
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c) e d) Caducidade do direito à rescisão do contrato e abuso de direito
Da conclusão de procedência das conclusões das alegações da recorrente, relativamente às duas questões supra equacionadas, resulta que o conhecimento destas outras questões levantadas pela apelante – caducidade do direito à rescisão do contrato e abuso de direito - carece de qualquer utilidade, pois estavam numa relação de prejudicialidade relativamente àquelas.
Com efeito, elas tinham como pressuposto admitir-se que o R. teria direito à resolução do contrato com justa causa, o que se conclui não ter, pelo que não existindo o direito não pode ter havido caducidade nem abuso.
Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tais questões, que ficam prejudicadas, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cf. artºs 660 nº 2, 713º nº 2 e 137º, todos do CPC.
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e) Consequências jurídicas perante a rescisão operada nos moldes atrás apurados
Como acima se procurou justificar, o R. rescindiu o contrato de trabalho que o vinculava à A invocando justa causa que, porém, não existia.
Nessa medida e nos termos do art. 37º, tal facto “confere à entidade empregadora direito à indemnização calculada nos termos previstos no artigo 39º”.
Neste preceito, por sua vez, estatui-se que se o trabalhador não cumprir o prazo de aviso prévio estabelecido no art. 38º “fica obrigado a pagar à entidade empregadora uma indemnização de valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta …” (o itálico e sublinhado são obviamente nossos) sem prejuízo de responsabilidade civil, em certas circunstâncias, de que não cumpre aqui apreciar, pois não vem alegada tal responsabilidade civil.
Por sua vez, o prazo de aviso prévio vem definido no art. 38º, sendo de 30 ou 60 dias conforme se trate de trabalhadores com antiguidade até dois anos ou mais de dois anos, respectivamente, e podendo tal prazo ser alargado até seis meses, por contrato individual de trabalho, “relativamente a trabalhadores com funções de representação da entidade empregadora ou com funções directivas ou técnicas de elevada complexidade ou responsabilidade”.
A A estriba a sua pretensão indemnizatória com base na cláusula 6. do contrato de trabalho.
Vejamos pois se tem direito à pretendida indemnização e em que termos.
O contrato de trabalho em causa encontra-se junto a fls. 14/16 e é dado como reproduzido no nº 1 da fundamentação de facto, podendo assim tomar-se em consideração que foi convencionado na cláusula 6.1 do mesmo o seguinte:
“Tomando em consideração as funções de representação da entidade empregadora, as partes convencionam que o prazo de aviso prévio a que se refere o art. 38º do DL 64-A/89 de 27 de Fevereiro é de seis meses”.
Por sua vez a cláusula 6.2 é do seguinte teor: “A violação do prazo de aviso prévio constitui o trabalhador na obrigação de indemnizar a entidade patronal pelos danos causados, fixando-se por acordo uma cláusula penal de 2494 euros, por cada mês em falta”.
Ora, tomando em consideração que o R. desempenhava as funções de director comercial – v. nº 1 da fundamentação de facto – afigura-se-nos que a citada cláusula 6.1 é perfeitamente válida, pois obedece às exigências contidas no nº 2 do art. 38 citado, já que foi incluída no contrato individual de trabalho e o trabalhador exerce funções de representação da entidade empregadora e, mesmo, funções directivas de elevada responsabilidade, como decorre da enumeração das tarefas constantes do ponto 3. do referido contrato.
Já porém a fixação de um valor indemnizatório tendo por base uma cláusula penal de valor superior ao legalmente previsto, sendo este apenas o “valor igual à remuneração de base correspondente ao período de aviso prévio em falta”(v. art. 39º), cremos que não é possível. Tal constituirá violação de uma norma imperativa, que não está na livre disponibilidade das partes e nessa medida, estamos perante cláusula nula, nulidade esta de conhecimento oficioso nos termos das disposições conjugadas dos artºs 294º e 286º, ambos do Código Civil.
Aliás, neste sentido e fundamentando que assim é por estarem em causa razões de ordem pública de protecção social, é elucidativo o Ac. da Relação de Évora de 11.03.93 (Publicado na C.J., Ano XVIII, tomo II, págs. 259 e segs, estando a passagem transcrita a fls. 261.) , quando conclui: “O preceito que fixa o montante indemnizatório a pagar pelo trabalhador ao empregador, por despedimento, unilateral e sem aviso prévio, daquele a este, tem carácter imperativo; determina de modo vinculativo o montante indemnizatório. Não deixa margem para aumentar ou diminuir o montante indemnizatório”.
Nesta medida conclui-se que a A tem direito a ser indemnizada pelo R., dada a rescisão ilícita do contrato de trabalho por parte deste e porque se verificam os pressupostos previstos no art. 37º, mas apenas pelo valor correspondente à remuneração de base dos seis meses de aviso prévio em falta, ou seja, pelo montante de € 4 728,00 = (€ 788,00 x 6) e não pelos peticionados € 14 964,00. Ao referido montante acrescem, naturalmente, os juros peticionados.
No que tange ao pedido reconvencional formulado pelo R., considerando as conclusões a que acima se chegou, nomeadamente sobre a não obrigação da A em aumentar o salário do R. de € 788,00 para € 898,00 a partir do quarto mês de vigência do contrato e que a rescisão levada a cabo pelo mesmo não tinha justa causa, é de concluir que devem improceder os seus pedidos baseados em tais pressupostos.
Nomeadamente é de revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a A a pagar ao R. os montantes de € 2 640,00 e € 2 694,00 a titulo de diferencial de retribuição e de indemnização por cessação do contrato de trabalho com justa causa, respectivamente.
Não se verifica, com efeito, fundamento legal para tais condenações, nomeadamente a arrimada na sentença impugnada.
Pretende a A, como resulta da conclusão XI das suas alegações, a sua absolvição total do pedido reconvencional.
Porém, seguramente sem razão.
Na verdade, a parte da condenação da A a pagar ao R. o quantitativo de € 2 524,50, a titulo de proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de Natal, e juros moratórios, em nada é afectada pelas conclusões acima extraídas quanto ao valor devido de retribuição e à ilicitude da rescisão do contrato. E aliás nem resulta das alegações e das conclusões com que fundamento a A entende não ser devido tal quantitativo.
Com efeito, tais valores são devidos pelo tempo de trabalho prestado pelo R. no ano de 2003, concretamente nove meses, e independentemente de o mesmo ter cessado o contrato de trabalho de modo ilícito.
Aliás a própria A., na resposta à contestação, admite que o R. tem direito a tais créditos (v. nº 17 daquela peça processual).
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3. Tudo visto e ponderado, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, afigura-se-nos que à luz do enquadramento normativo supra efectuado, não pode subsistir a decisão recorrida e, assim, devem ser julgadas parcialmente procedentes quer a acção quer a reconvenção, nos termos acima explicitados.
Para terminar não poderemos deixar de dizer que o presente caso de que acima nos ocupamos é ilustrativo de quão acertada é a reflexão do crítico literário alemão Mário Andreotti quando afirma: “Antes de partires em busca dos teus direitos, deves examinar até onde cumpriste os teus deveres” (In Direito, As melhores citações, Colecção Citações Jurídicas, pág. 36.) .
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se revogar parcialmente a decisão recorrida, julgando-se parcialmente procedente a apelação e, consequentemente decide-se:
a) Condenar o R. a pagar à A a quantia de € 4 728,00 (quatro mil setecentos e vinte e oito euros) acrescida de juros de mora à taxa legal devida, actualmente de 4% ao ano, desde 02.10.2003 (Só tendo sido pedidos juros a partir de 02.10.2003 não era possível fixá-los com data anterior.) e até integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado;
b) Manter a condenação da A a pagar ao R. a quantia de € 2 524,50, acrescida de juros de mora à taxa legal devida, actualmente de 4% ao ano, desde 01.10.2003 e até integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado;
Custas a cargo de A. e R., na medida dos respectivos decaimentos.
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Coimbra,