Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3444/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: LEVANTAMENTO DE DINHEIRO DEPOSITADO
HERANÇA INDIVISA
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1189, N.º 1, AL. A) E 1938.º, N.º 1, AL. C) DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O levantamento de uma quantia depositada em nome da herança para ser entregue e dividida pelos herdeiros não se afigura consubstanciar um acto de conservação ou defesa do referido património, já que a administração visa assegurar e não antecipar a partilha.
2. A cabeça de casal de herança indivisa não pode levantar quantias depositadas em processo, a fim de proceder à sua divisão pelos herdeiros.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Em execução para pagamento de quantia certa que A..., em representação do filho menor B..., e C... movem aos herdeiros de D..., veio a cabeça de casal da herança indivisa do executado, na sequência da notificação da conta e da existência de um saldo de € 20.754,46 a favor daquela herança, requerer a fls. 146-147, o levantamento desta importância, ou assim não se entendendo, 1/3 do respectivo valor, mediante a emissão do correspondente precatório-cheque, indicando expressamente ser sua intenção distribuir 1/3 do depositado por cada um dos três herdeiros.
Tendo vista o Mº Pº opôs-se ao requerido. A M.ma Juiz veio a indeferir o requerido, determinando que a entrega da quantia depositada nos autos ficasse dependente do que fosse decidido em processo de inventário ou em partilha extrajudicial devidamente autorizada nos termos dos art.ºs 1889, nº 1, al.ª l) e 1938, n.º 1, al.ª c) do CC e do DL 272/2001 de 13/10.
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Inconformada, a aludida cabeça de casal interpôs recurso de agravo, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
1 – A recorrente, nos termos do art.º 2080 do C. Civil, sendo a filha mais velha do falecido D..., é cabeça de casal da referida herança.
2 – Como cabeça de casal, compete-lhe a administração da herança (art.º 2079 do CC).
3 – A quantia depositada pertence à herança da qual a recorrente é cabeça de casal e a quem compete administrar.
4 – Sendo o tribunal um terceiro, detentor de um bem pertencente à herança, pode o cabeça de casal, nos termos do art. 2088 do CC, exigir-lhe a restituição desse mesmo bem.
5 – Não pertencendo o dinheiro depositado à menor, mas à herança, não haverá que pedir autorização ao MºPº para o seu levantamento; não obstante isso existe nos autos autorização de todos os interessados para o seu levantamento.
6 – Na d. sentença não se faz correcta interpretação do disposto nos artigos 2079, 2080 e 2088, 1, todos do C. Civil, normas que foram violadas.

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Colhidos os vistos cumpre decidir.
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Consideram-se provados os seguintes factos:
A – Na pendência da execução, foi a instância suspensa, nos termos do art.º 277 do CPC, logo após a junção aos autos de fotocópia autenticada do assento de óbito de fls. 35, dando conta do falecimento do executado D... em 12 de Outubro de 2000.
B – Por decisão de fls. 65 – 66, C..., B... e E... foram declarados habilitados como únicos herdeiros do falecido executado.
C – Após a venda judicial do bem que havia sido penhorado e o depósito do respectivo produto, foi o processo remetido à conta, resultando desta um saldo de € 20.754,46, aí liquidado a favor da herança do executado D....
D – Encontrando-se pagas a quantia exequenda e as custas, foi a execução julgada extinta nos termos do art.º 919 do CPC.
E – A referida C... é a filha mais velha e cabeça de casal da herança indivisa do referido D....
F – A E... nasceu a 12 de Novembro de 1998 – cfr. doc. de fls. 49, tendo sido decretada a respectiva confiança judicial de menor, com vista a futura adopção, ao casal de F... e marido, e designada a referida F... curadora provisória nos termos do art.º 167 da LTM (certidão de fls. 162-166).
G – A fls. 161 esta curadora veio requerer «o levantamento da quantia depositada por parte da cabeça de casal por óbito de D...».
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O objecto do recurso encontra-se limitado pelas conclusões das respectivas alegações – art.ºs 684, 3 e 690, 1 do CPC.
A questão suscitada no recurso consiste em saber se a cabeça de casal da herança indivisa do primitivo e falecido executado pode obter o levantamento do saldo depositado e liquidado a favor daquela herança na execução que prosseguiu em relação a esta.
A administração da herança pelo cabeça de casal constitui um mecanismo de salvaguarda do património autónomo em que aquela consiste, pela prática de actos conservatórios genericamente destinados a evitar a perda ou deterioração daquele património (Oliveira Ascenção, Direito das Sucessões, 4ª edição, 1989, pág.494) quer através de actos tendentes à normal frutificação de bens da herança, como dar de arrendamento, receber e vender os frutos, continuar o giro comercial ou a exploração agrícola do inventariado, cultivar prédios rústicos, movimentar os depósitos bancários constituidos pelo autor da herança, etc (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª edição, pág. 306 e ss) quer diligenciando pela boa guarda e preservação dos bens e pela satisfação dos encargos da administração (art.º 2090 do CC), quer procedendo judicial ou extrajudicialmente para o ingresso na posse efectiva da comunhão hereditária de bens detidos por terceiros (art.ºs 2088 e 2089 do CC), dentro do âmbito enunciado no art.º 2079 do CC. O fim da lei é o de assegurar que a partilha ou atribuição patrimonial por via sucessória venha a incidir sobre todo o acervo existente à data da abertura da sucessão.
Fora dos descritos condicionalismos, a regra é a que os direitos relativos à herança devem ser exercidos em conjunto por todos herdeiros, fazendo recair globalmente sobre eles os benefícios e também prejuízos da actuação unificada – art.º 2091, 1 do CC.
A intenção da cabeça de casal denunciada expressamente no requerimento é a de proceder à divisão do dinheiro por cada um dos herdeiros, significando a antecipação parcial de uma partilha em eventual detrimento da vontade do colectivo dos herdeiros, expressa em inventário ou em negócio extra-judicial. Haja em vista a possibilidade de aquela vontade ir no sentido, por exemplo, de afectar a verba integrada pela importância em apreço ao pagamento a um credor da herança.
O levantamento de uma quantia depositada em nome da herança para ser entregue e dividida pelos herdeiros não se afigura consubstanciar um acto de conservação ou defesa do referido património, até porque a administração visa assegurar e não antecipar a partilha.
Aquela quantia não só está no nome como na disponibilidade do conjunto dos herdeiros, inexistindo qualquer similitude entre a situação dos autos e a da entrega de bens em poder de terceiros, prevista no art.º 2088 do CC e invocada pela agravante. Não colhendo, por conseguinte, as conclusões 1ª,2ª,3ª e 4ª do recurso. Também não ocorre a intervenção de todos os herdeiros porquanto o requerimento autónomo da curadora provisória da herdeira menor E... de fls. 161, além de ineficaz em relação a esta por força do disposto nos art.ºs 123, 124, 1978, 1, al.ª e) e 1978-A do CC, não pode ser tomado senão como mera anuência à pretensão da cabeça de casal, sem que se possa afirmar que exprime a reclamação de um direito próprio. Não tendo fundamento as conclusões 5ª e 6ª das conclusões da agravante.
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Pelo exposto, decidem negar provimento ao agravo.
Custas pela agravante.

Coimbra, / /