Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
400/06.2GCAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: PRINCIPIO DA IMEDIAÇÃO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
DIREITO AO SILÊNCIO
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO – 1.º JUÍZO CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CONFIRMADA
Sumário: I. - A imediação, traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232),
II. – O interrogatório do arguido constitui um meio de prova e/ou o exercício do seu direito de defesa. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, edição de 2008, p. 197) reconhece às declarações do arguido, em qualquer das fases do processo, uma dupla natureza: de meio de prova e de meio de defesa.
III. – Ainda que jurídico-processualmente o arguido esteja isento do ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio – de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena –, não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer –, a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo.
Decisão Texto Integral: 16

I – RELATÓRIO
1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo registado sob o n.º400/06.2GCAVR, a correr termos no 1.º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, os arguidos … e …, ambos melhor identificados nos autos, foram condenados, na procedência parcial da acusação, cada um deles, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º1, ex vi artigos 210.º, n.º2, al. b), 204.º, n.º2, al. f) e 204.º, n.º4, todos do Código Penal, «na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de 2 (dois) anos e 4(quatro) meses, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 50º, 53º e 54º do C. Penal, sujeita a regime de prova, assente num plano individual de readaptação social dos arguidos, devendo ser executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (art.º 53.ºdo C.P.), devendo ainda impender sobre os arguidos a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social (art.º. 54.º, n.º 3, alínea a), do C.P.), sem prejuízo de tal plano poder vir a ser completado posteriormente pelos serviços de reinserção social.»
2. Inconformado, recorreu o arguido …, formulando, na motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
I – Não se encontram verificadas ou reunidas quaisquer provas que permitam atribuir a autoria do crime de roubo na forma consumada, punido e previsto pelo art. 210.º Código Penal.
II – Encontra-se erradamente e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 1°,3°,4°,5°,7°,15°,17°,18°,20°,21° e 23° dos factos assentes, os quais deveriam antes ser dados corno não provados.
III – São inúmeras as provas que impõem decisão diversa e que supra foram referidas e indicadas com respectiva fundamentação de facto e de direito e que tudo aqui se dá por integrada por brevidade e por reproduzi das para todos os efeitos legais.
IV – Em qualquer caso de dúvida no espírito do Tribunal deve dar lugar a uma absolvição por falta de prova inequívoca, este é, de resto, o conteúdo com que se afirma o princípio da presunção de inocência do arguido até prova irrefutável em contrário.
V – Ao não ter aplicado o principio in dubio pro reo Tribunal a quo violou o preceituado no art. 32.°, n.º 2 da Lei Fundamental.
VI – O crime de ameaças exige o dolo, sendo suficiente o dolo eventual; o dolo tem que abranger a adequação da ameaça a provocar no ameaçado medo ou inquietação, e, pressupõe que o agente tenha vontade de que a ameaça chegue ao conhecimento do ameaçado, sendo, irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça
VII – Ora, no caso sub judice, dados as provas produzidas em julgamento, a actuação dos arguidos, salvo melhor opinião, subsume-se a esta conduta. Compulsada a prova produzida, apenas ficou provado de forma clara, segura e inequívoca que os mesmos surgiram perante o ofendido, amedrontando-o com uma arma de fogo, não tendo sido provado que os arguidos tenham tido como escopo da sua actuação a apropriação dos bens do ofendido ….
VIII – Sem prescindir, se este não for o entendimento e raciocínio, deveria o ora recorrente, quanto muito, ser condenado num crime de roubo, na forma tentada e não consumada, uma vez que, não foi produzida prova segura e inequívoca, salvo melhor opinião, que o ora recorrente tenha, de facto, levado com ele a carteira do ofendido …, resultando dos autos apenas o depoimento frágil, hesitante e inconsistente daquele (A….), não se podendo atribuir com certeza a consumação de algum roubo por parte do ora recorrente.
IX – Por conseguinte, nos termos do disposto nos arts. 22° n° 1 e 2 al. a), b) e c), art. 23° n° 1 e 2, art. 73° n° 1 al. a) e b) e 210° n° 1, todos do Código Penal, o limite máximo da pena de pena de prisão é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal.
X – In casu, a pena de prisão deverá ser atenuada – prevista para o artigo 210° n.º1 Código Penal – e irá de um mês a 5 anos e três meses de prisão em vez dos 1 a anos da moldura abstracta normal.
XI – Além disso, e conforme alegado pelo douto acórdão do tribunal a quo, “(...) Ponderando, no entanto, a personalidade dos arguidos, ressarcimento e o perdão por este demonstrado relativamente à actuação dos arguidos, bem como o facto de que os arguidos eram primários à data dos factos, bem como a sua integração profissional e familiar, entendemos ser possível e justificada, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos, porquanto, tudo nos leva a concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição”, deverá, salvo melhor opinião, ser a mesma suspensa na sua execução ou substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
XII – No acórdão posto em crise foram violados os princípios da presunção da inocência, da verdade material, da legalidade e da livre apreciação da prova.
XIII – Disposições violadas: as referidas supra e as que V/ Ex. suprirão, nomeadamente, artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 127°, 340°, 355°, 356°, arts. 22° n.º 1 e 2 al. a), b) e c), art. 23° n.º 1 e 2, art. 73° n° 1 al. a) e b), 153°, 210°, todos do Código Penal.
Termos em que, se deverá revogar a douta sentença nos termos e pelas razões supra expendidas, absolvendo o arguido do crime de roubo, na forma consumada ou, se este não for o entendimento, condenar o arguido num crime de ameaças p. e p. pelo art. 153° Código Penal ou condená-lo, quanto muito, num crime de roubo, na forma tentada. Mais deverá ser reduzida ou substituída a pena nos termos propugnados. Assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!
3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância, defendendo a confirmação da sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
1- Todos os elementos de prova que serviram para a formação da convicção do Tribunal são processual e substantivamente válidos e aptos a tal, foram carreados de forma correcta, não desobedecem a qualquer comando ou princípio legal, são seguros, esclarecedores e credíveis.
2 - A análise lógica dos elementos de prova disponíveis e as regras da experiência comum, convenceram – e bem – o Tribunal da situação de co-autoria material e na forma consumada, na prática do crime pelo qual se condenou os arguidos.
3 - O Acórdão em recurso mostra-se regularmente fundamentado, dele se extraindo com clareza a concretização dos elementos de facto que capacitaram o Tribunal, a sua valoração, bem como o processo racional que levou à decisão tomada.
4 - Ao formar a sua convicção e posteriormente decidir, o tribunal não se deparou com qualquer dúvida insanável, que o levasse a favorecer o ora recorrente, em obediência ao princípio in dubio pro reo.
Esse princípio não tem, assim, aplicação in casu.
5 - O Acórdão impugnado não enferma de qualquer contradição insanável; a prova foi correctamente valorada, dela se extraindo as mais correctas consequências, em termos de fixação da matéria de facto, que se mostra bastante para fundamentar a decisão.
6 - É correcta a subsunção jurídico-penal dos factos efectuada pelo Tribunal, considerando que aqueles integram a previsão do art. 210.º do C.Penal, ou seja, crime de roubo.
7 - Para alcançar a medida concreta da pena aplicada, ponderou o Tribunal todas as circunstâncias que devia efectivamente considerar, socorrendo-se de todos os dados disponíveis e atendíveis, de acordo com os comandos legais aplicáveis.
Balizou-se pela culpa do arguido/recorrente, não esquecendo as necessidades de prevenção, geral e especial.
8 - A medida concreta da pena de prisão aplicada foi alcançada de modo equitativo, mostra-se adequada à situação concreta e não merece censura, o mesmo acontecendo com a decisão de suspensão da execução dessa pena.
9 - Não foi violado qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as referidas pelo recorrente.
10 - O Acórdão impugnado deverá ser mantido nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o recorrente não cumpriu as exigências do artigo 412.º do mesmo diploma para que pudesse ser sindicada a matéria de facto, e bem assim no sentido de que a sentença recorrida não merece qualquer censura, concluindo que o recurso não merece provimento.
5. O recorrente respondeu, conforme consta de fls.549 e segs.
6. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Como dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma doravante designado de C.P.P.), os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito. Dado que no caso em análise houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º3 e 431.º do C.P.P., ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.
Efectivamente, segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271). Sempre que o recurso para a Relação, no que respeita à decisão de facto, se reveste de maior amplitude, impõe-se, metodologicamente, que se comece pela impugnação alargada da matéria de facto, só depois entrando, se necessário, nas restantes questões atinentes à decisão sobre o facto, ou seja, na apreciação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2 (cfr. Ac. do S.T.J., de 5.07.2007, proc. 07P2279, disponível em www.dgsi.pt).
Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões a apreciar e decidir: a impugnação da matéria de facto dada como provada e a invocada violação pelo tribunal recorrido do princípio in dubio por reo; a diversa qualificação jurídica dos factos, decorrente da pretendida alteração a operar na factualidade provada; a pena concreta aplicada ao arguido-recorrente.
2. A sentença recorrida
2.1. Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. Em Maio de 2006, o arguido … namorava com …, a qual era funcionária da sociedade “…Limitada” e familiar dos gerentes de tal sociedade, prestando serviço na loja da mesma situada na Barra (Ílhavo)
2.Sendo que existia também uma loja na Zona Industrial de …, em Aveiro.
3. Por via do seu relacionamento com a referida …, ficou o arguido … a saber que os valores monetários apurados naquelas duas lojas ficavam diariamente à guarda do ofendido …, que estava incumbido de proceder ao depósito bancário dos mesmos, bem como de abrir as lojas pela manhã e de as fechar à noite.
4. Em ocasião não apurada do final desse mês, o arguido … e o arguido … combinaram assaltar o ofendido …, com o intuito de se apoderarem das quantias em dinheiro, nomeadamente de titularidade da ofendida sociedade ‘…”, que encontrassem na posse do mesmo, mediante o uso de ameaças, ou de violência se necessário fosse.
5.Os arguidos acordaram entre si abordar o ofendido … à hora de encerramento de uma das lojas referidas, pois bem sabiam que o mesmo se encontraria sozinho e que consigo traria o dinheiro apurado nas lojas.
6.Em execução de tal propósito, no dia 28 de Maio de 2006, cerca das 21 horas e 20 minutos, os arguidos deslocaram-se para junto da loja da “… “ na Zona Industrial de Taboeira, fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula …, levando um dos arguidos consigo uma pistola de alarme, de marca “FT”, de modelo ‘GT28 “, adaptada para disparar munições de fogo real com projéctil de calibre 6,35 mm (para o que lhe foi colocado um cano estriado de tal calibre) e de aparência semelhante a uma pistola originariamente de fogo real, com o objectivo de a utilizar na prática dos factos entre ambos acordados, se necessário fosse, situação que era do conhecimento de ambos.
7.Os arguidos, sabendo que o ofendido … se encontrava nesse estabelecimento comercial e iria fechar o mesmo por aquela hora, aguardaram que o mesmo dali saísse e se introduzisse no seu próprio veículo automóvel.
8.Ao sair daquele estabelecimento, o ofendido … trazia consigo a sua carteira e documentos pessoais, bem como uma quantia em dinheiro que ascendia a valor não concretamente apurado, entre 70 a 80€ de sua propriedade. Tinha guardada na bagageira do seu veículo automóvel uma saca contendo a quantia de cerca de €6.000,00 (seis mil euros), de propriedade da ofendida “…”.
9.Após, o ofendido … entrou para o seu veículo automóvel, de matrícula XX-XX-FZ.
10.Acto contínuo, os arguidos colocaram máscaras feitas com meias, por forma a encobrirem as suas caras e não serem reconhecidos, e abeiraram-se do ofendido …, colocando-se cada um deles de um dos lados do veículo automóvel no interior do qual este se encontrava, sendo que um deles se colocou do lado do ofendido e empunhou em direcção a este, apontando-lha, a referida pistola.
11.Os arguidos ordenaram ao ofendido … que saísse do seu veículo automóvel, tendo este recusado e trancado as portas do mesmo.
12.Perante tal reacção do ofendido …, logo um dos arguidos, fazendo uso daquela pistola, desferiu uma pancada no vidro da porta do lado do ofendido, assim partindo tal vidro.
13.Em face de tais comportamentos dos arguidos, o ofendido … ficou com medo de que os mesmos disparassem sobre si, ferindo-o ou mesmo matando-o, razão pela qual, logo destrancou as portas daquele veículo e saiu do mesmo, fugindo para a estrada, com intenção de pedir auxílio, e deixando os arguidos sozinhos junto ao seu veículo.
14.Então, os arguidos introduziram-se no interior do veículo automóvel do ofendido …, procurando os valores monetários que o mesmo ali tinha guardados, dali retirando uma saca que continha uma carteira com documentos pessoais e a quantia de cerca de 70€ a €80,00 (oitenta euros) em dinheiro, tudo de propriedade daquele ofendido.
15.Os arguidos não lograram encontrar a referida quantia de cerca de €6.000,00, de propriedade da ofendida “…”, na medida em que o ofendido … a havia anteriormente colocado na bagageira do seu veículo, que tem um sistema de fecho independente do habitáculo e se encontrava trancada.
16.Entretanto, alertados pelo ofendido …, dirigiram-se para os arguidos e para o veículo automóvel daquele, dois agentes da Guarda Nacional Republicana que por ali passavam, trajando à civil mas empunhando um deles a sua arma.
17.Constatando a presença dos mesmos, os arguidos ficaram com medo de ser detidos, razão pela qual logo se introduziram no veículo automóvel em que se haviam feito transportar até ali e fugiram, levando com eles os referidos bens de propriedade do ofendido ….
18.Porém, tendo enveredado por uma rua sem saída e temendo ser surpreendidos na posse dos mesmos, logo se desfizeram daqueles bens do ofendido …, deitando-os para o meio do mato ali existente, de tal modo que não mais puderam ser encontrados, ficando aquele ofendido desapossado dos mesmos.
19.Sendo alcançados pelos referidos agentes, que os seguiram, foram os arguidos detidos.
20.Os arguidos agiram da forma descrita, em conjugação de esforços e intentos, como meio para a plena concretização do seu desígnio apropriativo, com o objectivo de provocarem medo ao ofendido … e, assim, levá-lo a abrir mão do dinheiro que tinha na sua posse.
21.Assim agindo, sabiam os arguidos que causavam medo ao ofendido …, mais sabendo que se apropriavam de valores monetários que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus legítimos donos.
22.Os arguidos agiram de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.
23.Os arguidos ressarciram o ofendido A…. de todos os prejuízos para este advindos com a actuação daqueles.
24.O ofendido … deu o seu “perdão” aos arguidos.
25.O arguido … encontra-se preso preventivamente desde há 7 meses, à ordem do processo nº 1819/06.4JAPRT.
26.Trabalhou durante algum tempo como vendedor na Tele2.
27.Tem o 12º ano de habilitações, e encontra-se a trabalhar na enfermaria da prisão, em Custóias.
28.Não tem antecedentes criminais.
29.O arguido … é técnico de vendas, aufere mensalmente 700,00€, vive com os pais e encontra-se a concluir o 9º ano.
30.O arguido não tem antecedentes criminais.
31.Do relatório elaborado pelo IRS resulta em sede conclusiva: “… apresenta um estilo de vida normativo, com uma inserção sócio-familiar estável, investimento profissional regular e rotinas estruturadas. A sua vida apresenta-se orientada de forma positiva, com envolvência nos compromissos profissionais e escolares. As faltas às apresentações periódicas contrastam com a sua maneira de estar na vida, parecendo-nos constituir-se como uma atitude de evitamento pelas dificuldades de se confrontar com o impacto das mesmas no meio social. Contudo, o mesmo percebeu a irresponsabilidade da sua conduta e está disposto a regularizar a sua situação de ora em diante. Os indicadores retirados da forma como orienta a sua vida, parecem-nos dar alguma credibilidade no sentido de ora em diante envolver-se responsavelmente na medida de coacção a que se encontra sujeito. ”
2.2. Quanto a factos não provados consignou-se como não demonstrado (transcrição):
• que a … também trabalhasse na loja da Zona Industrial da Taboeira;
• que era o arguido … que levava consigo a pistola;
• que o veículo automóvel de matrícula XX-XX-OX, era de propriedade da mãe do arguido;
• que a quantia de que os arguidos se apropriaram do ofendido … ascendia a 100€;
• que fosse o arguido … a colocar-se ao lado do ofendido e a empunhar a arma, apontando-a ao ofendido e que tenha desferido com ela a pancada no vidro da porta do veículo do ofendido, partindo-o.
2.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
A convicção do tribunal para dar os factos como provados alicerçou-se na ponderada conjugação e análise crítica de toda a prova produzida em audiência conjugada com as regras da experiência comum, tendo essencialmente por base os depoimentos prestados pelas testemunhas …, ofendido, o qual é, e era à data dos factos, funcionário da “…” e esclareceu a forma como os factos ocorreram, relatando o modo como foi abordado quando se encontrava na sua viatura, por dois indivíduos com a cara tapada, a utilização de uma arma por um deles, bem como as suas funções na …, a responsabilidade que lhe era atribuída quanto ao dinheiro do caixa e o seu procedimento habitual quanto a este. Referiu ainda sobre o relacionamento da funcionária … a qual era à data dos factos namorada do arguido … e familiar dos proprietários da “…” conhecendo os procedimentos habituais do ofendido quanto ao dinheiro do caixa.
Conjugado com este depoimento foram valorados os depoimentos prestados pelas testemunhas … e …, militares da GNR que se encontravam de folga, e que ao passarem no local, alertados pelo ofendido, constataram os arguidos a remexerem no interior da viatura daquele, tendo-os perseguido até à sua detenção. As referidas testemunhas apresentaram um depoimento esclarecedor, objectivo e consentâneo, relatando a forma como perseguiram e interceptaram os arguidos, vindo-os a deter instantes depois na posse de alguns dos objectos usados no cometimento dos factos em apreciação.
Tais depoimentos foram ainda conjugados na sua objectividade com os autos de apreensão de objectos de fls. 10, auto de detenção de fls. 3 e 4. Valorado ainda o relatório de exame de fls.163.
Atinente à sua situação pessoal foram valoradas as declarações prestadas pelos arguidos, e ainda o teor do relatório elaborado pelo IRS, de fls.371 a 374 dos autos, quanto ao arguido .....
No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, no C.R.C. junto aos autos.
No que se refere aos factos dados como não provados resultaram da ausência de prova suficiente no que tange à matéria factual descrita.
3. Apreciando
3.1. Recurso da matéria de facto
3.1.1. O recorrente discorda da matéria de facto dada como provada, por divergir do tribunal recorrido quanto à valoração da prova produzida.
O Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Conforme jurisprudência constante, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, com base na audição de gravações, antes constituindo um remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto. Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt).
No caso em análise, muito embora se reconheça que a motivação e as conclusões formuladas, na perspectiva da impugnação da matéria de facto, não são modelares, não prejudicam, a nosso ver, o conhecimento do recurso.
3.1.2. Como se disse, o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações – e anteriormente com base na leitura de transcrições –, reaprecie a totalidade da prova. E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
3.1.3. No caso em apreço, o tribunal a quo, na tarefa de valoração da prova e de reconstituição dos factos, tendo em vista alcançar a verdade – não a verdade absoluta e ontológica, mas uma verdade histórico-prática e processualmente válida, geradora de uma convicção que ultrapasse o patamar da dúvida razoável –, teve em conta os depoimentos prestados em audiência de julgamento e a prova documental de fls. 10, 3 e 4, os relatórios de fls. 163, 371 a 374 e os C.R.C. dos arguidos.
Os arguidos entenderam não prestar declarações.
É sabido que se discute na doutrina se o interrogatório do arguido constitui um meio de prova e/ou o exercício do seu direito de defesa. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, edição de 2008, p. 197) reconhece às declarações do arguido, em qualquer das fases do processo, uma dupla natureza: de meio de prova e de meio de defesa.
Face ao C.P.P. vigente (na versão original e nas suas sucessivas revisões), identificamos esta dupla natureza em diversos aspectos da regulamentação específica das declarações do arguido, nomeadamente, nas disposições relativas à confissão (e respectivos efeitos), à ordem de produção da prova, no direito ao silêncio e na inexigibilidade de dizer a verdade.
Quando a confissão era considerada como regina probationum, não era concebível que o arguido tivesse o direito ao silêncio (jus tacendi). O C.P.P. vigente, entre os direitos processuais do arguido, consagra, expressamente, no artigo 61.º, n.º1, al. d), o direito de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar. Este direito ao silêncio, referido também no artigo 343.º, n.º1, é uma expressão importante do direito de defesa, no quadro do princípio segundo o qual ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
Percebe-se, pois, a partir do carácter complexo de que se revestem as declarações do arguido, que este goze do direito ao silêncio e que seja inexigível o cumprimento do dever de verdade em relação aos factos que lhe são imputados, dever que, a existir, poderia inibir o arguido na estruturação da sua defesa.
Porém, como dizem Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2000, p. 359, em anotação ao artigo 343.º), não se deve confundir “desfavorecer” com o “não favorecer”. A confissão, se espontânea, beneficia a posição do arguido. E se do silêncio do arguido resultar o desconhecimento de circunstâncias que o poderiam favorecer – e de que, porventura, só ele tem conhecimento –, então poderá esse silêncio nitidamente desfavorecê-lo.
O que estes autores salientam é, afinal, a evidência de que, muito embora o arguido esteja isento do ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio – de que não é legítimo extrair qualquer consequência, seja para determinar a culpa, seja para determinar a medida concreta da pena –, não é menos verdade que quando é do interesse do arguido invocar um facto que o favorece – e que ele poderá ser o único a conhecer –, a manutenção do silêncio poderá desfavorecê-lo.
No caso em apreço, os arguidos, legitimamente optaram pelo silêncio quanto aos factos imputados. Desse silêncio não se pode extrair qualquer consequência jurídica desfavorável para os arguidos, que se presumem inocentes antes de haver sentença condenatória com trânsito em julgado.
Porém, por via dessa legítima opção, privaram-se da oportunidade de apresentarem a sua própria versão dos factos, ficando o tribunal recorrido circunscrito aos depoimentos testemunhais prestados em audiência e à prova documental, já que a prova por declarações e depoimentos prestados durante o inquérito não pode ser valorada em sede de audiência de julgamento (artigos 355.º, 356.º e 357.º).
3.1.4. O tribunal começou por inquirir …, ofendido, que, conforme se demonstra pela audição das gravações, relatou, no essencial:
- trabalhava na “…”, tendo a responsabilidade de recolher e guardar as importâncias apuradas diariamente em duas lojas, que levava para casa ao fim do dia, até que alguém da sede as recolhesse ou lhe dessem ordem para as depositar;
- no dia em questão, antes das 21 horas, tinha colocado o saco contendo o dinheiro da “…”, correspondente ao apuro de 4 ou 5 dias – “mil e tal contos” - na mala do carro;
- por volta das 21.15 h saiu da loja, entrou no carro e sentou-se ao volante, quando foi abordado por dois indivíduos, um de cada lado, de cara tapada por uma meia ou por um gorro (não soube precisar);
- o indivíduo que se encontrava do seu lado exibiu o que lhe pareceu ser uma arma de fogo;
- ordenaram-lhe que saísse do carro, mas ele, ofendido, trancou manualmente a porta;
- o indivíduo que se encontrava do seu lado bateu no vidro, não sabe se com a arma ou com um murro, partindo-o;
- ele, ofendido, abriu, então, a porta e saiu, sem que os dois indivíduos lhe dificultassem a saída;
- foi para a rua, assustado, a gritar por socorro e a “batalhar com os braços”;
- parou um automóvel, onde seguiam, além do mais, dois indivíduos que eram agentes da polícia e vieram em seu auxílio;
- nessa altura, os dois indivíduos que o tinham abordado encontravam-se dentro do seu veículo (dele, ofendido) a remexer;
- os referidos indivíduos fugiram noutro veículo, sendo perseguidos pelos dois agentes policiais;
- desapareceu-lhe, do interior do seu veículo, algum dinheiro – já teria gasto cerca de 20 ou 30 euros dos 100 que tinha levantado para as suas despesas -, e bem assim alguns documentos – da segurança social, do médico, uma carta de velocípedes, um cartão de rádio-amador – a que não deu grande importância – tinham perdido a validade;
- depois da perseguição e detenção dos arguidos, não foi encontrado o dinheiro e os documentos, mas entretanto, foi ressarcido da totalidade dos prejuízos por um senhor de idade – um tal … – pai de um dos arguidos –, tendo recebido cerca de 1000 euros;
- na altura, vivia numa casa arrendada pela empresa, que partilhava com J….. da “R……” e cunhada do patrão;
- a referida … tinha perfeito conhecimento dos procedimentos habituais e de rotina diária do ofendido quanto ao dinheiro dos apuros das lojas;
- a mesma era, na altura, namorada de um dos arguidos – o ora recorrente;
- ele, ofendido, nunca tinha estado antes dos factos com o recorrente e “não o conhecia de lado nenhum”.
Quanto às testemunhas … e …, militares da G.N.R., disseram, no essencial:
- Estavam ambos de folga a passear de automóvel com as respectivas famílias, sendo o veículo conduzido pela testemunha …;
- A dada altura, o ofendido «saltou literalmente para a frente da viatura» (palavras da testemunha …);
- O ofendido estava completamente em pânico e de braços no ar, a esbracejar, enquanto gritava «estou a ser assaltado, estou a ser assaltado»;
- O ofendido também lhes disse «eles têm uma arma, eles têm uma arma» (testemunho de …);
- O ofendido apontou para uma viatura que estava parada em frente da “…” e no interior dessa viatura encontravam-se dois indivíduos;
- Constataram que esses dois indivíduos remexiam dentro do carro e que o vidro do lado do condutor estava estilhaçado no chão;
- Um dos referidos indivíduos tinha algo a cobrir a cara, que à distância parecia ser uma meia (testemunho de …); um dos indivíduos tinha um chapéu e o outro algo como um gorro ou um passa-montanhas a cobrir a cara (testemunho de …);
- A testemunha … meteu a primeira e foi em direcção à referida viatura;
- Os dois indivíduos aperceberam-se da aproximação da viatura onde seguiam as testemunhas e saíram do automóvel, correndo para uma viatura Mercedes que estava estacionada ao lado;
- Na ocasião, um dos indivíduos levava uma arma na mão (testemunho de …);
- A testemunha … efectuou, então, um disparo de intimidação para o ar;
- Os dois indivíduos puseram-se em fuga no veículo Mercedes, sendo perseguidos a pé, em corrida, pelas testemunhas … e …;
- No final da rua existe uma bifurcação, tendo o Mercedes virado para a direita;
- Estavam prestes a desistir da perseguição, quando um residente local os alertou de que a rua por onde o Mercedes seguira não tinha saída;
- Continuaram a correr, em perseguição, quando constataram que o veículo Mercedes vinha agora na direcção deles;
- Num primeiro momento, o Mercedes acelerou, mas a testemunha … apontou-lhes a arma, tendo o veículo parado;
- Quem vinha a conduzir o Mercedes era o arguido …;
- As testemunhas perguntaram de imediato «onde está arma», tendo-lhes sido dito pelo … que a mesma se encontrava no porta-luvas;
- No interior do Mercedes foi encontrada a arma e uma meia com buracos;
- O ofendido disse às testemunhas que lhe tinha sido subtraída uma carteira com dinheiro e que tinha uma elevada quantia na mala do carro relativa ao fecho de caixa da “…” (depoimento de …)
- As testemunhas não têm quaisquer dúvidas de que os indivíduos que detiveram eram os mesmos que tinham visto no interior do veículo do ofendido e que tinham perseguido;
- Durante a perseguição a pé do Mercedes, deixaram de visualizar essa viatura durante alguns instantes, quando fez a curva para a direita na bifurcação;
- Essa é uma zona de mato (testemunha …);
- No interior do Mercedes, para além da arma e da meia, não encontraram mais nada, designadamente qualquer carteira do ofendido;
- Posteriormente, a patrulha do posto de Aveiro voltou ao local com o ofendido, mas pensa que nada mais foi encontrado (depoimento de …).
A testemunha …, por ser actualmente casada com o recorrente, usou da faculdade legal de não depor.
Quanto aos documentos expressamente invocados na fundamentação da decisão de facto temos:
- O auto de fls. 163, dando conta de que a arma em questão é: «Uma pistola de defesa sem número, marca “FT”, calibre 6,35mm, de fabrico italiano. É feita de uma liga de antimónio pintada de preto e apresenta platinas em plástico da mesma cor. Esta arma era uma arma de alarme, destinada unicamente a disparar munições de alarme, pelo que foi alterada para calibre 6,35 mm (…)»;
- O auto de apreensão de fls. 10, onde se inclui, além da pistola, «uma meia de cor cinzenta com 1 m de comprimento, com três furos, semelhante a máscara»;
- O auto de detenção.
São estes os elementos que o tribunal recorrido valorou.
E com base nos mesmos, afigura-se-nos que estava o tribunal habilitado a decidir como decidiu.
Muito embora o depoimento de … tenha denotado algum nervosismo e dificuldades expressivas e hesitações na pormenorização de alguns factos, como se alcança a partir da audição das gravações, não se pode concluir, por via dessa circunstância, que o seu depoimento não mereça credibilidade.
Não se vislumbra qualquer razão minimamente fundada para duvidar de que os arguidos se apoderaram, efectivamente, dos objectos referidos no ponto 14 dos factos provados, muito embora não tenham sido recuperados, sendo certo que houve pelo menos um momento da perseguição em que o Mercedes não esteve à vista dos seus perseguidores (que, note-se, seguiam a pé) e em que era fácil desenvencilhar-se desses objectos, para mais tratando-se de um local de mata, já após as 21.20 h.
O relato do ofendido, quanto ao modo de proceder dos arguidos, encontra eco corroborante nos depoimentos das testemunhas inquiridas, a quem o ofendido, amedrontado, disse que estava a ser assaltado, tendo apontado para a viatura onde os arguidos se encontravam e foram vistos a “remexer” no interior.
E também não há qualquer dúvida, por mínima que seja, de que os indivíduos que abordaram o ofendido, que foram vistos no interior do seu veículo a “remexer”, que lhe exibiram uma arma que foi apreendida e que escondiam (um deles) o rosto com uma meia são os arguidos, entre os quais se inclui o ora recorrente.
O tribunal colectivo a quo, que em sede de avaliação da credibilidade dos depoimentos teve a seu favor a relação de imediação com a prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe, não identificou qualquer razão para pôr em crise os depoimentos testemunhais prestados, designadamente o de …, no que toca aos objectos subtraídos e não recuperados e aos valores que transportava, não se encontrando razão plausível para deles duvidar, nem que houvesse que produzir outra e melhor prova para esclarecer a factualidade em causa, pelo que não se identifica qualquer omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade.
Atente-se, ainda, no seguinte:
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras da experiência incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
Ora, a existência da conjunção de vontades e do plano criminoso entre os arguidos, no sentido de assaltarem o ofendido, bem como as circunstâncias a que se reportam os factos 3 a 5 e 7, se bem que não demonstradas por via directa, enquadram-se no âmbito da legítima inferência a partir de outros factos. Desde logo, a efectiva e concretizada actuação conjunta dos arguidos, nos termos em que foi levada a cabo, permite concluir no sentido da prévia e inequívoca concertação de vontades entre ambos. A ocasião precisamente escolhida – a hora do fecho da loja e não outra – e a circunstância do recorrente manter uma relação com uma funcionária da “…”, com quem, entretanto, casou (como a própria confirmou ter casado e antes disso ter namorado), que conhecia perfeitamente todos os procedimentos habituais e de rotina do ofendido quanto aos valores dos apuros das lojas, também consente, por via da inferência lógica, extrair os factos tal como se consideraram assentes pelo tribunal recorrido.
Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal a quo tenha valorado contra os arguidos qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dubio pro reo. Não se verificou, por conseguinte, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do C.P.P., como sem razão o recorrente invoca.
Razão pela qual não há que alterar a matéria de facto quanto aos pontos sindicados no recurso, excepto quanto ao ponto 23, já que da prova produzida resulta que foi o pai do recorrente quem ressarciu o ofendido de todos os prejuízos para este advindos da actuação dos arguidos.
Assim, do ponto 23 dos factos provados passa a constar:
O pai do arguido ressarciu o ofendido de todos os prejuízos para este advindos da actuação dos arguidos.
3.1.5. Em suma, da análise da prova produzida, através dos documentos juntos aos autos e da audição dos depoimentos gravados, tudo confrontado com a motivação da decisão de facto, sem esquecer que o recurso é um remédio e não um segundo julgamento, conclui-se que inexistem quaisquer razões para alterar o juízo probatório constante da sentença recorrida, mantendo-se, em consequência, a matéria de facto dada como provada, com a excepção do ponto 23, nos termos supra referidos.
3.2. Vícios do artigo 410.º, n.º2
Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
Analisada a sentença recorrida, não se vislumbra que a mesma enferme de qualquer dos apontados vícios.
3.3. Face ao exposto, não podia o recorrente deixar de ser condenado pela prática de um crime de roubo na forma consumada, claudicando a pretensão de ver a sua conduta subsumida no quadro das ameaças ou, em alternativa, do roubo apenas na forma tentada.
Escreveu-se na sentença recorrida, quanto à determinação da pena:
«O artigo 40° do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Na ponderação da pena a aplicar tomar-se-ão em conta os critérios consignados no artigo 71.º do C.Penal e designadamente, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana. A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena. Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
Conforme referimos supra o crime em apreço, de roubo na forma consumada é punido, com uma pena de 1 a 8 anos de prisão (artigo 210.º n.º1 do C. Penal.)
Vertendo agora a nossa atenção sobre os factores de medida da pena previstos no nº2 do citado artigo 71º do Código Penal, há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é relevante, tendo em conta o interesse protegido da propriedade e da liberdade pessoal e integridade física do ofendido, os valores furtados (- cerca de 70 a 80€- ), a forma de actuação dos arguidos, à noite, com as caras tapadas e numa actuação de conjunto, o que diminui naturalmente as possibilidades de resistência do ofendido, o dolo mostra-se intenso, dolo directo, os arguidos representaram o significado ilícito das suas condutas e quiseram praticar os factos.
Atenta a frequência da prática deste ilícito criminal são prementes as necessidades de prevenção geral, atento o sentimento de insegurança na comunidade em geral, gerado pela prática deste concreto ilícito criminal, o qual tem uma amplitude considerável nesta comarca.
A salientar em favor dos arguidos o facto de que não têm antecedentes criminais; ressarciram integralmente o ofendido o qual manifestou nos autos o seu perdão relativamente à actuação destes (perdão este que processualmente e atenta a natureza pública do ilícito em causa não poderá ser valorado) o facto de que são pessoas inseridas na sociedade, encontrando-se o arguido .... a desenvolver uma actividade profissional com carácter de regularidade e inseridos familiarmente, embora neste momento o arguido ,,, se encontre preso preventivamente.
Antes de avançarmos cumpre referir que face à alteração do C.Penal por força da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, haverá que aferir por força do disposto no nº4 do artigo 2º qual o regime que concretamente se mostra mais favorável ao arguido.
Tal juízo, conforme veremos infra, impõe que seja aplicável a actual redacção (regime do Código Penal) porquanto se constata que este, face à pena que infra se aplicará aos arguidos se mostra mais favorável por força da aplicação do regime de suspensão de execução da pena de prisão e respectivo prazo nele prevista.
Analisados todos os factores acima referidos, consideramos ajustada a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Ponderando, no entanto, a, personalidade dos arguidos, ressarcimento do ofendido e perdão por este demonstrado relativamente à actuação dos arguidos, bem como o facto de que os arguidos eram primários à data dos factos, bem como a sua integração profissional e familiar, entendemos ser possível e justificada, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada aos arguidos, porquanto, tudo nos leva a concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição. Pelo que, nos termos expostos e ao abrigo do disposto pelo artigo 48.º do C. Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada aos arguidos pelo período de 2 anos e 4 (quatro) meses, nos termos e por força do disposto no artigo 50º n.5 do Código Penal (actual redacção, a qual se mostra mais favorável aos arguidos, atenta a limitação do prazo de suspensão à medida da pena de prisão aplicada).
Vislumbra-se, no entanto, atenta a matéria de facto dada como provada, tipo de actuação dos arguidos e sua personalidade, antolhando-se premente a reintegração e a socialização destes, pela necessidade de a suspensão da execução da pena de prisão ser subordinada a um regime de prova, nos termos do artigo 53º e 54º do C.P.
Este regime de prova assenta num plano individual de readaptação social dos arguidos, devendo ser executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social (art.º 53.º, n.º 2 do C.P.), devendo ainda impender sobre os arguidos a obrigação de responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social (art.º. 54.º, n.º 3, alínea a), do C.P.).»
Tendo em vista os factos assentes e os critérios legais de determinação da pena, pelos quais os diversos factores que devem ser considerados para a respectiva dosimetria deverão ser sopesados no confronto do binómio culpa-prevenção, não merece censura a pena aplicada, seja no que concerne à determinação da pena principal, seja no que toca à sua substituição por pena de prisão suspensa na sua execução com regime de prova, pelas razões supra transcritas e com as quais concordamos.
A medida concreta da pena principal, ajustada à culpa e as exigências preventivas, não consente a sua substituição por trabalho a favor da comunidade.
Por outro lado, o tribunal a quo decidiu-se pela suspensão da execução da pena de prisão, pena substitutiva da prisão, por reputar que, pese embora a gravidade objectiva dos factos (cometidos de noite e com utilização de arma) existem factores atenuantes (ressarcimento e “perdão”; os arguidos eram primários e estavam familiar e profissionalmente integrados) que habilitam o tribunal a formular o juízo de prognose favorável que constitui pressuposto material da aplicação dessa pena de substituição, a saber: que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A imposição do regime de prova, que acompanha a suspensão, também se revela inteiramente ajustada, como forma adequada e conveniente de promoção da reintegração social.
3.4. Termos em que se conclui que o recurso deverá improceder.
III – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em, alterando o facto provado n.º 23 nos termos sobreditos, negar no entanto provimento ao recurso.
Coimbra, 15.10.2008
(Jorge Gonçalves)
(Jorge Raposo)