Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1345/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. AGOSTINHO TORRES
Descritores: SEGREDO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 04/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
Decisão: DISPENSA DE SIGILO BANCÁRIO
Legislação Nacional: ARTIGO 135° E 182° DO CPP, 31° E 36° DO C.P. E 26°,29°, 32° E 202°, DA CRP
Sumário:

I – A realização da justiça penal, só por si e sem mais, não constitui motivo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo profissional, posto que o dever de sigilo destina-se a proteger interesses e direitos (também) constitucionalmente consagrados, designadamente o direito ao bom-nome e reputação e o direito à reserva da vida privada.
II – Por isso, só com apelo ao princípio da ponderação de interesses, na aplicação do qual se deverá ter em conta a gravidade do crime ou crimes a perseguir e a indispensabilidade da informação pretendida, é legalmente admissível a quebra do segredo profissional.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CRIMINAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I-RELATÓRIO

1.1- Por despacho de 5.03.2004 do Ex. Juiz do TIC de Coimbra, foi solicitada a este Tribunal da Relação a dispensa de sigilo bancário, nos termos incidentais previstos no artº 135º nº 3 do CPP.
1.2- Tal pedido surge na sequência de uma investigação criminal efectuada em inquérito (nº3366/03.7PCCBR) por queixa de BB, idº nos autos, contra desconhecidos com base em factos relativos a subtracção do interior de uma carteira sua porta documentos de cartões multibanco das agências BPI e CGD e que foram usados através de efectivação de movimentos tendo o denunciante sofrido prejuízo patrimonial no valor de 2.303,50 Euros.
1.3- Na sequência dessa investigação, apurou-se que em 2.12.2003 fora indevidamente transferida da conta que o denunciante tem no BPI a quantia de 1500 euros para a conta nº KK do Banco Totta-agência do Mindelo.
1.4- Solicitada informação a esta instituição no sentido de indicar quem eram os titulares da aludida conta para a qual foi feita aquela transferência e o envio da correspondente ordem de transferência com localização da mesma, o BTA recusou fornecer os dados pedidos invocando estarem as questões suscitadas no âmbito do segredo bancário e nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
1.5- Face a tal recusa do BTA em prestar as ditas informações e porquanto entende serem elas relevantes e imprescindíveis à investigação dos ilícitos criminais por furto e burla informática, o sr juiz de instrução entende estar justificada a quebra do sigilo bancário e abriu o presente incidente nos termos do artº 135 nº 3 do CPP, por despacho de 16.03.04 que consta dos autos a fls 16.
1.6- Nesta Relação o Sr Procurador Geral adjunto emitiu parecer no sentido da autorização pretendida.

II- ANALISANDO A QUESTÃO

2.1- De acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro Este diploma encontra-se integralmente publicado em versão consolidada , em anexo ao DL 201/02 de 26 de Setembro. Sofreu anteriormente alterações pelos Decretos Lei : 246/95 de 14 Setº; 232/96 de 1 5 de Dezº; 229/99 de 22 de Junho; 250/00 de 13 Outº; 285/01 de 3 Novº e 201/02 de 26 Setº, há pouco aludido.
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Artigo 78.º
(Dever de segredo)

1 - Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
2 - Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
3-O dever de segredo não cessa com o termo das funções ou serviços.
Artigo 79.º
Excepções ao dever de segredo
1 - Os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição.
2 - Fora do caso previsto no número anterior, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
a) Ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições;
b) À Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições;
c) Ao Fundo de Garantia de Depósitos e ao Sistema de Indemnização aos Investidores, no âmbito das respectivas atribuições;
d) Nos termos previstos na lei penal e de processo penal;
e) Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo.

Artigo 80.º
Dever de segredo das autoridades de supervisão
1 - As pessoas que exerçam ou tenham exercido funções no Banco de Portugal, bem como as que lhe prestem ou tenham prestado serviços a título permanente ou ocasional, ficam sujeitas a dever de segredo sobre factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício dessas funções ou da prestação desses serviços e não poderão divulgar nem utilizar as informações obtidas.
2 - Os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal.

2.2- Os artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12, regulam pois o regime substantivo do dever de segredo bancário e suas excepções.
O regime penal consta dos artigos 195.º a 198.º do Código Penal e o regime do processo penal consta dos artigos 135.º, 181.º e 182.º, do CPP.
Da conjugação destas disposições resulta que o artigo 79.º do Decreto-Lei 298/92, ao consagrar uma enumeração taxativa das excepções ao dever de segredo bancário, impõe que para além dos casos previstos na lei, apenas seja possível quebrar o segredo mediante incidente, em que se afira do interesse preponderante ou prevalecente.

O caso dos autos, dizendo respeito ao conhecimento de conteúdo de conta e movimentos bancários no BTA sendo os elementos indiciários a investigar subsumíveis a crime de furto e burla informática, não se encontra coberto por lei especial.
Não tendo havido viabilidade da obtenção do consentimento do titular do interesse protegido ( ele (a) mesmo possível arguido(a) no processo), porquanto nem sequer é conhecido por causa da ausência daquela informação, enquadra-se nesta última hipótese.
Estamos desde logo colocados formalmente perante uma interpretação dos artigos 135.º, n.ºs 2 e 182.º, n.º 1, do CPP, que se traduz em permitir ao juiz de instrução aferir do interesse preponderante na obtenção de prova, em matéria sujeita a segredo profissional, do tipo bancário, e se encontra previsto sob a forma de incidente a conhecer pelo tribunal superior, nos termos do artigo 135.º, n.º 3, do CPP, e também, quanto a documentação bancária, por remissão feita para aquele dispositivo, no artigo 182.º, n.º 2, do mesmo.
Face a estes dispositivos é pois de aceitar ser de julgar que só o tribunal superior àquele onde o incidente foi suscitado pode pronunciar-se directamente sobre a existência ou não de fundamento de quebra de sigilo.
Com efeito quando seja invocado o direito de escusa, a autoridade judiciária poderá tomar uma das seguintes atitudes: Ac do STJ- 6 de Fevereiro 2003 .( cfr Ac do STJ- 6 de Fevereiro 2003) mutatis mutandis:
- ou aceita como legítima a escusa e aí o banco deve silenciar sobre os factos sigilosos de que tiver conhecimento, sob pena de se sujeitar às penas correspondentes ao crime de violação de segredo do artigo 195.º do Código Penal;
- ou entende que a escusa é ilegítima e então ordena, após as necessárias averiguações, que o banco forneça os dados pretendidos ou seu representante deponha sobre o que lhe é perguntado (art.º 135.º, n.ºs 2 e 5), cometendo o crime de recusa de depoimento se o não fizer (art.º 360.º, n.º 2, do Código Penal).
- ou suscita ao tribunal competente que ordene a dispensa de sigilo , se tiver que ser quebrado o segredo profissional (art.º 135.º, n.ºs 2 e 5).

E daqui saltamos logo para o n.º 3 do preceito, que se debruça sobre uma segunda fase do incidente de prestação de depoimento em casos de segredo bancário e que surge num momento posterior, ou seja, quando a autoridade judiciária pretende, contudo, que, dado o interesse da investigação, se quebre o segredo profissional ( in casu, na vertente de segredo bancário)
A decisão sobre o rompimento do segredo é da exclusiva competência de um tribunal superior
O Tribunal da Relação terá assim de conhecer do interesse preponderante entre o crime em investigação e a obtenção para os autos da matéria sujeita a sigilo.
Prossigamos então, aceite que está a validade formal do regime incidental a que se recorreu.

2.3- Ora, como consta dos autos, o BTA escusante, assentando no diploma que regulamenta o regime geral das instituições de crédito e que os elementos solicitados se encontram no âmbito do segredo bancário, ou o mesmo foi que dizer que não eram susceptíveis de serem revelados sem autorização do cliente» negou-se a prestar as informações bancárias que lhe foram solicitadas relativamente aos arguido(s) cliente(s).
O sigilo bancário, na estrita dimensão garantística dos direitos dos clientes do Banco é adequadamente salvaguardado com a determinação de serem ocultadas numa informação a prestar ao tribunal eventuais referências concretas a nomes de clientes e a movimentações de contas que permitiam a identificação dos respectivos titulares.
O segredo bancário porém, não tem carácter absoluto podendo ceder perante o interesse público da cooperação da justiça ou outros interesses constitucionalmente protegidos .
Como referem Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 1.º volume, 1999, pág. 739), "o segredo bancário repousa sobre factos ou elementos respeitantes à vida das instituições de crédito e às relações destas com os clientes, nomeadamente no que toca aos seus nomes, contas, movimentos ou operações realizadas".
Todavia, o segredo bancário não tem carácter absoluto podendo ceder perante o interesse público da cooperação da justiça ou outros interesses constitucionalmente protegidos.

Já o Acórdão de 13.01.99-TRPorto referia também que o segredo bancário, a par do interesse de ordem colectiva da confiança na actividade pública, visa garantir, sob o imperativo constitucional da tutela à esfera da vida privada, o interesse individual da máxima reserva a respeito dos próprios negócios e relações com a banca.
Não constitui também, no aresto se diz, direito absoluto: sofre a compressão que, com observância dos princípios da prevalência do interesse preponderante e da proporcionalidade (ou da proibição de excesso), se mostre necessária, adequada e proporcionada à tutela de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente o da investigação criminal.
Conforma-se a tais requisitos o abrir mão do segredo quanto ao titular da conta (e neste justo limite) quando esse é o único meio de conhecimento do eventual responsável de um crime de "apropriação ilegítima em caso de erro"

2.4-Sigilo bancário e dever de cooperação:
Qual prevalece então ?
Como se disse há pouco, o segredo bancário está previsto e tem o respectivo conteúdo definido nos art.s 78.º e 79.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
O primeiro dos preceitos estabelece que as pessoas que prestem serviços nas instituições de crédito "não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias". Por sua vez, o artigo 79.º prevê as excepções ao dever de segredo, fora do caso de autorização do cliente, sendo que a alínea e) do n.º 2 refere "Quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo".
Deste modo, o sigilo bancário apresenta-se, por um lado, com a faceta de protecção dos interesses dos clientes (sigilo das relações banco/cliente) e, por outro, com a de protecção das próprias instituições de crédito (sigilo dos factos respeitantes à instituição) e em qualquer dos casos está em causa o dever do Estado em garantir a realização dos direitos - mormente substantivos - dos cidadãos, conforme o alcance lógico dos art.s 20.º da CRP e 2.º do CPC.
Todavia, como já se viu há pouco e a melhor jurisprudência o aceita, o sigilo bancário não é um direito absoluto, podendo ceder perante outros direitos assegurados pelo Estado, designadamente o de acesso, administração e realização da justiça.
De facto, também já o Ac. RC, de 06.07.1994,in CJ, IV, p. 46 o entendeu assim: - "O interesse da "boa administração da justiça" prevalece sobre o interesse da "protecção da posição do consumidor de serviços financeiros" ou mesmo da manutenção do clima de confiança na banca".
Ou ainda, no mesmo sentido, o Ac. RL, 22.10.1996, BMJ, 460, p. 799 , ao dizer que : "Quando a informação solicitada ao banco é necessária e adequada para que o interesse público da realização da justiça se sobreponha claramente ao interesse privado, verificam-se os requisitos legais para a quebra do sigilo bancário"
E ainda, se aqueles não bastassem, o Ac. STJ, 14.01.1997, CJSTJ, I, p. 44 quando referiu: - "O direito ao sigilo bancário, em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito do acesso à Justiça (a menos que, contra o "civilizado" art.º 1.º do CPC se privilegiasse a "justiça privada"!) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português.
Tudo tem de ser compaginado em ordem a encontrar-se um sentido unívoco na ordem jurídica, conforme, aliás, o explícito comando do art.º 9.º do CC.

O sigilo pode então ser dispensado não só nos casos expressos de dispensa de confidencialidade dos elementos de identificação, residência, profissão, entidade empregadora ou qualquer outro elemento que permita identificar a situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente (art.º 519.º-A do CPC), mas também em todos os casos em que esteja em causa a necessidade de administração da justiça, designadamente por tal informação ou elemento ser essencial à descoberta da verdade, à produção de prova que por outra forma não seja possível e à decisão da causa.
Neste sentido, foi decidido no Ac. RL, 06.06.2002, CJ, III, p. 98 ss que "não é lícita a recusa, por parte de um banco, da remessa de cópia da ficha de assinaturas de um executado, solicitadas pelo Tribunal com vista a serem objecto de peritagem pelo Laboratório de Polícia Científica, no âmbito de um processo de embargos de executado em que é impugnada a assinatura aposta nos cheques exequendos". ...os Valores da Justiça prevalecem sobre outros valores.

2.5-Sobre a temática em causa, encontra-se doutrina e jurisprudência múltipla. Mas, por economia de esforços e para se ter uma ideia sintética dos aspectos que aceitamos como mais importantes, transcrevemos alguns passos do que se escreve no Comentário Conimbricense ao CP, Tomo I, parte Especial ( a propósito do crime de violação de segredo):

“No direito (penal) português resulta igualmente segura a pertinência do sigilo bancário ao conceito e ao regime do segredo profissional e, por via disso, a sua subsunção como objecto da acção típica do crime de viola-ção de segredo. Na síntese de RODRIGO SANTIAGO: “de jure constituto, a vio-lação do sigilo bancário é uma espécie de violação do segredo profissional, caindo no âmbito de aplicação do art. 184° do CP de 82" (Do Crime de Vio-lação de Segredo 134; no mesmo sentido, EDUARDA AZEVEDO, cit., 18; LOPES ROCHA, cit. passim; PEDROSA MACHADO, Sigilo Bancário 82 ss.). É o que determina o art. 84° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Socieda-des Financeiras (DL 298/92, de 31 de Dezembro) e o que confirmam dispo-sitivos legais como o art. 135° do CPP, que integra o segredo bancário na constelação dos segredos a que a ordem jurídica portuguesa dispensa uma das formas mais consistentes de tutela. Comentário Conimbricense ao Código Penal (ao artº 195º), Tomo I, Pte Especial, §49, pª 787-Prof. Costa Andrade
Este enquadramento normativo do segredo bancário corresponde mesmo a uma solu-ção relativamente estabilizada e constante da experiência jurídica portuguesa.
É assim, pelo menos, desde o DL 47 909, de 7 de Setembro de 1967, diploma que, entre nós, terá sido o primeiro a assegurar referência positivada à figura do segredo bancário e a determinar (art. 6°) que a sua violação deveria ser tratada como violação do segredo profissional como tal, punida nos termos do art. 290" do CP de 1886. À mesma solução se mante-ria fiel o DL 2/78, de 9 de Janeiro, texto legal a que ficou a dever-se a primeira disciplina global e sistemática do segredo bancário
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Neste contexto deve sublinhar-se, tanto pelo seu significado doutrinal como pelo alcance normativo e prático-jurídico, a importância do art. 135º do CPP (o mesmo valendo, mutatis mutandis, para o art. 519º do CPC). A con-sagração deste regime, operada em 1987, veio superar uma comprometedora aporia da ordem jurídica portuguesa no que respeita às relações entre o dever de segredo e o dever de cooperação com a justiça.
Um problema que os tri-bunais propendiam a superar de forma unilateral enfatizando a prevalência do dever de segredo como tabu instransponível. Isto a coberto da chamada teo-ria do paralelismo: onde há dever de segredo não há dever de colaboração (cfr. LOPES ROCHA, cit 431).

.../... É o que bem ilustra a praxis dos nossos tribunais superiores a propó-sito do segredo bancário, durante a vigência do DL 2/78, de 9 de Janeiro. Um período durante o qual a jurisprudência maioritária ia claramente no sentido da prevalência do segredo, que só poderia ser ultrapassado nos casos em que a lei expressamente impusesse o dever de colaborar com a justiça, revelando factos cobertos pelo segredo. Cf., por exemplo e para a justiça criminal os acór-dãos do STJ de 10-4 e 21-5 de 1980 e 4-11 de 1981 (BM] 296, 190; 297º, 207 e 211; e 311º , 267); para a justiça cível, cf. o acórdão do mesmo Tribunal Supremo de 20-10-1988 (BM] 3800 492). De acordo com o sumário deste último. "III- O legislador sobrepôs o dever de sigilo ao dever de cooperação com a justiça, motivo por que o dever de segredo bancário regulado naquele Decreto-Lei (2/78) só poderá deixar de verificar-se nos casos em que uma lei imponha inequivocamente a sua revelação a sua revelação" (já antes, e no mesmo sentido, o parecer 204/78 da PGR). Sobre as mudanças entretanto registadas na juris-prudência (designadamente cível), CASTRO CALDAS, Sigilo Bancário 1997 40 ss.

Na determinação do alcance normativo do art. 135º do CPP, deve pre-cisar-se que ele não parece reconhecer o direito ao silêncio a todas as pes-soas obrigadas a segredo, nos termos do art. 195º do CP. Um desfasamento que não é, de resto, uma originalidade do direito português. Pelo contrário, ele resulta ainda mais exposto nos sistemas jurídicos como o alemão, que adop-tou uma solução de catálogo tanto em sede material-substantiva como em sede processual-adjectiva. Ora, como o primeiro cotejo permite concluir, nem todas as profissões obrigadas a segredo nos termos do § 203 do StGB (v. g., psicólogos, assistentes sociais e conselheiros conjugais) gozam de direito ao silêncio nos termos do § 53 da StPO. Inversamente, nem todos aqueles a quem a norma processual dispensa o direito ao silêncio (v. g., sacerdotes) estão penalmente obrigados a sigilo. Embora menos nítida, nem por isso será menos segura esta fronteira no âmbito do direito português. Na verdade, a lei processual penal só dispensa o direito ao silêncio (para além dos ministros de religião, advogados, médicos, jornalistas e membros de instituições de crédito) a "pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissio-nal". Uma fórmula que não esgota o universo dos obrigados a segredo segundo a previsão do art. 195º do CP.

Há-de, por outro lado, ter-se presente o critério material adoptado pelo legislador e segundo o qual o tribunal competente só pode impor a quebra do segredo profissional quando "esta se mostre justificada face às normas e prin-cípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalên-cia do interesse preponderante".
Uma fórmula que se projecta em quatro implicações normativas fundamentais:

a) Em primeiro lugar e por mais óbvia, avulta a intencionalidade nor-mativa de vincular o julgador a padrões objectivos e controláveis, não come-tendo a decisão à sua livre apreciação.

b) Em segundo lugar, resulta líquido o propósito de afastar qualquer uma de duas soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo pre-valece invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal (que, já o vimos, fez curso nos tribunais portugueses, pelo menos em matéria de sigilo bancário, supra, § 50); como a tese inversa de que a prestação de tes-temunho perante o tribunal (penal) configura só por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional. Esta última uma compreensão das coisas recusada pela generalidade dos autores (cf. v. g. HAFFKE, GA 1973 66 ss.; M / S / MAIWALD 293) mas que começou por ter o aplauso clara-mente maioritário da doutrina e da jurisprudência. Que, em geral, se reviam na proclamação feita logo no princípio do século (1911) por SAUTER: "Segundo a compreensão moderna do Estado (...) a realização da justiça em conformi-dade com o direito satisfaz um interesse público tão eminente que por este bem e por este preço pode sempre sacrificar-se o interesse individual na protecção da esfera de segredo." (apud HAFFKE 67).

c) Em terceiro lugar, o apelo ao princípio da ponderação de interesses significa o afastamento deliberado da justificação, neste contexto, a título de prossecução de interesses legítimos. Isto é: a realização da justiça penal, só por si e sem mais (despida do peso específico dos crimes a perseguir) não figura como interesse legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo. E isto sem prejuízo da pertinência e validade reconhecidas a esta derimente no regime geral da violação de segredo (infra § 61 s.).

d) Em quarto lugar, com o regime do art. 135° do CPP, o legislador português reconheceu à dimensão repressiva da justiça penal a idoneidade para ser levada à balança da ponderação com a violação do segredo: tudo dependerá da gravidade dos crimes a perseguir. A lei portuguesa não aderiu, assim, à tese extremada que denegou à repressão criminal qualquer possibi-lidade de ponderação com o sacrifício real da violação de segredo. Como a sustentada por HAFFKE: “ a necessidade de punição e o interesse da defesa da ordem jurídica não podem legitimar a violação do segredo “ (cit. 69). O art. 135º do CPP consagrou a solução mitigada que admite a justificação (ex vi pon-deração) da violação do segredo desde que esteja em causa a perseguição ( segundo o anotador do comentário) apenas dos crimes mais graves, s.c.. os que provocam maior alarme social.../... .”

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2.6-O segredo bancário é pois uma forma de protecção penal da privacidade que se encontra tutelado, também ele, no vasto âmbito do art.º 195° do Código Penal. Contudo, a ilicitude da conduta prevista naquele preceito pode ser excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade, em obediência ao princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, sendo um dos casos de exclusão de ilicitude quando o facto é praticado "no cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade" (cfr. art. ° 31/1 e 2,alínea c) do CP) e, no caso de conflito de deveres, quando "satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar(cfr. art.o 36°/1 do CP) .
Assim, nos termos das disposições conjugadas dos art°s 182°/2 e 135°/3 do C.P .Penal e 31 °/1 e2, alª. c) e 36°/1 do Código Penal a quebra do segredo impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se a salvaguarda do segredo deve ou não ceder perante os outros interesses em jogo.
Estes são, por um lado, o dever de sigilo e , por outro, o dever de colaboração com a administração da justiça penal, passando a resolução do conflito pela avaliação da diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados por aqueles deveres, segundo um critério de proporcionalidade na restrição de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, como impõe o nº2 do art. 18° da Constituição da República Portuguesa, tendo em atenção o caso concreto.
O dever de sigilo destina-se na verdade a proteger os direitos pessoais, v.g. ao bom nome e reputação e à reserva da vida privada, consagrados no art.º 26° da Constituição da República Portuguesa e o interesse privado da protecção das relações de confiança entre as instituições e respectivos clientes. O dever de colaboração com a administração da justiça penal visa satisfazer o interesse público do exercício do direito de punir, consagrado constitucionalmente nos art° 29°, 32° e 202° da CRP.
Em casos como o dos presentes autos confrontam-se dois interesses conflituantes: - de um lado o interesse público do Estado em exercer o seu “jus puniendi» relativamente aos agentes que ofendem a ordem jurídica estabelecida e em que se não pode prescindir do apuramento da verdade material, para o que serão fundamentais as informações solicitadas às instituição de crédito;
- do outro a tutela do sigilo bancário que tem a ver fundamentalmente com o direito à reserva da vida privada dos agentes enquanto clientes dos bancos e propício ao estabelecimento de um clima de confiança na banca, aliás sempre desejável.
É, afinal, o tipo de "informação" que, a não ser prestada em nome do sigilo bancário daria azo a ver o agente do crime que se investiga protegido por esse invocado sigilo em detrimento do interesse público da boa administração da justiça.
Em situações destas ,e sendo caso disso, o dever de sigilo deverá ceder perante o dever de colaborar com as autoridades judiciais na realização da justiça, porquanto será este então o valor preponderante (Cfr. Artº202°nº 3 da C.R.P.)
Considerando que os elementos informativos pretendidos se destinam à investigação em processo penal da prática de crimes de furto e de burla informática, sem os quais não se vê como possível concretizar a investigação da autoria ( ou outra forma de comparticipação) do furto do cartão de crédito do ofendido e da transferência ilícita da conta dele para a do BTA em escusa de segredo, justifica-se com toda a evidência o seu fornecimento face à evidente prevalência do interesse público na boa administração da justiça penal sobre os interesses privados tutelados pelo sigilo bancário.

Na verdade, a não ser facultado em nome do sigilo bancário o pretendido, o agente (ou agentes) dos crimes que se investigam estaria(m) a ser protegido(s) directamente por aquele sigilo. E por isso se discorda de posições doutrinárias que apenas estendem a dispensa aos casos de crimes mais graves.
Deste modo, o interesse da investigação criminal e o próprio interesse privado dos ofendidos são preponderantes em relação ao visado pelo sigilo bancário, pelo que se justifica a quebra deste, mediante o fornecimento do solicitado elemento.

Posto isto, que concluir?
Viu-se em que condições a lei e alguma jurisprudência que consideramos relevante estabelece a possibilidade de dispensa do segredo bancário. E em concreto, existirão os pressupostos para tal?
Não temos quaisquer dúvidas que assim é. Aqueles interesses preponderantes de ordem pública estão presentes e não encontramos razões de peso para os afastar. A investigação, como bem se salienta ao longo do percurso processual, carece de um conjunto de informações sobre a já aludida subtracção e eventual burla informática ( uso indevido de dados como o código de acesso ou sua alteração) e que, sem elas, poderá ficar gravemente inquinada na obtenção de prova essencial e relevante para a imputação criminal indiciada. A averiguação e identificação do ou dos autores e a concretização dos factos estão absolutamente dependentes de análises às suas contas e movimentos, sobretudo montantes que aí tenham sido creditados por transferência. Não sendo permitidas, certamente a descoberta da verdade material será impossibilitada de uma forma tão desproporcional que não é aceitável que a ordem jurídica penal e processual penal o permitam.
Como bem o salientou, de modo que poderíamos até dizer paradigmático, o Ac RE, de 12 de Maio de 1992 Justifica-se a dispensa do cumprimento de observância do sigilo bancário relativamente a factos que estejam a ser apurados em processo criminal em que se averigue matéria relacionada com a comissão de infracções penais de agentes que, em violação das regras estabelecidas, se servem do sistema bancário para enriquecerem ilicitamente à custa do património dos outros. (cfr pub in Col. de Jur., 1992, III, 353) .
Ou mesmo até como também o referiu o Ac da RC de 6 de Julho de 1994:
“...O interesse da "boa administração da justiça" prevalece sobre o interesse da "protecção da posição do consumidor de serviços financeiros" ou mesmo da manutenção do clima de confiança na banca.( in Col. de Jur., 1994, IV, 46)
E também o Ac da Relação do Porto de 13.7.94 de 13 de Julho : “Sempre que o interesse ou as exigências da administração da justiça sejam sensivelmente superiores ao interesse da manutenção do sigilo bancário, deve este ceder perante aqueles, por se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185º do CP.(in Col. de Jur., 1994, IV, 228)
Ou como ainda no Ac do TRE de 11-10.94: “O interesse na boa administração da justiça é manifestamente superior ao da obtenção e manutenção de um clima de confiança na banca.(in Col. de Jur., 1994, IV, 286)

Por tudo isto, teremos então de concluir que , por força das razões elencadas, o sigilo invocado pelo BTA deve ser dispensado.

III-DECISÃO

Pelo exposto, decide-se determinar a dispensa de sigilo bancário invocado pelo BTA relativamente à conta ali existente na agência do Mindelo nº KK devendo a mesma informar no inquérito todos os elementos pretendidos e que até agora recusara ou outros que venham a ser necessários à descoberta da verdade material conexos com aqueles e a investigação abrangente das actividade do ou dos responsáveis que para ali transferiram fundos da conta do ofendido.
Sem custas

Coimbra,
(texto revisto na íntegra)