Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3355/13.3TBVIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 25, 31, 52, 55, 1781 CC, 59 CPC, 17, 22 LOFTJ, REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003 DE 27/11
Sumário: 1- Os tribunais portugueses estão vinculados à aplicação do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000.

2- Estabelecendo o artº 3º, nº1, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado-Membro para de uma ação de Divórcio poder conhecer, sendo um o da residência habitual, o outro o da nacionalidade de ambos os cônjuges e, finalmente, o terceiro, o do domicílio comum, verificando-se um deles (o da Nacionalidade de ambos os cônjuges ) e apontando ele para Portugal, ter-se-á, forçosamente, que julgar o tribunal português onde a acção foi interposta como o competente (internacionalmente) para a julgar.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                          I

A (…), casado, apresentando-se como residente na Rua (...)Viseu veio propor ação especial de divórcio sem consentimento contra M (…), casada, indicando-a como residente em (...), Alemanha.

Alegou sumariamente o seguinte:

«1. Autor e Ré celebraram casamento católico, sem convenção antenupcial, logo no regime de comunhão de bens adquiridos, no dia 19 de Outubro de 1969 – doc. 1.

 2. Desta relação matrimonial não há filhos menores.

 3. No resto, a Ré sempre manteve uma relação de pouca vivência com o Autor e mesmo assim muito pouco harmoniosa.

 4. Na verdade, a Ré sempre se mostrou uma pessoa muito agressiva e zangada com a vida; 

5. Pouco conversadora e carinhosa;

6. Nunca gostou de acompanhar o Autor em passeios e deslocações.

7. Esta diferença de identidades conduziu ao afastamento pessoal entre Autor e Ré, primeiro pessoal; depois físico.

8. Na verdade, há mais de três anos que Autor e Ré não partilham nem casa nem mesa nem cama.

9. Também não mantêm qualquer convivência.

10. São neste momento pessoas estranhas uma para com a outra.

11. Não têm também nenhum propósito de restabelecer a vida em comum.

12. Estes comportamentos e atitudes constituem fundamento objetivo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges.

13. Comportamentos esses que, pelo decurso do tempo e, principalmente, causas que levaram à separação de facto por mais de três anos consecutivos, já deterioraram de forma irreparável as relações entre os cônjuges e comprometeram de forma irremediável e definitiva a possibilidade de vida em comum.

14. Consequentemente do casamento, constituindo fundamento de divórcio, nos termos do disposto na alínea a) do art. 1781.º do código Civil».

A final pede seja decretado o divórcio entre o Autor e a Ré com fundamento na separação de facto por mais de um ano consecutivo, assim se mostrando comprometida de forma irremediável a possibilidade de vida em comum e a rotura definitiva do casamento, tudo nos termos da al. a) do art.º 1781.º do Código Civil, ex vi do n.º 3 do artigo 1773.º do mesmo diploma legal.

Mais requereu a marcação de data para a tentativa de conciliação prevista no artigo 931.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.

Contestou a Ré invocando, entre o mais e, por exceção, a incompetência internacional do tribunal português.

Lê-se na contestação:

 «1º - O Tribunal de Viseu é incompetente para a presente ação

 2º - Incompetência internacional. Pois que,

 3º - Autor e ré têm residência e domicílio na Alemanha.

 4º - A residência e domicílio de ambos em (...) Kaiserlautern.

 5º - Não é exato pois, o que consta do cabeçalho da petição inicial, no que respeita à residência do autor.

 6º - As ações de divórcio devem ser propostas sob o ponto de vista da competência territorial, no Tribunal do domicílio ou da residência do autor, conforme dispõe o artº 72º do C. P. Civil.

7º - A competência internacional dos Tribunais portugueses depende da verificação de qualquer das circunstâncias previstas no artº 62º do mesmo Código.

 8º - Do exame de tal artigo verifica-se que inexiste qualquer dos fatores previstos no artº 62º, que atribuam ao Tribunal português, competência internacional. Pois que,

 9º - Do ponto de vista territorial, a competência não é do Tribunal português.

 10º - Os factos alegados na p.i., a serem verdadeiros, que não são, teriam ocorrido em território alemão onde os cônjuges vivem há dezenas de anos.

 11º - E também se não verifica o fator previsto na alínea c) do mesmo artigo, já que, uma sentença proferida no Tribunal alemão, já é exequível em território português e, se naquele País vier a ser decretado o divórcio, o mesmo é logo transcrito, sem necessidade de confirmação, no Registo Civil português.

 12º - Conclui-se assim, que o Tribunal português, sito na Comarca de Viseu, é  incompetente para a presente ação, sob o ponto de vista internacional.

O tribunal recorrido proferiu então a seguinte decisão:

«Quanto à competência internacional do Tribunal.

O divórcio é uma ação sobre o estado das pessoas. Os cônjuges na presente ação de  divórcio são ambos de nacionalidade portuguesa, mas nenhum deles reside em Portugal, já que residem os dois na Alemanha.

Não existem dúvidas que a lei substantiva aplicável é a portuguesa, atento o disposto no art. 25º, 31º, nº1, 52º e 55º todos do C. Civil. Daí que não decorre que a mesma deva ser aplicada no âmbito de um litígio pelos tribunais portugueses.

Autor e Ré residem ambos na Alemanha que é um dos Estados-Membros da União Europeia, e têm nacionalidade portuguesa, sendo Portugal também um dos Estados-Membros da União Europeia. Questão tem, portanto, fatores de conexão com as ordens jurídicas de dois Estados-Membros da União Europeia. Ora, de acordo com o art. 3º, nº1, al. b) do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27/11 “São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro: a) …; b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges …” . O regulamento aplica-se diretamente às instituições e cidadãos nacionais.

Concluímos, por isso, que os tribunais portugueses são competentes para dirimir o conflito em ação de divórcio quando as partes tenham ambas nacionalidade portuguesa.

Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide julgar improcedente a invocada exceção da incompetência do tribunal em razão da nacionalidade».

Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

1. Os conjugues têm a sua residência e domicilio na Alemanha, onde se encontram emigrados há muitos anos;

2. Os factos alegados pelo autor, como causa de pedir – a serem verdadeiros – teriam ocorrido em território alemão, onde o casal tem o seu domicílio;

3. O efeito pretendido, com esta ação, podendo ser decretado no Tribunal Alemão, permite a imediata transcrição no Registo Civil Português;

4. Da conjugação do disposto nos artºs 72º e 62º do C.P. Civil, terá de concluir-se que os Tribunais Portugueses, não têm, no caso presente competência internacional para decidir a presente ação de divórcio;

5. Nem tem também no caso presente, aplicação imediata o Regulamento “ (CE) nº 2201/2003”, dado o disposto no considerando 8º do mesmo Regulamento;

6. Decidindo em contrário, o douto despacho saneador, infringiu as disposições processuais citadas, e o referido Regulamento;

7. Deverá pois ser revogado o despacho saneador, substituindo-se por outro que julgue procedente a exceção de incompetência internacional do Tribunal Português e absolva a ré, da Instância.

Não foram apresentadas contra-alegações.

                                                          *

A factualidade a considerar consta do relatório supra.

                                                          *

É a seguinte a questão a decidir: da (in)competência internacional dos tribunais portugueses para a presente ação de divórcio entre cônjuges de nacionalidade portuguesa.

Estabelecem os artºs 17º, n.º 2, e 22º, nº1, ambos da LOFTJ que é a lei do processo que fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, sendo que, “A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram”.

Por sua vez o art. 59º do Código de Processo Civil preceitua que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”.

Tal norma desde logo ressalva que no âmbito da aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, se salvaguardem as normas constantes de tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais ratificadas ou aprovadas, que vinculem internacionalmente o Estado Português.

No caso, estamos perante cônjuges de nacionalidade portuguesa, sendo de aceitar, como o fez a sentença que ambos residem na Alemanha (ainda que o A. se haja identificado como tendo residência em Portugal).

Importa, assim, ter presente o Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento, e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental [e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000]

O artigo 3º, do referido Regulamento, sob a epígrafe de “Competência Geral”, e inserido no capítulo II, Secção I, intitulado de Divórcio, Separação e Anulação do Casamento dispõe que:

“1- São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação de casamento, os tribunais do Estado ­Membro:

a) Em cujo território se situe:

- a residência habitual dos cônjuges, ou

- a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou

- a residência habitual do requerido, em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou pedido, ou

- em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou

- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido, pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu domicilio,

b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges, ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do domicílio comum"

2. Para efeitos do presente regulamento, o termo domicílio é entendido na aceção que lhe é dada pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda”.

Em face de tal norma resulta manifesto que concorrem três critérios que definem a competência internacional de um Estado-Membro para uma ação de Divórcio, sendo um o da residência habitual, o da Nacionalidade de ambos os cônjuges e , finalmente, o terceiro, o do domicílio comum ( mas neste caso aplicável apenas ao Reino Unido e Irlanda ).

Assim, verificando-se diversos critérios ao dispor do autor, pode ele lançar mão de qualquer um deles.

Ora, admitindo que ambos os cônjuges têm residência na Alemanha, porque ambos

têm a nacionalidade portuguesa, pode o autor fazer funcionar o critério da nacionalidade de ambos os cônjuges, tal como o refere a alª b) do nº 1  do artº 3º do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, como o fez, para intentar a ação no tribunal português.

E, sendo assim, ter-se-á, forçosamente, que julgar o tribunal português onde a ação foi interposta – Viseu - como competente (internacionalmente) para a julgar.

Em suma:

- Os tribunais portugueses estão vinculados à aplicação do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000.

- Estabelecendo o artº 3º, nº1, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado-Membro para de uma ação de Divórcio poder conhecer, sendo um o da residência habitual, o outro o da nacionalidade de ambos os cônjuges e, finalmente, o terceiro, o do domicílio comum,  verificando-se um deles (o da Nacionalidade de ambos os cônjuges ) e apontando ele para Portugal, ter-se-á, forçosamente, que julgar o tribunal português onde a ação foi interposta como o competente (internacionalmente) para a julgar.

                                                          *

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Anabela Luna de Carvalho( Relator)
João Moreira do Carmo
José Fonte Ramos