Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3336/15.2T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: RETRIBUIÇÃO
PRINCÍPIOS GERAIS
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO.
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 258º E 260º, Nº 1, AL. A), E 2 DO C. TRABALHO.
Sumário: I – A retribuição do trabalho é o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida, integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem un complemento do seu salarário.

II – Por força do nº 2 do artº 260º CT, o subsídio de refeição não integra, em regra, o conceito de retribuição, a menos que, na parte que exceda o seu montante normal, tenha sido previsto no contrato de trabalho ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.

III – Assim, tudo aquilo que for pago acima dos montantes previstos no IRCT aplicável, ao longo dos anos e de forma regular e periódica tem que se considerar, em princípio, como fazendo parte da retribuição, até tendo em conta o princípio da boa fé.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. A autora intentou contra a ré acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que esta seja condenada: a reconhecer ser retribuição o valor liquidado à autora a título de subsídio de refeição/alimentação; ser declarada ilícita a redução pela ré em Outubro de 2011 do valor liquidado à autora a título de subsídio de refeição/alimentação de € 5,46 para € 4,00 e, em consequência ser a ré condenada a pagar à autora a diferença entre o que liquidava a título de subsídio de refeição/alimentação à data de Setembro de 2011 – € 5,46 - e, o que liquidou e liquidará no período após Outubro de 2001 até ao presente a esse título – € 4,00; a pagar-lhe juros legais desde a data de vencimento de cada um dos pedidos até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, em síntese, alegou a sua relação de trabalho subordinado com a ré e no que concerne ao valor abonado pela mesma a título de subsídio de refeição/alimentação, que tal valor foi de 5,46 € nos meses de Fevereiro de 2009 a Setembro de 2011. Que decorreu de aumento do subsídio de refeição visando e consubstanciando um aumento da retribuição mensal base dos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria, pela via do aumento substancial subsídio de refeição/alimentação. E que em Outubro de 2011 a ré de forma unilateral e súbita reduziu o subsídio de alimentação à autora para € 4,00.

A ré contestou aduzindo argumentos de facto e de direito que em seu entender deveriam conduzir à improcedência da acção. Invocou que à luz da legislação em vigor à data dos factos, a regra é que o subsídio de refeição não integra a retribuição: a excepção é que dela faça parte, o que apenas ocorre na parte em que aquele subsídio exceda o seu montante normal e, mesmo assim, apenas se tal subsídio, nessa parte, se encontrar previsto no contrato de trabalho ou de acordo com os usos em vigor (nomeadamente quando não exista contrato escrito) dever ser considerado como integrando a retribuição. Alegou que esta natureza substitutiva, não obrigatória, do subsídio de refeição faz com que a partir da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, o mesmo passe a ser geralmente como não integrando a chamada “retribuição modular” aquele núcleo retributivo base que corresponde à remuneração do trabalho em si mesmo. E que os valores pagos por si a título de subsídio de refeição constituem um montante “normal” a pagar para efeitos de substituição do custo duma refeição, também ela normal, de modo a que a parte que outrora excedeu tal valor não possa ser considerada retribuição.

A autora veio apresentar articulado de resposta à contestação, reiterando a posição firmada.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a ser sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, decidiu: condenar a ré a reconhecer que parte do valor liquidado à autora, a título de subsídio de refeição faz parte integrante da retribuição por excederem os respectivos montantes normais; declarar ilícita a redução pela ré em Outubro de 2011 do valor liquidado à autora a título de subsídio de refeição/alimentação de € 5,46 para € 4,00; condenar ainda a ré a pagar à autora a diferença entre o que liquidava a título de subsídio de refeição/alimentação em Setembro de 2011 (€ 5,46) e, o que liquidou e liquidará no período após Outubro de 2011 até ao presente a esse título (€ 4,00), a liquidar em eventual incidente de execução de sentença, acrescida dos juros de mora à taxa legal (4%), desde a data de vencimento de cada um dos diferenciais em atraso até efectivo e integral pagamento.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:

[…]

A autora contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.


*

II- Os Factos:

Da decisão relativa à matéria de facto é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

III. Apreciação

As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões do recurso, se pode equacionar basicamente da seguinte forma: se o subsídio de refeição pago à autora faz parte integrante da retribuição e se, assim, está abrangido pela regra da irredutibilidade.

Na sentença da 1.ª instância, fundamentada de forma notável, escreveu-se a propósito o seguinte:

«Dispõe o art. 258.º (diploma legal a que se fará referência ao longo da decisão, sem menção diversa), sob a epígrafe – Princípios gerais sobre a retribuição:

1- «Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho».

2- «A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie».

3- «Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador».

4 - «À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código».

Desta conjugação resulta claramente que, a retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida – cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1.º, 9ª, Ed., 1994, pág. 395.1), integrando a mesma não só a remuneração de base como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário – neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 410.º; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382.

É pacífico (veja-se João Leal Amado, in Contrato de Trabalho págs. 298.º e sgs.) que a presunção estabelecida no n.º 3 do art. 258.º, está em perfeita sintonia com o caráter oneroso do contrato de trabalho.

Chamando à colação as palavras de Bernardo Xavier, in “introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português”, in RDES, 1996, p. 90 «há que ter o maior cuidado com uma política patronal de relações de trabalho assente no disfarce de atribuições remuneratórias com outro título ou com diverso invólucro».

Com efeito, conforme salienta João Leal Amado na obra supra citada, política patronal que, note-se, pode ser ditada pelas mais variadas razões, desde motivos de ordem fiscal até ao intento de possibilitar ao empregador a supressão, no futuro, desta ou daquela atribuição patrimonial, caso as circunstâncias assim o recomendem.

Destarte, por força daquela presunção, provando-se a existência de uma dada prestação patrimonial efetuada pelo empregador ao trabalhador, recairá, portanto, sobre aquele o ónus de demonstrar que não se verificam, in casu, os elementos próprios e caracterizadores da retribuição.

Na ótica e defesa apresentada pela R. o subsídio de refeição pago pela R. à A. não integra o conceito de retribuição, porquanto, nos termos do art. 260.º n.º 2, al. a) e, n.º 1, não se considera retribuição o subsídio de refeição, salvo quando, na parte que exceda o seu montante normal, tenha sido previsto no contrato de trabalho ou se deva considerar pelo uso como elemento integrante da retribuição do trabalhador.

Na verdade, o CT máxime no seu art. 260.º, refere-se a um vasto conjunto de prestações patrimoniais, qualificando umas e desqualificando outras como retribuição.

Preceitua o art. 260.º n.º 1, al. a), sob a epígrafe Prestações incluídas ou excluídas da retribuição:

1. «Não se consideram retribuição:

a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador».

(…)

2. «O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição».

As várias figuras contempladas nesta disposição (importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outros equivalentes) têm em comum com a retribuição o facto de serem juridicamente devidas ao trabalhador, assumindo caráter patrimonial. Nos dizeres de Jorge Leite, in Coletânea de Leis do Trabalho, pág. 92 «tais importâncias não visam pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade para o trabalho e não representam qualquer ganho efetivo do trabalhador não sendo, por isso, retribuição». Trata-se aqui, apenas, de ressarcir o trabalhador de despesas que este suporta em virtude da prestação de serviços.

O segmento final da norma admite, porém, que as mencionadas importâncias integrem a retribuição do trabalhar, contanto que: i) se trate de deslocações ou despesas frequentes; ii) as importâncias em causa excedam os montantes normais de tais deslocações ou despesas; iii) aquelas importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como retribuição.

Com isto, pretende-se evitar que as partes, através da simples manipulação do nomem das prestações, impeçam a correta qualificação jurídica de tais prestações.

Este é o desiderato que se nos coloca, nos termos do art. 272.º n.º 2, compete ao julgador decidir esta questão de direito, qual seja: - a da qualificação ou não como retribuição das atribuições patrimoniais realizadas pelo empregador em proveito do trabalhador.

Deflui do acima exposto que, por força do n.º 2 do citado art. 260.º do CT, o subsídio de refeição não integrará, em regra, o conceito de retribuição.

Como se sabe, o subsídio de refeição não é reconhecido por força de lei ordinária a todos os trabalhadores subordinados, designadamente, não está previsto no Código do Trabalho.

Com efeito, tal subsídio só é devido se estiver previsto nas cláusulas do contrato individual de trabalho, ou nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho em relação às empresas e trabalhadores filiados nas organizações associativas que o subscreverem (o que é o caso aqui sob escrutínio).

Com arrimo e, cotejo na factualidade acima dada por provada e, que, importa destacar, temos que: “No que concerne ao valor abonado pela R. à A. a título de subsídio de refeição/alimentação, o valor foi de € 5,46 nos meses de fevereiro 2009 a setembro de 2011; A evolução do subsídio de refeição/alimentação da A. e dos demais trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria, para além da evolução publicada em BTE, decorre também de negociação periódica entre a R. e o Sindicato onde a A. se encontra inscrita e a Federação de Sindicatos (FESAHT). Em comunicação datada de 15.02.2005, a R. comunicou à FESAHT e ao Sindicato onde a A. se encontra inscrita o seguinte: “…relativamente à atualizaçao de vencimentos de 2005 do pessoal afeto ao CCT das Lavandarias, o Conselho de Administração deliberou o seguinte: a) Aumentar o subsídio de alimentação de €3,90 para €4,50, o que representa um aumento de 13%; b) Aumentar os vencimentos em 2,5%. Durante as negociações foi transmitido e assumido pela R. aos representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Industria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro e da FESAHT que o aumento em 13% do subsídio de refeição/alimentação para o ano de 2005 aos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria visava compensar esses trabalhadores pelo reduzido aumento na retribuição” – cfr. os factos provados de 9) a 12).

Deste acervo probatório, extrai-se, efetivamente, que a empregadora através do aumento em 13% do subsídio de refeição aos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria, no ano de 2005, visou compensar tais trabalhadores monetariamente nesta rubrica, face a um aumento pouco significativo, na sua remuneração base (2%).

Ou seja, transpôs para tal item parte do aumento da retribuição base, manipulando, desta forma, o nomem desta prestação.

Daí que, não nos repugna considerar que parte do aumento do subsídio de refeição dos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria destinou-se a aumentar/complementar o acervo final retributivo dos mesmos e, nessa via, por força do que consta no segmento final da al. a) do n.º 1 do art. 260.º, constituir retribuição.

Na realidade, traduzem-se em despesas frequentes; tal aumento excedeu a importância normal das despesas, é que, também se provou que, o custo de uma refeição completa nos refeitório(s) explorado(s) pela R sitos nos K... , após 2005, é inferior ao valor diário do subsídio de alimentação, porquanto, o custo/preço de uma refeição completa no(s) refeitório(s) da R., designadamente no(s) existente(s) nos K... teve a seguinte evolução: Do ano de 2009 a 9 de setembro de 2012 - € 3,80; De 10 de setembro de 2012 ao presente - € 4,10 (cfr. factos provados de 16) a 21)) e, devem considerar-se também pelos usos (fixando-se em maio de 2008 o subsídio de refeição/alimentação em 5,46 € - vide, facto provado em 13)), como elemento integrante da retribuição do trabalhador.

II- Diferenças salariais (saber se houve lugar ou não à redução da retribuição):

Como se sabe, de harmonia com o art. 129.º n.º 1, al. d), é proibido ao empregador: “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

Importa, antes de mais, contextualizar o denominado princípio da irredutibilidade:

Como dizem, o Professor Mário Pinto e os Drs. Furtado Martins e Nunes de Carvalho, no comentário às Leis do Trabalho, Volume 1.º, a pág. 100: “Vimos que se proíbe uma regressão salarial, concretizada na redução da retribuição global do trabalhador. Simplesmente, essa retribuição não pode ser entendida como um bloco unitário e incindível, numa perspectiva estritamente aritmética. Retribuição é o correspondente da prestação de trabalho, uma atribuição patrimonial que serve de contrapartida ao trabalho prestado, de acordo com um certo equilíbrio, definido no contrato ou numa parte jus laboral (lei ou instrumento de regulamentação coletiva).

E a regra da irredutibilidade visa proibir uma alteração desse equilíbrio em sentido menos favorável ao trabalhador.

Todavia, o equilíbrio entre as prestações não é, em si mesmo, um bloco incindível. Podemos descortinar, para além de uma correspondência global, determinados nexos específicos entre certas atribuições patrimoniais e particulares modo de ser do trabalho prestado. Se, duma parte, temos um núcleo central da retribuição que corresponde ao exercício das funções correspondentes a uma certa atividade, durante o número de horas estipulado como período normal de trabalho, discernimos, doutra parte, outros nexos de correspondência entre específicas atribuições patrimoniais e certos modos de ser da prestação (...) A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (e de injustificada disparidade retributiva entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes), ser entendido de modo formalista e desatendo à substância das situações. A proibição da regressão salarial designa, sob esta perspetiva, a impossibilidade de piorar o equilíbrio que existe entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação laboral”.

Desta exposição, resulta que a entidade empregadora pode alterar, unilateralmente, a forma de cálculo das componentes retributivas, desde que a referida base de cálculo não constitua um elemento essencial do contrato e desde que dessa alteração não resulte diminuição da retribuição.

Com efeito, a garantia da irredutibilidade da retribuição prevista no art. 129.º n.º 1, al. d), apenas veda à entidade empregadora a diminuição da retribuição global, nada a obrigando a manter inalterável a estrutura de todos os demais componentes retributivos, designadamente, a base de cálculo dos prémios atribuídos, estando apenas obrigada a manter os montantes médios e não a mesma estrutura de retribuição.

Com arrimo nos factos acima dados por provados, temos por seguro que a R. em outubro de 2011, reduziu o subsídio de refeição/alimentação à A. para 4,00 € (vide, facto provado em 15)).

A R. defende-se no sentido de que tal redução no subsídio de refeição por não integrar a chamada “retribuição modular” poder ocorrer. Todavia, não aceitamos tal conclusão, é que, como vimos atrás, parte do aumento do subsídio de refeição dos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria (em 2005) destinou-se a aumentar/complementar o acervo final retributivo dos mesmos, acabando por gerar na A. a expetativa razoável, face ao uso criado, de que tal se manteria e, que com tal aumento poderia fazer face as suas despesas correntes e, a do seu agregado familiar.

Logo, tratando-se de um elemento constitutivo da retribuição da A. não é possível a sua diminuição nos moldes preconizados e realizados pela R., em outubro de 2011, por ter atingido a retribuição global disponível da trabalhadora, estando vedado ao empregador a adoção de tal atuação (art. 129.º n.º 1, al. d).»

Cumpre desde já manifestar o nosso acordo com esta análise.

A ré apelante diverge deste entendimento, colocando o foco na determinação do montante normal do subsídio de refeição, para além do qual as quantias pagas podem integrar o conceito de retribuição.

Na verdade, de acordo com o n.º 2 do art. 260.º do Código do Trabalho, por remissão para a alínea a) do seu n.º 1, não é de considerar como retribuição o subsídio de refeição, a menos que, na parte que exceda o seu montante normal, tenha sido previsto no contrato de trabalho ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.

A partir daí a apelante alega que as importâncias que pagou nunca excederam o montante normal do subsídio de refeição, argumentando que o padrão normalidade deve ser encontrado pelo recurso a diversos índices, para além do custo “normal” ou razoável de uma refeição (a determinar por critérios prudenciais), nomeadamente o critério da lei fiscal, para efeitos de tributação em IRS.

Devemos já dizer que esse critério nos parece muito pouco fiável, se for por ele de aferir a determinação de um valor “normal”. É a própria apelante que refere que, em sede fiscal, a lei estabelece limites até aos quais as quantias pagas a esse título não são tributadas em sede de IRS, nem sobre elas incide desconto para a segurança social, tendo esses limites sido, em 2011, de € 6,41 e em 2012 e 2013, de € 5,12 e € 4,27, respectivamente. Ora, sendo manifesto, quanto a nós, que a evolução dos preços das refeições não baixaram na proporção das descidas desses limites, os valores em causa não podem traduzir um valor “normal” dos custos das refeições subsidiadas, apenas os valores que o legislador fiscal considerou equitativos para servirem de referência a tributação e à arrecadação de receita fiscal.

E havendo outro critério mais consistente para determinar o que é valor “normal” no quadro das estipulações contratuais que vinculem as partes é esse o que deve ser considerado quanto a nós, antes de recorrer a critério prudencial baseado no custo efectivo de uma refeição decente, ainda que moderado (e nesta apreciação haveria que ter em conta, conforme se referiu na sentença, que o montante pago pela ré antes da redução excedia o custo de uma refeição completa nos refeitórios explorados pela ré, conforme se infere dos factos 20. e 21.).

Ora no caso, é também a própria ré, no recurso, que indica que o valor do subsídio de alimentação fixado no contrato colectivo de trabalho que abrange a relação laboral, ou seja, o CCT indicado pela autora na petição inicial, é de € 3,60, tal como esta alegou na mesma peça processual.

Desta forma, julgamos que existe uma base contratual para determinar o valor que, para as partes, deveria ser considerado como o “normal” no desenvolvimento do contrato de trabalho, aqui seguindo o critério afirmado no Acórdão da Relação do Porto de 10-12-2007 (relatora: Fernanda Soares; proc.071426, in www.dgsi.pt). Como nesse aresto se disse e merece o nosso acordo, quando o empregador assume o pagamento das despesas de alimentação do trabalhador pode fazê-lo de duas maneiras: ou assume o pagamento da totalidade da despesa de almoço ou contribui apenas com uma parte. Em regra, as despesas são pagas apenas em parte, entregando o empregador ao trabalhador uma determinada quantia certa, independentemente do trabalhador gastar mais ou menos na refeição ou até nada gastar. E quando tais quantias têm o conforto de uma IRCT, então o valor nele estipulado deve ser considerado um valor normal a pagar pelo empregador.

Assim, tudo aquilo que for pago acima dos montantes previstos no IRCT de referência, ao longo dos anos, e de forma regular e periódica, tem que se considerar em princípio como fazendo parte da retribuição, até tendo em conta o princípio da boa fé.

 No caso dos autos, à autora era pago, entre Fevereiro de 2009 e até Outubro de 2011, € 5,46 o qual foi desde então reduzido para € 4,00.

Sucede ainda que se provou (factos 10. a 12.) que a evolução do subsídio de refeição/alimentação da autora e dos demais trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria, para além da evolução publicada em BTE, decorre também de negociação periódica entre a ré e o Sindicato onde a autora se encontra inscrita e a Federação de Sindicatos (FESAHT). E que em comunicação datada de 15.02.2005, a R. comunicou à FESAHT e ao Sindicato onde a A. se encontra inscrita o seguinte:(…) relativamente à actualização de vencimentos de 2005 do pessoal afecto ao CCT das Lavandarias, o Conselho de Administração deliberou o seguinte: a) Aumentar o subsídio de alimentação de €3,90 para €4,50, o que representa um aumento de 13%; b) Aumentar os vencimentos em 2,5%. E durante as negociações foi transmitido e assumido pela ré aos representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Industria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro e da FESAHT que o aumento em 13% do subsídio de refeição/alimentação para o ano de 2005 aos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria visava compensar esses trabalhadores pelo reduzido aumento na retribuição.

Ou seja, ocorreu um desenvolvimento negocial com incidência contratual em que a ré assumiu um aumento em 13% do subsídio de refeição aos trabalhadores da área de tratamento de roupa/lavandaria, no ano de 2005, para compensar os trabalhadores face a um pequeno aumento na sua remuneração base.

E, se assim foi, parece evidente a adequação do que foi afirmado na sentença recorrida, quando nela se disse que, por essa via, a ré transpôs para o subsídio de refeição parte do aumento da retribuição base, assim manipulando o nomem desta prestação, dando origem a fundadas expectativas dos trabalhadores que o valor do aumento se manteria, protegido pelas garantias gerais da retribuição.

Daqui decorre, quanto a nós, que está certo o juízo da 1.ª instância quando concluiu que a parte do aumento do subsídio de refeição merece a qualificação de retribuição, parte dela constitutiva.

Por consequência, a redução operada, depois, pela ré era proibida nos termos do art. 129.º n.º 1, al. d) (de acordo com o qual é proibido ao empregador: “diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho), tal como foi enunciado na sentença recorrida, com as consequências tiradas na decisão nela tomada e que merece o nosso acordo.
A apelação tem, assim, de improceder.

                                                         *

IV- DECISÃO
Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação.

Custas no recurso pela ré apelante.


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(Luís Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

 (Paula do Paço)