Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
776/10.7TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PRAZO DE CADUCIDADE
DIREITO MÍNIMO À INFORMAÇÃO
DELIBERAÇÃO ABUSIVA
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA 2º J CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.56, 58, 59, 288, 377 CSC, 9, 37, 50 C. COOPERATIVO, 389 CPC
Sumário: 1.- Os prazos previstos nos arts. 59º, nº 2, do CSC e 389º, nº 1, a), do CPC, são autónomos ou independentes, designadamente quanto aos seus efeitos.

2.- O decurso do primeiro desencadeia a caducidade do direito de propositura da acção de anulação de deliberação social, enquanto o segundo implica a caducidade da providência cautelar de suspensão da deliberação.

3.- A pendência de tal providência cautelar não impede o decurso do prazo do citado art. 59º, nº 2 do CSC.

4.- Face ao disposto no art. 59º, nº 4 do CSC, que estatui que a proposição da acção de anulação de deliberação social não depende de apresentação da respectiva acta, não é possível sustentar que o prazo para intentar a acção se conta apenas a partir do momento em que o autor tenha acesso ao teor da acta.

5.- O direito mínimo à informação que interessa considerar para efeitos de acção de anulação de deliberação social é o previsto nos arts. 58º, nº 1, c), e nº 4, do CSC, ou seja as menções exigidas pelo art. 377º, nº 8, do CSC, nomeadamente a que se consubstancia em fazer constar do aviso convocatório para a assembleia a menção clara do assunto sobre o qual a deliberação será tomada, e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato; a infracção do direito mínimo à informação implica a anulabilidade da deliberação.

6.- Constando do aviso convocatório para a assembleia geral a ordem dos trabalhos e o assunto a tratar – “Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores (…)…” - era claro o thema deliberandum, pelo que inexiste a nulidade de deliberação prevista no art. 50º do Código Cooperativo a propósito de deliberação não constante da ordem de trabalhos;

7.- A seguinte deliberação de uma cooperativa – “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores (…) … são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito” – não corresponde a uma expulsão, por esta pressupor a qualidade de cooperante, sendo, antes, uma deliberação que acaba por não reconhecer essa qualidade ao ora recorrente, que considera que o mesmo não é cooperante.

8.- A deliberação social abusiva por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, designadamente na vertente do venire contra factum proprium, e pelo fim social ou económico do direito, gera a anulabilidade estabelecida no art. 58º, nº 1, a), 1ª parte, do CSC, e não nulidade, pois não está prevista no elenco tipificado do art. 56º do CSC.

9.- A deliberação social de uma assembleia geral de uma cooperativa, que se consubstancia num não reconhecimento da qualidade de cooperante de pessoa que a tal se arroga, o mesmo é dizer que foi considerado que ela não é cooperante, não padece da nulidade prevista no art. 56º, nº 1, c), do CSC, por não violar nenhuma regra imperativa de competência de outro órgão social prevista no C. Cooperativo.

Decisão Texto Integral: I - Relatório


1. A (...) e mulher B (...), ambos residentes em Belas, intentaram a presente acção declarativa de condenação, contra C (...), Cooperativa de habitação, C.R.L., com sede em Coimbra, pedindo que:
-seja declarada nula, ou então anulada, a deliberação da assembleia extraordinária da ré de 16 de Janeiro de 2010, na parte relativa ao ponto 1, onde se decidiu que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito, sendo o autor marido excluído de cooperador com perda das suas acções;
-deve ainda a ré ser condenada a pagar aos autores a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais, que ainda não é possível aqui liquidar, atento o curto período temporal após a data da deliberação.
Alegaram, em suma, que o autor marido é dono de 38 acções nominais da ré, encontrando-se 32 acções na sua posse efectiva e 6 na posse da cooperativa, ré; que as acções foram adquiridas aos anteriores cooperantes; adquiriu, assim, a qualidade de sócio cooperador da citada cooperativa ré; essas transmissões foram averbadas no livro de registo da cooperativa, aqui ré; a ré convocou os cooperantes, nomeadamente o autor marido, para reunirem em assembleia geral extraordinária para o dia 16 de Janeiro de 2010 com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) …; a documentação respectiva encontravam-se disponíveis para consulta e entrega aos associados na sede da cooperativa a partir do dia 4.1.2010, às segundas, quartas e sextas-feiras, das 14 às 18 h; na 6ª feira antecedente à reunião, o autor marido deslocou-se às instalações da ré, encontrando-se as mesmas encerradas, tendo-lhe assim sido vedada a análise prévia da documentação relativa à assembleia geral; na assembleia geral de 16.1.2010 foi entregue um conjunto de documentação aos sócios cooperantes, que aí se encontravam presentes, na qual constava uma proposta da direcção, que dizia o seguinte: “Após a análise efectuada pela Direcção e o PARECER dos Advogados … somos a concluir que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) … são consideradas nulas e de sem qualquer validade ou efeito”; essa proposta foi entregue ao autor marido apenas na data da assembleia geral e fazia parte de uma análise efectuada pela direcção da R., a qual, sem conceder o contraditório ao ora requerente, concluía que: 1) O Sr. A (...) não era à data adquirente ou sucessor dos títulos em causa sócio cooperador ou reunindo condições exigidas, solicitar a sua admissão, pelo que Código Cooperativo de 1980 art.º 29º, n.º 2 “A Proposta de admissão tinha que ser subscrita por 2 cooperadores” e no Código Cooperativo de 1996 actualmente em vigor, a qualidade de sócio tem de ser solicitada à Direcção. Ora não existe nenhuma documentação em arquivo em que como tal tenha acontecido; 2) Os títulos de transmissão intervivos opera-se pelo endosso do título a transmitir, assinado pelo transmitente, pelo adquirente e por quem obriga a Cooperativa, sendo averbado no Livro de Registo. Ora aqui também não nos parece que os Títulos que o Sr. A (...) possuiu e que tenham pertencido a outros cooperadores vivos preencham os requisitos exigidos, pois embora inscritos nos Registos da Cooperativa os Títulos endossados em seu nome, não estão assinados pelo transmitente e pelo adquirente, estando sim em muitos dos Títulos averbada a inscrição doadas ao Sr. A (...) e assinado pelo Presidente Sr. E (...) ou pelo Secretário Sr. D (...); 3) A transmissão mortis causa opera-se por apresentação do documento comprovativo da qualidade de herdeiro ou de legatário e é averbada em Nome do Titular no Livro de Registos e nos Títulos que deveram ser assinados por quem os Títulos em posse do Sr. A (...), tenham sido herdados ou legados, pois nenhum dos títulos em seu poder ou em arquivo obedece aos requisitos de transmissão por mortis causa; colocada à votação, foi deliberado por maioria nessa assembleia geral extraordinária: a aprovação da proposta da direcção, referida antes, deliberando assim que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) … são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito; o A. marido só tomou conhecimento da acta da deliberação, a 22 de Fevereiro de 2010 quando foi notificado da oposição com documentos nos autos de Procedimento Cautelar apensos à acção; sendo até o A. marido forçado a sair da sala, após a votação. (Doc. nº 1, pag. 5); o A. acabou por ser excluído de sócio e cooperador da Cooperativa, por decisão unilateral da R.; a convocação dessa assembleia e a deliberação tomada nessa reunião, contraria a lei e os estatutos da requerida, pois na convocatória deveria constar expressamente a medida a tomar e não deixar de forma arbitrária a solução de se poder, eventualmente, considerar nulas e em qualquer validade os títulos adquiridos pelo requerente; a deliberação da forma como foi aprovada não constava da ordem de trabalhos, pois não havia uma proposta concreta nesse sentido; para ser excluído como cooperador, a R. deveria ter cumprido os requisitos previstos no art. 37º e seguintes do Código Cooperativo, o que não foi cumprido pela R., sendo, por isso, a deliberação tomada nula; foi também violado o princípio do direito mínimo à informação, consagrado no art. 288º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por força do art. 9º do Código Cooperativo; por outro lado, ao convocar o A. marido para as várias e sucessivas assembleias gerais, nomeadamente para actos eleitorais, está-se perante uma autorização tácita por parte da direcção, que aceitou a solicitação do cooperador, aqui A., tendo havido, pois, uma validação da transmissão; tendo unilateralmente deliberado considerar de nulo efeito as transmissões dos títulos a favor do A. marido, por questões formais a ela imputáveis e considerando toda a matéria comportamental da R., claramente se verificará que a mesma constitui “abuso de direito”, na modalidade de venire contra factum proprium; pretende o A. a condenação da R. a indemnizá-lo por comportamentos antagónicos assumidos num determinado espaço de tempo, causando-lhe significativos danos de ordem patrimonial e não patrimonial; o A. marido sente-se aflito e apreensivo com a conduta da ré, pois foi impedido de continuar na dita reunião da assembleia geral; viu-se desapossado de títulos que adquiriu de boa fé, por uma conduta da R., contrária à Lei, o que o deixou bastante triste e magoado.
Concluíram, assim, que a deliberação tomada pela R. é nula, uma vez que:
a) Foi tomada em assembleia geral não convocada, art. 50º, do Código Cooperativo, que diz expressamente que “São nulas todas as deliberações tomadas sobre matérias que não constem da ordem de trabalhos fixada na convocatória, salvo se, estando presentes ou representados devidamente todos os membros da cooperativa no pleno gozo dos seus direitos, concordarem, por unanimidade, com a respectiva inclusão ou se incidir sobre matéria constante do nº 1 do art. 68º, de acordo com o estabelecido no nº 3 do mesmo artigo e art. 56º, nº 1, a), do Código das Sociedades Comerciais;
b) O conteúdo dela não está sujeito a deliberação dos sócios (serem consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito as transmissões dos títulos de capital efectuadas para o A. marido, pois não competia certamente à assembleia geral proceder a tal consideração e consequente decisão, pois a análise e decisão deveria ser precedida de análise e consequente decisão judicial).
A deliberação é também anulável, porquanto viola a lei e não foi precedida do fornecimento ao A. marido de elementos mínimos de informação, de acordo com o estabelecido no art. 58º, nº 1, a) e c), do CSC.
A R. contestou, alegando, além do mais, a caducidade da acção principal, já que, por força do art. 59º, nº 2, a), do CSC, aplicável às cooperativas, o prazo para a propositura da acção de anulação é de 30 dias, contados a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral. Uma vez que o autor marido teve conhecimento da deliberação tomada a 16.1.2010, pois só saiu da assembleia após a votação da deliberação cuja anulabilidade pede nesta acção, o prazo de caducidade ocorreu em 15.2.2010, tendo os AA apenas interposto esta acção a 4 de Março de 2010; o art. 389, nº 1, a), do CPC, estabelece o regime de caducidade das providências cautelares, mas é absolutamente independente do regime da caducidade da acção principal; que, antes das diversas aquisições de acções, o A. não era sócio cooperador (inicial ou original), e nem tinha solicitado a sua admissão; após aquelas aquisições, também o autor não solicitou a sua admissão como tal, pelo que nunca chegou a adquirir essa qualidade; não sendo sócio-cooperador, não se coloca, sequer, a questão de ter sido excluído dessa mesma posição ou qualidade; na petição inicial os autores não descrevem, com rigor e pormenor, os danos alegadamente sofridos por eles, não existindo elementos suficientes para caracterizar os danos, mas apenas alegações vagas.
A final concluiu pela sua absolvição.
Na resposta os AA alegam que não existe qualquer caducidade da acção de anulação, pois entre a data da entrada do procedimento cautelar em juízo, 26.1.2010 até à apresentação da acta nesses autos, 22.2.2010, a instância cautelar ficou suspensa; o prazo para apresentar a acção principal terminaria a 15.3.2010, pelo que a presente acção está em tempo.
Concluiu, na parte final, como na petição inicial.
Notificados para o efeito os AA quantificaram o prejuízo material em 6.000 € e o dano na mesma importância, que a R. impugnou.
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Foi, depois, proferido despacho saneador-sentença, na qual se julgou procedente a excepção de caducidade da acção no que concerne ao pedido de anulação da deliberação social tomada em 16.1.2010, e se julgou improcedente a acção, absolvendo-se a R. do pedido.
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2. Os AA interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões sintetizadas (após prévio despacho do relator para o efeito, que pese ainda alguma prolixidade se tornaram menos complexas):
1. A providência cautelar interposta veio suspender ou interromper o prazo para a propositura da acção, uma vez que proposta a providência cautelar de suspensão de deliberação social, os requerentes têm a possibilidade de, nos termos do artº. 389, nº. 1, al. a), do CPC, propor a acção de anulação nos 30 dias posteriores à notificação do deferimento da providência cautelar.
2. Por isso, salvo o devido respeito, andou mal a MMª Juiz A Quo ao considerar: a propósito da contagem desse prazo (artº. 59, nº.2, do CSC), quando também tiver sido requerido o procedimento cautelar que existe uma corrente maioritária, que entende que os prazos dos artºs. 389, nº. 1, al. a), do CPC, e 59, nº. 2, al. a), do CSC, são diferentes e possuem natureza distinta, pois o previsto na 1ª. norma é processual, enquanto o outro é substantivo, considerando que este regime é absolutamente independente do regime de caducidade da acção principal”.
3. Contudo, a MM.ª Juiz não teve em conta que sendo regular a convocatória da mesma assembleia, “O prazo de caducidade do direito de acção para suspensão de deliberações sociais conta-se também
b) - da data do conhecimento das deliberações, se a convocatória não tiver sido regular, ainda que e analogamente, então não exista um conhecimento exacto e formal das mesmas” Cfr AC. do Tribunal da Relação de Lisboa, CJ ANOXV 1990 T5 PAG125, N.º JTRL00020919, disponível para consulta em www.dgsi.pt
4. Além do mais a disposição do artigo 389º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil constitui lei especial que se sobrepõe à lei geral, ou seja, ao disposto no artigo 59º nº 2 do CSC;
5. Assim, Venerandos Desembargadores sendo requerida, como foi, a providência cautelar de suspensão de deliberação social, o prazo para a propositura da acção principal contar-se-ia da data da notificação da decisão da providência.
6. Aliás a MM.ª Juiz “A quo” por algum motivo insistia para que se oficiasse ao 3º juízo a apensação dos autos de procedimento cautelar.  
7. O Prof. Pinto Furtado sustenta em resumo que o prazo previsto no artigo 59º/2 do CSC, que a acção poderá ser proposta nos 30 dias subsequentes à notificação da decisão, quer esta tenha ordenado ou julgado improcedente a providência, sendo que em apoio da tese que alarga o âmbito de utilização da providência para além das deliberações dos sócios é possível citar o Ac. RL de 23/2/89 - CJ, 1989, I, p. 131.; o Ac. RL de 3/10/95 e o Ac. STJ de 29/4/1992, Proc. n.° 82100.
8. Por isso, tendo decidindo como decidiu, a decisão recorrida violou os artigos 56º nº 1 alínea d) CSC, 59º nº 2 CSC, 389º nº 1 alínea a) do CPC, e 7º nº 3 do Código Civil;
9. Mas mesmo assim os ora recorrentes não ficaram a aguardar pela decisão da providência, actuando e “atacando” de imediato a deliberação, logo que lhe foi dado conhecimento do teor da acta, conforme haviam requerido na providência apensa aos presentes autos.
10. Pelo que, Venerandos Desembargadores, não poderia a MM.ª Juiz “A quo” ignorar, como aliás parece ter mesmo ignorado, o teor do nº 4 do artigo 59º que nos diz “a proposição da Acção de Anulação não depende da apresentação da respectiva acta, mas se o sócio invocar impossibilidade de obter, o juiz mandará notificar as pessoas que, nos termos desta lei, devem assinar a acta, para apresentar no Tribunal, no prazo que fixar, até 60 dias, suspendendo a instância até essa apresentação”.
11. Com efeito, no Requerimento Inicial de procedimento cautelar foi alegado no artigo 65º (aceite pela recorrida) que “apesar de ter sido requerida cópia da acta da reunião da Assembleia Geral, na própria Assembleia, cuja irregularidade se invoca e cujas deliberações se pretendem responder, a respectiva mesa ainda não a forneceu”.
12. Sendo que a acta apenas foi remetida aos recorrentes com a oposição deduzida pela R., naqueles autos de Procedimento Cautelar, datado de 17/02/2010, pelo que se consideram notificados a 22/02/2010 (3º dia útil posterior), sendo que a Assembleia Geral foi realizada a 16 de Janeiro de 2010 e a oposição deu entrada a 26 de Janeiro de 2010.
13. Deste modo o sócio, aqui recorrente marido, tendo sido expulso e exonerado da reunião da Assembleia, não lhe tendo sido dada a possibilidade de permanecer na Assembleia Geral, invocou a impossibilidade de obter a acta, pelo que a recorrida foi notificada para a apresentar em Tribunal.
14. Ora, Venerandos Desembargadores a MM.ª Juiz “A quo” deveria considerar que a instância se suspendeu desde a data da entrada do requerimento de procedimento cautelar (26/01/2010) até à apresentação da acta em Tribunal (22/02/2010) e assim o prazo de caducidade não ocorreu a 15 de Fevereiro, pois os recorrentes tinham até ao 15 de Março de 2010 o tempo disponível para propor a referida acção, dada a suspensão da instância que se verificou até à data da apresentação da acta;
15. Aliás, nem outro entendimento poderia ter o legislador, porquanto só com o teor integral da acta é que os recorrentes poderiam invocar quais os concretos factos que levam à anulabilidade e nulidade da deliberação em causa. Aliás, percorrendo a nossa doutrina, Vasco Lobo Xavier sustenta que «a deliberação sem acta tem simplesmente a sua eficácia suspensa” NOGUEIRA SERENS, Notas sobre sociedades anónimas, 2.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 54
16. Sendo certo que a nossa jurisprudência parece mesmo adoptar a esteira desse mesmo entendimento, quando diz que: “Tendo-se realizado a assembleia geral sem conhecimento do sócio, uma vez que este se retirara do local, quando o informaram que não havia quem elaborasse a acta, o prazo para pedir a declaração de nulidade das deliberações tomadas, conta-se a partir do momento em que o sócio soube da realização da assembleia, e não da data em que esta ocorreu”. Ac. TRP RP199407049351289, www.dgsi.pt assim como “Não tendo a ré, na acção de deliberação social, conseguido provar que os autores tinham conhecimento da deliberação na data por eles indicada como tendo excedido o prazo de caducidade respectivo, a acção não caducou”. Ac. STJ, SJ198612020738451, disponível para consulta em www.dgsi.pt;
17. Por isso mesmo o prazo de caducidade de uma acção começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido, pelo que, não o tendo assim considerado, violou a MMª Juiz “A quo” o disposto no art.º 59º, nº 4 do Código das Sociedades Comnerciais;
18. Além do mais, esta questão foi alegada pelos recorrentes na resposta à excepção deduzida, mas nem sequer foi objecto de análise por parte da MM.ª Juiz “A quo”, o que conduz necessariamente a uma omissão de pronúncia.
19. Ora, como refere expressamente o art.º 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que culmina com o vício de nulidade de sentença, que a mesma é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
20. Pois o julgador tem o poder/dever prescrito no n.º 2 do artigo 660.º do CPC, que é, por um lado, o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas em que a lei lhe permite que delas conheça oficiosamente).
21. Com efeito, deveria a MM.ª Juiz ter-se pronunciado sobre a questão da contagem do prazo relativo ao conhecimento da acta, o que não o fez, gerando assim, salvo o devido respeito por mais douta opinião contrária, a nulidade processual do art.º 668º, n.º 1, al. d) do CPC;
22. Finalmente, quanto à questão da Nulidade da deliberação, Os AA., aqui recorrentes, peticionaram na presente acção que fosse declarada nula, a deliberação da assembleia extraordinária da ré de 16 de Janeiro de 2010, na parte relativa ao ponto 1, onde se decidiu que “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e de sem qualquer validade ou efeito, sendo o autor marido excluído de cooperador com perda das suas acções”;
23. A recorrida convocou os cooperantes, nomeadamente o aqui recorrente, marido, para reunirem em assembleia geral extraordinária para o dia 16 de Janeiro de 2010 na sede da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) e D (...) (…); constando expressamente que a documentação respectiva e os assuntos em causa encontravam-se disponíveis para consulta e entrega aos associados na sede da cooperativa a partir do dia 4.01.2010, às segundas, quartas e sextas feiras, das 14 às 18:00 horas.
24. Contudo, como se viu, foi vedada a análise prévia da documentação relativa à assembleia geral e só na assembleia geral de 16.01.2010 é que foi entregue um conjunto de documentação aos sócios cooperantes, que aí se encontravam presentes e só nesses documentos é constava uma proposta da direcção, que considerava nulas e de sem qualquer validade as transmissões dos títulos de capital;
25. Essa proposta, que mais não configura do que uma expulsão, foi entregue ao recorrente marido apenas na data da Assembleia Geral e fazia parte de uma análise unilateral efectuada pela direcção da R., a qual, sem conceder o contraditório ao ora requerente, concluía que as mesmas eram nulas e assim deliberou a recorrida que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito, sendo até o A. marido forçado a sair da sala, após a votação. (Doc. n.º 1, pag. 5); não lhe sendo facultado o direito mínimo à Informação, previsto no art.º 288º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por força do art.º 9º do Código Cooperativo;
26. Ora, Venerandos Desembargadores, o que na prática aconteceu foi que o recorrente acabou por ser excluído de cooperador Cooperativa, por decisão unilateral da R., sem ter a mesma feito constar previamente da convocatória a medida concreta a tomar e não deixar de forma arbitrária a solução de se poder, eventualmente, considerar nulas e em qualquer validade os títulos adquiridos pelo requerente. Por isso, entendemos que a convocação dessa assembleia e a deliberação tomada nessa reunião, contraria a lei e os estatutos da requerida;
27. A Proposta e consequente deliberação não constava da Ordem de Trabalhos, pois não havia uma proposta concreta nesse sentido, pois apenas se fez prever na Ordem de Trabalhos: “Análise, discussão e votação das medidas a tomar, sendo certo que, para ser excluído como cooperador, a recorrida deveria ter cumprido os requisitos previstos no art.º 37º e seguintes do Código Cooperativo, preceito este que a MM.ª Juiz “A quo” também violou;
28. Entendemos, por isso, a deliberação tomada pela requerida sofre de uma nulidade insuprível, resultante de:
a) falta de audiência do arguido;
b) insuficiente individualização das infracções imputadas ao requerente;
c) falta de referência aos preceitos legais, estatutários ou regulamentares violados;
d) omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade (art.º 37º, n.º 5, do Código Cooperativo);
29. O recorrente já havia adquirido os títulos há vários anos, tendo sido convocado para as várias e sucessivas Assembleias Gerais, que já se haviam realizado, nomeadamente para actos eleitorais, sendo que estamos assim perante uma autorização, embora tácita, por parte da direcção, que aceitou a solicitação do cooperador, havendo pois uma validação da transmissão;
30. Por isso, constituiu claramente uma Situação de Abuso de Direito, por parte da recorrida, quando vem unilateralmente deliberar e considerar de nulo efeito as transmissões dos títulos do A. marido, por questões formais a ela imputáveis e na modalidade de venire contra factum proprium; Pois é a própria recorrida que, não cumprindo com todos os formalismos legais necessários que diz que serem essenciais para que se operem a transmissão das acções, vir afirmar, por isso, que as mesmas são nulas.
31. Mais uma vez, consideramos que a deliberação da Assembleia Geral é por isso também ilegal e contrária à lei, e, em consequência, é nula, sendo que, não tendo o Tribunal recorrido considerado essa nulidade, violou, além do mais, o art.º 50º do Código Cooperativo.
32. Sendo certo que a faculdade de considerar que as ditas acções possam ser consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito as transmissões dos títulos de capital efectuadas para o recorrente, não competirá certamente à Assembleia Geral, pois, salvo o devido respeito, a análise e decisão deveria ser precedida de análise e consequente decisão judicial.
33. Assim não o considerando, violou também a MM.ª Juiz o “A quo” o art.º 2º do Código de Processo Civil
34. Também não se concorda com a fundamentação da douta sentença quando diz que o vício que, de facto, é apontado pelos autores diz respeito não à não convocação da assembleia geral, mas possui atinência com a figura da anulabilidade, pois argumentam que a deliberação tomada não constava da ordem de trabalhos da convocatória recebida.
35. Porém, a MMª Juiz “A quo” não atentou ao facto de que a censura ou o comportamento de um cooperante deve sempre constar da Ordem de Trabalhos, devendo ser concedida ao mesmo uma Audiência Prévia sobre os factos, como aliás o dizem os Ac. da Relação do Porto de 30/06/1998 e de 16/12/1993 disponíveis para consulta em www.dgsi.pt assim como o Ac. da Relação de Lisboa de 21/02/2002, Processo 00115208, também disponível para consulta em www.dgsi.pt
36. Por isso Violou também o Tribunal recorrido o n.º 1 do art. 37º do CCoop, já que a deliberação tomada pela assembleia geral em causa, Senhores Juízes Desembargadores, mais não foi do que um processo sumário de exclusão de um cooperante, sem lhe ser garantido o direito de defesa e contraditório, previsto na lei e na Constituição da República Portuguesa.
37. Ou seja, é nula a deliberação de assembleia geral de uma Cooperativa, que excluiu um cooperador sem que tenha ela sido precedida de processo escrito onde conste a prova produzida e a defesa do arguido, nos termos do artigo 56º/1, alínea d) do CSC aplicável ao Código Cooperativo (artigo 9º), pelo que a douta sentença violou assim o art.º 56º, n.º 1, al, d) da CSC e artigo 85º da Constituição da Republica Portuguesa;
38. Finalmente, tendo em consideração o carácter pessoal da votação, que mais não era do que a exclusão de dois cooperantes, a mesma deveria ter um carácter de voto secreto, sob pena de se violar, a lei, conforme prevê expressamente que o Artigo 43.º, n.º 4, do Código Cooperativo, já que assuntos de incidência pessoal dos cooperadores realizar-se-ão por escrutínio secreto;
39. O Tribunal analisou mal, salvo o devido respeito, a questão do ora recorrente, violando os vários preceitos legais citados nas presentes conclusões ao absolver a recorrida do pedido, permitindo assim que a mesma, sumaria e unilateralmente e sem qualquer procedimento, tenha excluído e expulso um dos seus cooperantes, quando, Venerandos Desembargadores deveria ter considerado nula e sem qualquer efeito a deliberação da Assembleia Geral da recorrida, de 16 de Janeiro de 2010.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Ex.as, Venerandos Desembargadores suprirão, deverá o presente recurso proceder, de acordo com as conclusões anteriores, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo a acostumada
JUSTIÇA!
3. A R. contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
1ª. As conclusões 1ª a 17ª dizem respeito à questão da caducidade da ação. A este respeito o Tribunal recorrido entendeu – e bem – que os prazos dos arts. 389, nº1, al. a), do CPC, e 59, nº 2, al. a), do CSC, são diferentes e possuem natureza distinta, pois o previsto na 1ª. norma é processual, enquanto o outro é substantivo.
2ª. Com efeito, a lei não atribui à providência cautelar o efeito de interromper os prazos de caducidade, a suspensão das deliberações sociais fica sem efeito se a ação de anulação não for proposta no prazo do art. 59º, nº2, do CSC;
3ª. E daí que o Tribunal tenha decidido julgar procedente a excepção de caducidade da ação, julgar totalmente improcedente a ação, e absolver a ré do pedido;
4ª. Ao contrário do que invocam os recorrentes, a deliberação em apreço não enferma de qualquer nulidade ou anulabilidade, por não se verificar a violação de qualquer norma legal previstas nos arts. 56º, nº1, e 58º, nº1, al. a), do CSC.
5ª. Nas conclusões 18ª a 21ª, os recorrentes invocam, sem razão, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia prevista no art. 668º, nº1, al. d) do CPC. Na verdade, o Tribunal a quo, apreciou na sentença todas as questões que foram colocadas.
6ª. Assim, considerou assente que o recorrente esteve presente na assembleia geral de 16.01.2010, na qual lhe foi entregue um conjunto de documentação. E que o recorrente foi um dos cooperadores que votou contra a proposta da direção e saiu da sala após a votação;
7ª. E concluiu que, por essa razão, não há qualquer interesse em saber em que data o recorrente foi notificado ou teve conhecimento da ata da referida assembleia, o que constitui uma mera formalidade.
8ª. Além disso, consta do ponto 1 da convocatória a análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder do recorrente e outro cooperador; e
9ª. Na parte final da convocatória ficou consignado que os assuntos em discussão, bem como a documentação respetiva e os assuntos em causa, se encontravam disponíveis para consulta e entrega aos associados na sede da cooperativa a partir dia 4.01.2010, às segundas quartas e sextas feiras, das 14 à 18:00 horas.
10ª. As conclusões 22ª a 28ª e 31ª a 38ª , referem-se  à questão da nulidade da deliberação de 16.01.2010. E também em relação a esta mátéria os recorrentes não têm razão. Com efeito,
11ª. Na verdade, a assembleia foi, de facto, convocada e bem convocada, sendo, aliás, o próprio recorrente a confirmar ter recebido a convocatória com a ordem de trabalhos. Deste modo, não se verifica a nulidade da al. a), do art. 56, nº1, do CSC.
12ª. E no que concerne à anulabilidade, o vício que os recorrentes invocam é que a deliberação tomada não constava da ordem de trabalhos da convocatória recebida, o que não é correto;
13ª. Com efeito, consta do ponto 1 daquela convocatória a análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder do recorrente e outro cooperador;
14ª. E na parte final da convocatória ficou consignado que os assuntos em discussão, bem como a documentação respetiva e os assuntos em causa, se encontravam disponíveis para consulta e entrega aos associados na sede da cooperativa a partir dia 4.01.2010, às segundas quartas e sextas feiras, das 14 à 18:00 horas;
15ª. Ora, ficou assente que o recorrente esteve presente na citada assembleia geral, na qual lhe foi entregue um conjunto de documentação, nomeadamente a proposta da direção acima referida (nos factos assentes);
16ª. É, assim, seguro que não existe nenhuma irregularidade na convocação da da assembleia, dado que o thema deliberandum estava identificado na convocatória a recorrida, mas também a recorrida ainda fez mais do que lhe era exigível ao apresentar a dita proposta de deliberação.
17ª. Acresce que aquela proposta era clara no sentido de considerar nulas e sem qualquer efeito as transmissões de títulos efetuadas para o recorrente e para outro cooperador;
18ª. Além de que na sentença recorrida se expressou ainda o entendimento que as deliberações tomadas em assembleia irregularmente convocada serão apenas anuláveis,  cfr. art. 58º, nº 1, al. a), do CSC; e
19ª. Que as causas de anulabilidade não podiam ser analisadas naquela decisão, uma vez que a ação de anulação estava afetada de caducidade; e que só o vício da nulidade podia ser apreciado, já que podia ser conhecido a todo o tempo atento o disposto no art. 286º do C.Civ.
20ª. Ainda no que concerne ao alegado pelos recorrentes nas conclusões 36º a 38º, não estava em causa na citada assembleia a exclusão do recorrente, mas tão-somente a questão da eventual nulidade da transmissão de títulos efetuadas para o recorrente e para um outro individuo.
21ª. Acresce ainda, por um lado, que da ata apenas ficou a constar que a proposta apresentada pela direção foi aprovada pela maioria de 14 votos favoráveis, 2 votos contra e nenhuma abstenção, e não a forma de votação.
22ª. Por outro lado, a expressão “incidência pessoal”, referida no art. 43º, nº4, do C. Cooperativo, terá que ser entendida como sinónimo de “assuntos pessoais”, ou do foro pessoal, o que não era o caso.
23ª. Com efeito, não estava em causa uma questão desse tipo, mas sim uma questão jurídica e adjetiva.
24ª. Finalmente, as conclusões 29º e 30º respeitam ao abuso de direito. E como é sabido este instituto aplica-se apenas em casos excecionais, ou seja, em situações limite, o que não é, manifestamente, o caso dos autos, dado que a recorrida exerceu de boa-fé o seu direito.
25ª. Em suma, a sentença recorrida não violou qualquer norma substantiva ou processual, pelo deverá ser negado provimento ao recurso.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas. se fará justiça.


II – Factos Provados


(apreciação da arguida caducidade)

1. - a ré convocou, nomeadamente, o autor marido para a assembleia geral extraordinária, a realizar no dia 16 de Janeiro de 2010, na sede da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) e D (...) (…);
2. - o autor marido esteve presente na citada assembleia geral de 16.01.2010, na qual lhe foi entregue um conjunto de documentação, nomeadamente uma proposta da direcção, que dizia o seguinte:
“Após a análise efectuada pela Direcção e o PARECER dos Advogados F (...) e G (...) , somos a concluir que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e de sem qualquer validade ou efeito”;
3. - nessa acta, colocada à votação a proposta da direcção no sentido de “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito”, foi a mesma aprovada pela maioria de 14 votos favoráveis, dois votos contra e nenhuma abstenção;
4. - o autor marido foi um dos que votou contra e saiu da sala após a votação;
5. - o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, apenso a esta acção, foi interposto a 26 de Janeiro de 2010;
6. - a acção principal a pedir a declaração de nulidade ou anulabilidade da deliberação da assembleia da ré, de 16 de Janeiro de 2010, na parte relativa ao ponto 1, onde se decidiu que “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito”, foi intentada no dia 4 de Março de 2010.


(apreciação da nulidade da deliberação social)

1. - a ré convocou, nomeadamente, o autor marido para a assembleia geral extraordinária, a realizar no dia 16 de Janeiro de 2010, na sede da Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Coimbra, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) e D (...) (…);
a documentação respectiva e os assuntos em causa encontravam-se disponíveis para consulta e entrega aos associados na sede da cooperativa a partir do dia 4.01.2010, às segundas, quartas e sextas feiras, das 14 às 18:00 horas.
2. - o autor marido esteve presente na citada assembleia geral de 16.01.2010, na qual lhe foi entregue um conjunto de documentação, nomeadamente uma proposta da direcção, que dizia o seguinte:
“Após a análise efectuada pela Direcção e o PARECER dos Advogados F (...)e G (...), somos a concluir que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e de sem qualquer validade ou efeito”;
3. - nessa acta, colocada à votação a proposta da direcção no sentido de “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito”, foi a mesma aprovada pela maioria de 14 votos favoráveis, dois votos contra e nenhuma abstenção;
4. - o autor marido foi um dos que votou contra e saiu da sala após a votação;
5. - o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, apenso a esta acção, foi interposto a 26 de Janeiro de 2010;
6. - a acção principal a pedir a declaração de nulidade ou anulabilidade da deliberação da assembleia da ré, de 16 de Janeiro de 2010, na parte relativa ao ponto 1, onde se decidiu que “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito”, foi intentada no dia 4 de Março de 2010.


III – Do Direito


1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, do CPC).
Nesta conformidade as questões a decidir são as seguintes.
- Nulidade da sentença.
- Caducidade da acção.
- Nulidade da deliberação.

2. É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nos termos do art. 668º, nº 1, 1ª parte, do CPC, que é uma disposição que se relaciona intimamente com o disposto no art. 660º, nº 2, 1ª parte, do mesmo diploma, onde se dispõe que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Quer isto dizer que o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas, e de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 3. ao primeiro artigo indicado, pág. 704).
Portanto, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção – cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão – constitui nulidade.
Na decisão recorrida escreveu-se que:
“A questão a decidir é a seguinte: determinar se proposta a providência cautelar de suspensão de deliberação social, haverá ainda que, antes dela ser julgada, propor a acção de anulação, para se não deixar esgotar o prazo de 30 dias referidos no artº. 59, nº. 2, do CSC, ou se, pelo contrário, os requerentes têm a possibilidade de, nos termos do artº. 389, nº. 1, al. a), do CPC, propor a acção de anulação nos 30 dias posteriores à notificação do deferimento da providência cautelar.
Há duas correntes a propósito da contagem desse prazo (artº. 59, nº.2, do CSC), quando também tiver sido requerido o procedimento cautelar:
- uma corrente minoritária, que defende que o requerente da providência dispõe do prazo de 30 dias para instaurar a acção de anulação, depois de ser notificado do deferimento da mesma;
- uma corrente maioritária, que entende que os prazos dos artºs. 389, nº. 1, al. a), do CPC, e 59, nº. 2, al. a), do CSC, são diferentes e possuem natureza distinta, pois o previsto na 1ª. norma é processual, enquanto o outro é substantivo.
Optamos pela tese maioritária, a qual, doutrinariamente, é defendida pelo Prof. A. dos Reis 4V. “CPC Anotado”, I vol., p. 636., que refere “Já se pretendeu atribuir à primeira parte do nº. 1, do artº. 387 (actual 389) alcance diverso do que ele tem na realidade. O disposto neste artigo nada tem que ver com as regras e direito substantivo que fixam, sob pena de caducidade, o prazo para a proposição de determinadas acções; o que aqui se estabelece é o regime de caducidade das providências cautelares; este regime é absolutamente independente do regime de caducidade da acção principal”.
Contrariamente ao instituto da prescrição, a caducidade não se suspende, nem interrompe senão nos casos em que a lei o determine, ou seja, com a proposição da acção, estando em causa a anulabilidade de deliberação social (v. artºs. 328, do Código Civil e 59 do CSC).
Aníbal de Castro 5In “A Caducidade”, Petrony 1984, p. 75-76, estabelece que: “A providência cautelar, preventiva ou conservatória, constitui simples motivo ou razão auxiliar, preliminar ou incidental, da pretensão material objecto da acção, não participando casualmente da apreciação jurisdicional daquela, por não integrar elemento ou requisito constitutivo da relação jurídica objectiva, subjacente ao direito de acionar”.
“Daí que não se projecte para além das regras formais ou processuais, integrando-se apenas no âmbito das mesmas, não lhe sendo aplicável a disciplina própria do direito de acionar de natureza exclusivamente substantiva ou material…”.
Portanto, o pedido cautelar preliminar não deve ser considerado idóneo para impedir a caducidade.
No sentido ora tomado podemos ver o Ac. do TRCoimbra de 12.12.2000 6Cfr. CJ 2000, T. V, p.38. e Ac. do TRCoimbra de 19.02.2002 7V. CJ 2002, T. I, p.34 e ss.
Na doutrina, para além da menção ao Prof. A. dos Reis, temos Moitinho de Almeida, in “Anulação e Suspensão de deliberações sociais”, p. 54, e Lobo Xavier, in “Anulação de deliberações sociais”, 1976, p. 95.
Assim sendo, conclui-se que a lei não atribui à providência cautelar o efeito de interromper os prazos de caducidade 8V. BMJ 252, p.174; a suspensão das deliberações sociais fica sem efeito se a acção de anulação não for proposta no prazo 9V. BMJ 336, p.445 do artº. 59, nº. 2, do CSC” – fim de transcrição.
Vê-se, assim, que a sentença recorrida conheceu da excepção de caducidade invocada pela recorrida.
A nulidade arguida pelos apelantes assenta na imperatividade de a julgadora dever ter-se pronunciado sobre a questão da contagem do prazo relativo ao conhecimento da acta, o que não o fez. Porém, a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica que as partes hajam invocado, diferentes da adoptada na sentença, não gera nulidade. Na verdade, o Juiz não é obrigado a ponderar todas as razões, considerações ou argumentos esgrimidos pelas partes (vide A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 143 e L. Freitas, ob. cit., nota 2. ao referido artigo 660º, pág. 680).
Pode, nessa hipótese, a decisão ficar enfraquecida quanto ao seu valor doutrinário ou de convencimento, mas o que importa é que conheça da questão que lhe é posta, seja com maior ou menor valor técnico-jurídico.
Mais, a não ponderação desses argumentos ou linha de fundamentação jurídica brandidos pela parte pode até vir a gerar erro de julgamento com prolação de uma decisão errada, mas nessa situação o erro corrige-se através de recurso, não através da figura da nulidade da sentença.     
Não se verifica, assim, a acusada nulidade.
3. A deliberação social tomada no dia 16.1.2010 foi decidida em assembleia geral de uma cooperativa.
Nos termos do disposto no art. 9º, do Código Cooperativo, aplicam-se subsidiariamente às cooperativas as normas do Código das Sociedades Comerciais. Assim sendo, o disposto no art. 59º, nº 2, do CSC, tem aqui razão para ser invocado e aplicado.
Os recorrentes pretendem a anulação de tal deliberação social.
A norma antes citada prevê que “O prazo para a proposição da acção de anulação é de 30 dias contados a partir: a) da data em que foi encerrada a assembleia geral”.
A apelada alegou a caducidade da presente acção com base nesse normativo, enquanto os apelantes pugnam, num primeiro momento, pela aplicação do prazo de caducidade previsto no art. 389º, nº 1, a), do CPC.
A decisão recorrida colocou bem a questão a resolver: da caducidade de uma acção de anulação de deliberação social quando antes tenha sido proposta a providência cautelar de suspensão de deliberação social.
A corrente que defende que o requerente da providência dispõe do prazo de 30 dias para instaurar a acção de anulação, depois de ser notificado do deferimento da mesma, independentemente do decurso do prazo de 30 dias referido no aludido art. 59º, nº 2, a), do CSC, é muito minoritária, resumindo-se doutrinalmente, ao que pudemos captar, à posição defendida por Pinto Furtado, em Deliberações dos Sócios, Comentário ao CSC, págs. 508/514.
Enfileiramos com a corrente largamente maioritária, ou praticamente unânime, que entende que os prazos dos arts. 389º, nº 1, a), do CPC, e 59º, nº 2, a), do CSC, são diferentes e correm paralelamente.
Efectivamente o prazo previsto neste último normativo é de caducidade, como resulta do art. 298º, nº 2, do Código Civil, que reza que quando por força da lei um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade (a menos que a lei refira expressamente a prescrição, o que não é o caso), caducidade essa que não se suspende nem interrompe senão nos casos em que a lei o determine (art. 328º do CC), pelo que só com a propositura da acção se impede a caducidade da acção de anulação de deliberação social (arts. 331º, nº 1, do CC e 59º do CSC). Já no prazo referido naquele normativo do CPC o que aí se regula é o regime de caducidade das providências cautelares.
Portanto, o prazo para a propositura da acção não se suspende ou interrompe com a instauração prévia do procedimento cautelar.
Além da doutrina e jurisprudência citada na decisão recorrida, pode ver-se, abundantemente, no mesmo sentido outros autores e arestos: temos L. Brito Correia, em D. Comercial, 3º vol., 1992, págs. 279/280 e 366, Meneses Cordeiro, em Manual do Direito das Sociedades, I, 2ª Ed., págs. 751/752, Moitinho de Almeida, em Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, 3ª Ed., pág. 61, L. Freitas, ob. cit., nota 5. ao artigo 396º, pág. 97, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do P. Civil, Vol. IV, 4ª Ed., págs. 106; Acds. do STJ, de 13.5.2004, Proc.04A1519, de 23.9.2003, Proc.02B2465, de 23.4.2002, Proc.02A1053, disponíveis em www.dgsi.pt, de 19.9.2002, Rev. Nº 2388/02-2ª, em Sumários 9/2002, de 29.3.2000, BMJ 495, pág. 334, de 11.5.99, BMJ, 487, pág. 249, de 5.3.1992, Proc.081491, da Rel. Porto, de 18.10.2005, Proc.0524881, no indicado sítio.
Desta sorte, não há censura a fazer à sentença recorrida, visto que a acção a pedir a declaração de anulabilidade da deliberação social da recorrida de 16.1.2010 só foi intentada no dia 4.3.2010, muito para além do referido prazo de 30 dias.   
Objectam, num segundo momento, os apelantes que, como a instância esteve suspensa desde a data da entrada do requerimento de procedimento cautelar (26.1.2010) até à apresentação da acta pela recorrida (22.2.2010), o prazo de caducidade não ocorreu a 15 de Fevereiro, pois os recorrentes tinham até ao 15 de Março de 2010 o tempo disponível para propor a acção de anulação. É assim, porquanto só com o teor integral da acta é que os recorrentes poderiam invocar quais os concretos factos que levam à anulabilidade e nulidade da deliberação em causa, pelo que a deliberação sem acta tem simplesmente a sua eficácia suspensa.  
Esta construção jurídica que os apelantes levam a cabo é tortuosa e arrevesada. Expliquemos.
Quando se apresenta o requerimento inicial de uma providência cautelar de suspensão de deliberação social o mesmo deve ir instruído com cópia da acta da assembleia que tomou a deliberação, excepto se alegar que lhe não foi fornecida cópia da acta, hipótese em que a citação da requerida é feita com a cominação de que a contestação não será recebida sem vir acompanhada da cópia (arts. 396º, nº 2, e 397º, nº 1, do CPC). Em lado algum se prevê, assim, qualquer suspensão da instância da providência cautelar.
Nem tão-pouco a deliberação sem acta fica suspensa, porquanto a lei determina injuntivamente que a suspensão da execução da dita deliberação seja requerida no prazo legal indicado, a contar da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas, ou, se o requerente não tiver sido regularmente convocado para a assembleia, da data em que ele teve conhecimento da deliberação (art. 396º, nº 1 e 3, do CPC). É que se não for requerida a suspensão da dita deliberação no prazo indicado, caduca o exercício do direito a ver tal deliberação suspensa.
Como se vê, neste âmbito da providência cautelar de suspensão da deliberação social a não junção ou o não fornecimento da acta, em suma a sua falta momentânea, não tem, como pretendem os recorrentes, a virtualidade de suspender a instância cautelar, nem a de suspender a deliberação em si.
O mesmo se passa na acção de anulação da deliberação social, quanto à pretensa suspensão da eficácia da deliberação, pois o art. 59º, nº 4, do CSC, é cristalino nesse sentido, ao estatuir que a proposição da acção de anulação não depende de apresentação da respectiva acta (na espécie em julgamento os recorrentes até já tinham a acta pois receberam-na, conforme dizem, em 22.2.2010 e propuseram a acção de anulação em 4.3.2010). De facto, não existe na letra da lei qualquer correspondência verbal, mínima que seja, no sentido de o prazo para intentar a acção se contar apenas a partir do momento em que o autor tenha acesso ao teor da acta. O legislador não estabeleceu, por isso, qualquer excepção nesta matéria, não concedeu qualquer prazo adicional mesmo no caso de se suspeitar que a acta poderá não vir a corresponder com fidelidade ao que efectivamente se passou na assembleia, garantia de fidelidade que, aliás, inexiste relativamente à acta de qualquer assembleia (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 31.10.2006, Proc.06A2734, em www.dgsi.pt, apropriadamente citado pela recorrida).
Nessa acção pode é dar-se uma suspensão da instância após a propositura da mesma, pelo prazo aí indicado, se o autor invocar impossibilidade de obter a acta, caso em que o juiz manda notificar quem deva assinar a acta para ser apresentada em tribunal, ficando a instância suspensa até à apresentação.
Sintetizando, não há qualquer suspensão da deliberação motivada pela falta da acta, quer na providência cautelar de suspensão quer na acção de anulação. Naquela primeira não há suspensão da instância, por falta de tal acta, podendo nesta segunda haver suspensão da instância.
Mas é preciso não confundir as coisas, o que os apelantes obviamente fazem. Defendem uma suposta suspensão da instância, que não existe, na providência cautelar e ainda para mais queriam importá-la, convenientemente, para a acção de anulação. Depois a suspensão da instância que se pode verificar na acção de anulação é a desta própria acção não é suspensão da propositura da mesma acção. Situações bem diferentes, pois.
E a desatenção dos recorrentes vai até ao ponto de citarem jurisprudência que não trata da situação dos autos. Na realidade, tem sido entendimento corrente da jurisprudência que o art. 59º, nº 2, do CSC contém uma lacuna, pois não previu a situação de o sócio ter sido irregularmente convocado para a assembleia, nela não tendo estado presente, ficando por saber, então, desde quando começa a correr o prazo para a acção de anulação. Tendo a jurisprudência vindo a dar como solução para o caso que o prazo legal começa a correr desde a data em que ele teve conhecimento da deliberação, por aplicação analógica do art. 59º, nº 2, c), do CSC, do referido art. 396º, nº 3, do CC, e do art. 178º, nº 2, do CC (vide Acds. do STJ de 5.2.2002, Rev. Nº 4347/01-6ª, Sumários, 2/2002, de 24.1.2002, Rev. Nº 4148/01-7ª, Sumários, 1/2002, de 25.5.1999, CJ, STJ, T. 2, pág. 118, de 18.11.1997, BMJ, 471, pág. 416, e da Rel. Coimbra, de 15.5.2001, Proc.627-2001, em www.dgsi.pt).
Mas, realce-se, que essa não é a hipótese dos autos, pois não só não se mostra que o recorrente tivesse sido irregularmente convocado para a assembleia de 16.1.2010, como se comprovou que o mesmo esteve presente e votou (factos 1. a 4.).  
Não procede, pelo exposto esta parte do recurso.       
4. As deliberações sociais podem enfermar de nulidade ou anulabilidade, sendo a regra a da anulabilidade, que ocorre sempre que a lei não determina a nulidade, tal como dispõe o art. 58º, nº 1, a), do CSC.
As causas de nulidade das deliberações sociais são as enumeradas no art. 56º, nº 1, do CSC - aplicáveis no caso por força do citado art. 9º, do C. Cooperativo:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados;

c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberações dos sócios;
d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem por vontade unânime dos sócios.
Na mesma decisão apelada deixou-se dito que:
“Por regra, os vícios no conteúdo geram anulabilidade quando se trate da violação de uma regra do contrato ou de uma norma legal dispositiva; enquanto a consequência é a nulidade para os casos em que é afectada uma norma legal imperativa (ou a ordem pública ou bons costumes) 11Cfr. Pedro Maia, in “Deliberações dos Sócios”, in Estudos de Direito das Sociedades, 5ª. ed., p. 186 e ss.. 
(…)
As hipóteses de nulidade são tidas como típicas 13Cfr. J. Oliveira Ascensão, in “Invalidades das Deliberações dos Sócios”, p. 377, artigo inserido na Revista do IDET, “Problemas do Direito das Sociedades”, Almedina, Abril de 2003 à luz do artº. 56, do CSC, em confronto com o artº. 58, nº. 1, al. a), do mesmo Código.
No caso presente, a assembleia foi, de facto, convocada e bem convocada. Aliás, é o próprio autor marido a confirmar ter recebido a convocatória com a ordem de trabalhos.
A nulidade da al. a), do artº. 56, nº.1, do CSC, respeita A UMA ASSEMBLEIA NÃO PRECEDIDA DE QUALQUER CONVOCATÓRIA, ou seja, não precedida de qualquer convocatória, mas, ainda assim, alguns sócios reuniram-se e adoptaram deliberações 14V. “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Almedina, vol. I, p. 656.
É o caso de uma reunião que se assumiu como assembleia da sociedade, com imputação a esta das deliberações tomadas, mas em que pelos sócios foram preteridas as formalidades para a regular realização da assembleia (a convocação, ou a presença de todos com os acordos referidos no nº. 1, do artº. 54, do CSC) 15Exemplo retirado do artigo de Filipe Cassiano dos Santos e de Hugo Duarte Fonseca, in “Inexistência e Nulidade de Deliberações Sociais”, p. 56, inserido na Revista do IDET, “Direito das Sociedades em Revista”, Março de 2012, Ano 4, Vol. 7, semestral, Almedina. As deliberações aí tomadas são, pois, nulas.
Não é, de todo, o caso aqui trazido, pois a assembleia geral extraordinária foi convocada e bem.
O vício que, de facto, é apontado pelos autores diz respeito não à não convocação da assembleia geral, mas possui atinência com a figura da anulabilidade, pois argumentam que a deliberação tomada não constava da ordem de trabalhos da convocatória recebida.
Ora, as deliberações tomadas em assembleia irregularmente convocada serão apenas anuláveis 16V. “C.S.C. Jurisprudência e doutrina”, de Abílio Neto, 3ª. ed. maio 2005, p. 167, ainda actual. (v. artº. 58, nº. 1, al. a), do CSC).
Porém, as causas de anulabilidade não podem aqui ser analisadas, uma vez que a acção de anulação de deliberação social se mostra afectada de caducidade, já reconhecida anteriormente.
(…)
…de acordo com a matéria assente, na ordem de trabalhos já constava no Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) e D (...) (…), sendo que a documentação respectiva e os assuntos em causa encontravam-se disponíveis para consulta e entrega aos associados na sede da cooperativa a partir do dia 4.01.2010, às segundas, quartas e sextas feiras, das 14 às 18:00 horas.
Donde, não há qualquer ausência de informação na ordem de trabalhos fixada na convocatória para se ter adoptado a deliberação, a 16.01.2010, no sentido de “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) e D (...), são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito”, não se encontrando a mesma afectada do vício mais gravoso: a nulidade …
Isto é, a deliberação acima referenciada não se mostra afectada, nos moldes aduzidos pelos autores – expressamente alegaram o vício do artº. 56, nº. 1, al. a), do CSC -, de qualquer nulidade, muito menos aquela que vem prevista no artº. 50, do Cód. Cooperativo… pelo que a acção está votada ao insucesso.
Entendemos, pois, que não existe qualquer vício de procedimento no caso em apreciação, que afecte a deliberação da forma mais gravosa: a nulidade.
Assim sendo, a análise do segundo pedido (de indemnização, para o qual não foram alegados factos concretos, mesmo depois de notificados os autores para esse efeito), que dependia da declaração de nulidade ou de anulabilidade (vício este que não pode ser apreciado, pois a acção, nesta parte, está caduca) da deliberação social acima citada, fica completamente prejudicada” – fim de transcrição.
No seu recurso os apelantes contestam o decidido com base essencialmente em 6 fundamentos.
O 1º é que não foi facultado ao recorrente o direito mínimo à informação previsto no art. 288º do CSC, pois a proposta da direcção “Após a análise efectuada pela Direcção e o PARECER dos Advogados …, somos a concluir que as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os Senhores A (...) …, são consideradas nulas e de sem qualquer validade ou efeito” que veio a ser aprovada, deliberação que os apelantes pretendem seja declarada nula, apenas lhe foi entregue na data da assembleia geral.
Em primeiro lugar, é de salientar que o art. 288º do CSC invocado contempla nas diversas alíneas do seu nº 1, hipóteses completamente inaplicáveis ao caso em apreço, pois respeitam à consulta de documentos relativos a relatórios de gestão e prestação de contas, remunerações pagas, registo de participações sociais e consulta de convocatórias, actas e lista de presenças de anteriores assembleias - alíneas a) a e).
Em segundo lugar o direito mínimo à informação que interessa considerar para efeitos de acção de anulação de deliberação social é o previsto nos arts. 58º, nº 1, c), e nº 4, do CSC, ou seja as menções exigidas pelo art. 377º, nº 8, do CSC, nomeadamente a que se consubstancia em fazer constar do aviso convocatório para a assembleia a menção clara do assunto sobre o qual a deliberação será tomada, e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.
Certo é que a infracção do direito mínimo à informação implica a anulabilidade da deliberação, e a anulabilidade, a ter-se eventualmente verificado, já não pode ser declarada, por a respectiva acção ter caducado, como a sentença declarou e como, neste acórdão, mais acima vimos e confirmámos.
Este fundamento de recurso não tem, pois, razão de ser.    
Obtemperam também os recorrentes que a proposta da direcção que veio a ser aprovada pela deliberação impugnada não constava da ordem de trabalhos.
Nos termos do art. 377º, nº 5, e), do CSC, a convocatória para a assembleia geral deve conter a ordem do dia, impondo o referido nº 8, do mesmo artigo, que o aviso convocatório para a assembleia deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Se assim não for a deliberação será anulável. Não exige, assim, a lei que da convocatória conste a proposta de deliberação da direcção, pois essa deve ser facultada á consulta na sede social em período anterior à assembleia, na fase das informações preparatórias da mesma, como decorre limpidamente do art. 289º, nº 1, c) do CSC.
Contudo o C. Cooperativo introduz um desfasamento em relação à codificação societária, pois o seu art. 50º estatui, ao invés, a nulidade da deliberação tomada sobre matéria que não conste da ordem dos trabalhos fixada na convocatória.
Na espécie, não há porém qualquer nulidade. Efectivamente, do aviso convocatório (facto 1.) consta a ordem dos trabalhos e claramente o assunto a tratar. Está lá preto no branco que era “Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) …”. Era, assim, bem claro o thema deliberandum (cfr. neste sentido P. Furtado, ob. cit., págs. 413/417, e o Ac. do STJ, de 10.1.2012, Proc.515/07.0TBAGD, em www.dgsi.pt). 
Por aqui, também, não se verifica qualquer nulidade.
O 3º fundamento é, como o dizem os apelantes de modo pragmático, que o recorrente foi expulso da recorrida como cooperante, pelo que a deliberação é nula, por ter sido violado o art. 37º do C. Cooperativo, designadamente na sua vertente procedimental, estabelecida no nº 5 do mesmo preceito.
Não concordamos. Basta ler a deliberação – “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) … são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito” – para se concluir que assim não é, pois a deliberação tomada não decidiu expulsar o recorrente. Só podia haver expulsão se o recorrente fosse pressupostamente cooperante.
Ora, pelo contrário, podemos pragmaticamente concluir que através dessa deliberação acabou por não ser reconhecido ao recorrente essa qualidade de cooperante, isto é, foi considerado que o apelante não é cooperante.
Por aqui, também, mais uma vez, não se verifica qualquer nulidade.
Objectam, igualmente, os recorrentes, ainda relacionado com o ponto anterior, que tendo em conta o carácter pessoal da votação, que mais não era que a expulsão do recorrente, tal votação deveria ter ocorrido por escrutínio secreto, conforme comanda o art. 43º, nº 4, do C. Cooperativo.
Contudo este fundamento jurídico não foi apresentado nos articulados dos recorrentes, não tendo sido alegado quer na p.i., quer na resposta, e por isso não foi objecto de apreciação pelo tribunal recorrido.
Trata-se, portanto, de uma questão nova. Ora já foi dito e redito, infindavelmente, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Não cabe, pois, aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la. Podem, contudo, os tribunais de recurso conhecer as questões novas que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso dos autos (vide L. Freitas, ob. cit., Vol. 3º, 2ª Ed., nota 5. ao art. 676º, pág. 7/8, e jurisprudência aí mencionada).
Tratando-se, por isso, de uma questão nova, não pode, agora, ser conhecida em fase de recurso.   
De todo o modo, sempre se dirá, que a argumentação jurídica dos recorrentes seria improcedente, pois já se disse e repete que o ora recorrente não foi expulso, quedando, assim, inaplicável tal tipo de consideração ou motivação.
Este fundamento de recurso está, assim, votado ao insucesso.
O 5º fundamento tem a ver com o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que os recorrentes invocam existir na conduta da recorrida (vide as conclusões 29. e 30.). Na p.i. os recorrentes já tinham invocado tal figura e alegaram vários factos sobre esta matéria a que a recorrida contrapôs outros, na contestação. O que quer dizer que o acervo factual integrante de tal figura jurídica teria de ser, em princípio, objecto de selecção da matéria de facto, o que não aconteceu. Inclusive, na decisão recorrida não se dedicou uma única palavra a tal questão, o que corresponde a uma omissão de pronúncia, nulidade da sentença que, todavia, não foi arguida pelos recorrentes.
Como, porém, tem sido pacificamente entendido que a figura do abuso de direito é de conhecimento oficioso, não há óbice a que conheçamos agora a questão (e se for necessário ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para selecção da correspondente matéria de facto).
O abuso de direito vem genericamente previsto no art. 334º do CC, onde se dispõe que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Na modalidade da boa fé, uma das suas vertentes, uma das mais relevantes, é a do venire contra factum proprium, que os recorrentes justamente invocam.
Transpondo este instituto e suas modalidades para o campo das deliberações sociais, o legislador consagrou no campo da anulabilidade as deliberações que representem exercício do direito de voto abusivo (art. 58º, nº 1, b), do CSC). Não interessa ao nosso caso, porque não foi alegado nem de direito nem factualmente pelos AA/recorrentes e porque se cinge ao campo da anulabilidade e não da nulidade, que é o que aqueles defendem existir.
Consagrou, também, mas agora como nulas, as deliberações que pelo seu conteúdo seja ofensivo dos bons costumes (vide o supra transcrito art. 56º, nº 1, d), 1ª parte, do CSC).
Como se diz no Ac. do STJ de 12.6.1996, Proc.96B071, em www.dgsi.pt, o conceito de bons costumes recebido no referido art. 56º, nº 1, d), do CSC, bem mais restrito que o de boa fé, é de natureza indeterminada e refere-se à moral social nas áreas da liberdade, da conduta sexual e familiar e da deontologia profissional (pode ver-se no mesmo sentido P. Furtado, ob. cit., págs. 327/340, L. Brito Correia, ob. cit., págs. 201/202, e M. Cordeiro, ob. cit., págs. 724/726).      
Também não interessa ao nosso caso, porque não foi alegado nem de direito nem factualmente pelos AA/recorrentes que a deliberação tomada violava os referidos bons costumes.
Quanto às deliberações abusivas por excederem manifestamente os limites impostos pela boa fé, designadamente na aludida vertente do venire, e pelo fim social ou económico do direito, estamos firmemente crentes que, a verificarem-se, gerarão anulabilidade, a anulabilidade residual estabelecida no art. 58º, nº 1, a), 1ª parte, do CSC, para a violação de lei, e não nulidade, pois não estão previstas no elenco tipificado do citado art. 56º do CSC (pode consultar-se neste sentido J. Coutinho de Abreu, Código das Sociedades em Comentário, Vol. I, nota 4.1. ao artigo 58º, págs. 681/682, P. Furtado, ob. cit., pág. 396 e 406, M. Cordeiro, ob. cit., pág. 736, Moitinho de Almeida, ob. cit., pág. 118/119, e Carneiro da Frada, Novas Perspectivas do D. Comercial, págs. 322/323).
Sendo assim, como cremos, ergue-se, todavia, um obstáculo de monta, já anteriormente referido. É que a verificação dessa anulabilidade ficou afastada, em virtude de já ter sido decidido que se verificava a caducidade do exercício de direito da acção dos AA/apelantes a pedirem a declaração de anulabilidade da deliberação tomada.   
Por aqui, também, mais uma vez, não se verifica qualquer nulidade.
Finalmente, dizem os apelantes que o conteúdo da deliberação, consideração de que são nulas as transmissões dos títulos de capital efectuadas para o recorrente, não compete à assembleia geral, pois deveria ser precedida de análise e consequente decisão judicial.
Na p.i. os recorrentes já tinham alegado esta questão, sendo um dos fundamentos para pedir a nulidade da deliberação. Mais uma vez na decisão recorrida não se dedicou uma única palavra a tal questão, o que corresponde a uma omissão de pronúncia, nulidade da sentença que, todavia, não foi arguida pelos recorrentes.
Como se pode tratar de uma deliberação nula, nulidade que é de conhecimento oficioso, impõe-se conhecer agora a questão.
Já acima se transcreveu que é nula a deliberação cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios (art. 56º, nº 1, c), do CSC).
A propósito desta alínea tem vindo a doutrina a concitar diversas teses interpretativas. Tais deliberações seriam, antes de mais, as deliberações dos accionistas sobre matérias que estejam compreendidas nas atribuições de outros órgãos da sociedade; ou certos casos de outra índole, como aqueles em que a assembleia geral mal esclarecida sobre os seus poderes, resolve interferir na esfera jurídica de terceiros, geralmente de sócios enquanto terceiros ou de outros terceiros ligados à empresa social, como por exemplo nas hipóteses de a assembleia geral deliberar suspender os pagamentos devidos a gerentes ou a trabalhadores ou diferir a realização de uma prestação do preço do prédio comprado pela sociedade a um sócio; ou as deliberações tomadas sobre assunto fora da capacidade jurídica da sociedade; ou, então, as deliberações com objecto fisicamente impossível (para um panorama geral vide J. Coutinho de Abreu, ob. cit., nota 3.1. ao artigo referido, págs. 659/660, P. Furtado, ob. cit., págs. 316/323, L. Brito Correia, ob. cit., págs. 287, 293 e 295/296, M. Cordeiro, ob. cit., págs. 721/723, Moitinho de Almeida, ob. cit., pág. 50, e Carneiro da Frada, ob. cit., pág. 327/329).
Parece evidente que as deliberações com objecto física ou legalmente impossível são nulas por força da combinação dos arts. 56º, nº 1, d), 2ª parte, do CSC e 280º, nº 1, do CC, não do referido art. 56º, nº 1, c), do mesmo diploma. No nosso caso a deliberação em apreço não reveste tal carácter.
Porque ofendem a norma legal imperativa do art. 6º da CSC, relativa à capacidade das sociedades, também são nulas de acordo com a mesma d), 2ª parte, do nº 1, do art. 56º, mas não do indicado art. 56º, nº 1, c), as deliberações sobre assunto fora da capacidade jurídica da sociedade. No caso em apreço a deliberação não extravasa da capacidade jurídica da cooperativa.
Por sua vez, uma sociedade não pode interferir unilateralmente na esfera jurídica de terceiros, pois a modificação exige o acordo desses terceiros (art. 406º, nº 1, do CC), pelo que uma deliberação desse tipo é nula porque ofensiva de normas legais imperativas, mais uma vez nos termos do apontado art. 56º, nº 1, d), 2ª parte, do CSC, mas não do indicado art. 56º, nº 1, c). O que não é manifestamente o caso dos autos.
Resta a hipótese das deliberações sobre matérias atribuídas por lei imperativa, não aos sócios, mas a outro órgão da sociedade.
Quem defender que a violação da regra imperativa de competência é vício de procedimento, então, não podendo ser colocada na d), 2ª parte, do nº 1, do art. 56º e não devendo sujeitar-se simplesmente à anulabilidade do art. 58º, nº 1, a), necessitará da referida c) para integrar juridicamente a deliberação. Já se for legal-dispositiva ou estatutária a norma atributiva de competência a outro órgão, a deliberação social que a viole é anulável, nos termos do indicado art. 58º, nº 1, a), do CSC.
Quem defender que a violação da regra imperativa de competência é vício de conteúdo, por exemplo porque uma regra legal que atribui competência exclusiva ao conselho de administração em certa matéria significa ao mesmo tempo a proibição da assembleia geral adoptar deliberações cujo conteúdo ultrapasse a esfera da sua competência, entrando naquela matéria, então as deliberações sociais ofensivas de normas legais imperativas de competência importarão a aplicação do mesmo art. 56º, nº 1, d), 2ª parte (cfr. J. Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 661 e L. Brito Correia, ob. cit., pág. 296).        
Não interessa tomar posição concreta no nosso caso, porquanto não se verifica na espécie violação de qualquer regra imperativa de competência. Vejamos.
Como atrás mencionámos, a deliberação social impugnada consubstanciou-se, na prática, num não reconhecimento da qualidade de cooperante ao apelante, o mesmo é dizer que foi considerado que o recorrente não é cooperante.
Ora, neste aspecto, dispõe o C. Cooperativo que podem ser membros de uma cooperativa, todas as pessoas que requeiram à direcção que as admita (art. 31º, nº 1), e mesmo que tenha havido transmissão dos títulos de capital tal transmissão, além de carecer da autorização da direcção, só opera sob condição de o transmissário já ser cooperador ou, então, solicitar a sua admissão à direcção (art. 23º, nº 1). Quer dizer que só se pode ser membro de uma cooperativa depois de um pedido nesse sentido e consequente decisão de admissão da direcção (art. 56º alínea d). A decisão da direcção, seja positiva ou negativa, é, aliás, susceptível de recurso para a assembleia geral (art. 31º, nº 2). Ou seja, em última instância é a assembleia geral que decide da admissão ou não de uma pessoa como membro da cooperativa. Também é a assembleia geral que delibera em exclusivo sobre a exclusão de cooperadores (art. 37º, nº 1, e 49º, alínea l). E a assembleia geral é o órgão supremo da cooperativa, sendo as suas deliberações obrigatórias para os restantes órgãos da cooperativa, designadamente para a direcção, e para todos os seus membros (art. 44º, nº 1).
Não existe, contudo, qualquer norma que disponha sobre a competência de qualquer órgão social para decidir sobre o reconhecimento ou não reconhecimento de alguma pessoa que se arrogue como cooperante.
Conjugando as diversas disposições legais referidas com o princípio societário e cooperativo de que a assembleia geral é soberana, por ser o órgão supremo da sociedade/cooperativa, podemos raciocinar no seguinte sentido: Se inexiste preceito legal que disponha sobre a competência de qualquer órgão social para decidir sobre o reconhecimento ou não reconhecimento de alguma pessoa que se arrogue como cooperante, e se a assembleia geral é o órgão máximo da cooperativa, que delibera exclusivamente sobre a exclusão de cooperantes e em última instância sobre a admissão ou não admissão de membros da cooperativa, também não lhe está vedado, por maioria de razão, deliberar sobre o reconhecimento ou não reconhecimento de alguma pessoa que se arrogue como cooperante.
E, por conseguinte, podemos extrair a seguinte conclusão: A deliberação social impugnada pelos apelantes não proveio de órgão social que não tinha competência para tanto.
Como assim não se mostra preenchido o referido art. 56º, nº 1, c), do CSC, não sendo a apontada deliberação nula.  
5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CSC):
i) Só é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, nos termos do art. 668º, nº 1, 1ª parte, do CPC, isto é, o juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas, e de todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer;
ii) Já não se verifica a apontada nulidade se o juiz omitir a consideração de linhas de fundamentação jurídica que as partes hajam invocado, diferentes da adoptada na sentença, pois o juiz não é obrigado a ponderar todas as razões, motivos ou argumentos esgrimidos pelas partes;
iii) Os prazos previstos nos arts. 59º, nº 2, do CSC e 389º, nº 1, a), do CPC, são autónomos ou independentes, designadamente quanto aos seus efeitos; o decurso do primeiro desencadeia a caducidade do direito de propositura da acção de anulação de deliberação social, enquanto o segundo implica a caducidade da providência cautelar de suspensão da deliberação;
iv) A pendência de tal providência cautelar não impede o decurso do prazo do citado art. 59º, nº 2;
v) Face ao disposto no art. 59º, nº 4, que estatui que a proposição da acção de anulação de deliberação social não depende de apresentação da respectiva acta, não é possível sustentar que o prazo para intentar a acção se conta apenas a partir do momento em que o autor tenha acesso ao teor da acta;
vi) O direito mínimo à informação que interessa considerar para efeitos de acção de anulação de deliberação social é o previsto nos arts. 58º, nº 1, c), e nº 4, do CSC, ou seja as menções exigidas pelo art. 377º, nº 8, do CSC, nomeadamente a que se consubstancia em fazer constar do aviso convocatório para a assembleia a menção clara do assunto sobre o qual a deliberação será tomada, e a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato; a infracção do direito mínimo à informação implica a anulabilidade da deliberação;
vii) Constando do aviso convocatório para a assembleia geral a ordem dos trabalhos e o assunto a tratar – “Ponto 1: Análise, discussão e votação das medidas a tomar referentes aos títulos de capital em poder dos Senhores A (...) …” - era claro o thema deliberandum, pelo que inexiste a nulidade de deliberação prevista no art. 50º do Código Cooperativo a propósito de deliberação não constante da ordem de trabalhos;
viii) A seguinte deliberação de uma cooperativa – “as transmissões dos Títulos de capital efectuadas para os senhores A (...) … são consideradas nulas e sem qualquer validade ou efeito” – não corresponde a uma expulsão, por esta pressupor a qualidade de cooperante, sendo, antes, uma deliberação que acaba por não reconhecer essa qualidade ao ora recorrente, que considera que o mesmo não é cooperante;
ix) A deliberação social abusiva por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, designadamente na vertente do venire contra factum proprium, e pelo fim social ou económico do direito, gera a anulabilidade estabelecida no art. 58º, nº 1, a), 1ª parte, do CSC, e não nulidade, pois não está prevista no elenco tipificado do art. 56º do CSC;
x) A deliberação social de uma assembleia geral de uma cooperativa, que se consubstancia num não reconhecimento da qualidade de cooperante de pessoa que a tal se arroga, o mesmo é dizer que foi considerado que ela não é cooperante, não padece da nulidade prevista no art. 56º, nº 1, c), do CSC, por não violar nenhuma regra imperativa de competência de outro órgão social prevista no C. Cooperativo.


IV - Decisão


Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se mantendo a decisão recorrida.  
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Custas pelos recorrentes.
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Coimbra, 10.9.2010

Moreira do Carmo (Relator)
Fernando Monteiro
Inês Moura