Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1447/07.7TBCVL – A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GONÇALVES FERREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
LETRA
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 55.º, N.º 1 E 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGOS 11.º; 13.º; 16.º DA LULL
Sumário: 1. A questão da legitimidade em processo executivo resolve-se através do mero exame do título.

2. É portador legítimo de uma letra quem justifica a sua posse por uma série ininterrupta de endossos.

3. O endosso por procuração não transmite os direitos inerentes à letra, mas habilita, tão-só, o endossado a cobrá-la em nome e por conta do mandante.

4. A inserção no endosso da expressão “efeito registado em carteira”configura a hipótese de endosso por procuração.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



I. Banco Português de Negócios, com sede na Avenida de França, 680/694, no Porto, instaurou, no 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, execução comum contra A....e B...., ambas com sede …… na mesma cidade, na Rua ……., e contra C...., com residência, também, na dita cidade, na Rua da Calva, n.º 5, com vista a obter pagamento da quantia de € 90.834,40, acrescida de juros vencidos até 08.10.07, no montante de € 1.682,17, de imposto de selo sobre os juros vencidos, no valor de € 67,29, e de juros vincendos e respectivo imposto de selo, alegando, quanto aos executados B...., A....e C...., ser portador de três letras sacadas pelo primeiro, aceites pelo segundo e endossadas pelo terceiro, não pagas nas datas dos respectivos vencimentos, e, quanto aos executados D....e mulher E...., a constituição de hipoteca voluntária para garantia de todas e quaisquer obrigações assumidas pelo executado A....perante o banco exequente.
Oportunamente, vieram os executados B.... e C.... deduzir oposição à execução, com os seguintes fundamentos:
A cumulação inicial de execuções não é legalmente admissível, por não existir unidade de obrigação em relação a todos os executados.
O banco exequente não é parte legítima, por não figurar nas letras dadas à execução como credor, mas, sim, como mero procurador do endossante, uma vez que das mesmas consta a expressão “efeito registado em carteira”, que traduz um endosso impróprio e o habilita, tão somente, a cobrar as importâncias nelas insertas.
O executado C.... não deve a importância de € 69.843,00, constante de uma das letras, na medida em que esta foi emitida para pagamento de fios que adquiriu para tecelagem e o negócio foi anulado por acordo das partes.
De qualquer modo, relativamente a tal letra, o exequente agiu em detrimento consciente do devedor, pois que a adquiriu já depois de ter conhecimento da anulação do negócio.
Concluiu pela formulação de convite ao exequente para esclarecer se pretendia prosseguir com a execução cambiária ou com a execução hipotecária, pela absolvição da instância, por ilegitimidade do exequente, e pela absolvição do executado C.... do pedido relativamente à letra no valor de € 69.843,00, seja por titular um negócio anulado, seja por o exequente a ter adquirido depois do conhecimento dessa anulação.
O exequente/oposto contestou a oposição, afirmando, por um lado, a regularidade da cumulação de execuções e a sua legitimidade e impugnando, por outro, os factos aduzidos pelo oponente F....em relação à letra no valor de € 69.843,00.
No despacho saneador foi a oposição julgada totalmente improcedente, sob a conclusão da inverificação de qualquer dos fundamentos invocados.
Inconformados, os oponentes interpuseram recurso (apelação, com subida imediata, no apenso respectivo e com efeito devolutivo) e apresentaram as suas alegações, que concluíram do modo seguinte:
1) As letras dadas à execução têm apostas no seu verso, na zona do endosso, a expressão “efeito registado em carteira”.
2) Tal expressão é uma manifestação de endosso impróprio para cobrança, que não transmite direitos, pelo que o exequente não dispõe de legitimidade para a execução.
3) O litisconsórcio executivo implica pluralidade de interessados e unidade de relação jurídica material.
4) No caso, há duas obrigações executivas distintas, uma cambiária e outra hipotecária, com obrigados distintos, razão pela qual não é admissível a cumulação inicial de execuções.
5) Em situações de endosso impróprio, como é o caso, o endossado é um simples mandatário do endossante para cobrança, pelo que lhe podem ser opostas todas as excepções susceptíveis de prevalecer contra o endossante.
6) No domínio das relações mediatas só podem ser opostas excepções quando o portador da letra tem consciência do prejuízo causado ao devedor.
7) Não é necessária a intenção de prejudicar, bastando a consciência do prejuízo.
8) Foram alegados factos que permitiriam indagar se, relativamente a uma das letras, o exequente tinha consciência dos prejuízos e das vicissitudes da relação subjacente, pelo que deveria ter sido elaborada base instrutória.
9) Foram violados, por deficiente interpretação, os artigos 17.º e 18.º da LULL e os artigos 51.º, 53.º, n.º 1, 812.º, n.º 4, 265.º, n.º 2, 787.º e 817.º, n.º 2, todos do CPC.
Terminaram, pedindo a substituição da sentença apelada por outra que julgue de maneira diferente da que julgou.
O apelado apresentou contra-alegações, em que sustentou a justeza da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.


II. Em face das conclusões da alegação dos recorrentes, que balizam o objecto do recurso, são três as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
1) A ilegitimidade da exequente.
2) A cumulação de execuções.
3) A relação subjacente.


III. Nada obstando ao conhecimento de mérito, cumpre decidir, começando, naturalmente, pela questão da ilegitimidade da exequente para os termos da execução, que, a proceder, deixa sem utilidade as restantes questões colocadas.

São os seguintes os factos relevantes para a decisão desta questão:
O ora oposto, Banco Português de Negócios, deu à execução três letras de câmbio, a saber:
a) Letra no valor de € 14.600,40, com data de emissão de 05.12.2006 e vencimento em 04.03.2007.
Na respectiva face, no local destinado à assinatura do sacador, encontram-se, a carimbo, os dizeres “B....”, seguidos da assinatura “G....”, e, no local destinado ao aceite, uma assinatura com o nome “C....”.
No verso, em seguida à expressão “sem despesas”, acham-se, a carimbo, os dizeres “B………. – A Gerência” e a assinatura “G....” e depois, por duas vezes, a carimbo, os dizeres “A…….., L.da – A Gerência” e a assinatura “D……”.
Na zona dos dizeres “A…., L.da – A Gerência” e referidas assinaturas está inserta, transversalmente, a expressão “efeito registado em carteira em 20061212 no BPN, SA.
b) Letra no valor de € 69.843,00, com data de emissão de 31.01.2007 e vencimento em 01.05.07.
Na respectiva face, no local destinado à assinatura do sacador, encontram-se, a carimbo, os dizeres “A……, L.da – A Gerência”, seguidos da assinatura “D....”, e, no local destinado ao aceite, a assinatura “C....”.
No verso, em seguida à expressão “sem despesas”, encontram-se, por duas vezes, a carimbo, os dizeres “A...., L.da – A Gerência” e a assinatura “D....”
Nesta zona está inserta, transversalmente, a expressão “efeito registado em carteira em 20070213 no BPN, SA”.
c) Letra no valor de € 6.400,00, com data de emissão de 08.02.2007 e vencimento em 06.05.2007.
Na respectiva face, no local destinada à assinatura do sacador, encontram-se, a carimbo, os dizeres “B...., L.da – A Gerência”, seguidos da assinatura “G....”, e, no local destinado ao aceite, a assinatura “C....”.
No verso, após a expressão “sem despesas”, acham-se, a carimbo, os dizeres “B...., L.da – A Gerência”, antecedidos da assinatura “G....”, e, depois, novamente, a expressão “sem despesas”, seguida, por duas vezes, dos dizeres, a carimbo, “A...., L.da – A Gerência” e da assinatura “D....”.
Nesta zona está inserta, transversalmente, a expressão “efeito registado em carteira em 20070219 no BPN, SA”.

Perante esta matéria de facto, que resulta dos documentos juntos aos autos como título executivo e nenhuma das partes questionou, o ex.mo juiz titular do processo decidiu, em concordância, aliás, com a posição do exequente/oposto, que este dispunha de legitimidade para os termos da execução, no desenvolvimento do seguinte raciocínio:
Na acção executiva, a legitimidade das partes resolve-se em função dos termos do título executivo, sendo o exequente a pessoa que nele figura como credor e executado a pessoa que nele consta como devedor.
No caso, o título executivo são três letras de câmbio, documentos que circulam por endosso, sendo que este transmite todos os direitos emergentes da letra.
O endosso tanto pode indicar o beneficiário, como não o fazer (endosso em branco), sendo, neste caso, portador legítimo da letra quem a detiver.
As letras em causa foram endossadas em branco e estão em poder do exequente, pelo que este é seu legítimo portador.
No caso, trata-se de um endosso próprio e não de um endosso para cobrança, uma vez que o mesmo não contém qualquer das menções a que alude o artigo 18.º da LULL.
De todo o modo, mesmo a admitir-se a figura do endosso impróprio, o exequente dispunha de legitimidade para a execução, por tal direito lhe ser conferido pelo último normativo citado.

Bem diferente é o entendimento dos executados/oponentes, para quem a inserção da expressão “efeito registado em carteira no BPN” na zona do endosso significaria que se tratava de endosso para cobrança, que não transmite a propriedade da letra, mas habilita, tão somente, o endossado a cobrá-la por conta do endossante.

A quem assiste, afinal, a razão?
Parece que aos recorrentes, como se procurará demonstrar.
Diversamente do que sucede no processo declarativo, em que a legitimidade se afere pela posição das partes e pelo objecto da acção, em processo executivo o conceito é muito mais restrito, podendo dizer-se que é de natureza meramente formal, na medida em que é definido pelo próprio título, como, com toda a clareza, emerge do disposto no n.º 1 do art. 55.º do CPC: dispõe de legitimidade, como exequente, quem no título figure como credor e, como executado, quem no título tenha a posição de devedor. Não se equacionam os desvios à regra geral, constantes dos artigos 56.º e 57.º do CPC, por não ser, manifestamente, esse o caso.
Se o título, no entanto, for ao portador, a legitimidade activa cabe ao respectivo portador (n.º 2 do mesmo preceito).
Neste particular, não interessará tecer outras considerações, já que a questão não suscita dúvidas na doutrina e na jurisprudência e as partes se não insurgiram contra a decisão de primeira instância no segmento em que assim, também, o considerou.
O que importa, porque foi aí que surgiram as divergências, é saber se, no caso em apreço, o exequente/oposto figura no título executivo como credor.
O título executivo consiste em três letras de câmbio, que, como deflui da matéria de facto exposta, foram sacadas pela executada/oponente Isabel Maria Rodrigues (duas delas) e pela executada A...., L.da (a outra), aceites, todas, pelo executado/oponente C.... e, posteriormente, endossadas pelos sacadores.
A letra é um título de crédito à ordem (circula por endosso), que enuncia uma ordem de pagamento dada por uma pessoa (sacador) a outra (sacado) em favor de uma terceira (tomador) ou à sua ordem; o tomador pode conservá-la em seu poder, para no dia do vencimento a apresentar a pagamento, ou endossá-la a outrem que, por sua vez, a pode, igualmente, conservar ou endossar e, assim, sucessivamente (Prof. Doutor Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Letra de Câmbio, volume III, páginas 19/20).
O endosso é o modo normal de transmissão da letra. Endossar uma letra significa transferir para outrem a sua propriedade com todas as garantias que a asseguram; é, praticamente, um novo saque, uma nova ordem de pagamento (Abel Pereira Delgado, Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, 6.ª edição, página 79).
O endosso, explica Ferrer Correia, realiza o que alguns chamam a “dinâmica da letra”, abarcando, no essencial, três funções: a da transferência da letra, a de legitimação do portador (o portador pode exercer os direitos cambiários desde que justifique a sua posse através de uma série ininterrupta de endossos) e a de garantia (o endossante, salvo cláusula em contrário, assume a responsabilidade pelo aceite e pagamento da letra). O endosso é uma nova ordem de pagamento dirigida, como a do sacador, ao sacado. Por isso, o endosso – um desenvolvimento do saque – não se concebe sem este, é um seu acessório. Obra citada, páginas 170/171.
Dir-se-á, em singelas palavras, que o endosso faz circular a letra e o valor que esta representa, sendo seu titular a pessoa a quem foi endossada e, por essa via, a detém.
Daí, que o artigo 16.º da LULL estabeleça que o detentor de uma letra é considerado seu portador legítimo se justifica o seu direito por uma série ininterrupta de endossos.
O endosso é sempre admissível, excepto se o sacador inserir na letra as palavras “não à ordem” ou outras equivalentes (art. 11.º da LULL).
O endosso deve constar da letra ou de folha anexa e tanto pode ser completo, como incompleto. É completo, quando designe o nome do beneficiário, caso em que poderá estar escrito em qualquer parte da letra – no rosto, inclusivamente – ou no anexo; é incompleto, quando o endossante se limitar a apor a sua assinatura, sem indicação do endossado – nesta hipótese só é válido se a assinatura estiver no verso da letra ou no anexo (artigo 13.º da LULL).
Segundo Ferrer Correia, a admissibilidade do endosso em branco implica a possibilidade de a letra circular como título ao portador, conquanto hajam de ser ignoradas as transmissões manuais intermédias até que o título seja preenchido com o nome de um endossado. Ibidem, página 178. Dizendo de outro modo, o detentor do título que o adquiriu pelo endosso em branco só se tornaria credor cambiário a partir do preenchimento do endosso a seu favor; posse e endosso seriam requisitos cumulativos da justificação do direito.
A posição não é pacífica, nem na doutrina nem na jurisprudência, havendo quem sustente que o beneficiário de um endosso em branco não precisa de preencher a letra a seu favor para ser considerado credor cambiário. É o que defende Oliveira Ascenção (Direito Comercial, volume III, página 153), entendimento que foi acolhido no acórdão da Relação do Porto de 16.09.02 (CJ, Ano XXVII, tomo IV, página 176); em sentido diverso se pronunciou o acórdão da mesma Relação, de 27.06.00 (CJ, Ano XXV, tomo III, página 216).
O tema não tem, na hipótese que ora nos ocupa, relevo prático, na medida em que o exequente/oposto surge nas letras dadas à execução como último endossado; e, como escreve Abel Pereira Delgado, existindo vários endossos, há que atender à seriação local, ou seja, à ordem por que se encontram escritos, ainda que tenham outra seriação temporal, por faltar a garantia de que de que as datas apostas sejam as verdadeiras (obra citada, página 87).
O que, na realidade, se discute é saber se o endosso que lhe foi feito configura um endosso verdadeiro e próprio, com capacidade de transmitir todos os direitos inerentes ao título, ou um endosso impróprio, com alcance limitado.
Uma das modalidades do endosso impróprio encontra-se prevista no artigo 18.º da LULL, onde se preceitua que quando o endosso contém a menção “valor a cobrar”, “para cobrança”, “por procuração”, ou qualquer outra menção que implique um simples mandato, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas só pode endossá-la na qualidade de procurador.
Dando, mais uma vez, a palavra ao mestre, o endosso para cobrança não transmite ao endossado os direitos inerentes à letra, mas, apenas, o habilita a cobrar o montante do título em nome e por conta do endossante; o endossado pode praticar todos os actos necessários à cobrança da letra (apresentação a pagamento, protesto, etc.), mas não pode endossá-la normalmente (só na qualidade procurador), não garante o aceite e o pagamento e são-lhe oponíveis todas as excepções ou meios de defesa que poderia prevalecer contra o respectivo endossante. Ferrer Correia, ob. cit., páginas 180/182).
Na decisão recorrida afastou-se a hipótese do endosso impróprio, por não constar das letras qualquer das menções expressas no falado artigo 18.º, mas considerou-se, também, que o endosso impróprio não retira ao endossado legitimidade para instaurar a execução, por lhe ser conferido o poder de exercer todos os direitos emergentes da letra.
Nas mesmas águas navega o exequente/oposto; na sua óptica, a expressão “efeito registado em carteira” foi aposta por si próprio e para mero controlo interno, não se podendo conceber, sequer, que praticasse um acto que lhe diminuía os direitos emergentes do título; de toda a sorte, mesmo a conceber-se a figura do endosso impróprio, sempre lhe assistiria o direito de executar as letras, nos termos do art. 18.º da LULL.
Diferente é, naturalmente, a posição dos recorrentes, que atribuem à expressão “efeito registado em carteira” uma manifestação do endosso impróprio, que não legitima o poder de executar.
Quid juris?
A argumentação usada na decisão sob recurso – acompanhada, de resto, pelo recorrido – é demasiado redutora. Pretender que a expressão em causa, inserta no endosso, não tenha qualquer significado, que seja uma mera minudência excrescente, é algo que briga com o princípio da literalidade, quando entendida no sentido de que “o conteúdo, extensão e modalidades da obrigação cambiária são os que a declaração objectivamente define e revela” (Ferrer Correia, ob. cit. página 40).
O que é objectivo é que o último endosso que consta de todas as letras contém a menção “efeito registado em carteira no BPN”; e tal menção não é inócua, como defende o recorrido, nem o poderia ser, porque valendo a letra por si, tudo o que dela consta tem de ter um significado e um valor precisos.
A expressão “efeito registado em carteira” traduz, exactamente, a figura do endosso procuratório, quando estribado em “qualquer outra menção que implique um simples mandato”. A gíria bancária dá-lhe, até, o nome de endosso para protesto, querendo dizer com isto que o banco recebe a letra com vista ao accionamento do direito de regresso.
O documento entra na carteira Daí, o uso, também, da menção “efeito entrado em carteira, que o Tribunal da Relação do Porto, por seu acórdão de 19.09.2006 (CJ, Ano XXXI, tomo IV, página 159), considerou constituir endosso por procuração. que os clientes do banco lhe confiam para gerir apropriadamente (não no seu activo cambiário), que, depois, e à semelhança de qualquer procurador diligente, tomará todas as providências necessárias à satisfação do interesse do cliente, apresentando, por exemplo, o título a pagamento ou negociando-o, até, se for essa a melhor forma de acautelar o património daquele. Certo é que é sempre um intermediário e nunca um titular de direitos próprios.
Não corresponde, pois, à realidade cambiária a asserção do recorrido de que a menção era para simples controlo interno, cujos contornos nem sequer identifica. O controlo interno efectiva-se em documentos do próprio banco, que não nos títulos que têm valor intrínseco. E é irrelevante que a menção tenha sido colocada por si, porque quaisquer dizeres apostos em letra de câmbio são a expressão do que os intervenientes quiseram ao emiti-la, sacá-la ou endossá-la.
O recorrido, como instituição de crédito que é, não podia ignorar que, num segmento tão sensível como é o endosso, qualquer menção que dele constasse tinha de ser interpretada por aquilo que, objectivamente, fazia transparecer. Não lograva sentido, por isso, que aceitasse o uso de uma expressão (colocada por si ou por outrem) que não fosse o resultado de um acordo de vontades.
Como quer que seja, a menção está lá e traduz um simples mandato, pelo que o exequente/oposto não passa de um procurador do endossante.

A tese de que o endosso por procuração não impedia o oposto de intentar acção executiva para obter o pagamento das letras não colhe apoio, em face do respectivo regime e dos termos concretos da situação definida nos autos.
O endosso por procuração não transfere para o endossado o crédito cambiário incorporado nas letras; a sua função é, tão-somente, como já acima foi referido, a de habilitar o endossado a cobrar o valor das mesmas em nome e por conta do endossante, que continua a ser o seu portador legítimo (cfr. Abel Pereira Delgado, obra citada, página 125/126).
Independentemente da questão de saber qual o exacto alcance da afirmação legal contida no artigo 18.º da LULL de que “o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra”, certo é que o endossado por procuração, como mandatário que é, cobra (ou procura cobrar) os valores titulados pelas letras para o mandante e não para si.
O que, no caso vertente, sucede é que o exequente/oposto intentou a execução para seu benefício pessoal, arrogando-se uma qualidade que não tem: a de dono do crédito cambiário. Demandando, até, note-se, o próprio mandante, como se fosse devedor.
Ora, não sendo ele portador legítimo das letras, não podia vir a juízo sob a invocação dessa qualidade. Competia-lhe alegar a que título detinha as letras e deixar claro que agia em função do mandato que lhe fora conferido.
Assumindo-se como credor cambiário, sem que o título executivo lhe confira esse direito, é manifesta a sua ilegitimidade para os termos da execução.
Terá, por conseguinte, de proceder a oposição com base na ilegitimidade do exequente (artigos 814.º, alínea c), e 815.º do CPC), o que conduzirá à extinção da execução no que toca aos ora recorrentes.
A procedência da oposição com este fundamento relega para plano de inutilidade os restantes fundamentos invocados.


IV. Em síntese:
1) A questão da legitimidade em processo executivo resolve-se através do mero exame do título.
2) É portador legítimo de uma letra quem justifica a sua posse por uma série ininterrupta de endossos.
3) O endosso por procuração não transmite os direitos inerentes à letra, mas habilita, tão-só, o endossado a cobrá-la em nome e por conta do mandante.
4) A inserção no endosso da expressão “efeito registado em carteira”configura a hipótese de endosso por procuração.


V. Decisão:

Em face do exposto, julga-se a apelação procedente, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que declara a extinção da execução relativamente aos ora apelantes.
Custas em ambas as instâncias pelo recorrido.