Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
267/14.7PAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ARBITRAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL DE MARINHA GRANDE – COMPETÊNCIA GENÉRICA – JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NULIDADE DA SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTS. 82.ºA, N.º 1, E 379.º, N.º 1, AL. C), DO CPP; ART. 21.º, N.º 2, DA LEI 112/2009, DE 16/9
Sumário: Há nulidade da sentença, a qual é de conhecimento oficioso, por omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, quando tenha havido condenação do arguido por crime de violência doméstica e o tribunal não tenha ponderado o arbitramento de indemnização à vítima, de acordo com os art. 82.º-A, n.º 1, do CPP e 21.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9, sempre que a vítima não deduzir pedido civil nos autos e não se tenha expressamente oposto à sua atribuição, questão que, nestas condições, deve ser objecto de decisão com observância do contraditório.
Decisão Texto Integral:







Processo comum com intervenção do tribunal singular da Comarca de LEIRIA - Instância Local de Marinha Grande – Secção de Competência Genérica – Juiz 1.

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Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
No processo supra identificado o Ministério Público acusou A... , solteiro, operário fabril, nascido a 27/09/1974, natural da freguesia de (...) , concelho de Lisboa, filho de (...) e (...) , residente na Rua (...) , Marinha Grande, imputando -lhe a prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º,n.º 1,al. b) e n.º 2 do Código Penal.
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A Administração Regional de Saúde do Centro, IP deduziu pedido de reembolso dos valores relativos a cuidados de saúde contra o arguido/demandado, nos termos constantes de fls. 163/164, peticionando a condenação do arguido no pagamento da quantia de €36,00, acrescida dos respectivos juros à taxa legal em vigor até efectivo e integral pagamento.
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O tribunal decidiu:
a) Condenar o arguido, como autor material e na forma consumada de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CP, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
b) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido procedente e consequentemente condenar o arguido a pagar à demandante a quantia de €30,00 (trinta euros), acrescida de juros de mora legais desde a data da notificação até integral pagamento.
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Inconformado recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:
«55. Dos factos considerados provados, não consideramos e reputamos por suficientes, tendo em conta a prova em que a condenação é amparada, salvo douta e melhor opinião, para o preenchimento dos elementos do crime em que o Arguido foi condenado.
56. Aliás, toda a fundamentação da sentença, ora objecto de recurso, na realidade e rigor acaba por ser uma consequência de uma construção lógico dedutiva.
57. Assim, salvo douta e melhor opinião, entende o recorrente que o Tribunal a quo decidiu tendo por única e exclusivamente o depoimento da ofendida/ testemunha principal interessada,
58. Pelo que não se poderá aceitar tal condenação, pois que esta apenas se baseou em presunções judiciais.
59. Tal como esta consagrado no artigo 349.º do C.C." presunções são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido." Como tal, não são verdadeiros meios de prova, mas sim meras operações mentais ou lógicas firmadas pelo julgador com base nas regras da experiência.
60. Acontece que, no momento da decisão, o juiz, sem partis pris ou prejuízo, deve basear-se apenas em provas para estabelecer a culpabilidade, não devendo partir da convicção ou da suposição de que o Arguido é culpado, sendo certo que o recurso à presunção não pode ser a via aberta para suprir a falta de prova dos factos.
61. Pelo exposto o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no n.º 2 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.
62. Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado».
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Cumprido o disposto no do art. 413.º, n.º 1, do CPP respondeu o Ministério Público, sustenta que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida, uma vez que o tribunal a quo fez uma correcta valoração da prova e uma adequada aplicação do direito aos factos provados.
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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, o qual emitiu douto parecer no sentido de que a sentença recorrida sofre de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não ter sido arbitrada indemnização à vítima (art. 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 112/2009, de 16/9 e art. 82.º-A, do CPP).
Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP não respondeu.
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A Senhora juíza relatora anterior titular do processo proferiu decisão sumária, nos termos do art. 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. a), do CPP, rejeitando o recurso por manifesta improcedência.
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Desta decisão veio o Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto reclamar para a conferência.
Tendo sido notificado o arguido nada disse. 
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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.
Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:
Factos provados:
«1) B... e o arguido A... viveram em comunhão de cama, mesa e habitação, desde o ano de 2000 até 6 de Maio de 2014.
2) De tal união nasceram duas filhas, actualmente com 11 e 6 anos de idade.
3) Em data não concretamente apurada do ano de 2002, no decurso de uma discussão entre o arguido e a ofendida, na altura em que a ofendida se encontrava grávida, o arguido forçou-a a deitar-se em cima dos seus joelhos e desferiu-lhe várias palmadas nas nádegas.
4) No dia 6 de Maio de 2014, cerca das 21h30, o arguido dirigiu-se à residência do pai da ofendida,C... , sita na Rua (...) , local onde se encontravam a ofendida e as filhas menores, e depois de forçar a porta, batendo repetidas vezes na mesma com uma pedra, logrou a entrada.
5) Acto contínuo, abeirou-se da ofendida, agarrou-a com força nos braços e empurrou-a contra as paredes e móveis que aí se encontravam.
6) Em consequência da actuação do arguido, a ofendida sofreu as seguintes lesões:
- Membro superior direito: múltiplas equimoses violáceas de bordos amarelados (>> 10) dispersas pelo membro superior, sendo a maior na face externa do terço médio do braço de 6x5 cm e a menor na face antero externa do terço distal do antebraço de 2x2 cm;
- Membro superior esquerdo: múltiplas equimoses violáceas de bordos amarelados dispersas no braço (>> 5), sendo a maior de 5x4 cm na face externa do terço proximal e a menor na face anterior do terço médio de 1x1 cm; hematoma na face posterior do terço distal do braço, cotovelo e terço proximal do antebraço de 9x11 cm;
- Membro inferior direito: múltiplas equimoses violáceas de bordos amarelados na coxa, sendo a maior de 7x6 cm na face antero externa do terço médio e a menor de 2x2 cm na face externa do terço distal; duas equimoses violáceas contíguas na face externa do terço médio da perna de 5x6 cm e 6x6 cm;
- Membro inferior esquerdo: equimose violácea na nádega de 3x2 cm; múltiplas equimoses na coxa, sendo a maior na face externa do terço distal de 7x5 cm e a menor de 4x4cm na face anterior do terço médio; equimose violácea na face externa do joelho e terço proximal da perna de 12x7 cm.
7) Tais lesões demandaram um período de cura de oito dias, sendo cinco com afectação da capacidade de trabalho geral.
8) No dia 6 de Fevereiro de 2015, o arguido no decurso de telefonema com a filha mais velha do casal, disse-lhe que não descansava enquanto não destruísse a ofendida.
9) Nisto, a ofendida retirou o telefone à filha e falou com o arguido, tendo-lhe este dito, em tom de voz sério e intimidatório, que não descansava enquanto a ofendida não ficasse sem nada e para agradecer a Deus cada dia que acordasse de manhã.
10) Posteriormente, em data não concretamente apurada de Fevereiro de 2015 mas anterior a 18 de Fevereiro de 2015, o arguido publicou um texto na rede social, na sua página pessoal do facebook com o seguinte teor: “Este fim de semana não há cabelos na boca para ninguém, a Sra. D. B... decidiu que este fim de semana não posso ver as minhas filhas. Que nunca falta pão e água há tua mesa e há tua família que use (...) como apelido. E se não for pedir muito, alguém que espete as voças cabeças numa estaca”.
11) Em data não concretamente apurada do mês de Abril de 2015, o arguido publicou um texto na rede social, na sua página pessoal do facebook com o seguinte teor:
“Só há uma caminho, o da verdade e da justiça,
Só há um caminho e é o meu caminho,
Ou estás comigo ou estás contra mim.
B... , tu que gostas tanto de enviar os meus textos ao Ministério Público, ao tribunal judicial da comarca de pombal, e à cpcj, envia este também sff.
Só quero avisar quem anda a fornecer e a comprar droga à mãe das minhas filhas, que se preparem para ir a tribunal sentar o cú no mocho, essa gaja está a fazer-me uma guerra, e não é que não goste de vocês, mas enquanto não tiverem todos presos não descanso.
Se ela quer andar metida em negócios de droga, tudo bem, mas que faça isso no local de trabalho lá no (...) , e deixe as nossas filhas longe dessa vida (…)”.
12) O arguido agiu de forma livre, com o propósito concretizado de molestar o corpo e a saúde da ofendida e de lhe produzir as lesões verificadas, seja enquanto companheira, seja após o termo da relação, a qual era a mãe das suas filhas menores de idade, bem como de lhe provocar medo e intranquilidade e limitar a sua liberdade e autodeterminação e ainda de a ofender na sua honra e consideração.
13) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
14) O arguido é operário fabril e aufere mensalmente cerca de €625,00.
15) O arguido despende mensalmente cerca de €300,00 a título de amortização de empréstimo contraído para aquisição de habitação.
16) Como habilitações literárias possui o 9.º Ano.
17) Do Certificado de Registo Criminal do arguido “ nada consta” averbado.
18) Na sequência do referido em 6- e 7 a ofendida B... recorreu ao SAP da Marinha Grande no dia 8 de Maio de 2014, onde lhe foi prestada assistência médica, cujo preço importa €36,00.
Factos não provados:
a) No decurso da coabitação, em datas não concretamente apuradas, o arguido, no interior da residência comum, e na presença das filhas menores, por diversas vezes, agarrou a ofendida nos braços e empurrou-a.
b) Os factos descritos em 3. ocorreram no interior da residência comum.
c) Em datas não concretamente apuradas, mas em Abril de 2015, o arguido, em telefonemas tidos com a ofendida, disse-lhe que ia dar cabo da sua vida e do seu trabalho e que a ofendida era o alvo dele para o resto da vida. Na sequência dessas expressões, a ofendida ficou receosa, temendo que o arguido viesse, num futuro próximo, em concretização das anunciadas ameaças, a atentar contra a sua vida ou integridade física.
Convicção do Tribunal:
Na formação da sua convicção, o Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em sede de audiência de julgamento, a qual, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, foi apreciada segundo a livre convicção da entidade competente e as regras da experiência comum.
Assim, o arguido em sede de audiência de julgamento confirmou ter vivido em união de facto, desde o ano de 2000 até ao dia 6 de Maio de 2014, com a ofendida B... . O arguido disse, ainda, que de tal união nasceram as suas duas filhas menores de idade.
Quanto aos concretos factos o arguido sustentou, nas declarações prestadas, que efectivamente no dia 6 de Maio de 2014, numa situação de desespero e por se encontrar magoado, forçou a entrada na casa do pai da ofendida (onde esta se encontrava com as filhas menores), arrombando a porta. O arguido admitiu ter segurado os braços da ofendida para a desviar e poder passar – desviou a ofendida - não tendo feito mais nada. O arguido disse que não era sua intenção magoar a ofendida.
Quanto aos textos publicados na rede social, na sua página pessoal do facebook, o arguido admitiu que tudo o que se encontrava escrito na sua página pessoal é da sua autoria. O arguido referiu que aquilo que escreveu foi apenas “da boca para fora”, não sendo sua intenção fazer nada, mencionando “são desabafos”.
Resulta do exposto, que o arguido admitiu com reserva alguns dos factos contantes da acusação. Atente-se, designadamente, que relativamente a tais factos o arguido procurou sempre justificar os seus comportamentos.
Assim, foi essencialmente com base no depoimento da ofendida, a testemunha B... , que se estribaram os factos provados. Com efeito, a testemunha B... prestou um depoimento que mereceu inteira credibilidade ao Tribunal, uma vez que se mostrou coerente, espontâneo, sem hesitações, claro, consistente e verosímil.
No que tange aos factos ocorridos quando a ofendida se encontrava grávida, no ano de 2002, a ofendida descreveu tal situação de forma clara, fazendo designadamente alusão a uma expressão que o arguido utilizou naquela altura “ eu devia ter levado umas palmadas no rabo quando era criança”. Atente-se que tal expressão reproduzida pela testemunha B... é consentânea com o próprio discurso do arguido em sede de audiência de julgamento, o qual fez referência em julgamento ao facto de a ofendida ser “uma criança caprichosa”.
No que concerne aos factos ocorridos na noite de 6 de Maio de 2014, o depoimento da ofendida acabou por ser corroborado em certa medida pelas declarações do arguido, o qual admitiu ter forçado a porta de casa dos pais da ofendida. No entanto, quanto ao que sucedeu de seguida o depoimento da testemunha B... mereceu maior credibilidade ao Tribunal, afigurando-se coerente e lógico, acabando por ser corroborado, no essencial, pelo depoimento da testemunha C... , pai da ofendida e que, na altura, se encontrava no interior da habitação.
Acresce, ainda, que o depoimento da ofendida, nomeadamente no que tange aos factos ocorridos na noite de 6 de Maio de 2014 e mais concretamente no que respeita às agressões sofridas, é também suportado pela prova documental junta aos autos, designadamente, pelo suporte fotográfico junto a fls. 23 e 24 e pela prova pericial junta ao processo, a saber, o relatório de perícia de avaliação de dano corporal em direito penal, elaborado pelo Gabinete Médico Legal de Leiria, do IML, de fls. 9 e 10.
Quanto ao teor do telefonema referido em 8. e 9. dos factos provados mais uma vez se mostrou relevante e decisivo para alicerçar a convicção do Tribunal o depoimento da testemunha B... .
No que concerne à autoria e ao teor dos textos publicados na rede social, o arguido admitiu que os textos que se encontravam na sua página do facebook eram da sua autoria. O Tribunal valorou, ainda, quanto aos referidos textos o teor do documento junto a fls. 104 dos autos.
No que tange ao sofrimento, estado de receio e intranquilidade experimentados pela ofendida em razão do comportamento do arguido, foi uma vez mais valorado o depoimento pela própria prestado, o qual, de resto, encontra num critério de experiência comum um inabalável elemento corroborador. Atente-se que a ofendida referiu designadamente que teve que tomar medidas básicas, tais como andar com o carro trancado ou ir acompanhada para o trabalho. A depoente referiu que o arguido, após o episódio ocorrido no dia 6 de Maio de 2014, chegou a dizer que estava arrependido, no entanto, o comportamento posterior não demonstrou uma postura de arrependimento.
Relativamente à situação pessoal, social e económica do arguido o Tribunal valorou as declarações pelo mesmo prestadas em sede de audiência de julgamento.
O facto descrito em 18. resultou da análise do documento junto a fls. 165.
Finalmente, no que concerne à ausência de antecedentes criminais do arguido o Tribunal valorou o Certificado de Registo Criminal junto a fls. 181.
Quanto aos factos não provados:
Quanto aos factos não provados, cumpre referir que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram».
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II- O Direito
As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir no âmbito da motivação de recurso:
a) Apreciar se a sentença sofre do vício de erro notório na apreciação da prova e se foi violado o princípio in dúbio pro reo, consignado no art. 32.º, n.º 2, da CRP.
b) Aferir do enquadramento jurídico-penal dos factos, designadamente se os factos são subsumíveis ao crime de ofensa à integridade física simples.

Apreciando:
Questão prévia: Apreciar se a sentença sofre de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não ter sido arbitrada indemnização à vítima (art. 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 112/2009, de 16/9 e art. 82.º-A, do CPP).
O arguido A... vinha acusado da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º,n.º 1,al. b) e n.º 2 do Código Penal, pelo qual foi condenado, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Apenas a Administração Regional de Saúde do Centro, IP deduziu pedido de reembolso dos valores relativos a cuidados de saúde contra o arguido/demandado, tendo-lhe sido atribuída a quantia de €30,00 (trinta euros), acrescida de juros de mora legais desde a data da notificação até integral pagamento.
Suscita o Ex.mo Procurador nesta Relação a questão de que a sentença sofre de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por não ter sido arbitrada indemnização à vítima, nos termos dos art. 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 112/2009, de 16/9 e art. 82.º-A, do CPP.
Vejamos o que a lei dispõe a este respeito.
Nos termos do art. 82.º-A, n.º 1, do CPP, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, de acordo com os arts. 72.º e 77.º, do mesmo diploma legal, pode o julgador, arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
Não foi formulado pedido de indemnização cível pela ofendida.
Em audiência de julgamento o Ministério Público não requereu que fosse arbitrada indemnização à vítima pelos danos sofridos e também não foi oficiosamente atribuía pelo tribunal
O art. 82.º-A, do CPP, prevê a reparação da vítima em casos especiais, nos seguintes termos:  
«1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização». 
Por sua vez a lei 112/2009, de 16/9, estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas.
 Dispõe o art. 21.º:
«1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
Ora, não tendo sido deduzido pedido cível pela vítima, tratando-se de crime de violência doméstica, ao tribunal não é atribuído o poder dever de “arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”, antes se impõe a aplicação imperativa de tal arbitramento consignado no art. 82.º-A, do CPP.
A interpretação desta imposição, não deixa dúvidas, como aliás se vem decidindo neste Tribunal da Relação de Coimbra e nos restantes tribunais superiores da Relação, no sentido de que, em caso de condenação por crime de violência doméstica há sempre que arbitrar uma indemnização à vítima, ou porque ela a pediu ou, não o tendo feito não se opôs expressamente ao arbitramento e porque tal deriva de imposição legal, a sua falta implica nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP (Ac. do TRC de 28/05/2014- Proc. 245/13.3PBFIG.C1; Ac. de 02/07/2014 – Proc. 232/12.9GEACB.C1 e Ac. do TRC de 20/05/2015 – Proc. 1074/14.0PBVIS.C1, in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. do TRE de 19/05/2015 e Ac. do TRP de 16/10/2013, in www.pgdlisboa.pt, Ac. do TRL de 16/9/2015 – Proc. 67/14.4S2LSB.L1.3, in www.dgsi.pt/jtrl e Ac. do TRG de 7/3/2016 – Proc. 697/14.4GAVNF.G1, in www.dgsi.pt/jtrg). 
Por sua vez o arbitramento de indemnização ao abrigo do art. 82.º-A, n.º 2, do CPP e art. 21.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9, deverá observar o prévio cumprimento do contraditório, consubstanciando a sua inobservância irregularidade de conhecimento oficioso que acarreta a anulação da sentença nessa parte, determinando a reabertura da audiência para aquele fim (Ac. do TRC de 22/01/2014, www.pgdlisboa.pt).
A indemnização a atribuir não deve ser arbitrária ou discricionariamente atribuída pelo tribunal, devendo funcionar também aqui o exercício dos direitos do arguido enquanto demandado, cuja responsabilidade civil lhe é assacada em consequência da responsabilidade criminal.
Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Ed. UCE, em anotação ao art. 82.º-A, do CPP, traduz com rigor o respeito que deve ser observado pelo princípio do contraditório nos seguintes termos:
«Em nenhuma circunstância o tribunal pode proceder a arbitramento oficioso de indemnização sem antes ouvir o responsável civil especificadamente sobre os alegados prejuízos e o nexo de imputação desses prejuízos à sua conduta. O Respeito pelo contraditório não fica satisfeito pela circunstância de o responsável civil ter sido notificado da acusação e de os prejuízos se encontrarem descritos na acusação. Ele tem direito a pronunciar-se sobre a responsabilidade que lhe é atribuída e a fazer prova das suas alegações, razão pela qual deve ser notificado para esse efeito, antes ou durante a audiência de julgamento».  
Em face do exposto, tendo havido condenação do arguido e não se tendo pronunciado o tribunal sobre o arbitramento de indemnização à ofendida, imposta legalmente pelos art. 82.ºA, n.º 1, do CPP e 21.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9, sendo que a vítima não deduziu pedido civil nos autos e não tendo expressamente renunciado à sua atribuição, incorreu por omissão de pronúncia, havendo por isso nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP que cumpre suprir, com observância do contraditório.
Em face da nulidade verificada, de conhecimento oficioso, por força do art. 379.º, n.º 2, do CPP, mostram-se prejudicadas as questões suscitas no âmbito do recurso.
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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em declarar nula a sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, devendo os autos baixarem à 1.ª instância a fim de, suprir a nulidade apontada, com observância do contraditório e decidir sobre o arbitramento de indemnização à vítima, de acordo com os art. 82.ºA, n.º 1, do CPP e 21.º, n.º 2, da Lei 112/2009, de 16/9. 
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Sem custas.
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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 6 de Julho de 2016
(Inácio Monteiro - Relator)
(Alice Santos - Adjunta)