Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3705/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA MERCANTIL
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 05/10/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 463º, Nº 2, DO CÓDIGO COMERCIAL; 428º DO C. CIV. .
Sumário: I – Sendo o contrato de compra e venda mercantil um contrato sinalagmático, no caso de ocorrer um cumprimento defeituoso por parte do vendedor cabe ao comprador o direito de não cumprir com a sua obrigação correlativa de pagar o preço, enquanto a prestação defeituosa não tiver sido corrigida .
II – O accionamento da excepção de não cumprimento não está dependente da prévia arguição da nulidade do contrato ou do pedido de eliminação dos defeitos, da substituição da coisa ou da redução do preço, antes podendo ser exercido autonomamente e de acordo com o interesse do titular desse direito .
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I - RELATÓRIO

A..., com sede em Pampilhosa, Mealhada, deduziu embargos de executado, alegando, em síntese, que aceitou a letra dada à execução para pagamento de mercadoria, caixas de cartão, que lhe foram vendidas pela embargada, B.... Tais caixas não estavam em condições, com comprimento e largura, maiores do que a amostra que serviu de base ao fabrico. Vendeu 1.224 caixas de produto mate, em que teve de colocar mais 338,88 metros quadrados de material para ajustar a carga, sem nada cobrar ao cliente, o que lhe causou um prejuízo de 1.184.385$00. Do produto polido vendeu 563 caixas, com mais 135,12 metros quadrados, com um prejuízo de 552.370$00. Tem ainda em seu poder 16.680 caixas que não vai poder utilizar, cujo custo é de 433.680$00. Estes factos dão-lhe direito a recusar o pagamento.
A embargada contestou, alegando que entregou as mercadorias por seis vezes, por um lapso de tempo superior a um mês e nada disse quanto à qualidade do produto. A letra resulta de uma reforma, tendo as mercadorias sido fornecidas há mais de um ano.
Dispensada a audiência preliminar, foi saneado o processo e organizados os factos assentes e a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal tendo o tribunal respondido à matéria de facto vertida na base instrutória nos moldes exarados no despacho de fls. 75, não tendo havido reclamações.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar os embargos de executado procedentes e, na procedência da excepção de não cumprimento do contrato, julgar-se extinta a execução.
Inconformada com tal decisão veio a embargada, ora apelante, recorrer, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:

1. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos constantes dos autos, e consequentemente, uma errada aplicação do direito;

2. Desde logo, deveria ter feito uma distinção entre os contratos de compra e venda sobre a mercadoria que a Apelada não pôs em causa, nos embargos, e por outro lado, os contratos que tiveram por objecto a mercadoria cuja qualidade foi posta em causa pela Apelada;

3. Quanto aos primeiros contratos, porque não foram postos em causa pela Apelada, deveria o Meritíssimo Juiz ter condenado a Apelada no pagamento do preço respectivo, à Apelante, sem prejuízo de poder decidir pela declaração da compensação desta quantia com aquela que entendesse vir a condenar a Apelante, a pagar à Apelada, a titulo de indemnização;

4. Quanto à restante mercadoria, deveria o Meritíssimo Juiz ter apreciado a questão do prazo das reclamações sobre os defeitos da mesma, uma vez que só passados 7 meses após a recepção da mercadoria vem dela reclamar a Apelada.

5. Devendo o Meritíssimo Juiz ter valorado o facto de que a Apelada recepcionou a mercadoria e vendeu parte dela aos seus clientes, conformando-se com as medidas da mesma;

6. e ainda o facto de ter aceite uma letra, (após o envio da carta de reclamação junta a fis. 4), para pagar o preço da mercadoria entregue pela Apelante àquela, incluindo das caixas 60x40.

7. Quanto à alegada desconformidade das medidas, devia ter igualmente concluído, através do recurso às regras de cálculo aritmético, que era impossível que a Apelada tivesse o prejuízo que alegou ter, dizendo ter utilizado 338,88 m2 de azulejo, por forma a completar as caixas, sem que o facturasse aos seus clientes, quando ficou provado que as mesmas apenas diferiam entre 2 a 3 mm das medidas por si pretendidas, uma vez que,

8. a área disponível nas caixas não excedia entre 4 e 9 mm2, das medidas por si pretendidas;

9. Por último, não apreciou, o Meritíssimo Juiz, e deveria tê-lo feito, o facto de que a Apelada recepcionou 23.592 caixas com as medidas de 60x40, reclamou prejuízos em 1.787, alegou estar na posse de 16.680, mas não indicou o destino das restantes 5125 caixas que, assim, perfazem as 23.592 caixas recebidas.

10. Quanto a estas, pelo menos, deveria o Tribunal a quo considerar devido o pagamento do preço correspondente.

11. Já na aplicação das normas jurídicas, violou o Meritíssimo Juiz as disposições constantes do artigo 428° 1, do C. Civil, ao enquadrar os factos alegados pela Apelada na figura da excepção de não cumprimento;

12. Tal regime deveria, no entanto, ter sido afastado pelo Tribunal a quo, por não ter a Apelada arguido a anulabilidade dos contratos de compra e venda, ou pedido a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa ou a redução do preço da mercadoria;

13. Por outro lado, omitiu o Meritíssimo Juiz, a fundamentação e o enquadramento legal subjacente à condenação da Apelante na indemnização à Apelante, contida na parte final da douta sentença.

14. Além do mais, tal condenação está em contradição com toda a argumentação e fundamentação anteriormente expedida na douta sentença

15. De facto, na figura da excepção do não cumprimento apenas cabe a recusa da realização da prestação enquanto a outra parte não preste ou não se ofereça para prestar a sua;

16. Não cabendo aqui o direito a ser indemnizado por quaisquer prejuízos, os quais, a existirem, teriam de ser analisados à luz de diferentes disposições legais.

17. Por outro lado, entende a Apelante que o regime jurídico aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre Apelada e Apelante é o constante do Código Comercial, atendendo à qualidade de comerciantes das partes envolvidas e por terem sido celebrados no âmbito das suas actividades comerciais, e não o regime da compra e venda prevista no Código Civil, como então entendeu o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo.

18. Como tal, as disposições do Código Comercial relativas à compra e venda, exigem que o comprador, vd., a Apelada, no caso dos autos, proceda à denúncia dos defeitos da mercadoria no prazo de oito dias, após a recepção da mesma ou do conhecimento do defeito;

19. Pelo que, atentos o comportamento da Apelada e as circunstâncias que rodearam a reclamação sobre os “defeitos” da mercadoria, impunha-se concluir que, mesmo em consideração da carta de fls. 4, a reclamação foi efectuada fora de prazo, e após a aceitação da mercadoria, nas exactas condições em que foi fornecida pela Apelante.

A Apelada apresentou as suas contra-alegações, nas quais sustentou ser de manter a decisão recorrida nos precisos termos em que se mostra elaborada, sendo pois de rejeitar todas as conclusões da apelante.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
Questões a conhecer

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC.
São as seguintes as questões que são suscitadas pela apelante no âmbito do seu recurso:

A –Caracterização do contrato em causa e prazo de oito dias para a sua denúncia;
B – Excepção de não cumprimento

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Foram os seguintes os factos dados por provados na sentença:
1. A fls. 4 dos autos de execução, à qual os presentes embargos estão apensos, consta um documento, no qual se encontra inscrita a palavra “Letra”, figurando no lugar destinado ao aceite um carimbo mecanográfico, tendo nele impressa as palavras “A...., A ADMINISTRAÇÃO”, e aposta uma assinatura manuscrita, no espaço reservado à assinatura do sacador está impresso um carimbo mecanográfico com a inscrição “B..., A ADMINSTRAÇÃO”, estando apostas duas assinaturas manuscritas e no espaço destinado à importância (em escudos) está manuscrito 2.590.000$00, dando-se por reproduzido o restante teor (a).
2. O documento aludido em 1. destinava-se ao pagamento de mercadorias, caixas de cartão, que a embargada havia fornecido à embargante (b).
3. Com data de 12.6.00, a embargada enviou à embargante um fax, no qual, além do mais, consta que: “Em relação à v/reclamação, em termos dimensionais as diferenças entre a caixa amostra e as embalagens fornecidas por n/, tem uma diferença de 2 mm no comprimento e 1 mm na largura, que são medidas toleráveis”. Para além disso, as v/ caixas foram feitas por uma amostra do v/cliente não tendo havido possibilidade de experimentar nossa amostra, pois na altura V.Exªs não tinham peças para efectuar o respectivo ensaio” e cujo demais teor se dá por reproduzido (c).
4. Com data de 24.03.00, a embargante enviou à embargada a carta cuja cópia consta a fls. 4 do autos, na qual consta, além do mais, que “Efectivamente, estas caixas que nos forneceram em Agosto último tem originado múltiplas reclamações dos n/clientes” e cujo restante teor se dá por reproduzido (d).
5. Consta a fls. 22 dos presentes embargos, cujo teor se dá por reproduzido, um documento particular, tendo impresso os dizeres “Extracto de conta, no qual se encontram discriminados diversos movimentos bancários (e)
6. A embargante tem em seu poder e em stock 16.680 caixas de 60x40 (f).
7. As caixas de cartão 60x40 fornecidas pela embargada à embargante, têm comprimento e largura sensivelmente maior, entre dois a três milímetros, que a amostra que serviu de base ao seu fabrico (1º).
8. Em virtude dessa diferença a embargante, para utilizar tais caixas, teve que colocar em cada caixa mais um peça de azulejo para conseguir que o material encaixotado fique perfeitamente ajustado para não partir com os balanços do transporte (2º).
9. A embargante vendeu 1.224 caixas de produto “Mate” (3º).
10. Nas quais teve que colocar 338,88 m2 de material a mais para ajustar a carga de cada caixa (4º).
11. Sem cobrar ao cliente (5º).
12. O preço médio do produto “Mate” é de 3.495$00 (o metro quadrado) (6º).
13. A embargante vendeu 563 caixas de produto “Polido” (7º)
14. Nas quais teve que colocar 135,12 m2 com produto a mais para ajustar a carga de cada caixa (8º).
15. O custo médio do produto “Polido” é de 4.088$00 (o metro quadrado).

2. De direito

A Apelante não impugna a matéria de facto, pelo que o recurso em apreço circunscreve-se às questões de direito supra indicadas.
Apreciemos cada uma de per se.

A –Caracterização do contrato em causa e prazo de oito dias para a sua denúncia

Face aos elementos constantes dos autos e à posição assumida por ambas as partes, parece-nos claro estarmos perante um contrato de compra e venda mercantil, pois que o mesmo foi celebrado entre comerciantes, no exercício da sua actividade (vd. artgs. 2.º e 463.º, do Cód. Comercial).
De acordo com o disposto no art.º 879.º do C.C., constituem efeitos essenciais dos contratos de compra e venda, a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de entrega pelo devedor e a obrigação do pagamento do preço por parte do comprador.
Nos termos do art.º 406.º, n.º 1 do C.C. os contratos devem ser pontualmente cumpridos, sendo que o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor (art.º 798.º, do C.C.), incumbindo àquele (devedor) demonstrar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (art.º 799.º, n.º 1 do C.C.). Com efeito, em matéria de responsabilidade contratual, na falta de cumprimento ou no cumprimento defeituoso da obrigação presume-se a culpa do devedor, tendo o credor tão só que provar a existência do defeito, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do C.C., competindo por sua vez ao devedor ilidir a referida presunção.
Ora, ocorre o cumprimento defeituoso da obrigação quando a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo obrigacional tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo o defeito ser quantitativo ou qualitativo. Baptista Machado, in "Obra Dispersa", I, pág. 169.
No caso em apreço, ficou demonstrada a existência desta prestação defeituosa por parte do vendedor, pois que as caixas fornecidas não correspondiam em termos de dimensões às que tinham sido contratadas, havendo por isso que reconhecer que a embargante/recorrida cumpriu o ónus que sobre si impendia de comprovar a existência da venda defeituosa.
E terá a vendedora conseguido afastar a sua responsabilidade, ilidindo a presunção que contra si impendia?
Afigura-se-nos que não.
Vejamos.
Sustenta a apelante que encontrando-nos perante um contrato de compra e venda mercantil será aplicável ao mesmo o disposto no art.º 471.º do C. Comercial, o qual prevê a perfeição do contrato desde que no prazo de oito dias, após a entrega, o comprador não reclame da qualidade do produto vendido.
Segundo Ferrer Correia Lições, I, pág. 21 “Pretende-se, fundamentalmente, com este regime tornar certa, num prazo muito curto, a compra e venda mercantil, na medida em que o exija o sucessivo encadeamento das operações comerciais. Daí que este regime se deva circunscrever aos actos que traduzem o exercício profissional do comércio, com exclusão dos actos esporádicos, isolados, de compra para revenda.”
Ora este prazo de oito dias é um prazo de caducidade, pois que pode determinar a perda do direito à reclamação sobre a desconformidade entre a coisa comprada e a fornecida.
Trata-se pois dum facto extintivo do direito invocado, pelo que nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 342.º, do C.C., impendia sobre a embargada/apelante o ónus de prova da sua verificação, o que a mesma não logrou fazer.
Com efeito, na matéria de facto, no que a esta questão da reclamação diz respeito, é relevante o que consta do ponto 4: “Com data de 24.03.00, a embargante enviou à embargada a carta cuja cópia consta a fls. 4 do autos, na qual consta, além do mais, que “Efectivamente, estas caixas que nos forneceram em Agosto último tem originado múltiplas reclamações dos n/clientes” e cujo restante teor se dá por reproduzido”.
Sustenta a apelante que pelo facto da carta estar datada de 24 de Março de 2000 e das caixas terem sido recebidas pela compradora em Agosto de 1999, a reclamação tenha ocorrido naquela data e que nessa medida seria extemporânea.
Examinando a cópia da carta, para a qual o probatório remete, ficamos a saber que terão existido diversos contactos entre representantes das duas empresas – vendedora e compradora – no que concerne às caixas vendidas -“Após várias conversações entre o v/ Delegado, Sr. Luís Leite e o n/ colaborador, Eng.º Francisco Paço, continua ainda por resolver o problema com as v/ caixas 60x40” - sendo porém certo que em momento algum se diz quando é que se terá registado o primeiro, aquele que se poderia considerar como primeira reclamação.
Temos pois de concluir que pelo facto da carta estar datada de 24 de Março de 2000 e das caixas terem sido recebidas pela compradora em Agosto de 1999, tal não significa, como a apelante pretende, que a reclamação tenha ocorrido naquela data e que nessa medida seja extemporânea.
Ora, não estando demonstrado quando se terá verificado a reclamação e sendo esse facto passível de ser provado pela apelante (como já referimos supra), não se verifica a existência da excepção de caducidade do direito da embargante/apelada à reclamação.
Por outro lado, não resulta da matéria dada por provada qualquer outro facto que pudesse ter a virtualidade de ilidir a presunção de culpa da vendedora/apelante, donde se tenha que reconhecer a sua responsabilidade contratual.

Salienta ainda a apelante que a decisão recorrida deveria ter feito a “distinção entre os contratos de compra e venda sobre a mercadoria que a Apelada não pôs em causa, nos embargos, e por outro lado, os contratos que tiveram por objecto a mercadoria cuja qualidade foi posta em causa pela apelada” (conclusão 2.ª), daí extraindo que a apelada deveria ter sido condenada no pagamento do preço respectivo, efectuando se necessário fosse a devida compensação (conclusão 3.ª).
Sucede porém que a matéria dada por provada não nos permite concluir terem existido “vários” contratos de compra e venda, tudo indicando que se tratou de um único contrato, embora com entregas parcelares do produto, pelo que o cumprimento defeituoso parcelar, afectará todo o contrato, até que aquele seja corrigido. Tal só não ocorre assim, nas situações em que o defeito do cumprimento detectado seja ínfimo face ao todo, situação em que se poderá eventualmente alegar abuso de direito por parte do comprador, caso que no entanto não está em causa nestes autos.
Uma vez mais há que referir que competia à apelante alegar e provar essa sua versão da existência de diversos contratos, sendo certo que, como já se disse, o não fez.
Acrescente-se ainda que não resultou provado que mercadoria terá estado conforme com as especificações acordadas entre os contraentes, isto porquanto não se comprovou qual a quantidade total de material vendido, tendo-se apenas apurado o quantitativo que a apelada mantém em stock (16.680 caixas) e o que foi vendido com o defeito (1.787 caixas), ignorando-se se terá sido ou não vendido material sem o defeito detectado (vd. os pontos 6, 9 e 13) do probatório.
Por aqui se vê pois que se torna impossível efectuar um cálculo para efeitos de uma eventual compensação, caso a mesma fosse admissível.
Pelo que se deixa dito há pois que concluir não assistir razão à apelante nesta questão.

B – Excepção de não cumprimento

Como foi defendido na sentença (e bem), existindo uma venda de coisa com defeito, pode o comprador no contratos sinalagmáticos fazer funcionar a exceptio non rite adimplti contratus.
Como se refere no Ac. da Relação do Porto de 13/05/2005 In, www.dgsi.pt, a excepção de não cumprimento, “concretiza o princípio de justiça cumulativa de que ninguém deve ser compelido a cumprir uma obrigação enquanto a outra parte não cumprir a sua já vencida, tratando-se de obrigações correlativas uma da outra. Constitui um meio de garantia do credor e de coerção que pressiona o outro contraente a cumprir perfeitamente. A justificação da exceptio radica na relação de correspectividade que existe entre as prestações dos contraentes, operando, portanto, no domínio dos contratos bilaterais e em relação ás obrigações ligadas por um sinalagma funcional, por um vínculo de correspectividade, no sentido de que cada uma delas é causa da outra; só aproveita às obrigações interdependentes. Corresponde ‘a uma concretização do princípio da boa fé’ enquanto constitui um ‘meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio ou equivalência das prestações que caracteriza o contrato bilateral’ (P. Lima/A. Varela, C.C.Anotado, I, 3ª Ed, em anotação ao artigo 428º).”
Por seu turno no acórdão do S.T. de 3/04/2003 In, www.dgsi.pt refere-se: “A excepção do não cumprimento do contrato pode ser oposta mesmo no caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso. Cfr. Acórdão do S.T.J. de 30 de Novembro de 2000 (Miranda Gusmão) in "Colectânea-Supremo", ano VIII, tomo III, pág. 150 e ss. e lugares aí citados.
“O que é justo, escreve Antunes Varela (4), e está conforme com o pensamento subjacente aos contratos bilaterais, espelhado claramente no art.º 428º e noutras disposições mais do Cód. Civil, é que o contratante que cumpre defeituosamente a sua obrigação não tem o direito de exigir a respectiva contraprestação, como se nenhuma falta houvesse da sua parte dentro da economia da relação contratual, e enquanto não corrigir o defeito da sua prestação.
“E quando alguns dos defeitos da prestação efectuada são verdadeiramente irreversíveis, o contraente faltoso só readquire o direito à contraprestação quando prévia ou simultaneamente se oferece para reparar os danos causados à contraparte, repondo a situação dela.
“Não aplicar ao dever de indemnizar correspondente ao cumprimento defeituoso da obrigação, quando esta seja uma obrigação sinalagmática, o mesmo regime da reciprocidade (...) seria, além de uma ilegalidade (por contrária ao espírito do art.º 428º do Cód. Civil e de outras disposições afins), uma injustiça, na medida em que constituiria um verdadeiro prémio para quem prevaricou.”
Como já tínhamos afirmado no ponto anterior, a embargante/apelada logrou demonstrar a existência de cumprimento defeituoso por parte da vendedora/embargada/apelante, donde, encontrando-nos nós perante um contrato sinalagmático assiste-lhe o direito (como foi referido na sentença recorrida) de não cumprir com a sua obrigação correlativa de pagar o preço, até que a prestação defeituosa seja corrigida.
A apelante refere no entanto nas suas alegações que não seria admissível, no caso, enquadrar a factualidade provada na figura da excepção de não cumprimento, por a embargante/apelada não ter arguido a anulabilidade dos contratos de compra e venda, ou pedido a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa ou a redução do preço da mercadoria (conclusões 11 e 12).
Sucede porém que o accionamento da excepção de não cumprimento não está dependente da prévia arguição da nulidade do contrato, ou do pedido de eliminação dos defeitos, da substituição da coisa ou da redução do preço (que aliás tudo indica terá sido feito, como parece resultar da correspondência trocada entre as partes - vd. carta de fls. 4, que integra o ponto 4 do probatório), antes podendo ser exercido autonomamente e de acordo com o interesse do titular desse direito, como realmente aconteceu.
Nas suas conclusões (13.ª a 16.ª, sendo que na primeira destas repetiu-se a palavra apelante, quando é certo que o sentido pretendido pela embargada será certamente que na segunda dessas palavras estivesse escrito apelada) refere finalmente a apelante que mal terá andado a Senhora Juíza ao tê-la condenado em indemnização à embargante/apelada.
Ora, não se descortina em lado nenhum da sentença recorrida que a Senhora Juíza tenha condenado a apelante a pagar à apelada qualquer tipo de indemnização, razão pela qual fica desde logo prejudicada a apreciação dessas conclusões.
Por tudo o que deixamos dito, há pois que concluir que bem andou a Senhora Juíza ao integrar a situação fáctica provada na figura da exceptio non rite adimplti contratus, não assitindo assim também razão à apelante nesta questão.


IV – DECISÃO

Assim, acorda-se em negar provimento ao recurso e, concomitantemente, em manter a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra,