Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
694/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA EM BENS DE TERCEIRO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA - APLICABILIDADE À ACÇÃO EXECUTIVA
Data do Acordão: 04/26/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 279º, Nº 1, 821º, Nº 2, DO CÓD. PROC. CIVIL E 818º DO CÓD. CIVIL
Sumário: I – De acordo com o disposto nos artºs 821º, nº 2, do Cód. Proc. Civil e 818º do Cód. Civil, o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito (como é o caso de ter sido prestada uma fiança ou de ter sido constituída uma garantia real), ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado (caso da impugnação pauliana).
II – O disposto na 1ª parte do nº1 do artº 279º do Cód. Proc. Civil não é aplicável à acção executiva, já que nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado, não se verificando, por isso, o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher, B..., instauraram, em 11/10/2002, pelo Tribunal da comarca de Coimbra, execução com processo ordinário contra C... e mulher, D..., e E... e marido, F..., para cobrança da quantia de 13.705,90 €, e juros legais vincendos até integral pagamento.

Em 08/05/2003, vieram os exequentes nomear à penhora, além do mais, a meação da executada E... sobre o prédio urbano sito no Vale do Inferno, concelho de Condeixa-a-Nova, inscrito na matriz sob o artº 652, e o prédio urbano sito em Vinha Velha, concelho de Coimbra, inscrito na matriz sob o artº 726.

Por despacho de 15/05/2003, foi ordenada a penhora do direito à meação e a notificação dos executados.

Em 29/05/2003, veio o executado F... informar que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 652, já não se encontra em regime de compropriedade, tendo como seu único e exclusivo proprietário o ora declarante porquanto adquiriu a quota da sua consorte na comunhão, por escritura de partilhas de 26.07.2002, outorgada no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova, e que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 726 não é propriedade do ora declarante.

Juntou fotocópia da aludida escritura de partilhas.

Os exequentes vieram, a fls. 115/117, pronunciar-se sobre tal exposição, dizendo, além do mais, que a partilha é simulada e, portanto, nula, e que, por isso, a informação trazida aos autos não pode impedir que a execução prossiga e que seja feita a penhora requerida, para posteriormente se discutir este direito e o respectivo documento, terminando por requerer que fosse ordenada a penhora.

Por despacho de 18/06/2003 (fls. 118 e vº), foi o requerimento dos exequentes indeferido, por se entender que os bens nomeados à penhora não podem ser penhorados em virtude de não pertencerem à executada.

Inconformados, interpuseram os exequentes recurso, recebido como de agravo, a subir quando se concluíssem as diligências da penhora, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

A execução prosseguiu, com a penhora de um imóvel dos executados C... e D..., tendo os exequentes, posteriormente, desistido da execução em relação a estes executados, desistência homologada por sentença, entretanto transitada.

Em 24/05/2004, vieram os exequentes requerer a suspensão da instância, nos termos do artº 279º do C.P.Civil, em virtude de terem instaurado, em 08/01/2004, acção de nulidade da escritura de partilha, contra o F...e a E..., visto o prosseguimento da execução estar pendente dessa referida acção.

Por despacho de 08/10/2004 (fls. 245 e vº), foi o requerimento indeferido, por se entender que a presente execução não pode ser suspensa com fundamento na existência de uma alegada relação de prejudicialidade entre ela e a acção de declaração de nulidade da partilha nos termos da 1ª parte do nº 1 do artº 279º, posto que em processo executivo não há decisão que dependa do julgamento de outra.
Inconformados com tal despacho, interpuseram os exequentes novo recurso de agravo.
São do seguinte teor as conclusões das alegações dos dois recursos:
1º Recurso de Agravo.
a) A execução foi instaurada não só contra a referida E..., mas também contra o seu ex-marido, F....
b) O prédio sobre o qual se requereu a penhora era propriedade do casal, ou seja, da E... e do F....
c) Mas estes entretanto divorciaram-se, ficticiamente, uma vez que continuam ambos a viver na casa, mas para fugirem à responsabilidade da E..., fizeram uma escritura de partilha que juntaram aos autos.
d) Mas, pela mesma verifica-se à primeira vista que o ex-cônjuge F..., ficou com todos os bens que tinham valor, e a E... com uma quota sem qualquer valor.
e) E os exequentes tomaram posição face a esta atitude e conteúdo da escritura, arguindo a nulidade da mesma.
f) Por esta razão, a Mm. Juiz a quo devia ter ordenado a penhora, para a partir da mesma se discutir o direito dos exequentes se virem a pagar pelo prédio.
g) Assim, a decisão sub judice fez errada interpretação das leis aplicáveis, violando os artºs 821º do Cód. Proc. Civil, 818º do Cód. Civil e 119º do Cód. Reg. Predial.
2º Recurso de Agravo.
a) Os recorrentes instauraram uma execução contra a recorrida, onde nomearam à penhora o prédio urbano id. na verba três da escrituras pública, de fls. 108, e referida no item 2 da rubrica B- A Questão, destas alegações.
b) E chegou a ser ordenada a penhora pelo Despacho de 15/05/2003, a fls. 98 dos autos.
c) E veio o ex-marido da executada, ora recorrida, tomar posição sobre a penhora, através da junção da escritura de partilha, onde a casa foi adjudicada ao ex-marido F....
d) Por esta escritura verifica-se que a executada E... não ficou com qualquer bem que tenha valor, pois o marido ficou com a cãs e um carro, e ela apenas com uma quota da sociedade BRACO – Acessórios de Automóveis, Ldª, já desactivada e onde esta tinha até renunciado à gerência.
e) E face a esta situação e levada em consideração, além do mais, o conteúdo do nº 1 do artº 1730º do Cód. Civil, vieram os exequentes instaurar acção que anulasse aquela escritura, e que permitisse o pagamento através daquele bem, a qual corre os seus termos no Proc. nº 32/04.OTBCBR da 1ª Sec. da Vara Mista do Tribunal de Coimbra.
f) Como não existissem outros bens, uma vez que o salário da executada foi julgado impenhorável, pelo despacho de 29/05/2003, a fls. 103.
g) Como os outros executados vieram pagar a sua quota-parte na dívida, os exequentes requereram o prosseguimento da execução apenas contra a recorrida, e assim foi admitido pelo despacho de 15/04/2004, a fls. 211.
h) De imediato foi proferido o despacho de fls. 214, que determinou: “Aguardem os autos o impulso processual do exequente sem prejuízo do decurso do prazo a que alude o artº 51º, nº 2 do C.C.J.”.
i) Face a este despacho e para evitar que o processo fosse à conta e ficasse sujeito à interrupção da instância (artº 285º do CPC) e depois à deserção (artº 291º), requereram os exequentes que fosse suspensa a instância até à decisão da referida acção, nos termos do artº 279º do C.P:Civil.
j) A Mm. Juiz a quo indeferiu tal pedido, com o argumento que na execução não se pode requerer a suspensão da instância, mesmo existindo uma acção prejudicial, pelo seu despacho de 30/09/2004, a fls. 245.
l) Mas, salvo o devido respeito, na decisão fez-se errada interpretação do referido artº 279º, pelo que deve ser considerada ilegal.
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Não houve contra-alegações.
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O Sr. Juiz sustentou os despachos recorridos.
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Colhidos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Além dos factos constantes do relatório que antecede, importa ter em consideração mais o seguinte:
- O executado F... deduziu, em 21/01/2003, embargos de executado, alegando não ter qualquer responsabilidade pela dívida no valor de 9.942,47 € peticionado na execução, visto a mesma ter sido contraída exclusivamente pela sua esposa E..., no exercício da sua actividade, encontrando-se actualmente (à data dos embargos) da referida executada.
- Os embargos foram, pelo saneador/sentença de 09/04/2003, julgados procedentes, julgando-se extinta a execução quanto ao embargante F....
- O referido despacho saneador/sentença transitou em julgado em 05/05/2003.
- Por sentença de 29/05/2002, transitada em julgado, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a executada E... e F... (cfr. doc. junto a fls. 9/10 dos embargos apensos).
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Sabido que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, vamos apreciar os recursos pela ordem da sua interposição.

1º Recurso de Agravo.
Nos termos do artº 821º do Código de Processo Civil (redacção anterior ao Decreto-Lei nº 38/2003, de 08 de Março), estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, de harmonia com a lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
De acordo com tal preceito, podem também ser penhorados bens de terceiro, nos casos especialmente previstos na lei, desde que a execução tenha sido movida contra ele.
Devolve, assim, a lei processual à lei substantiva a definição do âmbito dos bens sobre que pode recair a execução, tanto no respeitante ao devedor, como ao terceiro.
Quanto à segunda situação (única que aqui nos interessa apreciar), destaca-se o artº 818º do Código Civil.
Este artigo permite a execução de bens de terceiro quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.
Os bens de terceiro podem estar vinculados à garantia do crédito nos casos de ter sido prestada uma fiança ou de ter sido constituída uma garantia real.
A parte final do preceito é confirmada pelo artº 616º, nº 1, do C.Civil - que regula os efeitos da procedência da impugnação pauliana -, onde se dispõe que, julgada procedente a impugnação pauliana, o credor tem direito à execução dos bens no património do terceiro adquirente.

No presente caso, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artº 652 foi nomeado à penhora em 08/05/2003.
Nessa data o mesmo já não pertencia à executada E..., mas sim ao seu ex-cônjuge F... (cfr. escritura de partilhas de 26/07/2002).
Na altura em que foi nomeado o bem à penhora o F... era terceiro em relação à execução, uma vez que, por decisão de 09/04/2003, proferida nos embargos de executado por ele deduzidos, foram os embargos julgados procedentes e julgada extinta a execução quanto ao mesmo embargante.
Sendo terceiro, não se verifica nenhuma das situações previstas no artº 818º do Código Civil, para lhe poder ser penhorado o referido prédio urbano.
Ao contrário do que entendem os recorrentes, não é possível estar a apreciar na execução a nulidade da escritura de partilhas, atenta a finalidade da acção executiva, prevista no nº 3 do artº 4º do Código de Processo Civil.
Também não é caso de aplicação do disposto no artº 119º do Código do Registo Predial, em virtude de haver já nos autos elementos a indicar que, à data da nomeação do prédio à penhora, este já não pertencia à executada, tratando-se, além do mais, de um acto inútil, visto o F..., logo que notificado da nomeação do prédio à penhora, ter vindo ao processo declarar que tal prédio era dele.
Por isso, não merece censura o despacho recorrido, improcedendo, consequentemente o recurso.
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2º Recurso de agravo.
O artº 279º do Código de processo Civil dispõe no seu nº 1 que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
A primeira parte deste preceito não é aplicável à acção executiva.
Com efeito, como já ensinava o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 274), a 1º parte do artº 284º (hoje 279º, nº 1, 1ª parte) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva. Não se verifica assim o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta.
Também o Cons. Rodrigues Bastos (Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 45) refere que, desde que a suspensão resulta de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta, parece clara a sua inaplicabilidade ao processo de execução, em que não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado. Para este autor não se vêem já razões, no entanto, para advogar a inaplicabilidade do preceito no que respeita às fases declarativas que, por vezes, se enxertam no processo executivo.
Para o P.G.Adj. Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., pág. 281/282), mantém actualidade o assento do STJ de 24/05/1960, segundo o qual a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento deste preceito.
No sentido propugnado – de que a execução propriamente dita não pode ser suspensa ao abrigo do disposto na 1ª parte do nº 1 do artº 279º - vai também a jurisprudência quase uniforme dos Tribunais Superiores (cfr., entre outros, além do assento atrás aludido, os Acs. do STJ de 04/06/1980, BMJ 298º-232, de 14/01/1993, CJ, T1-59, e de 18/06/1996, CJ, T2-149, da R.L. de 08/04/2003, CJ, T2-113, da R.C. de 01/06/1999, BMJ 488º-416, da R.P. de 07/07/2003, CJ, T4-163, e da R.E. de 04/07/1996, CJ, T4-275).

No caso sub iudice, os exequentes requereram a suspensão da instância na acção executiva pelo prazo julgado necessário ao julgamento da acção que instauraram com a finalidade de obter a nulidade da escritura de partilha.
Como vimos, tal suspensão não é admissível, pelo que não pode o recurso deixar de improceder.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento aos recursos interpostos pelos exequentes, mantendo os despachos recorridos.

Custas pelos recorrentes.