Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1705/06.8TAAVR
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. RIBEIRO MARTINS
Descritores: RECURSO
PRAZO EM CASO DE RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 10/08/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 661º, Nº 1 CPC, 380º,1,405º,4,411º, B) CPP
Sumário: 1. Em caso de reclamação o início da contagem do prazo para a apresentação do recurso só poderá ser excepcionalmente protelado quando a reclamação tiver algum fundamento atendível em termos de substância e a sua correcção possa ter influência nos termos da motivação do recurso.
2. Mas não quando se apresenta manifestamente infundada, ainda por cima quando na sua aparência se configura como um modo de revelar ao julgador o contragosto e a reprovação pelo decidido.
Decisão Texto Integral: Processo 1705/06.8TAAVR

Crime de falsas declarações

Aveiro

I
1- Nestes autos de processo comum AJ foi condenado em 180 dias de multa à taxa diária de €10 pela prática dum crime de falsas declarações [art.º 360º/1 e 3 do Código Penal].
2- Recorre inconformado com a decisão de facto, mas o tribunal não lhe admitiu o recurso por extemporâneo.
3- Deste despacho reclamou para o Exmo. Presidente desta Relação que em juízo prudencial mandou subir o recurso.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar!
II
Como a nossa decisão vai no sentido da extemporaneidade da apresentação do recurso, dispensamo-nos de aqui deixar consignados quer o teor das suas conclusões quer da decisão judicial recorrida.
1- Nos termos do art.º411º/1 alínea b) do Código de Processo Penal o prazo para se interpor recurso da sentença é de 30 ou de 20 dias contados da data do seu depósito na secretaria, conforme haja ou não recurso da decisão de facto.
No caso em apreço o recurso apresentado é-o da decisão de facto, pelo que o prazo a ter em conta é o de 30 dias contados do depósito da sentença, a cuja leitura estiveram presentes o arguido e mandatário.
A leitura e o depósito da sentença ocorreram a 11/10/2007. Contudo, a 24/10/2007, o arguido apresentou uma reclamação contra um segmento da decisão de facto constante da sentença, reclamação com o teor de fls. 174/176 e que mais não é do que uma reacção de discordância com tal fundamentação.
A reclamação foi indeferida e o arguido apresentou a motivação do recurso a 3/12/2007.
Coloca-se, então, a questão de saber se a apresentação de tal reclamação tem a virtualidade de suspender ou de interromper o prazo em curso para a apresentação do recurso.
Sabemos que o tribunal recorrido entendeu que a sua apresentação não suspendeu ou interrompeu a sua contagem, dum modo tácito assim o deixando entender no despacho a fls. 184.
Depois disse-o dum modo expresso no despacho de fls. 212 em que não admitiu o recurso por extemporâneo. Reclamou então o recorrente para o Ex.mo Presidente desta Relação que em juízo prudencial [cfr. despacho de fls. 282/283] decidiu admitir provisoriamente o recurso.
No despacho do Ex.mo Presidente são expostas as duas divergentes correntes jurisprudenciais com a indicação de decisões publicadas num e noutro sentido. Neste despacho refere-se o seguinte – “ A jurisprudência encontra-se dividida sobre tal temática; uma corrente defende a inaplicabilidade desse preceito [art.º 661/1] do processo civil[1], enquanto outra propende pela sua aplicação[2]. (…) O recurso poderá ser considerado tempestivo se for perfilhada a segunda das apontadas orientações e extemporâneo se a opção for pela primeira”.
Mas não sendo a decisão do Ex.mo Presidente definitiva (cfr. art.º 405º/4 do CP P), recoloca-se aqui e agora a necessidade duma pronúncia definitiva sobre tal questão.
O art.º 380º/1 do Código de Processo Penal estatui que «O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando –  a) (…); b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial». Refere o preceito que a eliminação das referidas deficiências não pode traduzir-se em modificação essencial do julgado.
Alberto dos Reis referia que uma sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Mais refere que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade.
A nosso ver, os erros ou lapsos referidos no preceito serão erros ou falhas de escrita ou de cálculo.
Mas reportando-se o preceito a deficiências cuja correcção não importe “modificação essencial” [do julgado], o que o referido preceito legal significa é que quando a sentença contiver erro material, obscuridade ou ambiguidade, esse erro deve ser corrigido e essa obscuridade desfeita desde que vá ao encontro daquilo que o tribunal quis efectivamente dizer.
Ou seja, a correcção deve ser feita desde que vá ao encontro do que estava no pensamento do julgador dizer quando redigiu a sentença. A modificação essencial de que fala o preceito afere-se em relação ao que estava no pensamento do tribunal decidir e não em relação ao que ficou escrito.
As modificações são «essenciais» se feitas em desencontro com o que estava no pensamento do tribunal dizer. De outro modo ficaria aberto o caminho para alterar decisões mesmo com o poder jurisdicional esgotado. Daqui que, também a nosso ver, para que essas modificações sejam possíveis ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.º 380º do Código de Processo Penal o erro terá de ser manifesto. Isto é, terá de resultar evidente do texto da sentença o que se pretende ver corrigido.
No caso dos autos o arguido apresenta uma reclamação que mais não é do que uma reacção negativa ou de “reprovação” do sentido do julgado, ou mais concretamente, uma reacção contra a fundamentação da decisão de facto por erro de julgamento ou de valoração das declarações e depoimentos produzidos. Não que seja ininteligível ou se preste a mais do que uma interpretação o que ficou escrito pelo julgador ou que se manifestem erros de escrita que atraiçoem o pensamento do julgador.
Ora, quanto a nós, se há uma reacção negativa contra o decidido não porque contenha deficiências de escrita que não implicam a modificação essencial do julgado, mas porque se discorda da respectiva decisão ou fundamentação desta, a via legal que se impõe é a do recurso para o tribunal superior e não a da reclamação para o mesmo juiz.
E assim se compreende a razão pela qual o art.º 411º/1 do Código de Processo Penal ignora as reclamações. As reclamações de que fala o art.º 380º/1 alínea b) não são, em princípio, impeditivas da imediata interposição do recurso. Tanto que o n.º2 do artigo admite que a sua correcção seja feita pelo tribunal superior se o recurso da sentença já tiver subido.
Se o reclamante lança erradamente mão da reclamação é óbvio que carecendo esta de fundamentação legal não pode ter o condão de fazer suspender ou de fazer interromper o prazo em curso quer reclamante o faça ou não faça com segundas intenções [v. g. a de protelar o prazo de apresentação do recurso].
Assim, quanto a nós, o início da contagem do prazo para a apresentação do recurso só poderá ser excepcionalmente protelado quando a reclamação tiver algum fundamento atendível em termos de substância e a sua correcção possa ter influência nos termos da motivação do recurso. Mas não quando se apresenta manifestamente infundada, ainda por cima quando na sua aparência se configura como um modo de revelar ao julgador o contragosto e a reprovação pelo decidido.
Ela será manifestamente infundada quando o que se pretende é demonstrar ao juiz o errado do seu julgado e não o são propósito de obter uma correcção de lapsos manifestos que não importam a alteração do julgado. Para aqueles outros lapsos aí está a via do recurso.
No caso dos autos o infundado da reclamação é evidente. Ao juízo do reclamante assim expresso – “ (…) entende o arguido verifica-se obscuridade na sentença na parte em que refere «Teve-se ainda em conta as declarações do arguido que admitiu o que tinha dito na referida audiência… insistindo que dissera a verdade no dito julgamento – o que afirmou até ao fim contra todas as evidências, incluindo…informações que ele próprio requereu fossem solicitadas» porquanto as informações a que aí se alude não evidenciarão, salvo o devido respeito, contradição com o que pelo arguido foi declarado – quando muito a informação prestada pelo Carlos Matos estará, ela sim, em contradição com a s informações prestadas a fls. 142/143”, respondeu o juiz em despacho manuscrito de fls. 178 nos seguintes termos – “ Salvo o devido respeito a sentença não contém qualquer obscuridade que cumpra aclarar. Se o arguido não se conforma com a mesma, se de alguma forma não concorda com ela, deve impugná-la de forma própria mediante interposição de recurso. As declarações/depoimentos prestados oralmente estão gravados e a prova documental nos autos, pelo que não será difícil sindicar a decisão sobre a matéria de facto…Agora obscuridade entendemos não existir nenhuma, pelo que nada havendo a aclarar se indefere o requerido”.
Assim, somos em concluir que o recurso foi interposto fora de prazo. Efectivamente a reclamação indevidamente apresentada não pode ter o condão de suspender ou de interromper a contagem do prazo para a sua interposição.
Sendo o depósito da sentença de 11/10/2007 nesse dia iniciou-se a contagem do prazo para o recurso. E sendo ele de 30 dias já que o arguido recorre da decisão de facto, o termo do prazo normal deu-se a 12/11/2007 e o prazo acrescido de três dias úteis a que se refere o art.º 145º/5 do Código do Processo Civil a 15/11/2007. Ora, o recurso é de 3/12/2007.
III –
Decisão –
Termos em que, nos termos dos art.ºs 414º/2 e 420º/1 alínea b) do Código de Processo Penal, se rejeita o recurso por apresentado fora de prazo. Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs, nesta quantia se tendo por já incluída a importância referida no art.º 420º/3 do Código de Processo Penal.
Coimbra, 18 de Junho de 2008    
             O relator
                
  


[1] Cfr. neste sentido, o acórdão da Relação de Guimarães de 23/4/2007 in CJ, ano XXXII, 2, págs. 294/295 e demais arestos nele indicados.
[2] Cfr. neste sentido, além dos citados pelo reclamante, acórdãos da Relação de Lisboa de 12/5/2003, in CJ Ano XVIII, 3, p. 161; acórdão da Relação do Porto de 20/4/2005, n.º convencional JTRP00037946, acórdão da Relação do Porto de 31/1/2007 n.º convencional JTRP00040001, e acórdão da Relação do Porto de 7/11/2007, n.º convencional JTRP00040741, acessíveis in www.dgsi.jtrp.