Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
486/08.5GAPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MAUS TRATOS PSÍQUICOS
Data do Acordão: 01/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE PORTO DE MÓS - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 152º, DO C. PENAL
Sumário: O bem jurídico protegido no tipo legal de crime de violência doméstica reside na dignidade da pessoa humana, incluindo-se todos os comportamentos que lesem essa dignidade.
Tendo o arguido privado a sua esposa do acesso à água, gás, electricidade, telefone e correio, na casa onde ambos habitavam, deve interpretar-se tal conduta, segundo as regras da experiência comum, como a privação dos bens essenciais no espaço da residência que será o reduto de maior tranquilidade de qualquer pessoa, constituindo uma forte humilhação e privação do que de mais essencial se espera desse espaço privado, atentatória da dignidade humana e quem assim actua não pode desconhecer esse facto (basta que se coloque mentalmente na mesma situação).
Decisão Texto Integral: I. Relatório
Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular nº 486/08.5GAPMS do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, o arguido A..., identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal.
O Hospital de Santo André, EPE, deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, pelos tratamentos prestados à ofendida B..., reclamando o pagamento de € 324,00 acrescidos de juros legais desde a notificação e até integral pagamento.
A ofendida B..., constituiu-­se assistente, aderiu à acusação pública e deduziu pedido cível contra o arguido requerendo indemnização em valor não inferior a € 5.020,25, acrescida de juros legais vencidos desde a data da dedução do pedido cível e até integral pagamento.

Realizada que foi a audiência de julgamento, em 31 de Março de 2011, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nestes termos e com os fundamentos expostos decido:
- Condenar o arguido, A..., como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.º 2, por referência à alínea b), do n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão;
- Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pelo período de um ano;
- Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 uc, e demais encargos legais;
- Condenar o arguido a pagar à demandante B..., a quantia de €: 2.000,00 a título de indemnização por facto ilícito, acrescido de juros contados à taxa legal sobre esta quantia, desde a notificação do pedido de indemnização cível e até integral pagamento.
- Absolver o arguido o arguido do pedido de indemnização formulado pelo demandante Hospital de Santo André - Leiria;
- Custas cíveis na proporção do decaimento.

Inconformado, recorreu o arguido A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1. O arguido foi condenado em sentença pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.º 2, por referência à alínea b), do n.º 1 do C. Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa por pelo período de um ano e condenado a pagar à demandante B..., a quantia de € 2.000 a título de indemnização por facto ilícito, acrescido de juros contados desde à taxa legal sobre esta quantia, desde notificação do pedido de indemnização cível e até integral pagamento.
2. Contudo o recorrente não se conforma com a mesma, quer por entender por não ter sido efectuada uma correcta apreciação da prova produzida em sede de julgamento, da qual faz transcrição das partes que imporem decisão diferente, assim como, e em consequência, entende ter sido efectuada uma deficiente aplicação do direito aos factos.
3. No que à matéria de facto concerne e com o qual o recorrente não se conforma, que a prova carreada para a audiência de discussão e julgamento não foi suficiente para considerar como provada a matéria constante dos pontos 6 e 23.
4. O recorrente negou a prática do facto dado como provado no ponto 6 da sentença mas o meritíssimo juiz deu como provado esse facto apenas com base no depoimento da testemunha C..., irmã da assistente.
5. No entanto, além desta testemunha, mais ninguém ouviu o arguido proferir qualquer expressão ofensiva contra a assistente. Muito pelo contrário, o que as restantes testemunhas afirmaram foi que a assistente insultava o arguido, que nem sequer lhe respondia.
6. Apesar de uma acusação repleta de factos de carácter muito grave, nada se considerou provado, muito por conta do depoimento da assistente que foi mesmo considerado na sentença" genérico, desconexo e de pouca credibilidade".
7. Assim, e conforme resulta da sentença foram apenas as declarações proferidas pela testemunha C... que foram consideradas para dar como provado o ponto 6, que foi determinante para a condenação do arguido.
8. O Meritíssimo descredibilizou o testemunho do recorrente, dando crédito só a uma única testemunha, violando deste modo o princípio "in dubio pro reo".
9. No que diz respeito ao ponto 23 da sentença foi dado com provado que "Ao privar a sua esposa do acesso à água, gás, electricidade., telefone e correio, na casa onde ambos habitavam, sabia o arguido que atentava contra a dignidade humana da sua esposa, causando-­lhe sofrimento psíquico, o que quis e conseguiu".
10. Mas entende o recorrente que não ficou provado que o acto acima referido "colocou a ofendida numa situação de quase indigência no interior da sua própria casa, acto que não se pode deixar de considerar extremamente humilhante e lesivo da sua dignidade humana, o que o arguido sabia, e quis.". Esta é a descrição utilizada na sentença para enquadrar o comportamento no tipo legal do crime.
11. Não pode aceitar o recorrente que se considere provado que: " ... causando-lhe sofrimento psíquico, o que quis e conseguiu".
12. Não se fez prova que o episódio acima referido, que conforme se descreve na douta sentença, surgiu como uma retaliação por ter a assistente retirado da conta da filha de ambos dinheiro depositado, teria colocado a assistente numa situação de indigência no interior da sua própria casa.
13. Tal conclusão não resulta de uma análise objectiva da prova produzida em audiência de julgamento, como ainda e face à incoerência e pouca precisão dos depoimentos prestados, deveria no mínimo, ter o M.º Juiz atendido ao princípio in dúbio pró réu, completamente olvidado na apreciação dos factos.
14. Na verdade, e no final de uma vastíssima acusação, condena-se o recorrente por um crime de violência doméstica assentando tal condenação em apenas dois comportamentos. Por um lado as ofensas verbais praticadas pelo arguido, chamando á sua esposa "vaca", tendo por base apenas o depoimento de uma única testemunha, irmã da assistente. Por outro lado o facto do arguido ter negado à ofendida o acesso a bens e serviços absolutamente necessários para a sua vida diária.
15. Nenhuma testemunha relatou ou confirmou o referido sofrimento que tal situação teria provocado na assistente. Aliás foi referido que foi ela que provocou a situação.
16. Como tal resultou, uma incorrecta subsunção dos factos provados ao tipo legal de crime praticado.
17. Não se compreende que o julgador não tenha dado qualquer relevância probatória as testemunhas de defesa.
18. O Julgador não pode ao arrepio de toda a prova produzida, das contradições e incoerências demonstradas decidir em sentido contrário ao arguido.
19. Tendo em atenção o supra referido, entende-se que a prova fornecida durante a audiência de discussão e julgamento não justificam de forma alguma ter-se considerado provado os factos referidos nos pontos 6 e 23.
20. Tais factos ter-se-iam que considerar não provados o que implicaria necessariamente a absolvição do arguido.
21. O Meritíssimo Juiz a quo não valorou devidamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento o que se veio a traduzir numa deficiente decisão sobre a matéria de facto dada como provada, e assim numa injusta condenação.
22. Mesmo considerando os factos dados como provados como correctos, o que também só se admite por mero dever de patrocínio, o Tribunal recorrido fez um incorrecto enquadramento jurídico dos mesmos.
23. Entende assim o recorrente, que mesmo que se considerassem os factos dados como provados na sentença, estes não são susceptíveis de integrar a prática do crime pelo qual vem condenado – crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.º 2, por referência à alínea b), do n.º 1 do C. Penal.
24. A conduta do recorrente não foi suficiente para lesar o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica, não reveste gravidade suficiente para que se possa falar de crime em questão.
25. O recorrente entende que mesmo que se dessem como provadas as duas situações descritas nos factos dados como provados (ponto 6 e 23) estas não representam uma grave agressão que se enquadre na protecção a que se refere o artigo 152° do C. P.
26. O recorrente agiu sempre numa situação de legitima defesa, e portanto, ao abrigo de uma causa exclusão de ilicitude.
27. Os dois únicos comportamentos apontados para integrar o crime de violência doméstica não assumem gravidade tal que atinja o bem jurídico protegido.
28.A situação de conflito vivida pelo casal, as constantes discussões e provocações cometidas pela assistente, o permanente clima de animosidade tem de ser devidamente valorado e apreciado dentro de um contexto muito específico.
28. Não são todas as ofensas entre cônjuges que cabem na previsão criminal do artigo 152°, mas aqueles que revistam de uma certa gravidade.
29. Toda a factualidade apurada em audiência de julgamento não consubstancia a colocação da assistente como uma vítima. Todos os comportamentos por parte do arguido resultaram apenas da tentativa do arguido se proteger a si e à sua filha dos constantes comportamentos desequilibrados e ofensivos por parte da assistente. A assistente nunca se sentiu amedrontada ou humilhada, pois continuava constantemente a provocar situações e confrontos.
30. Violando deste modo, o Meritíssimo o Principio "in dubio pro reo", a prova proferida nos presentes autos, não foi o suficiente para condenar o recorrente na prática de um crime que não cometeu.
31. Pelas razões explanadas, se entende, que mesmo que considerassem tais factos como provados, eles não assumiram tal gravidade de modo a atingir o bem jurídico protegido por este tipo legal de crime.
32. Não foi realizada uma apreciação cabal e digna das provas efectuadas em sede de julgamento, condenando erradamente pessoas que estão inocentes, violando na douta sentença recorrida o princípio constitucional "IN DUBIO PRO REO", corolário da presunção da inocência.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso, absolvendo o Recorrente dos crimes por que foi condenado e por via disso, ser revogada a decisão recorrida.
ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo o seguinte:
1. Para dar como assente os factos enunciados no ponto 6, a sentença estriba-se, no depoimento prestado por C... Teixeira Barbosa da Silva que depôs com clareza e isenção, não obstante ser irmã da assistente;
2. Para dar como assente os factos enunciados no ponto 23, a sentença estriba-se nas declarações do arguido que admitiu tais factos;
3. A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento é apreciada, entre outros, à luz do princípio da livre apreciação da prova, o qual se consubstancia nas regras de experiência e na livre convicção do julgador, valendo esta como uma livre conclusão uma vez que apenas se subordina à razão e à lógica e não se limita por questões exteriores e formais;
4. Pelo exposto, e considerando o todo da prova produzida em sede de julgamento, bem como os princípios estruturantes do processo penal, como o princípio da livre apreciação da prova, entendemos que outros não poderiam ser os factos dados como provados pela sentença recorrida, que assim não encerra a violação de qualquer norma legal.
Assim, deverá negar-se provimento ao recurso, mantendo-se inteiramente a decisão condenatória do Tribunal a quo;
Vossas Excelências não deixarão, porém, de apreciar com mais sabedoria, tudo o que é alegado e de fazer a habitual JUSTIÇA!

Admitido o recurso e remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanha a antecedente resposta e conclui que o recurso não merece provimento.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o arguido não exerceu o direito de resposta.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da decisão recorrida
A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:
Da instrução da causa resultaram provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
1. B... casou com o arguido no dia 11 de Novembro de 1989.
2. Desse casamento nasceu uma filha, de nome … , nascida a 21 de Novembro de 1993.
3. que habitou com o arguido e a ofendida na … , Batalha, até ao ano lectivo transacto, altura em que foi viver para um apartamento em Alcobaça.
4. A relação do casal constituído pela assistente e pelo arguido degradou-se a partir de dia não concretamente apurado do mês de Agosto de 2008, quando a assistente se reformou e recebeu valor correspondente aos retroactivos do ano em que ficou de baixa sem receber.
5. A partir dessa altura o casal passou a ter vidas e economias separadas, apesar de continuarem a viver na mesma casa, a passaram a ter discussões verbais frequentes.
6. Em tais discussões, o arguido ocasionalmente chamava a assistente de "vaca", dizendo-lhe para o deixar em paz e esta última, tratava-o com termos como "ladrão, assassino, filho da puta".
7. Em 31 de Marco de 2009, a assistente foi atendida de urgência no Hospital de Santo André, em Leiria, onde lhe foi observado traumatismo craniano, cervical e a nível do ombro direito.
8. Em 5 de Maio de 2009, quando a assistente pediu ao arguido para usar o telefone para ligar para o hospital, este último não lhe permitiu fazê-lo.
9. Em seguida, a assistente e o arguido entraram em confronto físico, de modo não concretamente apurado e sem que se tenha apurado quem o iniciou.
10. A filha do casal assistiu a esta situação.
11. Em 11-05-2009, em sede de perícia de avaliação de dano corporal, foi observado à assistente, no abdómen, equimose de bordos amarelados no flanco esquerdo de 3x2 cm; no membro superior direito, duas equimoses violáceas de bordos amarelados na face interna e anterior do punho, sendo a maior de 2xlcm e a menor de 1 x l cm e, no membro superior esquerdo, equimose da região tenar da mão, com dor à mobilização do polegar.
12. Tais lesões determinaram, para a sua cura, o período de 8 dias, sem afectado da capacidade para o trabalho geral ou profissional.
13. Desde o dia 19 de Setembro de 2010, que o arguido impediu a assistente de aceder ao gás da cozinha, levando a respectiva botija no seu carro quando saía de casa.
14. Cortou fases da electricidade, ficando a assistente sem luz no seu quarto e sala.
15. Fechou a água do contador a cadeado. 16. E mudou a fechadura da caixa do correio, não tendo entregue as chaves à assistente.
17. Tal acto foi praticado como retaliação pelo facto da assistente ter liquidado uma conta poupança existente em nome da sua filha, com o valor de € 2.886,43, transferindo essa quantia para a sua conta pessoal.
18. No dia 9 de Novembro de 2009, a assistente deu entrada no serviço de urgências do Hospital de Santo André, em Leiria, onde lhe foram observados hematomas na região frontal esquerda, circulares, maculares, com 1-2 cm de maior diâmetro e equimose recente na região lombar esquerda, irregular, com 6 cm de maior diâmetro, perpendicular à coluna vertebral e com dor à palpação local.
19. Tais lesões determinaram um período de 8 dias para a cura, sem afectação para o trabalho geral ou profissional.
20. Em 23 de Novembro de 2009, a assistente foi atendida no serviço de urgências do Hospital de Santo André, em Leiria, onde não lhe foram observadas lesões visíveis.
21. A arguida despendeu em transportes a quantia de € 20,25.
22. O arguido, ao dirigir ao apelidar a sua esposa de "vaca" sabia que tal expressão era ofensiva da sua honra e dignidade, que pretendeu e conseguiu ofender.
23. Ao privar a sua esposa do acesso à água, gás, electricidade, telefone e correio, na casa onde ambos habitavam, sabia o arguido que atentava contra a dignidade humana da sua esposa, causando-lhe sofrimento psíquico, o que quis e conseguiu.
24. O valor dos tratamentos ministrados à assistente pelo hospital de Santo André – Leiria orçou em € 324,00.
25. O arguido não tem antecedentes criminais.
26. Exerce a profissão de carpinteiro, auferindo quantia mensal não inferior a € 570,00.
27. Vive neste momento com a sua filha, em casa arrendada, pagando renda mensal de € 320,00.
28. Paga ainda a prestação para aquisição da casa que foi a casa de morada de família, no valor de € 170,00.

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos de relevo para a decisão, nem qualquer outra versão dos factos incompatível com a provada supra.
Em especial não se provou que as lesões observadas na assistente tenham tido causa na acção do arguido e que este tenha praticado na sua esposa as agressões descritas na acusação.
De igual modo não se provou que o arguido tenha dirigido a assistente as expressões concretas descritas na acusação.
Que as deslocações da arguida referidas em 21. tenham tido como destino perícias médico-legais, deslocações ao Tribunal e ao escritório da sua patrona nomeada.
Não foram provados quaisquer factos que dependam dos factos acima referidos como não provados, em especial os factos subjectivos referentes a condutas objectivas do arguido dadas como não provadas.

Motivação de Facto:
O Tribunal fundou a sua convicção na análise global da prova documental, pericial e testemunhal produzida, vista de acordo com as regras da experiência comum.
Os factos referidos em 1. e 2., foram demonstrados pelas certidões de fls. 153 e 283.
O ponto 3. dos factos provados foi demonstrado pelas declarações de … , às quais não foi oposto qualquer meio de prova.
Os atendimentos da assistente nas urgências do Hospital de Santo André, bem como os ferimentos que lhe foram aí observados, resultam da documentação clínica emitida por esse mesmo hospital a fls. 43, 214-215 e 216.
As conclusões periciais quanto ao período de cura das lesões resultam dos relatórios periciais de avaliação de dano corporal de fls. 59 a 62 e 224 a 227.
O facto demonstrado em 24. resulta do documento de fls. 334.
Mais se atendeu ao CRC de fls. 448, que demonstra a falta de antecedentes criminais do arguido e às suas declarações sobre as suas condições pessoais, tendo no entanto em conta que, atenta a profissão do arguido e os seus encargos, não se dá como provado o seu verdadeiro rendimento, apenas que este será nunca inferior ao montante alegado pelo próprio nas suas declarações.
Resta agora fundamentar a decisão sobre a matéria de facto referente ao cerne do litígio, onde se gerou em julgamento verdadeira controvérsia.
Começamos por notar que, a imediação do tribunal nas declarações do arguido, da assistente e da ofendida deixam antever uma forte animosidade entre estes, assumindo o arguido e a filha do casal um "lado" e a assistente o outro.
Tanto o arguido e a filha do casal como a assistente centram o momento a partir do qual iniciaram os conflitos na data em que a assistente se reformou (Agosto de 2008) e recebeu o valor dos retroactivos que lhe eram devidos.
A assistente disse que o arguido disse que partir dessa altura não lhe dava mais dinheiro e que esta tinha de se governar com a reforma e, a partir dessa altura, o arguido e a filha passaram a tratá-la mal.
O arguido e a filha do casal referem que a partir do momento em que a assistente se divorciou, deixou de contribuir para a economia familiar, com dinheiro ou com o seu trabalho, tudo fazendo para dificultar a vida dos primeiros.
O certo é que a assistente refere que era continuamente abusada verbalmente (sem responder) e o arguido diz que era ele o alvo de insultos por parte da assistente, (aos quais não respondia).
Se o facto do casal discutir verbalmente é bastante provável, tendo em conta o nível de animosidade entre estes, já não é de todo credível que qualquer dos membros do casal se limite a ouvir tais insultos sem responder.
Note-se mesmo que, quanto à arguida, as injúrias que esta dirigia ao arguido e à sua filha foram não só verbais, mas mesmo escritas, como de resto resulta dos documentos de fls. 468 e 469.
Quanto ao facto das injúrias serem mútuas, demos crédito também ao testemunho de C..., a qual não obstante ser irmã da arguida, soube depor com clareza e isenção, tendo referido quanto a este assunto que se "acabou o respeito" entre eles e que se tratavam mutuamente com termos injuriosos.
Quanto aos termos injuriosos que o arguido dirigia a assistente, a testemunha apenas se recordou deste a chamar de "vaca". Quanto aos termos injuriosos que a assistente chamava ao arguido, relatou-os a testemunha … .
Quanto à questão das eventuais lesões infligidas pelo arguido na assistente, temos pois que a testemunha C... (cujo depoimento como já dissemos se mostrou credível), apenas referiu ter assistido a uma agressão em 2005 e que estará, portanto, fora do objecto deste processo. Refere também que já viu no ano passado a assistente a sangrar da cara, dizendo que tinha de ir ao hospital, porque o arguido lhe bateu com a cabeça na porta do guarda-vestidos ou da casa de banho (não recorda ao certo).
No entanto, a testemunha não presenciou tal agressão.
Tudo redunda assim na credibilidade das declarações da assistente, pois são estas, conjugadas com os elementos clínicos juntos aos autos, o principal meio de prova apresentado em juízo.
Ora o depoimento da assistente quanto às agressões físicas de que foi alvo é genérico, desconexo e de pouca credibilidade, pois esta limita-­se a afirmar que, a partir do momento em que se reformou, o arguido e a filha lhe chamam nomes e lhe batem todos o dias sem qualquer provocação ou motivo aparente, agredindo-a com murros, pontapés, cadeiras, vassouras ...
Também abala a credibilidade destas declarações o facto da assistente negar ter feito quaisquer ameaças de morte à sua filha, quando a Dr.ª … , ouvida em sede de contradita, confirmou que a mesma disse à CPCJ da Batalha que ia matar a filha e o marido, situação que não só levou à intervenção deste órgão como foi, em conjunto com outros elementos de ordem clínica, o que levou o delegado de saúde da zona a diligenciar pelo seu internamento compulsivo, conforme afirmou a mesma testemunha.
Já a assistente imputa a origem do seu internamento ao arguido.
Todos estes factores "ferem de morte" a credibilidade das declarações da assistente.
De igual modo, as declarações da testemunha … (também irmã da assistente) foram completamente inúteis como meio de prova, pois a mesma mostrou-se parcial, recusando-se a cumprir o seu papel como testemunha e responder às questões que lhe eram colocadas e querendo em vez disso contar a história que já tinha preparado de antemão, tendo mesmo ficado indignada quando se lhe explicou que o depoimento de uma testemunha não funcionava dessa maneira.
Temos pois demonstrado que à assistente foram observadas lesões, mas nenhuma prova quanto à causa das mesmas.
Quanto ao facto do arguido ter impedido a assistente de fazer um telefonema e de seguidamente terem arguido e assistente entrado em confronto físico, ambos atestam tal facto, divergindo no entanto quanto à forma como tal confronto correu e quem o iniciou.
Quanto ao facto do arguido ter negado à assistente o acesso ao gás, electricidade, contador da água e correio, o próprio arguido o admite, referido quanto a estes últimos itens que o fez como retaliação por ter a assistente retirado da conta da filha deles o dinheiro aí depositado, o que se constata dos documentos de fls. 470 a 473.
Os factos subjectivos referentes ao dolo do arguido são inferidos dos factos objectivos, por aplicação das regras da experiência comum.
***
III. Apreciação do Recurso
A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).
Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso. E vistas essas conclusões as questões a apreciar são as seguintes:
- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto devendo ser alterada nos termos preconizados pelo recorrente com a sua consequente absolvição;
- Se os factos provados constantes da decisão recorrida não integram a prática do crime de violência doméstica por que o arguido foi condenado, devendo ser absolvido.

Apreciando:
O recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, considerando que foram mal julgados os factos provados constantes dos pontos 6 e 23 da sentença recorrida nos segmentos em que em que se refere que o arguido chamava a assistente de vaca e que o arguido causou sofrimento psíquico à assistente o que quis e conseguiu ao privá-la do acesso a água, gás electricidade, telefone e correio. Ainda quanto ao ponto 23 dos factos provados mais refere que não se provou que "tenha colocado a assistente em situação de quase indigência na sua própria casa …" o que não consta da matéria de facto da sentença recorrida mas da apreciação jurídica efectuada pelo Tribunal recorrido e que, obviamente não pode ser objecto deste tipo de impugnação.
Relativamente ao facto provado no ponto 6, alega o recorrente que o mesmo foi dado como provado exclusivamente com base no depoimento da testemunha C..., irmã da assistente, tendo sido descredibilizadas as suas declarações, o que viola o princípio in dubio pro reo, sendo que outras testemunhas afirmaram que a assistente insultava o arguido e que este não lhe respondia.
Sendo certo que as testemunhas ……………….referiram nos seus depoimentos terem presenciado situações em que a assistente proferia insultos contra o arguido, sem que este respondesse de idêntica forma, tal só por si nunca poderia invalidar o depoimento da testemunha C..., no sentido de que ouviu o arguido chamar a irmã de "vaca", não escamoteando, aliás, que esta o chamava de "ladrão, assassino, filho da puta", posto que tudo indica que não presenciaram as mesmas situações.
Mas também o facto de o arguido ter negado esses factos não constitui impedimento a que o tribunal se tivesse motivado positivamente, como fez.
A tarefa de interpretação da prova vai muito para além de uma atitude passiva de aceitação dos depoimentos tal como são verbalizados e depoimentos ou declarações de sentido contrário não produzem necessariamente o efeito de se anularem, de determinarem uma dúvida insanável. A prova oral está sujeita ao princípio da livre convicção do julgador (artigo 127º do Código de Processo Penal) que nessa liberdade está vinculado à sua análise e interpretação segundo as regras da experiência. E não é apenas o conteúdo verbal que deve ser passado pelo crivo de tais regras, mas também e necessariamente, o aspecto da credibilidade do depoimento em que influem circunstâncias intimamente ligadas à imediação que a este Tribunal falta e que são decisivas. O tribunal recorrido não deixou de efectuar análise crítica da prova produzida nesse aspecto, referindo que:
"O certo é que a assistente refere que era continuamente abusada verbalmente (sem responder) e o arguido diz que era ele o alvo de insultos por parte da assistente, (aos quais não respondia).
Se o facto do casal discutir verbalmente é bastante provável, tendo em conta o nível de animosidade entre estes, já não é de todo credível que qualquer dos membros do casal se limite a ouvir tais insultos sem responder.
Note-se mesmo que, quanto à arguida, as injúrias que esta dirigia ao arguido e à sua filha foram não só verbais, mas mesmo escritas, como de resto resulta dos documentos de fls. 468 e 469.
Quanto ao facto das injúrias serem mútuas, demos crédito também ao testemunho de C..., a qual não obstante ser irmã da arguida, soube depor com clareza e isenção, tendo referido quanto a este assunto que se "acabou o respeito" entre eles e que se tratavam mutuamente com termos injuriosos.
Quanto aos termos injuriosos que o arguido dirigia a assistente, a testemunha apenas se recordou deste a chamar de "vaca". Quanto aos termos injuriosos que a assistente chamava ao arguido, relatou-os a testemunha … ."
Como verificamos, o tribunal recorrido expôs com clareza as razões da sua convicção positiva e de modo que não se desvia das regras da experiência e da normalidade das coisas, dado que, sendo a testemunha irmã da assistente, sem rebuço, afirmou que se acabou o respeito e que arguido e assistente se tratavam mutuamente com termos injuriosos o que indica precisamente algum rigor, isenção e capacidade de distanciamento, não obstante os laços familiares existentes. Para além do mais, sempre o Tribunal a quo estaria mais capacitado por força da imediação a avaliar tal aspecto, pelo que, salvo situações excepcionais sempre será de manter o decidido em 1ª instância quando apenas em causa esse aspecto, sem que sejam evidentes circunstâncias que desmintam a avaliação efectuada com base na imediação.
Não se detecta, pois, quanto ao facto provado sob o nº 6 qualquer erro de julgamento da matéria de facto, não ocorrendo violação do princípio in dubio pro reo porque o depoimento consente a convicção alcançada quer no seu conteúdo verbal, quer na avaliação efectuada sobre a sua credibilidade.

No que concerne ao facto provado nº 23 em que se consigna que o arguido sabia que atentava contra a dignidade humana da sua esposa, causando-lhe sofrimento psíquico, o que quis e conseguiu, refere o recorrente que nenhuma prova foi efectuada nesse sentido, excedendo a matéria de facto provada aquilo que os depoimentos permitiam concluir. Mais uma vez invoca violação do princípio in dubio pro reo.
Está em causa um facto de cariz subjectivo que tem como único meio de prova directo a confissão por parte de quem age. Mas tal não significa que o Tribunal esteja impedido de considerar provados factos dessa natureza se não ocorrer confissão expressa nesse sentido. Considerar o contrário seria abrir campo fértil para a total impunidade posto que os elementos subjectivos do crime apenas se provariam mediante declarações do arguido.
No caso o arguido até confessou que privou a assistente do uso de gás, electricidade, água, telefone e correio na sua residência, não referiu expressamente que soubesse que atentava contra a dignidade humana da assistente e que lhe provocava sofrimento e que tenha sido essa a sua intenção.
Mas, interpretando esse comportamento segundo as regras da experiência nenhuma dificuldade temos em concluir que a privação desses bens essenciais no espaço da residência que será o reduto de maior tranquilidade de qualquer pessoa, constitui uma forte humilhação e privação do que de mais essencial se espera desse espaço privado, atentatória da dignidade e quem assim actua não pode desconhecer esse facto (basta que se coloque mentalmente na mesma situação). Aliás, da interpretação do conteúdo verbal das declarações do arguido logo se pode extrair isso mesmo, quando situa o acontecimento como reacção, dizemos nós vingança, em relação a atitude da assistente; que quis atentar contra a dignidade da assistente e causar-lhe sofrimento.
A prova indirecta ou por indícios ou se se quiser as ilações que se extraem dos factos objectivos cujo conhecimento se alcança por prova directa, não é mais do que um exercício, permitido por lei, das regras da lógica e da experiência. Quem age de determinado modo, salvo circunstâncias anormais, quer o resultado que lhe é inerente segundo as regras da experiência.
Não se vislumbra quanto a este aspecto qualquer erro de julgamento da matéria de facto, como igualmente se não alcança violação do princípio in dubio pro reo, uma vez que a prova produzida analisada segundo os ditames legais permitia manifestamente a convicção formulada e plasmada no facto impugnado.
Pelas razões expostas a convicção alcançada pelo Tribunal a quo não pode merecer qualquer censura. E porque a sentença recorrida também não padece dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código Penal, a matéria de facto consignada na decisão recorrida deve ter-se por definitivamente assente.

O recorrente pugna, mesmo para o caso do insucesso total da sua impugnação da matéria de facto, no sentido de que os factos constantes da decisão recorrida não integram a prática do crime de violência doméstica por que foi condenado.
No seu entender a conduta provada não é suficiente, não tem gravidade para lesar o bem jurídico protegido.
Mais alega que agiu em legitima defesa, embora não especificando que circunstâncias dos factos provados podem reflectir os elementos de tal causa de justificação.
Vejamos.
De acordo com o disposto no artigo 152º, nºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal:
“1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) ao cônjuge ou ex-conjuge;
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 – No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos”.
O bem jurídico protegido nos tipos legais de crime de violência doméstica e de maus-tratos (artigo 152º-A do Código Penal) reside na dignidade da pessoa humana, incluindo-se todos os comportamentos que lesam essa dignidade. Poderá afirmar-se, na esteira da posição defendida por Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, p. 332, que esta norma visa a protecção da saúde, enquanto bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental.
Trata-se de crimes específicos, na medida em que exigem que o agente se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo dos comportamentos.
As condutas previstas abrangem os maus-tratos físicos, identificados com as ofensas à integridade física, os maus-tratos psíquicos, como humilhações, provocações, molestações, ameaças, mesmo que não configurem em si o tipo de crime de ameaças, o tratamento cruel ou desumano, a utilização do subordinado em actividades perigosas, desumanas ou proibidas, a sobrecarga de trabalhos ou o não cumprimento de regras de segurança no trabalho.
Previamente à alteração empreendida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, além da específica relação que intercedesse entre o agente e o sujeito passivo, nos casos em que as condutas daquele configurassem a prática de ilícitos como os de ofensa à integridade física, ameaças e injúrias, o que determinaria a verificação do tipo legal de crime de maus tratos seria a reiteração de tais condutas, sendo que, em tais circunstâncias, entre aqueles ilícitos e o tipo legal de crime de maus-tratos (inexistia então previsão legal de crime de violência doméstica) intercedia uma relação de especialidade, aplicando-se apenas a punição própria deste último. Se, por um lado, na actualidade se mantém essa relação de especialidade entre os crimes de violência doméstica e de maus tratos, de um lado, e crimes como os de ofensa à integridade física, ameaças e injúrias, de outro, certo é que a reforma penal veio consagrar a orientação segundo a qual a verificação dos crimes de violência doméstica e de maus tratos não exigem a reiteração de condutas, sendo suficiente a ocorrência de “um único acto ofensivo de tal intensidade, ao nível do desvalor, da acção e do resultado, que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido – mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/04/2010 em www.dgsi.pt).
Refira-se que, ao nível do elemento subjectivo, está em causa um ilícito doloso.
Importa ainda salientar que, tratando-se de crimes reiterados, a sua consumação ocorre na data da última conduta que seja conhecida (estando em causa uma única conduta, naturalmente a consumação do crime ocorre na data da prática dessa conduta).
No caso vertente, arguido e vítima eram casados e residiam na mesma habitação. No quadro da degradação de tal relacionamento e de discussões verbais frequentes o arguido, ocasionalmente tratava a arguida por vaca enquanto esta o chamava de ladrão, assassino e filho da puta e, desde 19 de Setembro de 2010, o arguido impediu a assistente de aceder ao gás, levando a respectiva botija no seu carro quando saia de casa, cortou fases da electricidade, ficando a assistente sem luz no seu quarto, fechou a água do contador a cadeado, mudou a fechadura da caixa do correio o que fez em retaliação pelo facto da assistente ter liquidado uma conta poupança existente em nome da filha de ambos, transferindo a quantia depositada para a sua conta pessoal.
A degradação de relações desta natureza que, do ponto de vista dos valores que o direito penal também prossegue, impõe a exigência de um maior grau de consideração/respeito pelo outro, ainda que em situações de litígio e os excessos que essa degradação potencia, por força da maior proximidade e muitas vezes da impossibilidade de um afastamento total e efectivo, é um dos factores que justifica a criação de um tipo específico de crime que se distingue dos tipos comuns preenchidos quando não se verifica o especial relacionamento entre agente do crime e vítima e que abarca situações típicas que vão para além desses tipos de crime comuns. O que significa que eventuais injúrias, ofensas à integridade física, ameaças, coacções são já consideradas pela lei como mais graves se ocorridas dentro desse tipo de relacionamentos, mais lesivas da condição humana que se quer revestida de dignidade.
Esta consideração que patentemente emana da lei apenas excepcionalmente permite que assim se não conclua, quando tal ocorra em situações muito incidentais e que manifestamente demonstrem que a dignidade do outro foi afectada de forma insignificante que não justifica a penalização em causa.
Não será, porém, o caso dos autos até pelas considerações já tecidas a propósito da impugnação da matéria de facto, posto que está em causa uma situação de patente desprezo pela dignidade da vítima que é privada de bens essenciais na sua residência.
E o motivo da conduta – retaliação – jamais permitiria a sua integração na causa de justificação legítima defesa, nem se alcança o que poderia estar o arguido a defender com a descrita conduta porque não idónea a defender qualquer interesse seu juridicamente protegido. E onde se vislumbraria a agressão actual e ilícita a repelir por esse meio?
Manifesto é que tal alegação desprezou o disposto no artigo 32º do Código Penal, não se verificando os pressupostos legais de tal causa de justificação.
Em consequência, não merece provimento o recurso interposto.
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IV. Decisão
Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a sentença recorrida.
Pelo seu decaimento em recurso vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em quatro UC.
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Coimbra,
(Texto elaborado e revisto pela relatora; a primeira signatária)
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(Maria Pilar Pereira de Oliveira)

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(José Eduardo Fernandes Martins)