Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
968/18.0T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
MEDIAÇÃO SIMPLES
DESISTÊNCIA
REMUNERAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 10/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIG. DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 227, 334, 762 CC, LEI Nº 15/2013 DE 8/2
Sumário: 1 - A obrigação do mediador imobiliário é uma obrigação de meios, em que, porém, principalmente na mediação simples, o resultado desempenha um papel especial no contrato, uma vez que, como resulta do art. 19.º/1 da Lei 15/2013, de 8/2, “a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação” é condição necessária do nascimento do direito do mediador à remuneração; ou seja, a remuneração do mediador não depende apenas do cumprimento da sua prestação, exigindo-se ainda a celebração do contrato visado (para além da verificação dum nexo entre a sua actividade e o contrato final celebrado).

2 - Mediação simples em que o cliente é livre de desistir da celebração do contrato e/ou de o celebrar com outro qualquer interessado, não lhe acarretando – ressalvados o dever de boa fé no decurso das negociações havidas com terceiros/interessados e a proibição do abuso de direito, na execução do contrato de mediação e na desistência do negócio visado, em relação ao mediador – tal comportamento qualquer responsabilidade.

3 – Não actua em abuso de direito (não sendo ilegítimo o exercício do “direito/faculdade” de desistir), o cliente que, tendo surgido um interessado disponível a dar o preço pretendido (uma semana após uma redução substancial do mesmo), desiste do negócio (para, por aquele preço, vender o imóvel à filha) e o faz saber ao interessado 3 dias depois (do interessado mostrar a sua disponibilidade e sem que entretanto qualquer vinculação contratual tivesse com ele sido estabelecida) e logo a seguir ao mediador.

4 - No contexto dum contrato de mediação imobiliária simples, as expectativas do mediador não podem ultrapassar o recorte jurídico-legal do contrato e o mesmo não pode considerar como “feito” um negócio por haver um interessado disposto a pagar o preço pedido, mas em que o negócio (com o interessado) ainda não foi formalizado ou sequer totalmente consensualizado.

5 – Ao invés, no contrato de mediação com cláusula de exclusividade, a remuneração do mediador depende quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta, tendo direito à remuneração se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente (e ainda, uma vez que o mediador tem o direito de ser a único a promover o contrato, no caso do interessado/destinatário ter sido encontrado com o recurso a outro mediador).

Decisão Texto Integral:







Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

C(…) - Mediação Imobiliária, Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra E (…) e J (…) ambos dados como residentes (…), (...) , pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe:

a) a quantia de € 18.290,00, a título de responsabilidade pré-contratual, bem como os juros vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento;

ou, subsidiariamente,

b) todos os prejuízos que teve com a execução do contrato em questão – a título de ressarcimento pelo interesse contratual negativo da A. nos termos do art. 227.º do C. Civil, nomeadamente os que estão elencados na presente peça de 5.º a 23.º, cujo valor, pese embora se estime equitativa e parcimoniosa a quantia de € 9.500,00 se deixa para liquidação em sede de execução de sentença, bem como os respectivos juros de mora vincendos desde a citação até integral e efectivo pagamento.

E, em qualquer caso:

“c) a quantia de € 1.000,00 pelo prejuízo patrimonial e não patrimonial sofrido em virtude da desmotivação dos seus trabalhadores e das consequentes potenciais perdas de oportunidade de negócio que tal circunstância acarretou para a A. bem como nos respectivos juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.”

Alegou, em resumo, que, em 15/11/2017, “celebrou com a 1.ª R., na qualidade de legítima proprietária, por si e em representação do [2.º R.] seu ex-marido (com conhecimento e assentimento deste …)[1] contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, por um período de 12 meses, relativo a imóvel da propriedade deles; que, desde a outorga de tal contrato, desenvolveu acções de promoção do imóvel com vista à angariação de potenciais compradores, acções que se revelaram frutíferas, conseguindo arranjar comprador para o referido imóvel pelo montante pretendido (€ 260.000,00), sendo que,“ quando já tudo apontava para a realização do negócio pretendido, (…) para grande espanto da A. e por motivos aos quais esta é totalmente alheia, os RR. comunicam à A. que desistiam do negócio de compra e venda já acordado e que afinal ia ser a sua filha a ficar com o imóvel”[2].

“Neste conspecto, parece inequívoco que os RR., pela sua conduta, causaram prejuízos à A., uma vez que, sem qualquer motivo para romper com as negociações contratuais numa fase em que tudo apontava para a realização do negócio pretendido, acabaram por inviabilizar o mesmo, causando a perda da comissão imobiliária acordada nos termos do CMI assinado entre as partes, que ascende à quantia global de € 15.990,00”[3] [260.000,00 x 5% + IVA].

“E, outrossim, a comissão que a A. recebe das instituições bancárias em caso de apresentação de clientes a concessão de crédito ou a transferência de créditos já existentes, que, no caso, era de 1% sobre o valor da concessão de crédito (…), o que perfaz € 2.300,00[4].

Mais alegou que os RR. frustraram “a legítima expectativa que a A, criou na celebração do negócio e na obtenção da remuneração que, contratualmente, lhe cabia[5]; que “a conduta dos RR. é manifestamente violadora dos princípios da boa-fé, lealdade na celebração e execução dos contratos, sendo que a violação culposa de tais princípios é geradora de responsabilidade pré-contratual, constituindo os RR. na obrigação de indemnizar a parte lesada de todos os danos que a sua actuação ilícita lhes causou[6].

E, “caso assim não se entenda (…), será sempre devida à A. por parte dos RR. uma indemnização que cubra o seu interesse contratual negativo[7], que se computa, “de forma equitativa e parcimoniosa, nos termos do art. 563.º e 566.º, em € 8.000,00[8].

Além de tais “danos”, ainda segundo a A., “a conduta dos RR. provocou também à A. danos na sua estrutura de pessoal interna que se repercutiram directamente na sua esfera patrimonial[9]; uma vez que, sempre segundo a A., “chega-se a determinado ponto no processo negocial em que as expectativas na conclusão do negócio intermediado por parte dos colaboradores da A. acabam por assumir um grau de certeza tal que, em caso de ruptura abrupta do iter da conformação negocial, se opera uma forte desmotivação nos colaboradores envolvidos (e também dos seus colegas, que têm acesso a estas informações) e, consequentemente, perda de produtividade reflectida em potenciais perdas de oportunidade de negócio por parte da A.[10], o que “acarretou danos para a esfera patrimonial da A. (…) que, de forma equitativa e parcimoniosa se quantificam em € 1.000,00[11].

Os RR. apresentaram contestações separadas.

O R. intempestivamente, o que levou ao desentranhamento.

A R. admitindo a assinatura do contrato de mediação invocado, mas alegando que nunca representou o seu ex-marido e/ou que o mesmo tenha ratificado o contrato, pelo que o mesmo “não se pode considerar como plenamente válido e eficaz”; invocando que o contrato celebrado era de não exclusividade, pelo que, nos termos gerais e do art. 5.º do contrato celebrado, “a comissão estava condicionada à realização efectiva do negócio visado”, concretização que não aconteceu; e impugnado a restante factualidade alegada pela A., designadamente a respeitante às despesas e danos alegada pela A.

Concluindo pela total improcedência da acção.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que foi declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém; tendo-se identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Instruído o processo e realizada a audiência, o Exmo. Juiz proferiu sentença, em que julgou a acção totalmente improcedente.

Inconformada com tal decisão, interpôs a A. recurso de apelação, visando a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção totalmente procedente.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Ao que a R./E (…)respondeu, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

(…)

Obtidos vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.


*

II – “Reapreciação” da decisão de facto

Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do recurso da A. – analisar as questões a propósito da decisão de facto colocadas a este Tribunal (embora, como infra se verá, as alterações pretendidas não tenham influência sobre a solução/decisão de direito).

De facto, não faz o menor sentido, o que a R./apelada começa por sustentar, repetida e longamente, na sua alegação recursiva, ou seja, que a A/apelante não cumpriu as especificações do art. 640.º/1 do CPC. Embora bastante longas, foram as conclusões de A/apelante e R/apelada supra transcritas, demonstrando tais transcrições ad nauseam que a A/apelante especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Por conseguinte, do ponto de vista estritamente processual, quanto ao recurso sobre a decisão de facto, não é certamente o comportamento da A./apelante que merece censura [12].

Assim, segundo a A./apelante, deve dar-se como provado o que foi dado como não provado nos pontos 1 e 5, ou seja, deve dar-se como provado que:

 - a R. E (...) , aquando da contratação com a autora referida no ponto 2 dos factos provados, agiu em representação do R. J (...) , com conhecimento e assentimento deste;

 - na execução do acordo referido no ponto 2 dos factos provados, a autora:

a. procedeu a um estudo de mercado de modo a estabelecer um preço de venda para o imóvel dos réus;

b. procedeu à apresentação a comercial do imóvel;

c. elaborou reportagem fotográfica do imóvel;

d. procedeu à exposição e publicação da apresentação do imóvel através do seu website e em mais de 200 portais em todo o mundo;

e. promoveu inúmeras visitas de potenciais interessados ao imóvel

E, em vez de se dar como provado o que consta do ponto 7 dos factos[13], deve dar-se como provado que:

- Após a visita do casal potencial comprador angariado pela autora, a proposta apresentada foi aceite pelos RR..

- A filha da Ré, A (…), entrou em contacto com os potenciais compradores informando que estaria interessada na casa e que os RR., seus pais, lhe dariam preferência.

Tem, desde já se antecipa, razão meramente marginal, ou seja, no essencial não tem qualquer razão.

Vejamos:

Invoca fundamentalmente a A., para que se proceda a tais alterações na decisão de facto, os depoimentos de duas das suas testemunhas, ou seja, da sua Directora Comercial (…) e da angariadora imobiliária em questão (…)); testemunhas estas naturalmente interessadas no desfecho dos autos e na factualidade que se pretende ver considerada como provada.

Não é, porém, exactamente por isto – por serem naturalmente interessadas – que os seus depoimentos não convencem sobre a factualidade em questão; é relativamente normal nos litígios – principalmente, quando estão em causa relações contratuais que vão decorrendo sem a presença de terceiros e/ou estranhos – que não haja outra prova relevante para além da produzida pelos “interessados” no litígio, sendo a partir de tal prova que o tribunal tem que construir a verdade intra-processual.

O ponto é que os depoimentos de tais duas testemunhas foram, quanto aos factos em questão, mesmo muito insuficientes e inconsistentes; não estando minimamente atestados/confirmados pelos elementos de prova que, no caso, era suposto existirem e terem sido juntos aos autos.

O caso do ponto 5 dos factos não provados evidencia o que vimos de dizer duma forma algo “chocante” (tendo-se presente a pretensão da A. de ver todo o ponto 5 dado como provado).

Alegando-se (e pretendendo-se ver como provado) que se procedeu a um estudo de mercado de modo a estabelecer o preço de venda para o imóvel dos RR., que se elaborou a reportagem fotográfica do imóvel, que se procedeu à exposição e publicação do imóvel no website da A. e em mais de 200 portais em todo o mundo e que se promoveram inúmeras visitas de potenciais interessados ao imóvel, o mínimo que era expectável era que um estudo de mercado estivesse junto, que houvesse algumas fotografias juntas, que fossem identificados alguns portais e que ao menos algumas fichas de visitas de potenciais interessados (além do casal referido no ponto 5 dos factos provados) também estivessem juntas.

Nada disto foi feito/junto e nem sequer foi, na totalidade, referido pelas duas testemunhas em causa.

A generalidade dos factos que se discutem nos processos são, via de regra (ressalvadas as limitações de prova constantes da lei e as exigências de prova documental para certos factos), susceptíveis de ser provados por testemunhas, mas isso está muito longe de significar que basta uma testemunha dizer que isto ou aquilo aconteceu para o tribunal dar (ter que dar) o referido como provado.

Como sempre referimos, o “julgamento da matéria de facto” não é o registo do que as testemunhas referem e ou o que resulta dos documentos, mas algo que vem imediatamente a seguir, quando o juiz/tribunal aprecia, valora, harmoniza as provas e, a partir daí, faz a “reconstituição do passado”; e, perante provas de apreciação livre pelo tribunal, o tribunal não está vinculado, na sua apreciação, a quaisquer regras legais estritas, devendo antes recorrer a todas as circunstâncias envolventes, a todos os detalhes, munindo-se de todo o seu sentido crítico e analítico, fazendo uso de toda a sua perspicácia, argúcia e experiência, para avaliar o valor das provas produzidas, “validando” para a sua “reconstituição do passado” o que lhe possa/deva merecer valor e crédito.

Significa isto – em relação a uma empresa de mediação imobiliária organizada, como é suposto a A. ser – que o tribunal deve raciocinar que um estudo de mercado é algo que consta dum documento (pelo que dizer que se fez um estudo de mercado sem juntar o documento é duma grande ligeireza); que uma reportagem fotográfica é algo de que existe um registo que pode ser reproduzido e junto/exibido nos autos (pelo que dizer que se fez tal reportagem e não juntar/exibir uma única fotografia é duma grande ligeireza); que a exposição e publicação em mais de 200 portais é algo que deixa rasto e este (e a identificação dos portais) não pode deixar de ser trazido aos autos; que das visitas de potenciais interessados se lavram – é da experiência comum (e até aconteceu com os interessados a que se refere o ponto 5 dos factos provados) – fichas de visita[14], pelo que dizer que se promoveram inúmeras visitas de potenciais interessados sem juntar uma única ficha de visita ou sequer identificar um único interessado é, perdoe-se-nos, duma vacuidade probatória extrema.

É justamente por tudo isto – por os depoimentos das duas testemunhas não estarem minimamente atestados/confirmados pelos elementos de prova que, no caso, era suposto existirem e terem sido juntos aos autos – que o que quer que as testemunhas hajam dito sobre o ponto 5 dos factos não provados é muito insuficiente e inconsistente.

E, como já se disse, elas nem sequer referiram tudo o que está no ponto 5 em questão; limitando-se, por ex., a testemunha (…) (que era quem executava as tarefas respeitantes ao cumprimento do contrato de mediação em causa) a dizer que tiraram fotografias, avaliaram o imóvel[15] e inseriram no sistema[16], o que é muito menos do que foi alegado e de que a A/apelante entende ter feita prova.

E é justamente por isto – pela distância entre o alegado e a prova produzida – que o mais prudente, no caso, é dar todo o ponto 5 como não provado (como fez o Exmo. Juiz a quo).

Não é implausível que a testemunha (…) tenha tirado fotografias[17] e as tenha inserido no sistema[18] – é o mínimo que é frequente e habitual fazer-se – porém, a vacuidade probatória adjacente coloca em crise o que a experiência comum considera como plausível e por isso, sem nada estar minimamente atestado/confirmado pelos elementos de prova que é suposto existirem e terem sido juntos aos autos, não deve sequer ser dado como provado que tirou fotografias e as inseriu no sistema.

Passando ao ponto 1 dos factos não provados:

O que está em causa e que foi alegado – ter a R. E (…) aquando da contratação com a autora referida no ponto 2 dos factos provados, agido em representação do R. J (..), com conhecimento e assentimento deste – é já, por si, algo incompatível; uma vez que o “conhecimento e assentimento” apontam para uma situação de ratificação e há ratificação se e quando, antes, não houve representação.

Seja como for, pondo de lado tal desarmonia, o que releva é que tão só se provou que o R. J (…) tinha conhecimento do contrato (e da redução referida no ponto 4 dos factos provados) celebrado pela sua ex-mulher; e que isto resulta e está provado por ter sido referido no testemunho da filha de ambos ((…)).

Além disto, entende a A. que provou a representação e a ratificação por, segundo as suas duas referidas testemunhas, o R. (…) lhes ter dito para “tratarem de tudo com a ex-mulher”, mas isto, admitindo que o R. (…) lhes disse isto, é uma expressão algo equívoca e que não significa que o R. (…) estivesse a dar “carta branca” à sua ex-mulher[19] para o representar ou decidir sozinha sobre a venda do imóvel.

Aliás, no documento que formaliza o contrato de mediação não se diz que a R. E (...) represente o R. (…), dando-se até o caso de só o R. J (...) ser nele devidamente identificado como cliente, sendo a R. E (...) (que o assinou na 2.ª linha, ficando a 1.ª em branco) identificada não como cliente, mas como cônjuge (embora se diga que ele é divorciado) do cliente (…).

Enfim, muitas imprecisões e imperfeições, de que a não obtenção da assinatura do R. (…) é/será a mais relevante; “imperfeição” esta que não pode ser substituída pela referida expressão – disse para “tratarem de tudo com a ex-mulher” – atribuída ao R. (…); tanto mais que as duas testemunhas em causa (principalmente, a (…)) revelaram não ter um conhecimento exacto do significado jurídico de vários aspectos da actividade que realizam.

E isto é também claro a propósito do outro ponto (7 dos factos provados) que suscita a divergência da A./apelante.

Em que se impõe começar por chamar a atenção que a A./apelante não quer que se dê como provado o que ela própria alegou.

Efectivamente, o que está provado – ter a R. (…), após a visita do casal potencial comprador angariado, comunicado à A. que o imóvel iria ser vendido à sua filha – decorre do que a A. alegou no art, 8.º da PI (em que diz “que os RR. comunicaram à A. que desistiam do negócio de compra e venda já acordado e que afinal ia ser a sua filha a ficar com o imóvel”).

Sendo assim, bem andou o Exmo. Juiz a quo ao dar como provado o que consta do ponto 7, embora, reconhece-se, tal ponto possa/deva ser enriquecido (ao abrigo e nos termos do art. 5.º/2/b) do CPC) com outros elementos factuais que foram contraditoriamente discutidos e que claramente resultaram da prova produzida.

Prova essa consistente nos depoimentos convergentes da interessada ((…)) e da filha dos RR. ((…)), que, face à proximidade temporal dos factos, foram até precisas sobre as datas.

Assim, por corresponder à prova convergente produzida, pode/deve passar a constar como provado no ponto 7 dos factos provados que:

“Após a visita (ocorrida em 26/04/2018) do casal potencial comprador angariado pela autora, a filha da R. E (…), A (..), comunicou (em 29/04/2018) aos potenciais compradores (à esposa D (…)a, sua colega de curso) que estava interessada no imóvel e que os seus pais lhe dariam “preferência” e lhe iriam vender o imóvel; o que também foi comunicado pela R. E (…) à A.

O que não se pode dar como provado é que, “após a visita do casal potencial comprador angariado pela autora, a proposta apresentada tenha sido aceite pelos RR.”

Claro que as duas referidas testemunhas disseram isto, mas fizeram-no por entenderem/considerarem que o negócio está garantido – a testemunha A (…) disse várias vezes “para mim estava feito” – quando aparece um interessado que diz que dará o preço pedido, porém, não é seguro que tenha ficado provado que a R. E (…) tenha dito que aceitava e é totalmente seguro que não foi feita/tentada qualquer prova sobre o R. J (…) ter aceite.

Quando, em 26/04/2018, o casal potencial comprador angariado pela A. visitou a casa estavam presentes a R. E (…) e a filha A (…) (que viviam na casa), porém, nenhuma prova foi produzida sobre qualquer posição do R. (…)  entre tal data/momento e o telefonema da filha A (…) (à esposa (…), sua colega de curso), a respeito da proposta apresentada; e a A. sabia – fosse qual fosse a posição que a R. (…) porventura tivesse manifestado no momento da visita do casal potencial comprador – que a casa não era apenas da R. (…) pelo que o entendimento das referidas testemunhas de considerarem o negócio garantido – “para mim estava feito” – foi tão só o resultado de entenderem que a R. (…) “representava” o R. (…) e que, quando aparece um interessado que diz que dará o preço pedido, o negócio visado fica “automaticamente” fechado.

E contra isto não milita o documento de fls. 20, cuja data (01/05/2018) tem uma caligrafia diferente do resto do documento e uma colocação que não permite dizer, fora de toda a dúvida, que o mesmo foi efectivamente elaborado em 01/05/2018 (e não porventura noutra data e anterior)

É o que há a dizer e concluir sobre o recurso de facto, que assim e no essencial improcede, embora com as ressalvas de procedência parcial fixadas.


*

III – Fundamentação de Facto

III – A Factos provados:

1. A autora é uma sociedade comercial que, sob a designação T(…)Imobiliária, se dedica à mediação imobiliária, obrigando-se a diligenciar na obtenção de interessados na realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, e ainda à permuta, ao trespasse ou ao arrendamento dos mesmos;

2. No âmbito do exercício da sua actividade comercial, em 15/11/2017, o legal representante da autora e a primeira ré apuseram as respectivas assinaturas autógrafas, acompanhada de carimbo da autora no caso da primeira, no documento a fls. 12 vso. a 13 dos autos, denominado “contrato de mediação imobiliária nos termos da Lei n.º 15/2013”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi celebrado em regime de não exclusividade com vista à promoção para venda de um prédio urbano destinado a habitação, sito (.,..) , inscrito na matriz sob o artigo n.º 2843 e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob n.º 1920, propriedade de ambos os réus; contrato em que, sobre a remuneração, se diz na cláusula 5.ª/1 que “a remuneração só é devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art. 19.º da Lei n.º 15/2013, de 09-02”.

3. A autora obrigou-se a diligenciar no sentido de arranjar comprador para o prédio urbano acima identificado por um preço de € 350.000 (trezentos e cinquenta mil euros);

4. O valor anunciado para a venda foi reduzido para € 260.000,00 (duzentos e sessenta mil euros) mediante o termo de alteração a fls. 19, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o qual foi assinado, somente, pela ré E (…) e por M (…)  funcionária da autora;

5. A autora angariou um casal potencial comprador para o referido imóvel, ou seja, disponível a dar o montante de € 260.000,00[20] (duzentos e sessenta mil euros);

6. A autora levou o casal potencial comprador que angariou a visitar o imóvel;

7. Após a visita (ocorrida em 26/04/2018) do casal potencial comprador angariado pela autora, a filha da R. E (…), A (…), comunicou (em 29/04/2018) aos potenciais compradores (à esposa (…), sua colega de curso) que estava interessada no imóvel e que os seus pais lhe dariam “preferência” e lhe iriam vender o imóvel; o que também foi comunicado pela R. E (…)à A.

8. A ré E (…) elaborou e assinou o documento a fls. 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

9. A contratação com a autora, referida no ponto 2 dos factos provados, por parte da R. (…) era do conhecimento do R. marido, (…) assim como a redução de preço constante do documento de fls. 19.


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III – B Factos não provados:

Não se provou que:

1. E (…), aquando da contratação com a autora referida no ponto 2 dos factos provados, ou em qualquer outra circunstância, tenha agido em representação do réu J (…); e/ou que este haja ratificado toda a actuação da sua ex-mulher.

2. J (…) tenha comunicado à autora que não iria celebrar a venda com os compradores que esta angariou;

3. E (…) tenha comunicado à autora que, por € 260.000, tinha outro interessado na compra do imóvel;

4. A autora tivesse o direito de receber da instituição bancária à qual os compradores que angariou iam pedir crédito com vista à aquisição do imóvel a quantia de € 2.300 (dois mil e trezentos euros);

5. Na execução do acordo referido no ponto 2 dos factos provados, a autora tenha:

a. Procedido a um estudo de mercado de modo a estabelecer um preço de venda para o imóvel dos réus;

b. Procedido à apresentação a comercial do imóvel;

c. Elaborado reportagem fotográfica do imóvel;

d. Procedido à exposição e publicação da apresentação do imóvel através do seu website e de mais de 200 portais em todo o mundo;

e. Promovido inúmeras visitas de potenciais interessados ao imóvel

6. Por força da não conclusão do negócio os colaboradores da autora tenham ficado desmotivados, não concluindo por essa via negócios que lhe trariam um lucro de € 1.000 (mil euros).

7. Após a visita do casal potencial comprador, angariado pela autora, a proposta apresentada tenha sido aceite pelos RR..


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IV – Fundamentação de Direito

É pacífico, do ponto de vista factual, que o litígio emerge dum contrato de mediação imobiliária (referido no ponto 2 dos factos e junto a fls. 12 verso e 13 dos autos); contrato este que foi validamente celebrado (reduzido a escrito, cfr. art. 16.º/1 da Lei 15/2013) com a R. E (...) e que, segundo a A., também vincula o R. J (…) (uma vez que, segundo a A., a R. E (…) “aquando da contratação, agiu em representação do réu marido, com conhecimento e assentimento deste”).

Sendo este o ponto de partida do litígio (tal como é/foi apresentado pela própria A.), decorrendo o mesmo entre as partes/outorgantes – a empresa de mediação e os seus clientes – dum contrato de mediação imobiliária, é de todo evidente que todos os comportamentos “incorrectos/ilícitos” que a A. atribui aos RR. (segundo a A., repete-se, ambos seus clientes no contrato de mediação imobiliária) ocorreram no âmbito da fase executiva de tal contrato de mediação imobiliária e não numa qualquer fase pré-contratual (entre a A. e os RR.), pelo que o repetido (na PI, na sentença recorrida e nas alegações recursivas) apelo jurídico ao art. 227.º do C. Civil e à culpa na formação dos contratos não vem, com todo o respeito, ao caso.

O equívoco jurídico está logo patente no que se alega nos artigos 8.º a 11.º da PI (sem necessidade de chegar às considerações jurídicas e às várias citações doutrinais e jurisprudenciais).

Diz-se aí que:

“quando já tudo apontava para a realização do negócio pretendido (…) para grande espanto da A. e por motivos aos quais esta é totalmente alheia, os RR. comunicam à A. que desistiam do negócio de compra e venda já acordado e que afinal ia ser a sua filha a ficar com o imóvel”

“ neste conspecto, parece inequívoco que os RR., pela sua conduta, causaram prejuízos à A., uma vez que, sem qualquer motivo para romper com as negociações contratuais numa fase em que tudo apontava para a realização do negócio pretendido, acabaram por inviabilizar o mesmo, causando a perda da comissão imobiliária acordada nos termos do CMI acordado entre as partes”.

Temos pois que, para a A., os RR. são responsáveis por, “sem qualquer motivo”, terem “rompido com as negociações contratuais numa fase em que tudo apontava para a realização do negócio pretendido”, só que – é aqui que está o vício de raciocínio que levou ao apelo e a toda a argumentação em torno e a partir do art. 227.º do C. Civil – as negociações contratuais (rompidas, ou não) eram/seriam com os potenciais compradores e não com a A..

Com a A. não havia/houve/há negociações contratuais (estas são entre os clientes da A. e os destinatários dos negócios); com a A. o que existia, isso sim, era um quadro contratual fechado (o contrato de mediação imobiliária) e em execução e não em fase pré-contratual.

Liminarmente afastada a configuração jurídica que foi largamente traçada e discutida nos autos, não está, como é evidente, encerrada a questão jurídica, uma vez que o juiz/tribunal pode/deve, em termos de direito, ir buscar regras diferentes das invocadas, atribuir às regras invocadas sentido diferente do que lhes foi dado ou fazer derivar das regras efeitos e consequências diversas das que foram tiradas (é o que resulta e está implícito no art. 5.º/3 do CPC).

É pois, como já se deu a entender, no quadro do contrato de mediação imobiliária em execução que o litígio (entre, repete-se, a empresa de mediação e os seus clientes) se situa e configura juridicamente e que o comportamento dos RR. – incumpridor ou não, é o que veremos, de tal quadro contratual – tem que ser (e será) juridicamente apreciado.

E sendo este o enfoque jurídico correcto (na relação entre a A. e os RR.[21]), estando-se, como é o caso, perante um contrato de mediação imobiliária sem cláusula/regime de exclusividade, era bastante evidente, ab initio, que a acção estava, com todo o respeito, fadada ao insucesso.

Vejamos:

A obrigação do mediador imobiliário é comummente classificada como uma obrigação de meios; a sua actividade é orientada para conseguir, como resultado, pessoa interessada em outorgar como contraparte do cliente no desejado contrato, mas este resultado/acontecimento não consubstancia a obrigação do mediador, uma vez que está fora da sua disponibilidade, dependendo antes do conjunto de vontades do cliente e do terceiro angariado.

Porém, sendo uma obrigação de meios (estando o resultado fora da disponibilidade do mediador), o resultado não deixa de desempenhar um papel especial no contrato, na medida em que, como resulta do art. 19.º/1 da Lei 15/2013 (em que se diz que “a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação[22]), este é condição necessária do nascimento do direito do mediador à remuneração.

Efectivamente, o art. 19.º/1 confere ao contrato de mediação a característica de a remuneração do mediador não depender apenas do cumprimento da sua prestação, exigindo-se, ainda, a ocorrência de um evento não prestacional e independente da sua vontade: a celebração do contrato visado[23]. Sendo ainda necessário, para a remuneração ser devida, que a actividade do mediador tenha contribuído para a celebração do contrato visado, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua actividade e o contrato final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência deste nexo.

Assim, “(…) não havendo cláusula de exclusividade, (…) o mediador apenas é remunerado com a verificação de várias circunstâncias cumulativas:

a) ter cumprido a sua obrigação – seja de diligenciar por encontrar interessado, seja de o encontrar efectivamente;

b) ter o cliente celebrado o contrato desejado – condição atípica e característica deste contrato;

c) haver um nexo causal entre a actividade do mediador e o contrato desejado, que implica necessariamente o bom sucesso da prestação, ou seja, que ela atingiu o resultado esperado (…)”[24]

Ou seja, repetindo, o mediador só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que, porém, no contrato de mediação simples (sem cláusula de exclusividade) se mantém na disponibilidade deste.

Como refere Higina Castelo[25], “ainda que o mediador seja bem sucedido na sua tarefa e apresente ao cliente alguém interessado e disposto, sem mais, a celebrar o contrato visado, o cliente é livre de desistir dessa celebração ou de celebrar o contrato com outro qualquer interessado, não lhe acarretando essa desistência (ressalvado contrato com cláusula de exclusividade) qualquer responsabilidade.

Ainda dito doutro modo, no contrato de mediação simples, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar, limitada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações[26], e, perante o mediador, pela proibição do abuso de direito.

É este recorte jurídico-legal do contrato de mediação simples (sem cláusula/regime de exclusividade) que a A. não tem na devida conta, esquecendo que o seu direito à remuneração só existe se for celebrado o contrato visado (e, claro está, se houver o nexo causal supra referido); e esquecendo que o cliente pode desistir de celebrar o contrato.

Efectivamente, desde a alteração legislativa de 2013 (em que se deixa de falar em “obrigação do mediador”, passando a dizer-se que a sua actividade consiste na “procura de destinatários para a realização de negócios” – art. 2.º/1 da Lei 15/2013), o contrato de mediação simples não funda um verdadeiro estado de vinculação para o mediador.

Face à previsão legal, no contrato de mediação simples, “o mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. A liberdade do mediador tem como contraponto a liberdade do cliente relativamente à celebração do contrato desejado (sem prejuízo de casos especiais, como o contrato com cláusula de exclusividade)[27].

Ora, como é muito evidente, cotejando o que vimos de dizer (sobre o recorte jurídico-legal do contrato de mediação simples) com a posição/argumentação da A. nos autos, temos que concluir que esta raciocina/argumenta como se se estivesse – e não é o caso – perante um contrato de mediação imobiliária com cláusula/regime de exclusividade.

No contrato de mediação com cláusula de exclusividade é que a remuneração da mediadora depende quase unicamente do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta, não dependendo do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente (como resulta do art. 19.º/2 do da lei 15/2013, em que se dispõe que “é igualmente devida a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente (…)”).

No contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, o mediador tem o direito de ser o único a promover o contrato desejado e, por isso, pode ter direito à remuneração independentemente da conclusão deste contrato (se, repete-se, o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora) ou mesmo que não tenha contribuído para a sua celebração, como no caso do interessado/destinatário ter sido encontrado com o recurso a outro mediador.

Mas mesmo aqui, no contrato de mediação imobiliária com regime de exclusividade, nada sendo especificamente estipulado (nos termos do art. 16.º/2/g, segundo o qual devem as partes estipular os concretos efeitos da cláusula/regime de exclusividade), a exclusividade, segundo certo entendimento doutrinal e jurisprudencial[28], apenas afasta a concorrência de outros mediadores e não a própria actividade do cliente; ou seja, via de regra, estar-se-á perante uma cláusula de exclusividade simples (e não perante uma cláusula de exclusividade absoluta/reforçada) que impede o cliente de recorrer a outras mediadoras, mas que não impede que ele próprio seja contactado e encontrado por um interessado.

Evidentemente, a circunstância do cliente ter uma ampla margem de desistência de celebração do contrato (na mediação simples), não significa que ele possa colocar termo ao contrato duma forma discricionária e que, furtando-se ao pagamento da remuneração, vá a seguir (à “revogação” por si operada do contrato de mediação) celebrar o contrato com um interessado angariado pela mediadora.

No contrato de mediação imobiliária simples, o prazo do contrato implica que o cliente não pode deixar de remunerar a mediadora se vier a celebrar o contrato visado com pessoa que até si chegou graças à actividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo de vigência do contrato; isto é, se o cliente aproveitar a actividade da empresa de mediação realizada no prazo de vigência do contrato não pode deixar de pagar a remuneração acordada[29].

Mas esta situação – em que a mediadora (no contrato de mediação imobiliária simples) tem direito à remuneração – não é similar à do presente litígio.

Aqui, enfatiza-se, nem o contrato visado foi celebrado e, ainda que o tivesse sido, o interessado/destinatário (a filha dos RR./clientes) não seria pessoa que teria chegado aos RR./clientes graças à actividade desenvolvida pela empresa de mediação.

Aqui chegados, revertendo aos factos dos autos/litígio:

Muito em síntese, temos que uma semana depois do preço pretendido pelos RR/clientes ter sido reduzido (de € 350.000,00[30] para € 260.000,00) foi encontrado pela A. um potencial interessado/comprador disposto a dar tais € 260.000,00; o qual visitou o imóvel, estando na ocasião/visita presente a R./E(…), que terá tido conhecimento de tal disponibilidade.

Entretanto, decorridos 3 dias sobre tal visita, “a filha da R. E (…) A (…), comunicou aos potenciais compradores (à esposa D (…), sua colega de curso) que estava interessada no imóvel e que os seus pais lhe dariam “preferência” e lhe iriam vender o imóvel; o que também foi comunicado pela R. E (…) à A.”

Aplicando o supra referido a tal factualidade, temos que houve, por parte do cliente (seja ele só a R. E (…) ou ambos os RR.), uma desistência de contratar; o que, como se explicou, é (na mediação simples) inteiramente livre, pelo que, como também se referiu, os RR. só poderão/poderiam ser responsabilizado, perante a mediadora/A., se tiverem actuado com abuso de direito.

É claro que o negócio não se concretizou “por causa imputável ao cliente” – a desistência é evidentemente imputável ao cliente/RR. – porém, não é isto que aqui está em causa; uma vez que não estamos, repete-se, perante uma mediação com cláusula de exclusividade e só aqui vale e é aplicável o art. 19.º/2 do da lei 15/2013, segundo o qual a remuneração acordada é devida “nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação (…) não se concretize por causa imputável ao cliente”

Aqui, estando-se num contrato de mediação simples, sendo a desistência inteiramente livre, o cliente só poderá ser responsabilizado, perante a mediadora, se tiver actuado, durante a execução do contrato de mediação e na desistência do negócio visado, com abuso de direito.

E – é o ponto – em face dos factos provados, não há matéria suficiente para dizer que os RR./clientes (seja ele só a R. (…) ou ambos os RR.) tenham actuado em abuso de direito (art. 334.º do C. Civil).

A redução substancial (em € 90.000,00) do preço pretendido era muito recente (tinha uma semana), pelo que o imediato aparecimento de interessados[31] terá por certo feito pensar/reflectir que, então, melhor seria que, por aquele preço, a casa/imóvel fosse adquirida pela filha[32]; e disto – da casa vir a ser adquirida pela filha – e da desistência deram conhecimento aos potenciais interessados num espaço temporal bem curto (decorridos 3 dias, a filha comunicou à potencial compradora, sua colega de curso, que os pais preferiam vender-lhe o imóvel a ela).

Assim, em face de tais contornos factuais, não se pode dizer que tenha sido ilegítimo o exercício do “direito/faculdade” de desistir do negócio com o interessado encontrado pela A. e/ou que tal desistência exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

A boa fé – e na execução dos contratos (e estamos no âmbito da execução dum contrato de mediação imobiliária) “devem as parte proceder de boa fé” (cfr. art. 762.º/2 do C. Civil) – significa, é certo, que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto e leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros; mas, no contexto dum contrato de mediação imobiliária simples, as expectativas da mediadora não podem ultrapassar o recorte jurídico-legal do contrato e a medidora não pode considerar como “feito” um negócio em que há um interessado disposto a pagar o preço pedido, mas que ainda não foi formalizado ou sequer totalmente consensualizado[33].

E, sem prejuízo de haver um interessado que estava disposto a dar o preço pretendido (pela redução de uma semana antes), nenhuma conduta incompatível com a desistência foi praticada pelos RR., nem eles deixaram arrastar a situação, criando na A. uma fundada expectativa de que “estava feito”.

Para haver abuso de “direito/faculdade” na desistência do negócio teria ainda que se estar perante um excesso manifesto, isto é, objectivamente claro, evidente e inequívoco, porque, tratando-se, na verdade e sempre, de um direito/faculdade que se exerce, este exercício, justamente porque apoiado na lei, beneficia de uma espécie de presunção de normalidade.

Enfim, no contexto dos factos, não foi abusivo o exercício do “direito/faculdade” de desistir do negócio com o interessado encontrado pela A. (para, em vez disso, transmitir o imóvel à filha), não se configurando uma hipótese – na expressão do Prof. Manuel de Andrade – “intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico”.

A A. traçou na PI um quadro de grande comoção, abalo e desmotivação pela não concretização do negócio – quadro que a sua Directora Técnica e a comercial/angariadora em causa também procuraram descrever nos seus depoimentos – mas, com todo o respeito, tudo o que a tal propósito se alegou e disse é em grande medida resultado de “culpa própria”, ou seja, de não estar apreendido o recorte que a lei confere ao contrato de mediação sem cláusula/regime de exclusividade.

Como refere Higina Castelo[34], “a remuneração acordada nos contratos de mediação [sem cláusula/regime de exclusividade] corresponde, em regra, a uma valor consideravelmente elevado, se olharmos apenas aos esforços da actividade do caso concreto. Tal valor justifica-se pelos avultados riscos inerentes ao contrato e suportados pelo mediador, entre eles, o risco de não conseguir interessado e, principalmente, o de o cliente desistir de concretizar o negócio.

Enfim, é mesmo assim: não é possível ter/querer “o melhor de dois mundos”, não é possível ter/querer uma elevada remuneração/rendimento[35] sem o associado risco elevado e, no caso, num contrato de mediação sem cláusula/regime de exclusividade, até à conclusão e perfeição do negócio visado, o não recebimento da remuneração/comissão da mediadora é um risco próprio do contrato de mediação; não sendo por isso justificada a confiança que a A. diz ter tido, antes da conclusão e perfeição do negócio visado, em considerar “garantidos” os 5% de comissão mais os 1% do montante do financiamento (ou seja, os 15.990,00” + € 2.300,00)[36].

É quanto basta, em conclusão, para julgar a apelação totalmente improcedente (mostrando-se prejudicado analisar a vinculação, ou não, e em que termos do R. J (…) ao contrato de mediação imobiliária em causa[37]; e os efeitos da sua eventual não vinculação sobre a vinculação da R. E (…) sendo o negócio promovido, como era o caso, a venda dum imóvel que a A. sempre soube ser de ambos os RR. e não apenas da R. E (…))[38].


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V – Decisão

Nos termos expostos, embora com fundamentação diferente, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pela A./apelante.


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Coimbra, 15/10/2019

Barateiro Martins ( Relator )

Arlindo Oliveira

Emídio Santos



[1] Art. 2.º da PI.
[2] Art. 8.º da PI.
[3] Arts. 9.º, 10.º, 11.º e 12.º da PI.
[4] Art. s. 13.º e 14.º da PI.
[5] Art. 44.º da PI.
[6] Arts. 45.º e 46.º da PI.
[7] Art. 53.º da PI.
[8] Art. 56.º da PI.
[9] Art. 15.º da PI
[10] Art. 18.º da PI
[11] Art. 22.º da PI

[12] A indicação com exactidão das passagens da gravação é uma exigência que, por excessiva, vem sendo claramente atenuada (cfr. Abrantes Geraldes, CPC Anotado, pág. 770/1, em que se refere a jurisprudência do STJ que vai no sentido de se evitar a exponenciação de tal ónus e de o transformar num “exercício burocrático”), tanto mais que este Tribunal da Relação sempre terá que ouvir toda a gravação e não apenas as passagens em questão.

A tal propósito, regista-se a seguinte “curiosidade”: “acusando” a R/apelada a A/apelante de não indicar com precisão as passagens da gravação, vem depois, para que seja confirmado o decidido (e para cumprir o art. 640.º/2/b)), proceder exactamente do mesmo modo e indicar apenas a hora/minuto/segundo em que todos os depoimentos produzidos em audiência começaram e acabaram; não se percebe o racional que levou ambas as partes (então a A./apelante fá-lo por mais de um dúzia de vezes) a indicar algo – hora/minuto/segundo – que já consta da acta da audiência; é que é suposto ser o legislador “ajuizado” e por isso não pode ter sido para repetir o que já consta da acta que ele colocou a exigência já atenuada pela interpretação do STJ.

Enfim, a postura processual da R/apelada, a tal propósito, é algo incompreensível: “acusa” a A/apelante de lapsos processuais e a seguir faz exactamente o mesmo; aliás, nesta linha, também “acusa” a A/apelante de não ter apresentado conclusões sintéticas (em violação do art. 639.º/1 do CPC), aspecto em que evidentemente tem toda razão (o que, é sabido, não tem qualquer sanção processual, para além da possibilidade de convite, constante do art. 639.º/3), mas, contraditoriamente, sustentando a R/apelada que se deve concluir de forma sintética, também produz 6 páginas de conclusões.

[13] Do qual consta que “7. Após a visita do casal potencial comprador angariado pela autora, a ré E (…) comunicou à autora que o imóvel iria ser vendido a uma filha dos réus;
[14] Para mais, numa mediação sem exclusividade.
[15] Situando até a avaliação do imóvel após a celebração do contrato de mediação, ou seja, após o preço de venda até já estar fixado no contrato em causa.
[16] Insiste-se e enfatiza-se, não foi sequer pedido a tal testemunha que identificasse um único dos tais 200 portais e/ou que identificasse um único potencial interessado, além do referido no ponto 5 dos factos provados.
[17] Tarefa, com as tecnologias actuais, muito simples e rápida.
[18] Tarefa identicamente simples, rotineira e habitual.
[19] O R. (…) negou-o rotundamente, explicando [em termos plausíveis] que, face ao relacionamento que tem com a ex-mulher, nunca lhe deu ou daria “carta branca” ou poderes de representação para o que quer que fosse.
[20] Rectifica-se a redacção deste ponto, para que fique clara tal disponibilidade (que resulta evidente das posições processuais).
[21] Como infra diremos, quem poderia invocar, contra os RR., a responsabilidade pré-contratual (e o art. 227.º do C. Civil) eram os potenciais compradores; com quem houve negociações (ou não, seria questão a apreciar entre eles) e a posterior ruptura (para que não haja equívocos interpretativos, estamos a dizer isto em abstracto e não a querer dizer que seria, em concreto, uma invocação com êxito).
[22] E é também o que diz a cláusula 5.ª/1 do contrato sub-judice, de que consta “que a remuneração só é devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado, nos termos e com as excepções previstas no art. 19.º da Lei 15/2013”.

[23] Contrato esse que tem que ser perfeito/eficaz (v. g., não pode ser nulo).
[24] Higina Castelo, O contrato de Mediação, pág. 399.

[25] Local citado, pág. 422; e também, entre outras, a pág. 424, em que refere que “no contrato de mediação simples (sem cláusula de exclusividade), o direito à remuneração está dependente da conclusão e perfeição do contrato visado pelo exercício da mediação e o cliente permanece amplamente livre de celebrar esse contrato, sem prejuízo das limitações impostas pelas normas decorrentes do princípio da boa fé.
[26] Daí o termos dito, na nota 20, que quem podia invocar a responsabilidade pré-contratual contra os RR. eram os potenciais interessados.
[27] Higina Castelo, O contrato de Mediação, pág. 401.
[28] Maria de Fátima Ribeiro in “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, pág. 140; e Ac do TRG de 20/04/2010 e 04/06/2013 e Ac. do TRC de 18/02/2014, todos in ITIJ.

[29] Repare-se que, em tal hipótese (do cliente “revogar” o contrato de mediação e ir a seguir celebrar o contrato com um interessado angariado pela mediadora), se verificam as 3 circunstâncias cumulativas (supra referidas) de que depende a sua remuneração: a) cumpriu a sua prestação (encontrando interessado); b) o cliente celebrou o contrato desejado; e c) há nexo causal entre a actividade do mediador e o contrato desejado.
[30] No documento que formalizou a redução diz-se que o preço inicial eram € 320.000,00, porém, não é o que consta do contrato de mediação.
[31] E, repare-se, não foi identificado um único interessado que haja visitado a casa antes.
[32] E não há nos autos e nos elementos factuais qualquer suspeita sobre a aquisição pela filha poder ser um “fingimento”; a filha, no seu depoimento (de 31/01/2019) relatou, em termos credíveis, os passos que deu para obter o empréstimo necessário (entretanto obtido) e que o preço, em face da hipoteca que onera o imóvel, não poderá sequer ser inferior ao último valor da mediação.

[33] Repare-se que não chegou sequer a ser celebrado contrato-promessa de compra e venda e que, além do preço, há outros aspectos a discutir e consensualizar (ou não).
[34] Obra citada, pág. 408.
[35] E o casal identificado no ponto 5 dos factos provados são os únicos interessados conhecidos (nos autos) a visitar a casa.

[36] E a indemnização de € 1.000,00 por danos, segundo se diz pelo “prejuízo patrimonial e não patrimonial”, era – ainda que algo se tivesse provado e não provou – nesta linha de raciocínio também infundada; uma vez que numa actividade comercial com tal grau de aleatoriedade, de elevadas remunerações e riscos, não há propriamente lugar, com todo o respeito, para a tutela de sensibilidades delicadas – estando (devendo estar) os que nela trabalham dotados da correspondente sensibilidade, endurecida pelo tipo de negócio em causa – e os incumprimentos contratuais, quando ocorrem, darão lugar a prejuízos/indemnizações patrimoniais, que, naturalmente, não podem radicar na “forte desmotivação dos colaboradores envolvidos e na sua perda de produtividade” por um concreto cliente ter desistido dum negócio que se tinha como “feito”.

[37] E, a tal propósito, apenas se provou que o mesmo tinha conhecimento do contrato e da redução de preço; não se tendo provado, nem a representação, nem a ratificação, que, aliás, ainda que se tivessem provado, não seriam válidas, uma vez que (nos termos do art. 262.º/2 do C. Civil) a procuração reveste a forma exigida para o negócio a realizar (e este é obrigatoriamente reduzido a escrito – cfr. art. 16.º/1 da Lei 15/2013 – para além da justificação dos poderes a que alude o art. 260.º/1 do C. Civil suporem um documento escrito) e a ratificação “está sujeita à forma exigida para a procuração” (cfr. 268.º/2 do C. Civil).

[38] Dito doutro modo – e explicando a prejudicialidade – admitindo que o contrato de mediação imobiliária tivesse sido devidamente celebrado/formalizado por ambos os RR., sempre a acção e a apelação improcederiam.