Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6934/14.8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: COMPRA E VENDA DEFEITUOSA
ÓNUS DA PROVA
INDEMNIZAÇÃO
IVA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ALEGAÇÃO
DOCUMENTOS
SENTENÇA
NULIDADE DA SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
PROVA
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL 
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.342, 496, 1219 CC, 607, 615 Nº1 D), 662 CPC
Sumário: I - Não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no artº 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais acarretam a sua anulação, modificação ou o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC.

II - Ainda que esta decisão esteja deficientemente fundamentada, por não especificação dos depoimentos das testemunhas, se estas são identificadas, se nos autos constam todos os elementos de prova, se o recorrente que invoca tal deficiência outrossim impugna o facto provado e requer a apreciação da prova, a decisão é sindicável, e não sendo caso de reenvio à 1ª instância para fundamentação – artº 662º nº2 al. d) do CPC –, antes o tribunal ad quem devendo apreciar a prova.

III - Provados, ex vi dos princípios do dispositivo e da substanciação, podem apenas ser os factos alegados nos articulados e não os que constam em documentos, os quais são apenas elementos de prova e não são complementos ou substitutos daqueles.

IV - A prova de uma enfermidade, pelo menos em sentido amplo, que não técnico científico rigoroso, não é taxada ou tarifada apenas via exame ou relatório médico, antes podendo ser efectivada por outros meios probatórios.

V - Pedido o IVA a acrescer a indemnização por danos em imóvel que têm de ser mandados reparar, o mesmo é de conceder.

VI - Em compra e venda deficiente, ao autor cumpre provar os defeitos da coisa e já não a causa dos mesmos; e sobre o réu, para se eximir da sua responsabilização, cumprindo provar, em sede exceptiva: artº 342º nº 2 do CC, que tal causa nada tem a ver com a coisa vendida, ou que o autor, tendo conhecimento dos defeitos, a aceitou sem reservas – artº 1219º do CC.

VII - Provando-se que por virtude de deficiências construtivas que provocaram humidades durante largos meses e até anos, decorreram tristeza e angústia para o autor comprador e o agravamento da sua bronquite asmática, a este assiste jus a ser compensado por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

H (…) instaurou contra “A (…) & Filhos, Ldª”  acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Alegou:

Em 21 de Setembro de 2009 foi celebrado um contrato de compra e venda entre Autor e Ré, respectivamente nas qualidades de comprador e vendedora, tendo por objecto a fracção autónoma identificada no artigo 1º da petição inicial construída pela Ré vendedora.

Em finais do Inverno de 2014, surgiram nessa fracção as “infiltrações de humidades e outras patologias” descritas nos artigos 6º a 11º da petição inicial, fruto de deficiente impermeabilização quer das janelas, quer da vedação exterior das paredes e telhado, que permitem a entrada de ar, de águas pluviais e humidade do exterior para o interior dessa fracção.

A ré, apesar de instada a eliminar esses defeitos de construção e de se comprometer a fazê-lo, limitou-se a executar trabalhos que se revelaram inadequados para a erradicação daquelas patologias, recusando-se a executar as reparações necessárias à erradicação dos vícios construtivos causais daquelas anomalias.

O autor  concedeu-lhe prazo certo para esse efeito através de carta datada de 2 de Setembro de 2014 – com o que incorreu numa situação de incumprimento definitivo do dever de reparação dos defeitos que confere ao Autor o direito de os mandar eliminar a expensas da Ré.

Pediu:

A condenação da Ré no pagamento da importância de 15.785 € - correspondente ao custo de reparação dos defeitos existentes na fracção adquirida à Ré e que esta não eliminou (13.285 €) e à indemnização devida pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data de citação da Ré até integral e efectivo pagamento.

A Ré contestou.

Por exceção  arguiu a ilegitimidade activa do autor e a  caducidade do seu direito.

Por impugnação  disse que a passagem de ar pelas janelas, a existir, decorre da própria natureza do perfil de alumínio, opção construtiva adoptada pela Ré para todas as fracções do edifício e do conhecimento dos seus adquirentes; que as humidades, a existirem, são fruto da condensação causada pela falta de arejamento da fracção do Autor e, ainda, que qualquer entrada de águas no sótão terá ocorrido em consequência de janelas deixadas abertas pelo Autor enquanto chove, concluindo pela improcedência da acção.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença  -  já rectificada de erro material-  na qual foi decidido:

«… na parcial procedência da acção, decide-se condenar “A (…) & Filhos, Ldª” a pagar ao Autor as quantias de 7.760 €, correspondente ao custo de reparação das patologias denunciadas, e de 2.000 €, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal a primeira desde a data de citação da Ré e a segunda desde a data da prolação desta decisão até integral e efectivo pagamento, no mais absolvendo a Ré do peticionado.»

3.

Inconformados  recorreram ambas as partes.

3.1.

Conclusões do autor da sentença ante-retificação:

(…)

3.2.

Conclusões  da ré da sentença já retificada.

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodológicamente, as seguintes:

Do recurso da ré:

1ª – Nulidade da sentença nos termos do artº 615º nº1 al.d) do CPC.

Dos recursos do autor e da ré:

2ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

C – Do recurso do autor.

3ª – Condenação com consideração do IVA.

D – Do recurso da ré:

4ª -  Improcedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Clama a ré que a sentença é nula, nos termos do artº 615º nº1 al.d) do CPC, ou seja, porque nela deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

Para tanto diz que não foi aduzida fundamentação para a prova dos factos 23 e 24.

A recorrente subsume inadequadamente a sua pretensão.

Efetivamente, e ainda que presentemente a decisão sobre a matéria de facto passe, formalmente, a constar na sentença – lato sensu considerada - tal decisão não se confunde nem é totalmente absorvida pela sentença – stricto sensu – a qual se consubstancia na subsunção dos factos apurados às normas legais pertinentes e na respetiva decisão – artº 607º nº3 do CPC.

Assim, na decisão sobre a matéria de facto, importa apurar se a convicção que acarreta  a prova de certos factos e a não prova de outros, está consonante com os meios probatórios produzido ou se o julgador se pronunciou e relevou todos os factos com interesse para a decisão.

 Já na sentença final urge apenas verificar se a decisão final está alicerçada, ou não, em factualismo pertinente e nas normas legais atinentes e foi curialmente prolatada.

Já  no domínio do CPC pretérito se entendia que existia uma clara diferenciação entre os artºs 653º nº 2 e o artº 668º, vg. a sua al. b) do nº 1.

Pois que «aquele primeiro dever aponta exclusivamente para a justificação da concreta base de apuramento da matéria de facto «qua tale», enquanto que o segundo deixa subentender a justificação ou motivação da decisão final «vis a vis» o direito substantivo concretamente aplicável» - cfr. Ac. do STJ de 06.12.2004  dgsi.pt.p. 04B3896.

Porém, tal entendimento mantém-se atual, no âmbito do NCPC, pois que, não obstante a alteração meramente circunstancial/formal de a decisão sobre a matéria de facto constar na sentença, lato sensu, é evidente, que as duas decisões – a sobre os factos provados e não provados e  a decisão final -  são,  na sua génese, natureza e finalidade, lógica e teleológicamente, diferentes, e por isso obedecendo  a critérios e requisitos específicos e não necessariamente coincidentes.

E a tal autonomia aludindo, ou a mesma deles se retirando, os nºs 3 e 4 do artº 607º do CPC, sendo que aquele se reporta à sentença final, stricto sensu, e este se refere à anterior decisão sobre os factos.

Aliás, esta diferenciação repercute-se no sancionamento dos vícios respetivos.

Os do artº 615º,  são taxativos, reportam-se à sentença, tout court, e acarretam a  sua nulidade.

A falta  ou insuficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto,  ou a desconsideração de factos relevantes apenas tem a ver com esta decisão, como dimana do disposto no artº 662º, podendo acarretar a modificabilidade desta pela Relação, a sua anulação ou o reenvio do processo à 1ª instância para  cabal fundamentação: nº1 e nº2 als. c) e d).

Nesta conformidade, facilmente se alcança que o vício não é de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas antes, eventualmente, de (i)legalidade da decisão sobre a matéria de facto, ex vi  da sua deficiência, cuja consequência não está prevista no artº 615º, mas antes no artº 662º nº2 al. c) – cfr, neste sentido, os Acs. da RC de 20.01.2015 e de 19.12.2017, ps. 2996/12.0TBFIG.C1  e 2206/07.2TBCBR.C1 in dgsi.pt.

5.1.2.

Aqui chegados, cumpre  centrarmo-nos correctamente na questão.

Estatui o artº 607º nº4 do CPC: «na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais  fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.»

Este segmento normativo é a decorrência lógica do disposto nos artºs 208º nº 1 da Constituição e 154º nº 1 do CPC que impõem  o dever  de as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serem sempre fundamentadas.

A motivação tem uma dupla finalidade: por um lado convencer os interessados do bom fundamento e da correção  da decisão, o que implica a sua legitimação; por outro lado permitir ao tribunal superior, em caso de recurso, a possibilidade da sua sindicância.

Nesta conformidade a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode reconduzir-se a uma mera indicação genérica dos meios de prova que conduziram ao resultado enunciado.

O que poderia descambar num mero juízo arbitrário ou de convicção e, como tal, insindicável, sobre a realidade, ou não, de um facto.

Antes devendo ser especificados os concretos meios de prova, submetê-los a uma análise crítica e explicitado o processo lógico-dedutivo que levou à convicção expressa na resposta, o como e o porquê dessa convicção cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, p.90 e segs e Abílio Neto, in Breves Notas ao CPC, 2005, p.189.

Assim: «…o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o processo racional que o levou à convicção expressa na resposta…» -  Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. vol. III, ed. de 2001, em anotação ao artigo 653º.

Ou seja: «o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão…» - M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348.

Certo é que   não é exigível ao julgador que descreva, de modo minucioso, o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao seu escrutínio.

Mas impõe-se-lhe que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu – cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 28.03.2000, CJ 2º, 22 e Acs. do STJ de 06.12.2004, dgsi.pt, ps. 04B3896, de 02.10.2008, p. 07B1829 e de 14.01.2009, p.08S934.

Decorrentemente, pode considerar-se que se cumpriu a exigência do segmento normativo do nº4 do artº 607º do CPC quando o juiz procedeu a uma explicitação dos diversos meios de prova que serviram para formar a  sua convicção, bem como da sua valoração, o que passa pela menção da sua relevância e da razão da credibilidade que lhe  mereceram.

Devendo entender-se que estão satisfeitas as exigências legais de fundamentação quando, vg, é indicada a razão de ciência das testemunhas, são referidos os motivos por que mereceram a credibilidade do Tribunal, e é feita a articulação dos depoimentos prestados com os outros meios de prova – cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004  cit.  e Ac. do STJ de. 20.05.2010, p. 5322/05.1TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

5.1.3.

In casu.

Desde logo, e considerando, como se viu, a inidónea subsunção jurídica efectivada pela recorrente, a sua pretensão,  perspectivada em termos formais estritos, e considerando os princípios do dispositivo e da auto responsabilidade das parte, maxime num processo de jaez privado em que estão em causa interesses meramente patrimoniais, seria de desatender.

Depois, e versus o defendido pela insurgente, a decisão fundamentadora dos factos provados e não provados, não é completamente omissa quanto aos alicerces probatórios dos factos vertidos nos pontos 23 e 24.

Já que nela se expende que tais factos foram dados como provados  com base: «…na apreciação da prova produzida, devidamente conjugada e fazendo apelo às regras da experiência e senso comum…», pois que, reportada a esta prova, se considerou a: «…repercussão da subsistência dessas patologias no estado de saúde do Autor.»

Ademais, tal prova foi, concreta e especificadamente, fundamentada nos depoimentos  das «testemunhas (…)

Relativamente às quais se mencionou na decisão: « Mais referiram as identificadas testemunhas as repercussões que a actuação da Ré e a persistências dessas anomalias tiveram sobre o estado de ânimo e a saúde do Autor.»

Certo é que esta posição não é um modelo – antes pelo contrário – de cumprimento das exigências alicerçantes da decisão sobre a matéria de facto, pois que nela não se explicita o verbalizado pelas testemunhas nem se opera a sua análise crítica.

Mas, tendo a prova pessoal sido gravada, e estando todos os demais meios  probatórios presentes no processo, a este tribunal ad quem  é possível sindicar a bondade da convicção da julgadora e do por ela decidido neste particular.

Acresce que é a própria recorrente que, algo contraditoriamente com a sua anterior pretensão de anulação da decisão ou de remessa dos autos à 1ª instância para cabal fundamentação,  impugna a decisão da matéria de facto quanto a tais pontos, e, assim, pretendendo que este tribunal de recurso aprecie a prova produzida e decida em conformidade; o que, para ela, passa pela não prova de tais factos.

É o que, seguidamente, se fará.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.2.2.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.2.3.

No caso vertente.

5.2.3.1.

Pretende ao autor que se dê como provado, não apenas que a casa foi por si adquirida para habitação, como, outrossim, que foi adquirida para habitação « própria e permanente».

Invoca  os documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas, seu irmão e mãe.

Quanto ao elemento «permanência» ele não foi sequer alegado pelo autor na pi.

Nesta apenas foi invocado que a casa se destinava a sua habitação  «própria» - artº 2º.

Logo, não tendo sido alegado aquele elemento, e considerando os princípios do dispositivo e da substanciação, ele não pode ser dado como provado.

Certo é que no documento mencionado e junto aos autos – contrato de compra e venda -  se refere que a casa  se destina a habitação própria e permanente do autor.

Mas, como é consabido, os documentos são apenas meios de prova de factos alegados nos respectivos articulados e não são complementares destes, nem suprem a falta daquela alegação.

Destarte, desde logo por razões formais, o elemento «permanência» não pode ser provado.

Ademais, ouvidos os depoimentos, nas partes da gravação assinaladas, neles não se vislumbra qualquer referência  direta e expressa - porque tal nem sequer foi perguntado -  no sentido de que a casa se destinou a habitação própria e permanente.

Mas considerando que no aludido documento – contrato de compra e venda com mútuo e hipoteca – se menciona que a casa se destina a habitação própria do autor e, bem assim, a caderneta predial, na qual este consta como titular inscrito, e ponderado ainda  o demais circunstancialismo que rodeia o caso,  é perfeitamente admissível a prova que o imóvel se destinou à sua habitação «própria».

O que se aditará ao ponto 3 dos provados.

Diga-se, porém, que, considerando o decidido e a pretensão recursiva do autor, não se alcança a relevância desta sua pretensão.

Se bem alcançamos, esta matéria relevaria para a fixação do quantum dos danos não patrimoniais.

Ora quanto a estes, e bem vistas as coisas – conclusão 22ª – o autor conforma-se com o valor fixado, ou, pelo menos, que é o qb., não reclama, adrede, valor superior.

5.2.3.2.

No atinente à pretensão da ré de se darem como não provados os factos dos pontos 23 e 24.

Ouvidos os depoimentos mencionados na sentença verifica-se que a mãe do autor referiu que ele tem problemas de saúde, vg.«bronquite asmática crónica, necessitando constantemente de usar a bomba»

Que o filho teve de mudar de quarto e que anda triste.

Já o irmão reiterou a necessidade desta mudança porque o quarto está cheio de humidade e de bolor.

Não dá para nele dormir, só de entrar sente-se o cheiro.

O autor, irmão, tem asma.

Tanto assim que quando eram miúdos foram para as termas e as crises de asma estagnaram.

Agora, no ambiente da casa, pioraram, tendo novamente crises.

As testemunhas depuseram com calma, naturalidade e espontaneidade, merecendo credibilidade.

Referiram pormenores  - como o uso da bomba e a frequência das termas -, que dão consistência à existência do tipo de doença mencionado - bronquite asmática – no demandante.

Estes depoimentos, conjugados com os demais factos apurados quando à existência e acentuada dimensão e gravidade de humidade em várias divisões e espaços da casa e, bem assim, atentos os ensinamentos do senso comum e da experiência da vida, clamam que a doença referida, pode/deve ser dada como provada.

Não sendo necessário para tal prova, versus o entendido pela recorrente, prova tarifada via pericial, rectius exame ou relatório médico.

Primus porque, summo rigore, a lei não exige prova tarifada ou taxada para esta matéria.

Secundus, porque a prova da doença não é exigível no sentido de se fixar a enfermidade com o rigor técnico científico que a caracteriza.

Antes bastando que se prove que o autor tem sintomas característicos da mesma, pois que, mesmo que apenas com estes, sofrerá, em princípio e em termos de normalidade, as consequências nocivas derivadas do ambiente húmido e bolorento que se provou existir na sua habitação.

E é apenas com esta índole e dimensão que, perante os elementos probatórios produzidos, a prova da enfermidade é provada.

5.2.4.

Decorrentemente, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito, o alterado:

1. A Ré “A (…) & Filhos, Ldª” dedica-se à construção civil e venda de imóveis;

2. A Ré, no exercício dessa actividade, construiu um prédio no x (...) y (...) , posteriormente constituído em propriedade horizontal e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 0001.., da freguesia de z (....), e inscrito na matriz sob o artigo matricial urbano 0002... da mesma freguesia;

3. Em 21.Setembro.2009 Autor e Ré celebraram um contrato nos termos do qual a última declarou vender ao primeiro, e este declarou comprar-lhe, a fracção autónoma designada pela letra “B” daquele prédio urbano por si construído, correspondente ao 2º andar direito lado poente, para habitação própria, com sótão para  arrumos na área correspondente com acesso directo pelo interior da fracção e garagem na cave, pelo preço de 150.000 €;

4. A fracção adquirida pelo Autor à Ré corresponde ao último piso do prédio;

5. O Autor, através de carta registada com aviso de recepção datada de 19.Maio.2014 endereçada à Ré e que esta recebeu em 23.Maio.214, solicitou-lhe a reparação de deficiências existentes na fracção autónoma que lhe adquiriu em 21.Setembro.2009, fazendo acompanhar essa missiva de um levantamento das patologias em causa correspondente ao relatório de vistoria da sociedade “R (…), Ldª” constante de fls. 114 a 124 dos autos;

6. O Autor, através de carta subscrita pela sua mandatária datada de 2.Setembro.2014 endereçada à Ré e que esta recebeu em 5.Setembo.2014, reiterou o pedido de eliminação das patologias mencionadas na anterior missiva, concedendo-lhe o prazo de dez dias para proceder à eliminação das patologias no “quarto norte”, generalidade dos vãos, casa de banho comum, dois quartos a sul, sala, cozinha e sótão, advertindo que se nesse prazo não fossem iniciados os trabalhos de correcção, seria instaurada acção judicial

7. A Ré, em Outubro.2014, procedeu à pintura das paredes da casa do Autor, trabalhos que não eliminaram as patologias denunciadas;

8. A Ré, depois da intervenção referida no precedente ponto 7., não mais voltou à fracção do Autor;

9. O Autor, através de carta subscrita pela sua mandatária datada de 10.Dezembro.2014 endereçada à Ré e que esta recebeu em 17.Dezembro.2014, comunicou à Ré que, face à não reparação dos  defeitos reclamados, seria instaurada acção judicial;

10. Os caixilhos de todas as janelas da fracção adquirida pelo Autor à Ré permitem a passagem/entrada de ar do exterior para o interior da fracção;

11. No quarto norte, surgiram humidades na parede e tecto, na zona superior e inferior da parede junto à janela e junto à pedra da soleira da janela;

12. Na casa de banho, surgiram manchas de humidade no tecto;

13. No quarto sul, surgiram humidades na zona inferior direita da parede exterior junto do vão e na zona inferior esquerda junto ao vão, assim como entre as zonas da pedra de soleira e o pavimento interior em madeira desse quarto;

14. Na sala, surgiram humidades no canto inferior esquerdo da janela, na envolvente do vão de acesso à varanda

15. No sótão e junto às janelas, surgiram humidades que se estendem pelo tecto e paredes;

16. A passagem/entrada de ar do exterior para o interior da fracção através dos caixilhos de todas as janelas da fracção adquirida pelo Autor à Ré resulta de deficiente impermeabilização dessa caixilharia, importando a eliminação dessa anomalia em 750 €, correspondente ao custo da “rectificação geral das caixilharias para impedir a passagem de ar, incluindo execução de furos na base do caixilho para escoamento de águas pluviais”);

17. As patologias consistentes em manchas de humidade nas zonas inferiores das paredes, designadamente junto da soleira dos vãos dessas janelas, que afectam os quartos norte e sul e a sala, mencionadas nos pontos 11., 13. e 14. resultam da deficiente impermeabilização das janelas, ou seja, do “deficiente remate do sistema de impermeabilização da varanda com a fachada, de deficiente tratamento da base da parede, nomeadamente a inexistência de uma impermeabilização adequada, e inexistência de adequado corte hídrico”;

18. As demais patologias existentes no quarto norte, consistentes em manchas de humidades na parede e tecto, resultam de condensações superficiais;

19. A eliminação das anomalias verificadas no quarto norte, sul e na sala importa em 1.120 €, 1.845 € e 845 €;

20. As manchas de humidade existentes no tecto da casa de banho resultam da inexistência de sistema de extracção forçado, em complemento à ventilação natural disponibilizada pela janela existente, importando em 285 € os custos da sua eliminação;

21 As humidades existentes junto às janelas do sótão resultam da deficiente vedação/remate dessas janelas com a cobertura;

22. As manchas que se estendem pelo tecto e paredes do sótão resultam do mau isolamento térmico do espaço, ascendendo os custos da sua eliminação a 2.165 €;

23. O Autor anda triste e angustiado por ver as paredes e tectos da sua casa enegrecidas e o chão estragado pela acção da humidade;

24. A humidade existente na fracção provocou o agravamento da bronquite asmática de que padecia o Autor.

5.3.

Terceira questão.

Aqui tem plena razão o autor.

Na petição ele impetrou o pagamento das quantias necessárias para a reparação, acrescidas de IVA.

Como ele agora alega, as quantias dadas como provadas necessárias para a reparação, fundamentaram-se, vg. no teor dos documentos/orçamentos – p. ex. os de fls. 51 a 54 - , nos quais consta, adrede, que às mesmas acresce  o IVA à taxa legal em vigor.

E  quando mandar efectivar as reparações, em princípio, e por força da lei, terá de pagar IVA.

Se a julgadora omitiu, involuntárimente, pronuncia, existe nulidade da sentença neste particular, a qual se declara e, nos termos do artº 665º do CPC, se supre.

Se ela, voluntariamente, entendeu que ao demandante não assiste direito ao IVA, então menos bem andou, cometendo ilegalidade, pelo que, se assim foi, neste particular a sentença, é revogada.

Em todo o caso, ao autor assiste o direito ao IVA pelos valores que lhe venham a ser concedidos.

5.4.

Quarta questão.

5.4.1.

A julgadora decidiu, de jure, a causa, com adução do seguinte, essencial, discurso argumentativo:

«…sendo a existência do defeito, ou o mau funcionamento, um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, é ao Autor, enquanto tal, que incumbe a respectiva prova…

Já não caberá ao Autor provar as causas do defeito uma vez que os motivos do seu aparecimento não são factos constitutivos da responsabilidade…

Já ao vendedor competirá alegar e provar o desconhecimento do vício ou defeito da coisa - visto ele estar, em princípio, por força do contrato, obrigado a prestar coisa isenta de defeito - assim como “demonstrar que o aparecimento do defeito se ficou a dever a culpa do lesado, designadamente por má utilização…

Considerando que a Ré vendedora foi simultaneamente a construtora desse edifício e que o contrato de compra e venda celebrado com o Autor teve lugar em 21.Setembro.2009 e, logo, na vigência do Decreto-Lei n.º 267/94, de 15.Outubro - diploma que alargou o prazo de denúncia dos defeitos e o prazo limite de caducidade dos direitos do dono-da-obra e veio aplicar o regime estatuído pelo artigo 1225º ao “vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado” como expressamente decorre do n.º 4 daquele normativo…e não o regime dos artigos 916º e 917º, respeitantes aos prazos para denúncia dos defeitos e propositura da acção com vista á sua eliminação e à dedução de pedido de indemnização…

… no caso de incumprimento definitivo imputável ao empreiteiro da obrigação de eliminar os defeitos da obra, através da sua reparação ou da realização de nova construção, como no caso de a urgência na realização desses trabalhos justificar que o dono-da-obra os realize, este poderá optar pela realização, por si ou por intermédio de terceiro, das obras necessárias àquela reparação ou reconstrução, assistindo-lhe, então, um direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo das obras de reparação ou de reconstrução realizadas em substituição do empreiteiro, sem necessidade de recorrer á via judicial ( 22).

E, de harmonia com o entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, o empreiteiro incumpre definitivamente a sua obrigação de eliminar os defeitos de que padece a obra quando se recusa peremptoriamente a realizá-la; quando não corresponda a uma interpelação admonitória do dono-da-obra para proceder à eliminação ou reconstrução, nos termos do n.º 1 do artigo 808º; quando se verifique uma tentativa frustrada de eliminação dos defeitos ou de reconstrução da obra ou, ainda, quando o empreiteiro deixe que a realização da sua prestação perca objectivamente interesse para o dono-da-obra ( 23).

E, nos termos do artigo 798º, o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento…

No caso sub judice…

Tendo presente a descrição dos vícios e desconformidades denunciados pelo Autor e considerando que a fracção autónoma onde surgiram se destina a habitação e foi adquirida em estado novo é de concluir, por apelo a um padrão de normalidade relativamente à função de cada coisa – uma casa é feita para habitar e sendo nova pressupõe-se que nela não existam infiltrações de água, juntas por rematar e pintura manchada ou descascada – que os vícios e desconformidades surgidas consubstanciam defeitos relevantes ou essenciais na economia contratual, tanto pela natureza de algumas que afecta o uso da coisa, diminuindo-o, como pelo seu número e diversidade.»

Já a ré entende que a sua  não responsabilização dimana de duas ordens de factores:

I) O autor ter aceitado, sem reservas, a obra, com conhecimento dos defeitos: artº 1219º do CC;

II) Nenhuma das patologias, ou pelo menos nem todas elas, resultam de defeito grave de construção pois que “resultam de condensações superficiais”, assim inexistindo nexo de causalidade entre todas as patologias e os vícios da obra que permitam concluir pela responsabilidade ilícita e culposa da Ré.

Perscrutemos.

Quanto ao primeiro argumento ele, meridianamente, não colhe.

Inexistem provados quaisquer factos dos quais se possa concluir pela invocada aceitação por banda do autor depois de, previamente, ter tido conhecimento dos defeitos.

E o ónus da sua prova sobre a ré impendia.

E nem se provou, como parece querer significar a ré, que para o preço de venda da casa as partes  tenham tido em consideração a existência dos mesmos.

Nem, aliás, as regras do senso comum e da experiência da vida assim no-lo inculcam: ninguém de bom senso aceita comprar uma casa nova para habitação própria sabendo de antemão que nela se verificam ou vão verificar infiltrações e humidades, pois que, mesmo que o preço fosse inicialmente mais baixo, no futuro, as despesas de reparação, os trabalhos e os aborrecimentos que sobreviriam muito provavelmente sobrelevariam sobre a poupança inicial.

Ademais, nem sequer se tratam de defeitos aparentes, para um leigo na matéria, como, à falta de prova em contrário, se tem de considerar o autor, pelo que sobre ele é inexigível a obrigação de deles se aperceber, máxime das suas consequências.

Não sendo, pois, caso de aplicação da presunção do seu conhecimento  prevista no nº 2 do artº 1219º.

No atinente ao segundo motivo, ele, outrossim, não pode relevar.

Versus o defendido pela insurgente, pelo menos a esmagadora maioria dos defeitos advém, inequívocamente, do conspeto construtivo inicial.

É o que, cristalinamente,  resulta do provado no ponto 17, a saber:

«As patologias consistentes em manchas de humidade nas zonas inferiores das paredes, designadamente junto da soleira dos vãos dessas janelas, que afectam os quartos norte e sul e a sala, mencionadas nos pontos 11., 13. e 14. resultam da deficiente impermeabilização das janelas, ou seja, do “deficiente remate do sistema de impermeabilização da varanda com a fachada, de deficiente tratamento da base da parede, nomeadamente a inexistência de uma impermeabilização adequada, e inexistência de adequado corte hídrico”».

Certo é que se provou no ponto 18:

«As demais patologias existentes no quarto norte, consistentes em manchas de humidades na parede e tecto, resultam de condensações superficiais»

Ora ainda que se possa defender que não se apurou a causa dessas condensações, certo é que, como a julgadora expendeu e supra se transcreveu, não compete ao comprador/dono da obra provar a causa do defeito, bastando-lhe provar a sua existência no âmbito do contrato firmado.

Mas antes sobre o vendedor/empreiteiro, para se eximir da sua responsabilização,  incidindo o ónus de provar, em sede excetiva – artº 342º nº2 do CC -   que a causa do mesmo nada têm a ver com o bem por si  vendido ou a obra por si efectuada, vg. porque deve ser imputado à atuação daqueles.

Todavia, conjugada e sagazmente interpretados os factos apurados, a normal e mais lógica conclusão a retirar é que as condensações são, ainda, apenas ou determinantemente, causadas pela deficiente construção.

Pois que ela foi efectivada com «… deficiente tratamento da base da parede, nomeadamente a inexistência de uma impermeabilização adequada, e inexistência de adequado corte hídrico”».

Finalmente importa considerar que a ré subsume mal a presente situação factual: não se trata de responsabilidade extracontratual, mas antes contratual.

Pelo que o cerne  ou a ênfase dilucidativos não devem ser colocados na (in)existência de causa adequada entre a construção, rectius as deficiências nela constatadas, e as consequências nocivas e prejudiciais provadas, mas antes e apenas no apuramento destas deficiências  no âmbito e âmago do contrato outorgados entre as partes.

Tendo elas sido provadas, a conclusão a retirar, ipso facto, é que a ré vendeu coisa defeituosa.

E, como se viu, não tendo ela logrado provar facto exceptivo eximente da sua responsabilidade, ela emerge nos termos  e em função das normas mencionadas na sentença.

Nesta conformidade, a sentença, neste particular dos danos patrimoniais, é, na sua lógica e fundamentação  jurídica, de manter.

E apenas sendo de alterar no quantum final atingido, pois que, certamente por lapsus calami, foi  consignado um valor de 7.760 €, quando deveria ser de 7.010,00 euros.

5.4.2.

Finalmente, os danos não patrimoniais.

O artº 496º nº1 do CC estatui:

«Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito».

 A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Porém, há que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Devendo ainda considerar-se e reiterar-se, no seguimento do exposto na sentença, que a recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.

Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…

Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» -   Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de  07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S.

No caso vertente.

É tendencial uniforme jurisprudência que a responsabilidade a este título também pode ser assacada em sede contratual.

Depois e considerando esta maior abrangência tutelante e dignificante da vertente não patrimonial, entende-se que os factos apurados nos pontos 23 e 24 são suficientes para atribuir ao autor jus a indemnização a este título.

Efetivamente, provou-se que ele :

 23. O Autor anda triste e angustiado por ver as paredes e tectos da sua casa enegrecidas e o chão estragado pela acção da humidade;

24. A humidade existente na fracção provocou o agravamento da bronquite asmática de que padecia o Autor.

E sendo de admitir que tal situação negativamente afectante se prolongou por largos meses e até anos, então a atribuição desta indemnização é não apenas conforme ao direito, como, inclusive, estritamente necessária para consecutir a justiça do caso.

Improcede o recurso da ré e procede, parcialmente, o recurso do autor.

6.

Sumário – artº 663º nº7 do CPC.

I - Não podem confundir-se as causas de nulidade da sentença, tout court, previstas taxativamente no artº 615º do CPC, com os vícios privativos da decisão sobre a matéria de facto, as quais  acarretam a sua anulação, modificação ou  o reenvio do processo à 1ª instância - nº1 e nº2 als. c) e d) do artº 662º do CPC.

II - Ainda que esta decisão esteja deficientemente fundamentada, por não especificação dos depoimentos das testemunhas, se estas são identificadas, se  nos autos constam todos os elementos de prova, se o recorrente que invoca tal deficiência outrossim impugna o facto provado e requer a apreciação da prova, a decisão é sindicável, e não sendo caso de reenvio à 1ª instância para fundamentação – artº 662º nº2 al. d) do CPC –, antes o tribunal ad quem devendo apreciar a prova.

III - Provados, ex vi dos princípios do dispositivo e da substanciação, podem apenas ser os factos alegados nos articulados e não os que constam em documentos, os quais  são apenas elementos de prova e não são complementos ou substitutos daqueles.

IV - A prova de uma enfermidade,  pelo menos em sentido amplo, que não técnico científico rigoroso, não é taxada ou tarifada  apenas via exame ou relatório médico, antes podendo ser efectivada por outros meios probatórios.

V - Pedido o IVA a acrescer a indemnização por danos em imóvel que têm de ser mandados reparar, o mesmo é de conceder.

VI - Em compra e venda deficiente, ao autor cumpre provar  os defeitos da coisa e já não a causa dos mesmos; e sobre o réu, para se eximir da sua responsabilização, cumprindo provar, em sede exceptiva: artº 342º nº 2 do CC,  que tal causa nada tem a ver com a coisa vendida, ou que o autor, tendo conhecimento dos defeitos,  a aceitou sem reservas – artº 1219º do CC.

VII - Provando-se que por virtude de deficiências construtivas que provocaram humidades durante largos meses e até anos, decorreram tristeza e angústia para o autor comprador e o agravamento da sua bronquite asmática, a este assiste jus a ser  compensado por danos não patrimoniais.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda:

i) julgar o recurso da ré improcedente;

ii) Julgar o recurso do autor parcialmente procedente e, agora, condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 7.010,00 euros a título de danos patrimoniais acrescidos de IVA, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

iii) No mais e, vg., quanto à condenação por danos não patrimoniais, se mantendo a sentença.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2010.12.11.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos