Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2038/19.5T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO DE PORTUGAL
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 298/92 DE 31/12 ( RGICSF )
Sumário: 1. Imputando o A. ao BES uma má prática bancária reportada a Nov./2000, com violação de disposições regulatórias e de deveres a que estava sujeito na sua relação com os clientes, razão de ser da peticionada indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, será de concluir que à data das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e 11.8.2014, relativas à aplicação da medida de resolução ao BES e à criação do Novo Banco, tal pretensa responsabilidade (obrigação de indemnização) invocada na p. i. (em 2019) não se transmitiu para o NB, antes se manteve na esfera jurídica do BES (por força da medida de resolução aplicada pelo BdP e das respectivas deliberações que a mantiveram na dita esfera de contingências), desde logo, por constituir um passivo desconhecido por não consolidado ou constituído em 03.8.2014.

2. A figura da autoridade de caso julgado (que é distinta da excepção do caso julgado) importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença - garantindo, assim, a coerência e a dignidade das decisões judiciais.

Decisão Texto Integral:

               Sumário do acórdão:

              

1. Imputando o A. ao BES uma má prática bancária reportada a Nov./2000, com violação de disposições regulatórias e de deveres a que estava sujeito na sua relação com os clientes, razão de ser da peticionada indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, será de concluir que à data das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e 11.8.2014, relativas à aplicação da medida de resolução ao BES e à criação do Novo Banco, tal pretensa responsabilidade (obrigação de indemnização) invocada na p. i. (em 2019) não se transmitiu para o NB, antes se manteve na esfera jurídica do BES (por força da medida de resolução aplicada pelo BdP e das respectivas deliberações que a mantiveram na dita esfera de contingências), desde logo, por constituir um passivo desconhecido por não consolidado ou constituído em 03.8.2014.

2. A figura da autoridade de caso julgado (que é distinta da excepção do caso julgado) importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença - garantindo, assim, a coerência e a dignidade das decisões judiciais.


  

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 29.4.2019, L (…) intentou a presente acção declarativa comum contra N (…), S. A. (NB), pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: a) a quantia de € 16 452,69, correspondente aos danos patrimoniais;  b) a quantia que se apurar em liquidação de sentença correspondente aos pagamentos/débitos bancários efectuados pelo A. por conta do contrato identificado no art.º 21º da petição inicial (p. i.), desde Nov./2000 até Nov./2016; c) a quantia de € 70 000, pelos danos não patrimoniais; d) tudo, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, nomeadamente: em Nov./2000, como cliente do extinto Banco (…), S. A. (BES), subscreveu um pedido de aquisição de um conjunto de acções da Portugal Telecom, a pedido do director de balcão da Ré, para que lograsse atingir os objectivos comerciais fixados pelo Banco; subscreveu um empréstimo provisório para tal aquisição (enquanto a venda das acções não se concretizasse e o empréstimo fosse liquidado com o produto da venda), assinando um contrato e uma livrança em branco, sem que tenha sido informado dos riscos de tais aplicações; ficou convencido de que subscrevia um depósito a prazo junto do BES, nunca sendo sua intenção investir em produtos de risco; com base em errada e falsa informação, fornecida pelo BES, celebrou o contrato denominado “Conta Empréstimo - Curto Prazo”, no montante de 2 499 586$00, convertido em euros e fixado em € 12 467,88; nunca se procedeu à venda das acções, as quais vieram a ser penhoradas em processos de execução fiscal e acabaram por perder o seu valor; em 18.11.2016, a livrança foi preenchida pela Ré, servindo de suporte à acção executiva n.º 2185/17.8T8VIS, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, no valor de € 23 152,87, execução que terminou por transação judicial; sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais descritos nos art.ºs 127º e seguintes da p. i..

A Ré contestou, por excepção, invocando, nomeadamente, a sua ilegitimidade [baseada na Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal/BdP de 03.8.2014 que aplicou ao BES uma medida de resolução e constituiu o NB, bem como nas Deliberações da mesma entidade de 11.8.2014 e 29.12.2015, as quais, de forma expressa, excluíram do âmbito da transferência do BES para o NB, “quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 03.8.2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES” ou as responsabilidades do BES que não constituíssem passivos consolidados, pelo que a responsabilidade civil que o A. pretende assacar à Ré não lhe foi transmitida do BES - a eventual obrigação de indemnização a favor do A. permaneceu na esfera jurídica do BES, não estando aqui em causa responsabilidades do BES que constituam passivos constituídos e consolidados], o abuso do direito, a prescrição do direito invocado pelo A. e a ineptidão da p. i.; impugnou os factos   alegados pelo A.. Concluiu pela procedência da matéria de excepção e pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

O A. respondeu concluindo pela improcedência das excepções e como na p. i..

Observado o contraditório (cf., v. g., os despachos de 06.01.2020 e de 06.5.2020), a Mm.ª Juíza a quo, por saneador-sentença de 24.7.2020, julgou improcedente a arguida ineptidão da p. i. e, considerando que os autos continham os elementos necessários e suficientes[1], declarou a Ré “parte ilegítima para a presente acção, declarando ainda a autoridade de caso julgado da sentença homologatória proferida no processo n.º 2185/17.8T8VIS, que correu termos no Juízo de Execução de Viseu - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu”, pelo que absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, o A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…)

A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, principalmente, se o pretensa obrigação de indemnização invocada nos autos, da esfera jurídica do BES, passou a integrar o universo das responsabilidades que, no âmbito da aludida resolução do Banco de Portugal, vieram a ser transmitidas para a demandada (sendo que uma resposta negativa prejudica ou torna inútil o conhecimento de quaisquer outras questões de facto ou de direito).


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1) De acordo com a Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal/BdP de 03.8.2014, o Banco (…) (BES) foi sujeito à aplicação de uma medida de resolução, nos termos do disposto no art.º 145º-C do RGICSF (DL n.º 298/92, de 31.12), tendo sido determinada, entre outros pontos, a constituição do N (…) (NB) e, bem assim, a transferência de alguns ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES para o NB; esteve, pois, em causa a transferência da generalidade da actividade do BES para um banco de transição, sendo que o regime aplicável aos bancos de transição resulta essencialmente do disposto nos art.ºs 145º-G e 145º-I do RGICSF.

2) No uso do poder que a lei lhe faculta, o BdP actua discricionariamente, decidindo, em função das circunstâncias específicas do caso concreto, que activos e passivos devem ser transferidos.

3) O texto consolidado do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 03.8.2014, constante da Deliberação da mesma entidade de 11 de Agosto, determinou que se transferiam para o NB todas as responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos, excluindo dessa transmissão os litígios tendo por objeto alguma das matérias expressamente excecionadas no próprio texto da Deliberação; a Deliberação envolveu, portanto, a transmissão dos direitos e obrigações, até então na esfera jurídica do BES, para a nova entidade constituída nesse momento, ou seja, a transferência, de forma quase total, da actividade do BES para o NB, não tendo sido transferidos para o NB toda a actividade, activos, passivos, responsabilidades e contingências do BES.

4) As referidas deliberações do Conselho de Administração do BdP exceptuaram, de forma expressa, do âmbito da transferência do BES para o NB, “quaisquer responsabilidades ou contingências do BES, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais”.

5) O BdP determinou, no uso dos poderes que o RLICSF lhe confere, que as responsabilidades do BES (que não constituam passivos consolidados), e quaisquer contingências do BES, não foram transferidas para o NB, o que está patente no considerando 21. da deliberação do BdP de 11.8.2014, onde é dito: “deve ser definido de modo mais preciso as exclusões constantes da subalínea (v) da alínea b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto”.

6) Uma vez que a Deliberação e Anexos de 03.8.2014, designadamente o Ponto 2, se revelou demasiado abrangente, por imprecisa, tendo gerado na prática, situações de confusão quanto à legitimidade processual do BES, em 29.12.2015, com o objetivo expresso de “clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES”, apresentou o BdP uma nova Deliberação sobre a “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014 (17 horas)”.

7) Tal Deliberação surge na sequência do aprofundar do conhecimento da situação financeira do conjunto de activos, passivos e elementos extrapatrimoniais sob gestão do NB e da revelada necessidade de uniformizar as orientações nas decisões judiciais a tomar pelos Tribunais quanto às responsabilidades ou contingências que devem permanecer no BES de modo a preservar a execução e eficácia da medida de resolução aplicada.

8) Deliberou o BdP, no ponto 20. da citada Deliberação de 29.12.2015, clarificar “não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 3 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais) independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES”.

9) Do anexo 2 da deliberação consta: (…) As responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o N (…), S. A., com exceção dos seguintes (“passivos excluídos”): iv) todas as responsabilidades por créditos subordinados resultantes da emissão de instrumentos utilizados no cômputo dos fundos próprios do BES cujas condições tenham sido aprovadas pelo Banco de Portugal; v) Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais e contraordenacionais; vi) Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a emissões de ações ou dívida subordinada; vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo (…).”

No que concerne às responsabilidades do BES que não serão objeto de transferência, estes permanecerão na esfera jurídica do BES. (…) Após a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo o tempo transmitir ou retransmitir, entre o BES e o N (…), S. A., ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145 H, n.º 5 (…);

10) A 11.8.2014, o BdP deliberou proceder à “Clarificação e ajustamento do perímetro dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco (…) S. A., transferidos para o N (…)S. A.” tendo, designadamente deliberado: “ (…) 22. Na subalínea (vi) da alínea (b) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que as responsabilidades ou contingências do BES que não foram transferidas para o Novo Banco podem também resultar de contratos de que o Banco Espírito Santo seja parte e não apenas da emissão de ações ou de dívida; 23. Na subalínea (vii) da alínea (b9 do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do BES nela referidas que não foram transferidos para o Novo Banco abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingência assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo (…)nto, embora sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de junho de 2014, desde que estas estipulações estejam documentalmente comprovadas nos arquivos do BES em termos que permitam o controlo e a fiscalização das decisões tomadas”;

11) A 29.12.2015, o Conselho de Administração do BdP adoptou uma deliberação relativamente ao ponto de agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pelo Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)” com o seguinte teor:

“(…) 4. O Banco de Portugal dispõe de um poder legalmente conferido que pode ser exercido a todo o tempo antes da revogação da autorização do BES para o exercício da atividade ou da venda do Novo Banco, para determinar transferências adicionais de ativos e passivos entre o Novo Banco e o BES (o “poder de retransmissão”). O Poder de Retransmissão encontra-se previsto no Capítulo III (resolução) do Título VIIII do RGICSF, tendo ficado expressamente estabelecido no número 2 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto.

(…) 7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos das subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES.

8. A legitimidade processual do BES tem vindo a ser questionada ou enjeitada em processos judiciais em que este é parte, com base na alegada transferência para o Novo Banco das responsabilidades que se discutem naqueles processos, em que o BES era réu a 3 de agosto de 2014 e que respeitam a factos anteriores à aplicação da medida de resolução ao BES e por efeito da aplicação desta.

9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera que todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, estão abrangidas pelas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação, não tendo sido, portanto, transferidas para o Novo Banco.

(…) 12. Se o número de processos pendentes nos Tribunais Judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a seleção efetuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o “perímetro de transferência”), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro da transferência.

13. Foi esse critério de certeza que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição transição, o Novo Banco, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição.

14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado.

15. Este risco pode materializar-se ainda antes do trânsito em julgado das decisões judiciais se, de acordo com as regras contabilísticas, for entendido que, não obstante a decisão do Banco de Portugal, aquela materialização é provável.

16. Nos termos da lei, a decisão do Banco de Portugal sob o perímetro de transferência só pode ser alterada através dos meios processuais previstos na legislação do contencioso administrativo, de acordo com o artigo 145ºAR do RGICSF (…).

17. Questionar o referido perímetro de transferência fora do contencioso administrativo constitui um desvio à competência dos tribunais administrativos, legalmente estabelecida, e impede que o Banco de Portugal exerça a prerrogativa que a lei lhe confere de afastar, por motivo de interesse público, a execução de sentenças desfavoráveis, iniciando-se de imediato o procedimento tendente à fixação da indemnização de acordo com os trâmites definidos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos

18. Decisões de tribunais judiciais que, direta ou indiretamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e a eficácia da medida de resolução.

19. Tem a presente deliberação o seguinte objetivo:

a. Clarificar o tratamento das responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES, nos termos da subalínea (v) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto;

b. Se e na medida em que quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES à data de 3 de agosto (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES e que devessem ter permanecido na sua esfera jurídica nos termos da Deliberação de 3 de agosto, sejam atribuídas ao Novo Banco, proceder à sua retransmissão, mediante o exercício do Poder de Retransmissão, das referidas responsabilidades contingentes e desconhecidas (…).

20. Face ao exposto e de forma a garantir a continuidade das funções essenciais desempenhas pelo Novo Banco, encontram-se reunidos os pressupostos para o exercício do Poder de Retransmissão, conforme previsto nesta deliberação, exercício que se afigura extremamente necessário, urgente e inadiável.

O Conselho de Administração do Banco de Portugal, ao abrigo da competência conferida pelo RGICSF para selecionar os ativos e passivos a transferir para o banco de transição, delibera o seguinte:

A) Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco, quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20.00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;

B)Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do BES para o Novo Banco os seguintes passivos do BES:

(i) todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo BES e vendidas pelo BES;

(ii) todos os créditos, indemnizações e despesas relacionados com ativos imobiliários que foram transferidos para o Novo Banco;

(iii) todas as indemnizações relacionadas com incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20h00 do dia 3 de agosto de 2014;

(…)

(vi) todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo BES enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento;

(vii) qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I.

C) Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo Banco para o BES, com efeitos às 20 h do dia 3 de agosto de 2014 (…)”.

12) Correu termos, no Tribunal de Execução de Viseu - Juiz 1, do tribunal Judicial da Comarca de Viseu, processo de execução, em que figurava como exequente o Novo Banco, S. A. e como executados o A. e a sua ex-mulher, com o n.º 2185/17.8T8VIS.

13) Nessa execução, foram deduzidos, pelo A., ali executado, embargos de executado, os quais terminaram por transação judicial homologada por sentença.

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Na data da constituição do NB, em 03.8.2014, já o A. havia adquirido as acções em causa e subscrito a livrança, pelo que a Ré é alheia às relações estabelecidas entre o BES e o A..

Importa, pois, indagar se da referida medida de resolução decorreu a transferência para o NB das responsabilidades do BES, questão que não pode deixar de merecer resposta negativa, porquanto decorre da factualidade provada que a referida medida de resolução foi delineada, concretizada e clarificada no sentido de excluir qualquer imputação de responsabilidade ao NB, quanto a factos anteriores a 03.8.2014 e a créditos relativos a quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais, a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas e vendidas pelo BES e a quaisquer responsabilidades decorrentes de intermediação financeira.

Estes os - correctos - considerando iniciais da decisão sob censura.

4. O Banco de Portugal pode determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, e a transferência da titularidade das acções ou de outros títulos representativos do seu capital social para instituições de transição para o efeito constituídas, com o objetivo de permitir a sua posterior alienação (art.º 145-O, n.º 1 do RGICSF, na redacção conferida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3).[2] O Banco de Portugal pode ainda determinar a transferência parcial ou total de direitos e obrigações de duas ou mais instituições de crédito incluídas no mesmo grupo e a transferência da titularidade de acções ou de outros títulos representativos do capital social de instituições de crédito incluídas no mesmo grupo para instituições de transição, com a mesma finalidade prevista no número anterior (n.º 2).

5. Atentemos, pois, no aludido procedimento de resolução de 03.8.2014 (em que se determinou, além do mais, a Constituição do (…), S. A. e a Transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S. A., para o Novo Banco, S. A.) e no conteúdo das correspondentes deliberações do BdP.

            Decorre das mencionadas deliberações:

            - Nos termos do ponto v) da alínea b) do “Anexo 2” (à deliberação do BdP de 03.8.2014 que determinou a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES para o NB) com as clarificações e ajustamentos introduzidos pela deliberação de 11.8.2014[3], foram excluídos os passivos relativos a quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais.[4]

            - Dispondo o BdP do poder de determinar transferências adicionais de activos e passivos entre o NB e o BES (o designado “Poder de Retransmissão”, previsto no Cap. III do Título VIII do RGICSF)[5], na clarificação operada pela Deliberação do BdP de 29.12.2015 sobre “Contingências” (com as rectificações formais aprovadas em 12.01.2016) foi aduzido como fundamento (para a clarificação e para o exercício do Poder de Retransmissão), designadamente: «7. O Banco de Portugal considerou ser proporcional e de interesse público não transferir para o banco de transição as responsabilidades contingentes ou desconhecidas do BES (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais), independentemente de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES nos termos da subalínea (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto, uma vez que a certeza relativamente às responsabilidades do banco de transição é essencial para garantir a continuidade das funções críticas desempenhadas pelo Novo Banco e que anteriormente tinham sido desempenhadas pelo BES. (…) 9. Importa clarificar que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, decidiu e considera (…) todas as responsabilidades contingentes e desconhecidas do BES (…). 12. Se o número de processos pendentes nos tribunais judiciais e a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas conduzirem a que, de modo significativo, não venha a ser reconhecida adequadamente a selecção efectuada pelo Banco de Portugal (enquanto autoridade pública de resolução) dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão transferidos do BES para o Novo Banco (decisão sobre o “perímetro de transferência”), pode ficar comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao BES, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência. (…) 14. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do Novo Banco responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o Novo Banco seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado. (…) 18. Decisões de tribunais que, directa ou indirectamente, ponham em causa o perímetro de transferência neutralizam este mecanismo contencioso (e compensatório), legalmente previsto, de impugnação das decisões do Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e comprometem a execução e eficácia da medida de resolução.»

            - Daí que, clarificando, se tenha então deliberado «(…) que, nos termos da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de Agosto, não foram transferidos do BES para o Novo Banco quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que, às 20:00 horas do dia 03 de Agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (….), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do BES;» e bem assim, e designadamente, verificando-se «(…) terem sido efectivamente transferidos para o Novo Banco quaisquer passivos do BES que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do Novo banco para o BES, com efeito às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014».

            6. Ante o descrito enquadramento fáctico e normativo, mormente, a operada resolução e as mencionadas deliberações do BdP, é irrecusável que a pretensa obrigação de indemnização invocada na p. i. não se transmitiu para o NB, antes se manteve na esfera jurídica do BES (por força da medida de resolução aplicada pelo BdP e das respectivas deliberações que a mantiveram na dita esfera de contingências).

            Ademais, as deliberações do BdP apenas podem ser sindicadas/impugnadas na Jurisdição Administrativa [cf. os art.ºs 145º-AR do RGICSF/aditado pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3; 4º, n.º 1, alínea b) do ETAF e 39º da LOBP (na redacção dada pelo DL n.º 118/2001, de 17.4], donde não se encontra sequer na disponibilidade das instâncias comuns aquilatar da validade/nulidade da decisão do BdP relativamente à clarificação do perímetro das responsabilidades que se mantiveram (ou foram retransmitidas) no BES.[6]

            7. Sendo deveras duvidoso (para não dizer impossível!) que o A., que se apresenta como capaz de integrar o Conselho de Administração de uma sociedade anónima (cf., v. g., os art.ºs 112º e 196º da p. i.), desconhecesse o significado (e o mais que lhe anda associado) duma aquisição de acções cotadas na Bolsa de Valores, e  podendo-se concluir, ainda, que não corresponde à verdade o que de essencial o A./recorrente aparenta querer demonstrar…(cf., v. g., os art.ºs 17º, 31º, 32º, 140º e 176º - 1ª parte da p. i.), antolha-se assim evidente que a pretensão do Recorrente - questionando o negócio de subscrição de “aplicações financeiras”,  com a intermediação do BES, e reclamando uma indemnização por alegados consequentes danos patrimoniais e não patrimoniais -  envolveria responsabilidade civil não transmitida para o NB.

8. O Banco de Portugal, manifestamente, procurou, nas suas sucessivas deliberações, “fechar a porta” à transferência para o NB de litigâncias, indemnizações e responsabilidades contratuais do BES decorrentes de práticas bancárias fraudulentas e da violação dos seus deveres enquanto banqueiro e intermediário financeiro.[7]

9. Atendendo à matéria de facto disponível conjugada com o teor das referidas deliberações do BdP, será de concluir que, pelo menos, desde a clarificação efectuada pela referida deliberação de 11.8.2014, a responsabilidade aqui em apreço, a existir (derivada da pretensa violação de deveres de informação a que os funcionários bancários estavam vinculados e que determinaram que o A./recorrente tivesse efectuado o investimento em causa[8]), sempre constituiria um passivo desconhecido por não consolidado ou constituído em 03.8.2014 [cf., sobretudo, II. 1. 6) a 11), supra], pelo que não foi tal pretenso crédito do A. sobre o BES transferido para o NB - sempre esteve excluído dos passivos que transitaram do BES para o NB.[9]

            Assim, a Ré é parte ilegítima, por não comprovada (antes, afastada) a invocada transferência de “responsabilidades” para a Ré, donde deriva a total inutilidade da prossecução dos autos para apurar os demais factos invocados pelo Recorrente.

10. Se é, pois, inequívoco que não ocorreu a invocada transferência, para o NB, da aludida pretensa obrigação de indemnização, decorre igualmente dos autos que, na base do mencionado processo executivo movido pelo NB contra o (aqui) A., esteve o “incumprimento” de um contrato de financiamento (associado à referida aquisição de acções), de 23.11.2000, “activo (não tóxico)” do BES transferido para o NB/exequente.

Podendo-se porventura dizer que aquelas duas “situações” se apresentam como a face e o reverso de uma mesma realidade/questão (máxime, do que de essencial existe/existiu nessa relação substantiva), e sendo evidente que à transação judicial referida em II. 1. 13), supra (e, v. g., a fls. 153 verso e 255 verso), subjazia o aludido financiamento (contrato de mútuo) e a correspondente livrança subscrita pelos executados (para garantia do cumprimento das obrigações assumidas no âmbito desse financiamento concedido pelo BES)[10], também se dirá que o conteúdo daquela transacção, homologada por sentença, sempre configuraria “caso que foi julgado”, pelo menos, relativamente ao pedido formulado sob as alíneas “a)” e “b)” (cf. ponto I., supra).[11]

Ou seja, nada se poderá objectar à afirmação do instituto do caso julgado, na sua vertente positiva (autoridade de caso julgado), com as consequências assinaladas na decisão recorrida - “a validade e eficácia dos negócios jurídicos, com os quais o autor não se conforma, foram já apreciados por decisão material transitada em julgado, o que faz cair o pressuposto lógico do pedido de indemnização formulado contra a Ré e não poderá voltar a ser apreciado, consubstanciando questões de facto que são antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.”

11. A figura da autoridade de caso julgado (que é distinta da excepção do caso julgado) importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença - garantindo, assim, a coerência e a dignidade das decisões judiciais.[12]

12. Dir-se-á, ainda, que nenhuma razão assiste ao A./recorrente relativamente ao demais esparsamente invocado.

Assim, e designadamente, a Mm.ª Juíza a quo providenciou pela devida observância do contraditório (cf. ponto I., supra), não constituindo o saneador-sentença uma “decisão surpresa” (porquanto expectável e adequadamente “anunciada”); não se vislumbra de que forma possa ter sido violado o princípio da igualdade das partes previsto no art.º 4º do CPC e, menos ainda,  o princípio de igualdade consagrado no  art.º 13 da CRP; a Mm.ª Juíza dispunha dos elementos necessários para uma decisão definitiva e conscienciosa,  que proferiu, respeitando o ordenamento jurídico vigente.

13. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.  

            Custas pelo A./apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido a fls. 78 verso.


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26.01.2021

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


           


[1] E que “ainda que permaneça controvertida parte da factualidade alegada pelo autor, (…) o apuramento de toda a matéria de facto que foi alegada pelo autor, pelas razões que se irão expor, não obstaria à improcedência da acção (…)”.

[2] Sendo que o Banco de Portugal pode aplicar, nomeadamente, a medida de resolução consistente na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (art.º 145º-E, n.º 1, alínea b) do mesmo Regime Jurídico, na redacção conferida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26.3).
[3] Que teve por objecto a clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES, S. A., transferidos para o Novo Banco, S. A..
[4] O mesmo ponto (v), na versão original da deliberação de 03.8.2014, encontrava-se assim redigido: “Quaisquer responsabilidades ou contingências decorrentes de dolo, fraude, violações de disposições regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”.

[5] Cf., ainda, II. 1. 11), ponto 4. (deliberação do BdP de 29.12.2015) e, nomeadamente, o acórdão da RL de 06.7.2017-processo 6961/16.0T8LSB.L1-2, publicado no “site” da dgsi.

[6] Perfilhando idêntico entendimento, cf., de entre vários, os acórdãos da RL de 07.3.2017-processo 48/16.3T8LSB-L1-7 [tendo-se concluído, designadamente: «VIII. A transferência de ativos e passivos feita pelo BdP para o Novo Banco, no âmbito da medida de resolução, foi condição “sine qua non” do êxito da medida porquanto, sem tal transferência seletiva, o risco sistémico ficaria incólume (princípio da proporcionalidade em sentido estrito).»], 26.4.2017-processo 35924/15.1T8LSB-7, 11.5.2017-processo 2471/16.4T8LSB-2 [com o seguinte sumário: «III. A eventual responsabilidade indemnizatória do BES, não foi transferida para o NB, por força da subalínea (v) da alínea (b) [do n.º 1] do anexo 2 da deliberação do BdP de 03/8/2014. IV. A eventual obrigação contratual do BES inerente às acções preferenciais vendidas por seu intermédio à autora, que estavam numa conta desta no BES, a existir, teria sido transferida para o NB com a resolução do BdP de 03/8/2014; mas, sendo esse o caso, ela teria depois sido retransferida para o BES pela declaração do BdP de 29/12/2015, no uso dos poderes de que o BdP dispõe como autoridade de resolução.»], 29.6.2017-processo 34398/15.1T8LSB.L1-2 [onde se refere: «7. Um banco de transição, deve ser considerado, como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária, no caso de os mesmos não terem sido excluídos da transferência deste para aquele, por Deliberação do Banco de Portugal, entidade competente para determinar essa medida de resolução.»], 06.7.2017-processo 6961/16.0T8LSB.L1-2 [aresto que nos dá conta do enquadramento e razão de ser das mais significativas alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) ocorridas desde 2012 (DL n.º 31-A/2012, de 10.02), constando do respectivo sumário: «VI. A deliberação emitida pelo Banco de Portugal em 03.8.2014, que aplicou ao BES a medida de resolução descrita nos autos, criando um veículo de transição consubstanciado no 2.º R. (Novo Banco), para quem se transferiram parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, mostra-se, conforme consta na respetiva fundamentação, sustentada em razões de interesse público, visando evitar, face às perdas e prejuízos apresentados pelo banco, o risco sistémico de corrida aos depósitos numa instituição bancária com o peso institucional do BES, com as consequências daí advenientes para a estabilidade do sistema financeiro e para a economia nacionais. VII. Na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos ativos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objeto de resolução, o Banco de Portugal atua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade). VIII. In casu, nos termos das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e de 29.12.2015, o crédito do A., assente em alegada atuação ilícita e culposa do BES no âmbito do seu relacionamento com o A., seu cliente, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzida na alienação de ações preferenciais de uma “off-shore” detida e controlada pelo BES, não se transferiu para o Novo Banco.»] e de 19.4.2018-Processo 18253/16.0T8LSB.S1.L1-6 [tendo-se concluído: «A eventual obrigação de indemnizar do BES por violação de deveres de intermediário financeiro não se encontra abrangida pela regra geral de transmissão para o Novo Banco prevista na al. b) do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, com as alterações introduzidas pela deliberação de 11 de agosto de 2014»], publicados no “site” da dgsi.
   Na doutrina, veja-se, principalmente, Ana Mafalda C. N. de Miranda Barbosa, A propósito do caso BES: algumas notas acerca da medida de resolução, in “Direito Civil e Sistema Financeiro”, Principia, 2016, ao salientar, nomeadamente, que na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos activos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objecto de resolução, o BP actua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade) (págs. 26 e seguinte) e que «se todos os ativos e passivos fossem transmitidos para a instituição de transição (…), teríamos de concluir que de nada serviria a atuação saneadora do Banco de Portugal. Operar-se-ia uma modificação subjetiva global das relações jurídicas tituladas pela instituição financeira, à qual sucederia uma outra entidade que passaria a experimentar as mesmíssimas dificuldades que determinaram a resolução. Por outro lado, a não-transmissibilidade vem dar cumprimento à ideia de que serão os acionistas, em primeiro lugar, e os credores, em segundo lugar, aqueles que devem suportar as perdas.» (ibidem, pág. 97).
   Também se dirá que não se aplica à situação dos autos o sufragado no acórdão da RC de 15.12.2016-processo 6906/15.5T8VIS.C1, invocado pelo recorrente [A questão submetida a recurso consistia em saber se a Deliberação do BdP de 29.12.2015 (na pendência da acção) implicava a extinção da instância declarativa, por impossibilidade da lide, tendo-se concluído: «II - Demandando os Autores o Novo Banco SA (com base na Deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014) onde pedem a anulação do negócio de subscrição de aplicações financeiras, anteriormente celebrado com o BES, e reclamam uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, a Deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 (emitida na pendência da causa) que retransmitiu para a instituição de crédito originária (BES) determinados activos e passivos, entre os quais e expressamente o crédito exercido pelos Autores neste processo, não implica uma impossibilidade superveniente da lide, a justificar a extinção da instância. III - Estamos perante o fenómeno da transmissão da coisa ou direito em litígio, não efectuada directamente pelo demandado (Novo Banco), mas pelo seu criador, o Banco de Portugal, no âmbito da sua competência legal, pelo que tem aplicação o regime do n.º 1 do artº. 263º CPC, verificando-se a chamada “substituição processual”»], publicado no “site” da dgsi.

[7] Cf. o acórdão da RC de 12.4.2018-processo 998/16.7T8GRD.C1, publicado no “site” da dgsi.

[8] O A. imputa ao BES uma má prática bancária, com violação de disposições regulatórias e de deveres a que estava sujeita na sua relação com os clientes enquanto entidade bancária que se dedicava à intermediação financeira.

[9] Sobre esta matéria e, em particular, a importância e o sentido da clarificação efectuada pela Deliberação de 11.8.2014 no tocante à “subalínea” aqui aplicável, cf. o citado acórdão da RL de 11.5.2017-processo 2471/16.4T8LSB-2 e, a respeito de uma situação com alguma similitude, o acórdão da RC de 24.10.2017-processo 2510/15.6T8VIS-A.C1 [assim sumariado: «(…) 3. Considerando que à data das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e 11.8.2014, relativas à aplicação da medida de resolução ao BES e à criação do Novo Banco - e em que se determinou a transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES para o Novo Banco - a exequente não era titular de uma decisão condenatória definitiva contra o BES (atribuindo e fixando indemnização por danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes) e que a condenação apenas se tornou definitiva em data não anterior a Dezembro/2014, tal dívida/responsabilidade do BES constituía um passivo desconhecido por não consolidado ou constituído em 03.8.2014, pelo que não foi transferido para o Novo Banco (tal responsabilidade sempre esteve excluída dos passivos que transitaram do BES para o Novo Banco).»], subscrito pelo relator e o 1º adjunto, publicado no “site” da dgsi e na CJ, XLII, 4, 27.
[10] Cf. o requerimento executivo e os embargos de executado documentados a fls. 80 verso/170 e 108 verso/220, bem como o despacho saneador (com a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova) dos autos de embargos de executado, a fls. 252.
[11] A que está associado o demais pedido.

[12] Sobre a figura da autoridade do caso julgado, cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 08.11.2018-processo n.º 478/08.4TBASL.E1.S1 [tendo-se concluído, nomeadamente: «I. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. (…) III. Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.»] e da RC de 15.01.2019-processo 5072/17.6T8LRA.C1, subscrito pelo relator e o 1º adjunto [com o sumário: «1. A figura da autoridade de caso julgado (que é distinta da excepção do caso julgado) importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença - garantindo, assim, a coerência e a dignidade das decisões judiciais -, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC. 2. A eficácia preclusiva do caso julgado e indiscutibilidade da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada pela sentença transitada, i. é, o conteúdo dessa decisão, compreende não apenas as questões nela expressamente decididas mas todas as que o demandado tinha o ónus de suscitar durante o processo, de modo a conformar a decisão final sobre o mérito da causa. (…)»], publicados, o primeiro, no “site” da dgsi e, o segundo, na CJ, XLIV, 1, 8.