Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/05.9FACTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO DE ANDRADE
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Data do Acordão: 03/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 2º, 3º, 4º E 108º, N.º 1 DO D. L. 422/89, DE 2/12 (REDACÇÃO DO DL10/95, DE 19/01)
Sumário: I- Não existindo o mínimo factor de perícia, sorte ou azar do utente não se pode dizer que haja “jogo”, como acontece quando o cliente se limita a meter uma moeda para obter “sempre” um dos prémios de valor e utilidade semelhantes;

II- Neste caso o resultado não depende exclusiva e fundamentalmente da sorte, intervindo esta como aspecto residual.

Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


Nos presentes autos foi proferida sentença que, além do mais (absolvição de dois outros arguidos) condenou o arguido A..., pela prática de dois crimes de exploração de jogo ilícito p e p pelas disposições combinadas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 108º n.º1 do DL 422/89 de 02.12 na redacção dada pelo DL 10/95 de 19.01, na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) – sublinhado e destaques do relator, como todos os outros, infra.
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Recorre o arguido, motivando com as seguintes CONCLUSÕES:
1- (esta conclusão reproduz a condenação, supra descrita).
2- Para motivação da decisão de facto, fundamentou-se Tribunal na prova testemunhal que se produziu em audiência de julgamento, conjugada com a prova documental junto aos autos, tendo em conta as conclusões que derivam da aplicação das regras da experiência ao caso concreto.
3- Face ao objecto do recurso a questão que se coloca é a da qualificação de jogo de fortuna ou azar, que salvo o devido respeito é indevidamente interpretada na sentença recorrida.
4- O D.L. n.º 10/95 de 19/1 veio introduzir uma alteração significativa ao reformular a qualificação de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo face á necessidade de regular no âmbito do D. L. n.º 422/89 de 02/12, a matéria relativa as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, revogando-se por completo o Decreto-Lei n.º 48912 de 18/03 de 1969, diploma onde tal matéria se encontrava disciplinada por razões que se prendiam não tanto com a necessidade de alterar o regime então vigente cujas soluções se mantinham no essencial, mas antes com a conveniência de disciplinar unitariamente uma realidade próxima da que já era regulada pelo referido D.L. 422/89.
5- O artigo 159º do referido D.L. indica no seu no 1 que “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança do ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisa com valor económico”.
6- Na douta sentença recorrida, entendeu a Meritíssima Juiz qualificar face à forma descrita de funcionamento das máquinas em questão, que as mesmas integravam no conceito de jogos de fortuna ou azar.
7- Ora salvo o devido respeito e atenta a descrição supra efectuada e constante da douta sentença, da forma alguma é possível comparar este tipo de máquinas a quaisquer umas das existentes em qualquer casino.
8- A forma de funcionamento destas máquinas, apenas é comparável com um qualquer tipo de jogo subjacente a uma modalidade de jogo de rifas, uma vez que o funcionamento e resultado depende exclusivamente da sorte e o prémio não corresponde a dinheiro mas sim a coisa de valor económico.
9- Os jogos qualificados como jogos de fortuna ou azar, encontram-se devidamente tipificados no artigo 4º do D.L. 422/89 de 02/12 na redacção dada pelo DL. 10/95 de 19/01.
11- De facto apenas se pode concluir estarmos perante jogos com todas as características referidas no nº 1 do artigo 159º do D.L. n.º 422/89 de 02/12 na redacção dada pelo D.L. 10/95 de 19/01 (cf. A.C.C. de 28.03.01), (A.R.P. de 19.02.199) e (A.R.E. de 31.01.06).
12- Pelo que não se integram o caso em apreço um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelo art. 108º n.º 1 do D.L. n.º 422/89, pelo que deve o ora recorrente ser absolvido.
Termos em que. e nos melhores de direito doutamente a suprir, deve o recorrente ser absolvido dos crimes pelos quais foi condenado, pois a douta sentença recorrida violou os artigos 108º n.º 1 e 116º do DL. 422/89 de 02/12.
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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do Tribunal recorrido sustentando a improcedência do recurso, alegando, além do mais, que sendo ténue a diferença entre jogos de fortuna e azar jogos de rifas, as máquinas dos autos foram objecto de exame pericial.
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer inteiramente concordante com a resposta.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade do processo, cumpre decidir.
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Definindo as conclusões apresentadas o objecto do recurso e não se verificando a existência de questões de conhecimento oficioso, está em causa na apreciação do presente recurso, exclusivamente, matéria de direito - apurar se a matéria de facto provada preenche os elementos do tipo objectivo do crime imputado ao recorrente, o mesmo é dizer se os dois expositores apreendidos e examinados nos autos contêm jogos ou são máquinas de jogos de fortuna e azar pata efeito do crime por que o recorrente vem condenado – p e p pelo art. 108º do DL 422/98 de 02.12.
O que obriga a recapitular a matéria de facto provada.
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A MATÉRIA DE FACTO PROVADA (com destaque a negrito dos pontos mais relevantes) é a seguinte:
1. O arguido B... é proprietário do estabelecimento de café sito na Rua X....., explorado pelo arguido C...., que é o gerente de tal estabelecimento.
2. Quem explora de facto o estabelecimento de que o arguido B... é proprietário é o sogro deste, o ora arguido C..., que recolhe para seu exclusivo proveito todos os lucros obtidos com essa exploração.
3. O arguido B...é pedreiro de profissão
4. O arguido B... frequenta esporadicamente o café, como se de um cliente se tratasse, tanto que exerce a profissão de pedreiro, não estando à organização e gerência daquele estabelecimento, que ficam a cargo do seu sogro, o arguido C....
5. No dia 18 de Fevereiro de 2005, pelas llh30m, o arguido C... mantinha naquele estabelecimento, colocada em cima do balcão, em condições de funcionamento um expositor plástico contendo no seu interior um número indeterminado de bolas de plástico e um cartaz, sendo constituído por uma parte em acrílico translúcido, onde estão colocadas as bolas de plástico, e uma parte também em acrílico de cor encarnada, onde se encontram as moedas.
6. O expositor contém um manípulo na parte da frente com uma ranhura, onde o jogador introduz uma moeda para obter as bolas de plástico, abertas as bolas encontra-se uma senha mencionando o nome de uma cor.
7. Ao verificar-se a cor que se encontra mencionada na senha, o jogador verifica qual o prémio que lhe saiu (o chocolate identificado com a mesma cor).
8. Ao cliente sairia sempre um prémio mas não o podia escolher, dependendo, assim, apenas da sorte ou azar dos clientes.
9. O aludido expositor encontrava-se em funcionamento no referido estabelecimento, sem que os referidos arguidos possuíssem a necessária autorização de exploração.
10. A máquina manteve-se em exploração no estabelecimento identificado em 1) durante cerca de 3 meses, sendo que durante esse período as bolas de plástico foram repostas por 5 ou 6 vezes, em quantidades de 300 bolas de cada vez, obtendo-se o resultado monetário por cada uma dessas vezes, de € 30,00 a € 35,00.
11. O arguido C... recebia como lucro da exploração dessas máquinas 20% da receita arrecadada, sendo os restantes 80% a favor do arguido A..., fornecedor da máquina.
12. A arguida D... é proprietária do estabelecimento comercial denominado “O caçador’, sito em Avenida Y....
13. No dia 18 de Fevereiro de 2005, pelas llh3Om, a arguida D... mantinha naquele estabelecimento, colocada em cima do balcão desse estabelecimento, em condições de funcionamento um expositor contendo no seu interior um número indeterminado de bolas de plástico, sendo o expositor constituído por uma parte superior em acrílico translúcido e uma parte inferior também em acrílico encarnado.
14. O expositor mantém um manípulo na parte da frente com uma ranhura onde o jogador introduz uma moeda de € 0,50 ou € 1,00 e rodando o manípulo obtém-se as bolas de plástico, abertas as bolas encontra-se uma senha com um número ou uma letra e a palavra “BRINDE”, sendo que aberta a senha, podem ocorrer duas situações:
a) o número da senha coincide com qualquer um dos números 691 a 740 constantes nas etiquetas dos prémios do cartaz expositor e o jogador tem direito ao prémio correspondente;
b) a letra da senha coincide com qualquer uma das letras constantes no plano de prémios e o jogador tem direito ao prémio correspondente.
15. Ao cliente sairia sempre um prémio mas não o podia escolher, dependendo, assim, apenas da sorte ou azar dos clientes.
16. O aludido expositor encontrava-se em funcionamento no referido estabelecimento, sem que a referida arguida possuísse a necessária autorização de exploração.
17. A máquina identificada foi colocada no café da arguida D... no dia em que a mesma foi apreendida, sendo que só um cliente a tinha usado.
18. Os expositores supra referidos pertenciam ao arguido A....
19. As duas máquinas de jogo que se encontravam nos estabelecimentos dos arguidos C... e D... continham uma etiqueta onde constava como proprietário fornecedor “A...’, com inscrição da morada e contactos telefónicos deste.
(…)
21. O arguido A... conhecia inteiramente as características e sistema de funcionamento do jogo desenvolvido pelos expositores e sabia que a sua posse, instalação e exploração não era permitida naqueles locais sem a prévia autorização da entidade estadual competente.
22. O arguido A... actuou de forma livre e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Como já se referiu a questão colocada no recurso é apenas a de saber se os factos provados preenchem os elementos típicos dos crimes pelos quais o arguido vem condenado - dois crimes de exploração de jogo ilícito p e p pelas disposições combinadas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 108º n.º1 do DL 422/89 de 02.12 na redacção dada pelo DL 10/95 de 19.01.

Vejamos os referidos textos legais, pela ordem referenciada.
Postula o artigo 1º: Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
O artigo 2º nada adianta de relevante - limita-se a definir o membro do Governo com a tutela dos jogos.
Dispõe o artigo 3º: A exploração o e a prática dos jogos de fortuna e ou azar só são permitidos nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei.
Por sua vez refere o artigo 4º, sob a epígrafe “Tipos de jogo de fortuna e azar”:
1- Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
(…)
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam ternas próprios dos jogos de fortuna e azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Por fim o artigo 108º estabelece: Quem, por qualquer forma, fizer exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, será punido com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias.

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Estão em causa nos autos dois “expositores” apreendidos à ordem do processo. Tudo estando assim em saber, da conjugação do artigo 108º e do art. 4º, 1, g) se tais expositores constituem ou contêm “jogos em máquinas”. E se tais jogos constituem “jogos de fortuna ou azar”, estes definidos pelo artigo 1º.
Resulta da matéria provada (pontos 8 e 15 da descrição da matéria provada) “Ao cliente sairia sempre um prémio mas não o podia escolher, dependendo, assim, apenas da sorte ou azar dos clientes”.
Deste enunciado resulta claro que a segunda afirmação “depende apenas de fortuna e azar”, se limita a extrair uma conclusão dos factos descritos na primeira parte do parágrafo – “ao cliente sairia sempre um prémio mas não o podia escolher”.
Desde logo pela ligação explicativa estabelecida: (“assim…”).
Resulta pois evidente, limando a matéria de facto da conclusão que dela é extraída que “Ao cliente sairia sempre um prémio”.
Aliás a sentença recorrida conclui, na parte relativa ao enquadramento jurídico (p. 13, penúltimo §) que “No caso vertente o ganho está assegurado, porque há sempre prémio”.
Assim, no caso dos autos, o utilizador que introduzisse a moeda recebia “sempre” um dos produtos identificados no “expositor” em função da bola que retirasse do expositor. Ainda que não escolhesse directamente o produto, essa escolha estava definida por critérios objectivos, devidamente explicitados e acessíveis ao utente – de forma imediata pela simples cor da bola que identificava os chocolates com a mesma cor ou pelo número ou letra contida dentro dela que identificava, peça por peça, sem qualquer margem para dúvidas, o artigo (único) com a correspondente letra ou número, devidamente identificado no expositor, à vista do consumidor e sem qualquer margem de dúvidas.
Como resulta da descrição fáctica operada na sentença acima transcrita – em conformidade com o relatório da peritagem efectuada (cfr. fls. 107 e segs. e 111 e segs., respectivamente figuras nele incorporadas, designadamente fls. 104, 107 e 111) trata-se de simples “expositores”, como ali são designados.
Assinalando-se que a prova pericial apenas é relevante, estando subtraída à livre apreciação quanto ao juízo técnico e científico (art. 163º do CPP), o mesmo é dizer quanto à descrição dos expositores e funcionamento técnico dos mesmos.
Que não quanto às expressões conclusivas com que depois são adjectivadas as constatações e descrição técnica dos expositores. Muito menos no que toca à qualificação jurídica dos factos que é efectuada, de forma definitiva, no dito relatório.
Aliás no caso a sentença transcreve, ipsis verbis a dita peritagem bem como os considerandos de natureza dedutiva/conclusiva ali efectuados que não vinculam o tribunal.
Não resulta da matéria provada (nem da descrição efectuada na peritagem ou apreciação técnica ali efectuada) a existência de qualquer “jogo” no sentido corrente do termo – não existe o mínimo factor de perícia do utente – este limita-se a introduzir a moeda e rodar o manípulo. E o jogo envolve sempre factores de perícia, ainda que aparente, do jogador.
Não constituindo assim os ditos expositores, “máquina de jogos” do género das vulgarmente identificadas como tal e existentes em cafés e “salões de jogos” (de utilização não reservada aos casinos) onde o jogador sempre almeja condicionar o resultado pela sua habilidade.
Na verdade resulta claramente da matéria provada e descrição efectuada na perícia em que se fundamenta que o cliente mete a moeda e obtém “sempre” um produto.
Num dos expositores mediante a introdução da moeda de 50 cêntimos “sai sempre” um chocolate dos identificados no “cartaz” anexo – previamente identificado pela cor da bola conforme está exibido no cartaz.
Existindo um dístico bem visível no expositor onde se lê: “sai sempre chocolate” – cfr. fls. 111. E os chocolates, não sendo perfeitamente iguais, são, todos eles, chocolates “correntes” no mercado – ex. “Crunch”, “KitKat”, “Nestlé Dolca”, Nestlé Extrafino” - de valor aproximado semelhante, com idêntica utilidade, no valor aproximado (50 cêntimos) da moeda introduzida.
É certo que o utente não obtém directamente o chocolate. Com efeito o utilizador mete a moeda, roda o manípulo e sai uma bola. Mas o chocolate que recebe é identificado, de forma inequívoca, sem mais, pela “cor da bola”, uma vez que os vários chocolates estão também identificados no expositor pelas cores correspondentes às das bolas – para uma bola há sempre um chocolate identificado de forma inequívoca pela cor correspondente à da bola – cfr. claramente a descrição e figuras incorporadas no relatório da perícia, a fls. 111.

Também no segundo expositor (facto n.º 14) “a senha (contida na bola) corresponde sempre a um produto” – cfr. a descrição efectuada na peritagem e fotografias a fls. 107.
Aqui o produto obtido varia em função dos números (facto 14-a) ou das letras (facto 14-b) que saem na bola.
Mas a cada número ou letra corresponde – sempre – uma das etiquetas que identifica, de forma inequívoca, o artigo/produto que lhe corresponde no cartaz do expositor. Artigos que não são desconhecidos ou hipotéticos, mas devidamente exibidos e etiquetados no “cartaz expositor de prémios”, previamente referenciados e à vista do utente - cfr. figura 2 a fls. 107. Ou seja, o utente obtém sempre o produto identificado, de forma indelével e inequívoca pela bola que retira e correspondente referência exibida no “cartaz expositor de prémios” à vista do utilizador.
Existe ainda no expositor um dístico bem visível onde se lê “sai sempre brinde”.
Neste caso o utilizador obtém “sempre” a “bugiganga” certa e determinada que corresponde à referência contida dentro da bola que identifica um único produto no cartaz expositor dos “prémios” perfeitamente identificado e acessível ao cliente. Quanto a este segundo “expositor” a matéria provada não esclarece quais os produtos disponíveis. Mas também aqui resulta da peritagem e respectivas figuras (fotografias) nela incorporadas, que os “brindes” referidos são perfeitamente identificados em género, espécie e utilidade no visor – cfr. figuras 1 e 3 de fls. 105 onde se lê em letras de grande destaque: “isqueiros de cozinha, jogos de dominó, porta-chaves”.
Sendo assim o artigo correspondente a cada bola (único) identificado de forma inequívoca pela bola libertada pelo expositor mediante simples confronto com o mesmo, à vista, de natureza equivalente e valor proporcional ao da moeda introduzida (aqui 1 euro).
Daqui resulta não só que não existe qualquer “jogo” dentro do conceito referido, tratando-se de meros “expositores” de produtos individualizados, de forma inequívoca, pela bola atribuída pela introdução da moeda.
Como ainda que o utente não assume qualquer “álea” significativa ou relevante, uma vez que recebe sempre um dos produtos expostos que a bola identifica sem margem para dúvida.
Para além de que se trata de produtos ou da mesma natureza (chocolates no primeiro expositor) ou pequenas utilidades de idêntico valor de utilidade e de mercado (isqueiros, caixa de dominó, porta-chaves).
Pode sair este ou aquele chocolate, aquele porta-chaves ou aquele isqueiro. Mas sempre um produto exposto de valor e utilidade semelhantes e individualizado pela cor da bola ou da letra/número que a bola contém.
Ora jogos de fortuna ou azar (que a máquina tem que conter) são “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte” – artigo 1º supra reproduzido.
E aqui nem exclusiva nem fundamentalmente – a sorte intervém como aspecto residual, nulo do ponto de vista da individualização dos produtos exibidos de forma muito próxima do que sucede nas vulgares máquinas de bebidas ou de bugigangas indiferenciadas onde a “escolha” do produto concreto não é do utente mas da máquina. Que no caso só tem a mais o ser identificado pela bola (pela sua cor ou pela letra/número que contém).
Não existe assim no caso dos expositores dos autos qualquer factor significativo de perícia, contingência, sorte ou azar uma vez que o expositor, mediante a introdução da moeda fornece, em toda e cada uma das activações efectuadas, um dos produtos expostos e devidamente identificados por factores predefinidos, conhecidos e acessíveis ao utente.
Muito menos se verifica que o utente não possa prever se vai ou não receber um dos produtos expostos – recebe sempre um identificado, sem margem para dúvidas, pela bola que sai mediante a introdução da moeda, dentro do mesmo género e espécie e no horizonte do valor da moeda correspondente introduzida (€ 1,00 ou € 0,50).
Assim, concluindo, a acusação não pode proceder pela falta de verificação dos elementos típicos do crime “jogoresultado contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
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Acrescenta-se que está fora de questão a eventual punição por “jogos afins, rifas ou tômbolas” a que se reporta o art. 159º do DL 422/89, invocado nas conclusões do recurso.
Quer porque o recorrente nunca foi confrontado com tal enquadramento sendo o objecto do processo definido exclusivamente pelo crime (crime p e p pelo art. 108º); e a infracção ao citado art. 159º constitui mera contra-ordenação (p no art. 163º). Quer porque, como se concluiu supra, nos expositores em causa, o resultado não só não depende de forma relevante da sorte mas é identificado com base em critérios pré-defnidos e acessíveis ao utilizador. Quer porque o resultado não depende, como exige o citado dispositivo, da perícia do jogador - este limita-se a introduzir a moeda e rodar o manípulo. E na rifa o resultado é de todo incerto: não só não se “ganha” sempre como, pelo contrário, o jogador da rifa sabe, de antemão, que na maioria dos casos não receberá nada.
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Nestes termos decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e julgando a acusação improcedente assim absolvendo o recorrente do crime pelo qual vem acusado. ---------
Sem custas.