Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1297/08.3TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: BASE INSTRUTÓRIA
CONTRADIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 659º Nº 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1) Os factos elencados na Base Instrutória são, como tem sido amplamente reconhecido, elementos de trabalho que são susceptíveis de alteração posterior nomeadamente na fase da sentença se a prova constante do processo o impuser.

2) O facto de se referir num item dos factos provados que o dinheiro se destinava a determinada pessoa não está em contradição com o que se refere noutro onde se omite tal facto. E isto porque só existe nulidade quando se verifica contradição nas respostas aos quesitos ou na matéria de facto assente. E os factos constantes das aludidas alíneas não entram em colisão.

3) Litiga de má-fé aquele que se arroga à propriedade de determinada quantia em dinheiro sabendo que a mesma não lhe pertence.

Decisão Texto Integral:      1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     A...., residente nos E.U.A., instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra B..... e esposa, C...., pedindo ao tribunal que os condene a restituírem-lhe a quantia de € 11.000,00, acrescida dos juros moratórios vencidos, no montante de € 2.118,63, e dos vincendos, desde a data da citação e até integral pagamento.

     Para tanto, invoca, em síntese, que no final do mês de Setembro de 2003 os Réus telefonaram-lhe e pediram-lhe, a título de empréstimo, a quantia de € 2 500,00, que se comprometeram a restituir-lhe quando o Autor viesse a Portugal;

     O Autor acedeu, tendo autorizado a sua tia D....a levantar tal quantia, que tinham em conta conjunta aberta na agência da do Banco J....;

     No final do mês de Novembro de 2003 os Réus telefonaram-lhe novamente pedindo-lhe o empréstimo de mais € 8.500,00, prometendo também restituir tal quantia quanto do Autor viesse a Portugal;

     O Autor acedeu, uma vez mais, ao pedido e autorizou a sua tia D....levantar tal importância da referida conta;

     Tais quantias foram emprestadas aos Réus, que não as restituíram aos Autores, tendo-se vencido juros legais no valor de € 2.188,63.

     Os Réus contestaram pugnando pela improcedência da acção, alegando, para tanto, por um lado, que o Autor não lhes emprestou tal quantia e, por outro, ainda que tivesse emprestado, atenta a nulidade do contrato, nunca seriam devidos os juros de mora peticionados.

     Alegam ainda que o montante saído da referida conta bancária e entregue aos Réus pertencia exclusivamente à falecida D.,..., tia do Autor e do Réu, que lhes entregou tal quantia para os compensar pelo acolhimento em sua casa e por terem tomado conta dela, constando o Autor como co-titular da referida conta apenas por razões de mera gestão da conta, o que o mesmo bem sabe, razão pela qual deve ser condenado como litigante de má-fé.

     O Autor respondeu à contestação deduzida, resposta que o tribunal admitiu apenas relativamente ao contraditório quanto aos documentos juntos e quanto à questão da litigância de má-fé, tendo quanto a esta pugnado, de igual modo, atentos os fundamentos da oposição, pela condenação dos Réus como litigantes de má-fé.

     No despacho saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo-se fixado os factos assentes e a base instrutória, que não sofreram reclamações.

     Procedeu-se a julgamento e acabou por ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus do pedido, condenando-se o Autor, como litigante de má-fé, na multa de 5 (cinco) UC.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Autor, o qual no termo de tudo quanto alegou pediu que se revogue a sentença e se decida pelo modo que preconiza, julgando-se a final a acção procedente por provada.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito.

     2) A sentença considerou provado o facto constante da alínea d), com o seguinte teor: “Tal conta bancária foi aberta no dia 21/3/2003, como conta solidária, titulada por D.... e co-titulada por A...., tendo sido encerrada no dia 17/10/2008 – cfr. doc. de fls. 151”;

     3) Este facto não consta da matéria assente nem foi levado à base instrutória;

     4) Assim, o ser considerado provado na sentença um facto que não foi julgado assente nem constante da base instrutória constitui, no nosso entendimento, nulidade do acto, previsto no artº 201º, nº 1, do C.P.C., visto que se trata da prática de um acto que a lei não admite;

     5) Consequentemente, nos termos do artº 201º do C.P.C., foi cometida uma nulidade, com influência no exame e na decisão da causa e é, por isso, uma nulidade processual que afecta a própria sentença, cuja nulidade aqui se invoca expressamente para todos os efeitos legais;

     6) Concomitantemente, no nosso entendimento, verifica-se a existência de contradição entre os factos constantes das alíneas a) e b) e das alíneas I) e n) da factualidade julgada provada na sentença;

     7) Efectivamente, a contradição verifica-se no facto de, nas alíneas a) e b), ter ficado provado que as quantias respectivamente de 2.500,00 € e de 8.500,00 € foram levantadas para empréstimo a B....;

     8) E nas alíneas I) e n), versando sobre a mesma factualidade, já não é feita referência ao facto de tais quantias terem sido levantadas para empréstimo a B....;

     9) Ou seja, a factualidade supra referida acentua numa contradição lógica entre si, visto que dá o dito por não dito;

     10) Por isso a decisão proferida sobre a matéria de facto sofre de contradições que inviabilizam a decisão jurídica do pleito;

     11) Sem prejuízo do alegado supra, verifica-se a existência de erro na apreciação da matéria factual, que possibilita a modificação das respostas dadas aos quesitos, que a seguir se referem;

     12) De facto, o ora recorrente faz assentar a sua discordância relativamente à sentença recorrida por entender que a decisão sobre a matéria de facto errou, ao dar como parcialmente provados os factos vertidos nos quesitos 1 e 3, e ao julgar plenamente provado o facto constante do quesito 8;

     13) A factualidade constante dos quesitos 1 e 3 foi julgada parcialmente provada;

     14) No nosso entendimento, as respostas dadas a estes quesitos (1 e 3) devem ser alteradas no sentido daquela factualidade ser julgada plenamente provada;

     15) E também a resposta dada ao quesito 8, cuja matéria factual foi julgada plenamente provada, deve ser alterada no sentido de ser julgada não provada;

     16) Esta factualidade, assim julgada provada, não resulta da prova produzida de forma documental nem testemunhal;

     17) Analisados os vários depoimentos, apenas o depoimento de parte do Autor e o depoimento da testemunha E.... se mostram relevantes sobre esta matéria;

     18) As respostas dadas aos quesitos 1 e 3 da base instrutória, devem ser alteradas no sentido de serem julgadas plenamente provadas;

     19) No que concerne ao quesito 8 da base instrutória, cuja matéria de facto foi julgada provada, entendemos que esta resposta deve ser alterada para não provada;

     20) E este nosso entendimento não é infirmado por nenhum documento nem pelos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Réus.

     21) As respostas dadas aos quesitos 1 e 3 (factos parcialmente provados) e ao quesito 8 (facto plenamente provado) foram sustentadas em convicção que não se mostra adequada, face aos elementos constantes do processo;

     22) Nos termos do disposto no artigo 712º do C.P.C., o Venerando Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto, nos termos do artº 685º-B do C.P.C. e, consequentemente, a decisão com base nela proferida;

     23) Analisando a conduta processual do A. e dos RR., entendemos que o A. litigou de boa-fé, tendo feito do processo um uso normal para reaver dos R.R. o seu dinheiro, ao qual tem direito;

     24) Os factos alegados pelos R.R. nos artigos 6º, 8.º, 9.º, 12.º e 13.º da contestação foram levados à base instrutória sob os quesitos nsº 7, e 9 a 13;

     25) Porém, os factos constantes dos quesitos referidos na conclusão anterior não ficaram provados;

     26) Na resposta à contestação, o A. juntou 17 documentos;

     27) Os documentos juntos com a referida resposta, sob os nsº 10 a 17, provam, por si só, a conduta processual dos R.R.;

     28) Todavia, sobre tais documentos, o Meritíssimo Juiz a quo não se pronunciou;

     29) Assim o A. limitou-se a exercer o seu direito e fê-lo de boa-fé, pelo que, não deve ser condenado nos termos em que o foi na douta sentença recorrida;

     30) O A., ora recorrente, alegou na p.i., que a factualidade descrita se enquadrava no contrato de mútuo, previsto no artigo 1142º do Cód. Civ.;

     31) Mais alegou o A. que o artº 1 143º do Cód. Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 116/08, de 04/07, aplicável à data da celebração dos contratos, estabelecia que o contrato de mútuo de valor superior a 20.000 euros só era válido se fosse celebrado por escritura pública e o de valor superior a 2.000 euros se o fosse por documento assinado pelo mutuário;

     32) Aconteceu que a formalidade estabelecida na lei não foi cumprida pelo A./recorrente nem pelos RR./Recorridos;

     33) Pelo que, os contratos de mútuo, celebrados entre o A./recorrente e os RR./Recorridos, encontram-se feridos de nulidade, por inobservância da forma legal, cfr. artsº 1 143º e 220º do Cód. Civil;

     34) Trata-se, por isso, de uma nulidade que determina a restituição de tudo o que foi prestado, tal como estabelece o artigo 289.º, nº 1, do Cód. Civil;

     35) Nos termos da norma citada na conclusão anterior, a nulidade tem eficácia retroactiva e a sua declaração visa repor as partes, no caso em apreço, o A./recorrente e os RR./Recorridos, na situação anterior à celebração dos contratos de mútuo;

     36) Assim, a consequência da nulidade dos contratos referidos traduz-se na reposição da situação anterior, que implicará a restituição das quantias recebidas pelos RR./Recorridos ao A./recorrente, acrescidas dos respectivos juros;

     37) Cabia ao A./recorrente o ónus da prova de que o dinheiro foi entregue aos RR./Recorridos com a obrigação de o devolverem, e esse ónus foi cumprido;

     38) Por isso, e salvaguardando sempre o devido respeito, a sentença errou ao absolver os RR. /Recorridos e ao condenar o A./recorrente por litigância de má-fé;

     39) Mostram-se violados, por erro de interpretação e de aplicação, entre outros, os artsº. 201.º, nº 1, e 729.º, nº 3, do C.P.C., e artsº 1142.º, 1143.º, 220.º e 289.º, nº 1, do Cód. Civ.

    

     Contra-alegaram os apelados pugnando pela confirmação da sentença.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

    

     2. FUNDAMENTOS.

     2.1. Reapreciação da matéria de facto.

     Insurge-se o apelante contra as respostas aos quesitos 1º, 3º, 7º, 8º e 9º a 13º da Base Instrutória.

     Perguntava-se nos quesitos em análise respectivamente o seguinte:

     Quesito 1º: Os RR. no final do mês de Setembro de 2003 telefonaram ao Autor?

     Quesito 3º: No final de Novembro de 2003 os RR. pediram ao Autor que lhe emprestasse a quantia de € 8.500,00, prometendo, assegurando e garantindo que lha restituiriam quando viessem a ..., Portugal, passar o seu período de férias?

     Quesito 7º: As quantias referidas em c) e d) foram entregues pela referida D.... aos RR. para os compensar pelo seu acolhimento em sua casa?                 

     Quesito 8º: O dinheiro depositado nessa conta proveio exclusivamente de poupanças e dinheiros da referida D....?

     Quesito 9º: No dia 14 de Fevereiro de 2003 após a morte do tio dos AA. e RR. H...., porque o casal não tinha filhos, com a família reunida discutiu-se o problema da tia D..., tendo todos acordado que a mesma ficaria com a irmã?

     Quesito 10º: Algum tempo depois a referida Natária escolheu os RR. para a tratarem e tomarem conta dela tendo estes passado a tomar conta dela?

    

     Quesito 11º: Nessa altura a referida D....disponibilizou-se a passar metade do dinheiro em conta para os RR. como pagamento do acolhimento e tratamento?

     Quesito 12º: Tendo os RR. falado com o Autor, o qual pediu o Réu marido elaboração de um documento que o vinculasse a tratar da tia até à sua morte?

     Quesito 13º: Em consequência do que foi elaborado o documento referido em g) que ficou na posse do Réu marido e um outro do mesmo teor que foi entregue ao Autor?

     O Tribunal respondeu aos quesitos em análise pela seguinte forma:

     Quesito 1º: Provado que o Réu marido no final do mês de Setembro de 2003 telefonou ao autor, que reside nos Estados Unidos da América e pediu-lhe que autorizasse a sua tia a proceder ao levantamento da quantia de € 2.500,00 com a obrigação de prestar contas das importâncias levantadas logo que viesse a ...., Portugal, passar o seu período de férias?

     Quesito 3º: Provado que no final do mês de Novembro de 2003 o Réu marido telefonou ao Autor pedindo-lhe uma vez mais que autorizasse a obrigação de prestar contas das importâncias levantadas logo que viesse a ..., Portugal, passar o seu período de férias?

     Quesito 7º: Não provado

     Quesito 8º: provado.

     Quesitos 9º a 13º: Não provados.

     Os Apelantes pretendem que sejam conferidas aos quesitos em análise as seguintes respostas:

     Quesitos 1º e 3º: deverão considerar-se provados na sua totalidade.

     Quesitos 7º e 9º a 13º: Tais quesitos foram dados como não provados sendo certo todavia que os documentos nº 10º a 17º que não foram apreciados pelo tribunal a quo provam por si sós a conduta processual dos RR.

     Vejamos:

     - À matéria dos quesitos 1º e 3º da Base instrutória, não há quaisquer elementos seguros que apontem para o facto de os RR. reconhecerem estar em dívida pessoalmente para com os AA.. Esta conclusão é o resultado de todo um conjunto de factores nomeadamente da prova que emergiu dos depoimentos das testemunhas. Nenhuma delas refere que o levantamento daquelas importâncias se destinasse aos RR.; nomeadamente os funcionários bancários ... e ..... que atenderam os RR. quando procederam ao levantamento das importâncias que aqui estão em causa, € 2.500,00 e € 8.500,00, esclareceram que a assinatura do Autor contitular da conta, se devia ao facto de a D...., contitular da mesma, não saber ler nem escrever e o estado de saúde da mesma. Os depoimentos das testemunhas .... e .... relevaram na medida em que comprovaram de um modo geral o bom relacionamento que existia entre a D....e os RR. salientando-se que eram estes que dela vinham tratando, explicando os levantamentos pela circunstância de estarem em causa importâncias necessárias aos gastos da mesma.

     Deverá ainda referir-se emergir dos documentos juntos 10º, 12º e 13º, que a autorização de levantamento das importâncias em causa terá assumido a natureza de autorização de pagamento com obrigação de prestação de contas.

     - No que toca aos quesitos 7º e 9º ss, nenhuma das testemunhas inquiridas produziram qualquer depoimento que permita alterar a resposta que lhes foi conferida, sendo certo que também os documentos não sustentam a resposta positiva que os AA. pretendem conferir aos mesmos.

     Nada há pois a alterar à matéria de facto em causa.

                           +

      Pelo exposto entende esta Relação deverem considerar-se provados os seguintes,

     2.2. Factos.

     2.2.1. O Autor, no dia 1 de Outubro de 2003, remeteu um fax para o número de telefone ....., dirigido ao Sr. ...., informando-o que autorizava que a sua tia, «D...., a levantar a quantia de € 2 500,00 para empréstimo a B....» – cfr. doc. de fls. 10 e 11;

     2.2.2. No dia 24 de Novembro de 2003, remeteu um outro fax, para o mesmo número de telefone, dirigido à Sr.ª ..., informando-a que autorizava a sua tia «D.... para levantar ou transferir, da conta nº... a quantia de 2.000 euros para pagar a I... conta no Banco do L... – ...., e mais 8500 euros para empréstimo a B...., residente em ...» - cfr. doc. de fls. 12 e 13;

     2.2.3. No extracto emitido, no dia 28/5/2004, pelo Banco J...., referente à conta a prazo n.º ... e à conta à ordem n.º ...., em nome de D...., consta, além do mais, que no dia 2/10/2003 foi levantada a quantia de € 2 500,00 e que no dia 24/11/2003 foi levantada a quantia de € 10 516,52 – cfr. doc. de fls. 14;

     2.2.4. Tal conta bancária foi aberta no dia 21/3/2003, como conta solidária, titulada por D.... e co-titulada por A...., tendo sido encerrada no dia 17/10/2008 – cfr. doc. de fls. 151;

     2.2.5. As quantias levantadas e referidas em c) foram entregues aos réus – admitido por confissão;

     2.2.6. Em testamento outorgado no Cartório Notarial da , no dia 23 de Setembro de 2003, D...., viúva, declarou que não tinha ascendentes nem descendentes e que instituía seus únicos e universais herdeiros, em comum e em partes iguais, os seus sobrinhos B...., F...., G.... e A...., sob a condição de cuidarem e tratarem dela até à hora da sua morte – cfr. doc. de fls. 44 a 46;

     2.2.7. D... faleceu no dia 26 de Maio de 2004, no estado civil de viúva de H... – cfr. doc. de fls. 43; a) Consta a fls. 48 um escrito particular, emitido por B...., dirigido a A...., datado do dia 24 de Março de 2004, nos termos do qual o declarante se responsabilizava «por ver da Sr.ª D.... (nossa tia) até à morte, com as seguintes condições: ter acesso ao dinheiro que ela contém no banco; as fazendas que possui e o que contém no interior da casa (mobílias, etc.). Isto conclui que o Sr. A.... terá apenas direito a casa sem mobílias. Se o Sr. Aceitar estas condições eu dou a minha palavra de honra que vejo da tia até ao fim»;

     2.2.8. Na parte inferior de tal escrito consta o nome manuscrito de B... e uma impressão digital sobre tinta azul – cfr. doc. de fls. 48;

     2.2.9. Em escritura pública de doação, outorgada no Cartório Notarial da , no dia 5/12/2003, D...., declarou que, reservando para si o usufruto, doava ao Réu marido, para entrar na comunhão conjugal, a nua propriedade de dez prédios rústicos identificados, tendo este declarado que aceitava a doação – cfr. doc. de fls. 69 a 75;

     2.2.10. Em escritura pública de doação, outorgada no Cartório Notarial da , no dia 5/12/2003, D...., declarou que, reservando para si o usufruto, doava ao Autor, para entrar na comunhão conjugal, a nua propriedade de um prédio urbano identificado, tendo este declarado que aceitava a doação – cfr. doc. de fls. 76 a 79;

     2.2.11. O Réu marido, no final do mês de Setembro de 2003, telefonou ao Autor, que residia nos E.U.A., e pediu-lhe que autorizasse a sua tia a proceder ao levantamento da quantia da quantia de € 2 500,00, com a obrigação de prestar contas das importâncias levantadas logo que viesse a ..., Portugal, passar o seu período de férias;

     2.2.12. O autor acedeu ao pedido e, para o efeito, remeteu o fax referido em a);

     2.2.13. No final do mês de Novembro de 2003, o réu marido telefonou ao autor, pedindo-lhe, uma vez mais, que autorizasse a sua tia a proceder ao levantamento da quantia de € 8 500,00, com a obrigação de prestar contas das importâncias levantadas logo que viesse a ..., Portugal, passar o seu período de férias;

     2.2.14. O autor acedeu ao pedido e, para o efeito, remeteu o fax referido em b);

     2.2.15. As quantias referidas em c) foram levantadas e entregues aos réus em consequência dos pedidos referidos em l) e n);

     2.2.16. O autor interpelou os réus para lhe devolverem as quantias entregues;

     2.2.17. O dinheiro depositado nessa conta proveio exclusivamente de poupanças e dinheiros da referida D....

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     2.3. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - Da pretensa "nulidade" consistente em dar como provado na sentença um facto que não constava dos factos assentes nem tão pouco da base instrutória.

     - Da alegada contradição entre os factos constantes das alíneas a) e b) e o exarado nas alíneas l) e n) da factualidade julgada provada na sentença.

     - Da questão de fundo perante os factos provados.

     A litigância de má-fé dos AA.. Remissão.

                           +

     2.3.1. Da pretensa "nulidade" consistente em dar como provado na sentença um facto que não constava dos factos assentes nem tão pouco da base instrutória.

     A sentença considerou provado um facto constante da alínea d) com o seguinte teor "tal conta bancária foi aberta no dia 21 de Março de 2003 como conta solidária titulada por D.... e co-titulada por A.... tendo sido cancelada no dia 17/10/2008 – cfr. doc. de fls. 151".

     Porque este facto não constava da matéria assente, nem tão pouco fora levado à Base instrutória, entendem os apelantes que foi cometida uma nulidade ao vertê-lo na sentença.

     Os apelantes não têm razão, como é óbvio. Estatui o artigo 659º nº 3 do Código de Processo Civil que " Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer". Significa isto que não é por puro formalismo que após o saneador são elencados os factos provados e elaborada a Base instrutória; tal supõe que se torna produzir prova sobre determinados factos; e não é a circunstância de se ter nesse momento omitido qualquer facto provado que impede que o Juiz possa e deva incluí-lo a final nos factos que considera provados na sentença. Na verdade os factos elencados na Base Instrutória, são, como tem sido amplamente reconhecido, elementos de trabalho que são susceptíveis de alteração posterior nomeadamente na fase da sentença, se a prova constante do processo o impuser[1].

     Nesta conformidade, tendo dado como provado o facto em análise, considerando a razão por que o fez com base no documento constante de fls. 151 dos autos, o Tribunal a quo não cometeu qualquer nulidade antes se pautou pela lei aplicável ao caso.

                           +

     2.3.2. Da alegada contradição entre os factos constantes das alíneas a) e b) e o exarado nas alíneas l) e n) da factualidade julgada provada na sentença.

     Referem os apelantes haver uma contradição no facto de nas alíneas a) e b) dos factos provados ter ficado provado que as quantias respectivamente de € 2.500,00 € e de € 8.500,00 terem sido levantados para empréstimo a B...; e por outro lado nas alíneas l) (pretender-se-ia certamente referir m) e n), versando sobre a mesma factualidade, já não é feita referência ao facto de tais quantias terem sido levantadas para empréstimo a B...

     Entendem os recorrentes que a falta de menção do nome de B.... nas alíneas m) e n) significa que se dá o dito por não dito.

     É claro que a tese dos apelantes não colhe. Isto porque não há qualquer colisão de raciocínio entre o que se dá como assente nas alíneas em causa. O facto de se referir na alínea a) que o dinheiro se destinava a B....não está em contradição com o que se refere na alínea m) dos factos provados, onde se omite tal facto; na verdade, o facto referido na alínea m) provém do questionário sendo certo que o Tribunal respondeu ao quesito onde se não mencionava o nome de B...., mas sem que isto pudesse significar qualquer juízo de valor. Ora só existe nulidade quando se verifica contradição nas respostas aos quesitos ou na matéria de facto assente. E os factos constantes das aludidas alíneas não entram em colisão.

     Nesta conformidade improcedem as considerações expendidas.

                           +

     2.2.3. Da questão de fundo perante os factos provados.

     A litigância de má-fé dos AA.. Remissão.

     Mantendo-se a matéria de facto dada como provada correcto está o respectivo enquadramento jurídico. Com efeito a tese do Autor erigia como causa de pedir, um empréstimo que o mesmo havia feito aos RR. das importâncias de € 2.500,00 e € 8.500,00, com obrigação de restituir, o que integraria o contrato de mútuo previsto nos artigos 1 142º ss do Código Civil; todavia provou-se que as importâncias em causa e depositadas na conta conjunta que o Autor tinha com a tia D..., tão pouco eram propriedade daquele, sendo exclusivamente pertença desta última, o que aliás o apelante acabou por reconhecer no seu depoimento de parte.

     Nesta conformidade, para além de a acção estar votada necessariamente à improcedência, haveria de concluir-se que o Autor agiu no mínimo com negligência grave ao intentar a presente acção assim se justificando a sua condenação como litigante de má-fé.

     As razões supra-expendidas dispensam-nos de mais considerandos que perante a clareza dos factos provados e da fundamentação da sentença apelada seriam supérfluos, razão pela qual entendemos usar da faculdade a que alude o artigo 713º nº 5 do Código de Processo Civil remetendo para o teor do aresto sob apreciação.

     Assim à guisa de sumário e conclusões poderá assentar-se no seguinte:

     1) Os factos elencados na Base Instrutória são, como tem sido amplamente reconhecido, elementos de trabalho que são susceptíveis de alteração posterior nomeadamente na fase da sentença se a prova constante do processo o impuser.

     2) O facto de se referir num item dos factos provados que o dinheiro se destinava a determinada pessoa não está em contradição com o que se refere noutro onde se omite tal facto. E isto porque só existe nulidade quando se verifica contradição nas respostas aos quesitos ou na matéria de facto assente. E os factos constantes das aludidas alíneas não entram em colisão.

     3) Litiga de má-fé aquele que se arroga à propriedade de determinada quantia em dinheiro sabendo que a mesma não lhe pertence.

                           *

    

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando destarte a sentença em crise.

     Custas pelo apelante.

      [1] Tudo isto vem desenvolvido na clara exposição do Manual de Processo Civil de Antunes Varela e Outros Coimbra Editora 1984 pgas. 411 ss.