Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10324/15.7T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.580, 581, 627 CPC
Sumário: 1. - O recurso de apelação apenas serve para reapreciação de decisão judicial proferida no próprio processo onde é interposto, não podendo versar sobre decisões judiciais proferidas fora desse processo, nem sobre decisões já tornadas definitivas pelo trânsito em julgado.

2. - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, com objeto parcialmente coincidente ou prejudicial face ao da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material definida pela sentença anterior seja definida de modo diverso por outra sentença, não se exigindo a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

3. - Só ocorre autoridade de caso julgado na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior.

4. - Se o autor interpôs ação de reivindicação, com pedido cumulado de demarcação, e este pedido, expressamente apreciado, foi julgado improcedente, com trânsito em julgado, a autoridade desse caso julgado impede que a mesma parte venha depois intentar ações de demarcação com o mesmo objeto e nos mesmos moldes, ainda que só alguns dos réus sejam os mesmos.

5. - Doutro modo, tendo a matéria de demarcação sido objeto de julgamento anterior, um novo julgamento, sem novos elementos, redundaria na repetição da decisão transitada ou na sua negação, com a consequente incerteza/insegurança para a ordem jurídica.

6. - Pressupondo a ação de demarcação diferentes prédios contíguos carecidos de delimitação, é inviável o estabelecimento da linha limite predial – escopo da ação – se algum dos terrenos em confronto não estiver suficientemente localizado geo-espacialmente, por não se saber onde se situa concretamente in loco.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

M (…), com os sinais dos autos,

intentou a presente ação de demarcação, sob a forma de processo comum, contra

1.ºs – C (…) e mulher, C (…)

2.ºs – F (…) e mulher, M (…),

3.ºs – I (…) e marido, A (…),

4.ºs – M (…) e mulher, M (…), e

5.ª - “Sociedades (…), Ld.ª”,

todos também com os sinais dos autos,

pretendendo, sob invocação da titularidade do direito de propriedade sobre prédio rústico identificado e a incerteza quanto às estremas face aos prédios confinantes, a demarcação entre tal seu prédio e os prédios circundantes, pertença dos RR., para o que peticionou a condenação de tais RR., com base na posse e nos demais meios probatórios a produzir, a concorrer com a A. para a demarcação e, subsidiariamente, a condenação daqueles, após distribuição do terreno em litígio em partes iguais, a concorrer com a A. para a respetiva demarcação, mediante colocação e cravação de marcos divisórios.

Alegou que:

- no ano de 2004, instaurou contra os ora 1.ºs e 5.ª RR. e, bem assim, contra M (…), F (…), A (…),  J (…), A (…) ação declarativa condenatória, que correu termos na extinta 2.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra sob o n.º 2275/04.7TBCBR, visando, entre outras finalidades, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um terreno em forma retangular, sito em x (...) , y (...) , z (...) , com área não apurada, a confrontar do norte, do sul e do nascente com a 5.ª R. e do poente com Q (...) , a condenação dos RR. a reconhecerem a sua detenção e ocupação abusiva em área não inferior a 4.800 m2, restituindo o dito prédio à A., e a procederem à demarcação dos prédios;

- por sentença ali proferida em 03/03/2006 – confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 28/11/2006 –, foi a ação julgada parcialmente procedente com o reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre esse prédio e condenação dos ali RR. na restituição desse prédio, sendo aqueles absolvidos de todos os demais pedidos formulados;

- face à não restituição, em 2008 a A. instaurou contra os ora 1.ºs RR. e contra F (…) e A (…), ação de demarcação (que correu termos na 1.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra sob o n.º 62/08.2TBCBR), visando a demarcação daquele seu prédio, com a área de 4.800 m2, e a condenação dos RR. a concorrer para tanto, pretensão que foi julgada processualmente inadmissível por verificação das exceções da ilegitimidade passiva e do caso julgado;

- após o que a A. instaurou execução da sentença condenatória proferida na ação n.º 2275/04.7TBCBR, com vista à entrega, pelo Executado C (…), de coisa certa, tendo, porém, sido proferida decisão pela qual, entendendo-se que a sentença não era passível de execução imediata, dada a seu iliquidez, foi julgada procedente a oposição deduzida contra a execução, com decorrente absolvição do Executado da instância;

- na sequência, deduziu a A. incidente de liquidação naquela ação n.º 2275/04.7TBCBR, visando a delimitação do terreno em causa (quanto à área e localização espacial) para cumprimento da fixada obrigação de restituição, pretensão que não obteve procedência, tendo ocorrido absolvição da instância por decisão datada de 16/05/2011;

- daí que, ante o caminho percorrido, a presente ação de demarcação seja o meio processual adequado para exercício do direito substantivo já reconhecido, mas não concretizado em termos quantitativos e de localização (área e estremas), devendo obrigar-se os RR. (enquanto proprietários confinantes) a concorrer para a demarcação necessária.

Contestaram apenas os 1.ºs RR. (C (…) e mulher), invocando a exceção dilatória do caso julgado, formado pela decisão final proferida no âmbito da ação n.º 2275/04.7TBCBR, e concluindo pela total improcedência da pretensão de demarcação e absolvição dos RR. do pedido.

Exercido o contraditório, juntos os documentos considerados necessários e frustrada tentativa de conciliação, foi saneado o processo, com imediato conhecimento da suscitada exceção dilatória do caso julgado, âmbito em que foi assim decidido:

«Pelo exposto, decide-se julgar verificada a excepção decorrente da força e autoridade de caso julgado formado pela decisão proferida na acção sumária n.º 4636/03.0TJCBR, que correu termos no 4º Juízo deste Tribunal, e, em consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados pela Autora (…) contra os Réus (…)» ([1]).

Inconformada, a A. recorre do assim decidido, apresentando alegação recursiva, onde formula as seguintes

Conclusões ([2]):

«A) A presente ação de demarcação é o meio processual adequado para o exercício do direito substantivo que a recorrente pretende fazer valer;

B) A recorrente não pretende ver reconhecido o seu direito de propriedade sobre o prédio supra identificado – dado que, por força da sentença já proferida pela 2.ª Secção da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra no proc. n.º 2275/04.7TBCBR (e confirmada pelo Acórdão da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra) tal direito já foi reconhecido;

C) A recorrente também não pretende reclamar dos Réus a entrega do sobredito prédio – dado que só o poderá fazer, coativamente (e caso tal pretensão, se procedente, não vier a ser satisfeita), em sede de ação executiva, já com a obrigação acertada, líquida e exigível;

D) Enseja a recorrente apenas – como é seu legítimo direito –, que os Réus sejam obrigados a concorrer para a demarcação do prédio da recorrente;

E) Não se verifica a exceção do caso julgado entre a causa que foi levada a juízo e aquela que foi julgada no proc. n.º 2275/04.7TBCBR.

F) Uma causa só se repete quando existe, cumulativamente, identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Nestes termos e mais de direito,

Deve ser dado provimento ao Recurso ora interposto, revogando-se a Sentença recorrida e, consequentemente, revogando-se a Sentença,

assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA».

Contra-alegaram apenas os 1.ºs RR., pronunciando-se pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com o regime e efeito fixados no processo ([3]), tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo fixado nos articulados das partes – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação saber, apenas, se deve, ou não, ter-se por verificada a aludida exceção decorrente da força e autoridade de caso já julgado (decisão anterior da referida ação declarativa condenatória n.º 2275/04.7TBCBR).

III – FUNDAMENTAÇÃO

          A) Factos apurados

Respigando ante o enunciado da decisão recorrida, verifica-se que ali foi considerado apurado o seguinte circunstancialismo/factologia ([5]):

1. - A presente ação, instaurada contra C (…) e C (…)(1.ºs RR.), F (…) e M (…) (2.ºs RR.), I (…) e A (…) (3.ºs RR.), M (…) e M (…) (4.ºs RR.) e “Sociedades (…), Ldª” (5.ª R.), na qualidade de proprietários de prédios confinantes com o prédio da A., visa obrigar os RR. a concorrer para a definição da linha divisória dos prédios de A. e RR.;

2. - A ação n.º 2275/04.7TBCBR foi instaurada pela (aqui e ali) A. contra C (…) e C (…)  (ora 1.ºs RR.), M (..), F (…), A (…)  J (…) e A (…)  e “Sociedades (…), Ld.ª” (ora 5.ª R.), visando, entre outras finalidades, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que identifica no art.º 1.º da petição inicial (al.ª a)), e consequente condenação dos RR. na restituição à A. da área desse prédio, não inferior a 4.800 m2, que “detém e ocupam ilicitamente” (al.ªs b) e c)) e, ainda, a procederem à demarcação entre esse prédio e aqueles de que são donos (al.ª g));

3. - Para tanto, tal A. invocou factos integrativos da aquisição do direito de propriedade por usucapião sobre um prédio que no art.º 1.º identificou como «terreno de mato, sito em x (...) , freguesia de y (...) , concelho de z (...) , com a área de 4.800 m2, a confrontar do norte com a “Sociedade (...) , Ldª” e serventia, do sul e nascente com a “Sociedade (...) , Ldª” e do poente com Q (...) , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0 (...) .º e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2 (...) /20031127», assim como a presunção derivada do registo predial (artigos 1º a 20º);

4. - Alegou ainda factos integrativos da violação do direito de propriedade sobre esse seu prédio ao aduzir que, na sequência das escrituras públicas de 27/11/2011, em que a Ré “S (…)Ld.ª” justificou a sua propriedade sobre o prédio rústico com a área de 28.100 m2, sito em x (...) , freguesia do y (...) , concelho de z (...) , inscrito na matriz sob o art.º 5.673 (o mesmo a que se reportam os art.ºs 46.º e 47.º da petição inicial da presente ação), e declarou vendê-lo ao R. M (…), que declarou comprá-lo, e de 19/03/2002, em que aquele R. declarou vender ao R. C (…), e este declarou comprar-lhe, aquele mesmo prédio, a área correspondente àquele seu prédio foi englobada no prédio justificado e vendido, transformando-o “num prédio único, com vinha cultivada”, e confundindo os “Réus as delimitações dos prédios existentes”, através da subtração e destruição de todos os sinais visíveis de demarcação entre os prédios – o da A. e aquele objeto das escrituras de justificação e de compra e venda, (art.ºs 70.º, 78.º a 90.º e 104.º da petição inicial);

5. - Por sentença proferida em 03/03/2006, confirmada por acórdão da Relação de Coimbra, datado de 28/11/2006, foi a ação referida julgada parcialmente procedente e condenados “os réus C (…) e F (…) a reconhecer que a autora é proprietária de um terreno, em forma rectangular, sito em x (...) , freguesia de y (...) , concelho de z (...) , com área não apurada, a confrontar do norte, do sul e nascente com a Sociedade (...) , S.A. e do poente com Q (...) , correspondente à parcela que está assinalada com a letra “A” no esboço de fls. 352, à qual a participação feita pela autora em 7.05.03 veio a atribuir o artigo matricial n.º 0 (...) , e a restituírem-lhe o terreno em causa, no mais os absolvendo do pedido”, julgando “a acção improcedente quanto aos demais demandados” e absolvendo-os do pedido, assim julgando improcedente o pedido de demarcação aí deduzido;

6. - Na fundamentação dessa sentença, caraterizando a causa como uma ação de reivindicação, afirmou-se o seguinte:

“A autora demonstrou que, desde há mais de 30 anos, por si e antepossuidores, exerce o poder de facto sobre um terreno, em forma rectangular, sito em x (...) , freguesia de y (...) , concelho de z (...) , com área não apurada, a confrontar do norte do sul e nascente com a Sociedade (...) , SA e do poente com Q (...) , correspondente à parcela que está assinalada com a letra “A” no esboço de fls. 352, à qual a participação feita pela autora em 7.05.03 veio a atribuir o artigo matricial n.º 0 (...) . Poderes que foram exercidos à vista de todos, sem oposição de ninguém, e com a convicção de ser ela a proprietária (…). Provou, pois, exercer posse de boa fé, pacífica e pública, durante um lapso de tempo que lhe permite adquirir por usucapião o prédio aqui em discussão (artigo 1260º, 1261º e 1262º). Tendo adquirido por essa via o direito de propriedade sobre aquele prédio, goza de modo pleno e exclusivo do direito de uso, fruição e disposição do mesmo (artigo 1305º).

(…) provou a autora a ocupação abusiva, desde meados de 2003, por parte dos réus (…)que nele plantaram uma vinha (…). Por tal razão, tendo demonstrado os factos constitutivos do seu direito de propriedade e a existência de factos de ocupação abusiva da coisa por parte daqueles demandados, estão em condições de proceder o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que reivindica, embora sem a definição dos seus contornos e área, e a reposição da situação anterior à intervenção efectuada.

A autora beneficia da presunção derivada do registo predial. (…) Como em qualquer presunção legal, este beneficia o titular do registo com a inversão do ónus probatório, o que significa que o demandado tem o ónus de afastar aquela presunção. Alegação que os réus não efectuaram porque, na verdade, aceitaram a existência na zona de um prédio pertencente à autora, mas não lhe conhecem os limites (…).Seja como for, é sobre a autora que impende o ónus da prova do conteúdo do seu direito de propriedade, como demonstraremos.

(…) é seguro que a presunção registral de que beneficia a demandante não abrange a composição do seu prédio. Nessa base, (…) perante a factualidade apurada, não dispomos de elementos que permitam definir o conteúdo do prédio da autora. Apesar de constar da descrição predial a área de 4.800 metros quadrados (…), tal não faz funcionar qualquer presunção quanto à verificação desse facto.

(…) Em suma, não logrou a autora demonstrar o conteúdo do seu direito de propriedade sobre o prédio, pelo que a acção procede apenas na medida do reconhecimento do seu direito de propriedade, sem a definição do seu âmbito”;

7. - Concluindo que “(…) a acção apenas poderá proceder na medida do acima descrito e contra os ocupantes do prédio da autora (os Réus C (…) e F (…)), com a total improcedência quanto a todos os demais demandados. Estamos cientes das dificuldades dos réus em restituir algo que não está delimitado, mas essa dificuldade deverá ser ultrapassada pela conjugação de esforços deles e da autora, usando o documento (croquis de fls. 352) e a pessoa que os pode ajudar nessa matéria. Doutro modo, estarão todos sujeitos à incerteza do “non liquet” derivado da acção”;

8. - O acórdão da Relação de Coimbra de 28/11/2006, entre outras questões, pronunciou-se sobre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, suscitada pela A., por ter deixado de apreciar o pedido de demarcação, o que fez apelando aos dois últimos parágrafos da sentença recorrida acima transcritos e à sua parte dispositiva, também transcrita, concluindo que não houve omissão de pronúncia quanto ao pedido de demarcação, frisando que “Tal pedido foi apreciado e objecto de decisão, pelo que se não verifica a nulidade em questão”, confirmando a sentença recorrida;

9. - Em 14/01/2008, a A. instaurou contra C (…) e mulher e F (…) e mulher ação que correu termos na extinta 1ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra sob o n.º 62/08.2TBCBR, visando a demarcação das estremas daquele seu mesmo prédio – que identifica como “terreno de mato, sito em x (...) , freguesia de y (...) , concelho de z (...) , com a área de 4.800 m2, a confrontar do Norte com a “Sociedade (…) Ldª” e serventia, do Sul com a Sociedade (...) , Ldª, do Nascente com a Sociedade (...) , Ldª e do Poente com Q (...) , inscrito na respectiva matriz sob o artigo 0 (...) º e descrito e inscrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de z (...) , sob o n.º 2 (...) /20031127” – e invocando a parcial procedência da ação n.º 2275/04.7TBCBR quanto ao pedido de reivindicação e a inexistência de consenso quanto à dimensão dos prédios de A. e RR. e ao local por onde deve passar a linha divisória, e concluindo que, não lhe restando outra alternativa senão obrigar os RR. a concorrer para a demarcação das estremas, lhe deve “ser reconhecido o direito de proceder à demarcação das extremas do seu prédio e dos RR.”;

10. - Ação essa para demarcação em que foi proferida sentença absolutória da instância, datada de 26/09/2008, pela qual foram julgadas verificadas as exceções dilatórias da ilegitimidade passiva e do caso julgado;

11. - Ali se considerou, em sede de fundamentação, tratar-se de um “problema de interpretação da sentença e da extensão objectiva do caso julgado que dela deriva”, acrescentando-se o seguinte:

“(…) a decisão proferida no processo que correu termos pela 2ª secção de processos, com o n.º 2.275/04.7TBCBR, ela já devidamente transitada em julgado, faz caso julgado com alcance e extensão que atingem os fundamentos e o pedido formulados nesta acção.

Naquela acção já julgada verifica-se mesmo que a autora pretendia ali também proceder à demarcação dos prédios, conforme pedido que formulou ali (…); do conteúdo daquela decisão é patente a apreciação também desta questão, estendendo-se assim a ela a eficácia do caso julgado (…).

Entende-se, portanto, que existe a repetição da causa já julgada com sentença não passível de recurso ordinário, pelo que está verificado o caso julgado”.

B) Apreciação jurídica

Da exceção decorrente da força e autoridade do caso já julgado

Invoca a Apelante que apenas relevaria aqui a exceção do caso julgado, a qual, porém, não se verifica – a seu ver –, por, havendo de assentar no tríplice requisito da identidade de sujeitos (elemento subjetivo), pedido e causa de pedir (elementos objetivos), nenhum desses elementos se repete na presente causa em comparação com a anterior – e já decidida, com trânsito em julgado – ação n.º 2275/04.7TBCBR.

Entendimento este que não diverge da decisão em crise quanto à não verificação de tal exceção do caso julgado, a qual também foi afastada pelo Tribunal a quo, que, como visto, se ancora antes na exceção decorrente da força e autoridade do caso já julgado.

Com efeito, conclui-se assim na fundamentação daquele Tribunal:

«(…), não pode senão concluir-se que na acção n.º 2275/04.7TBCBR (…) o pedido de demarcação foi julgado improcedente e, nessa medida, o caso julgado material formado por aquela decisão impõe-se na presente acção como força e autoridade de caso julgado, tendo como consequência a improcedência dos pedidos aqui formulados.».

Quem tem razão?

Desde logo se nota, na “economia” da causa, dois vetores contrapostos e, como tal, inconciliáveis: de um lado, duas anteriores decisões judiciais, já transitadas em julgado – a da ação n.º 2275/04.7TBCBR (improcedência do pedido) e a da posterior ação n.º 62/08.2TBCBR (absolvição da instância) –, pronunciando-se, ambas elas, sobre expresso pedido de demarcação da aqui (e ali) A., não acolhendo a sua pretensão de demarcação quanto ao mesmo prédio discutido nestes autos; de outro lado, a circunstância de ter sido, naquela primeira ação, reconhecido à A. o direito de propriedade sobre um imóvel (embora sem concreta “definição de âmbito” ou determinação de objeto físico), com condenação de outrem a entregar-lho, entrega nunca verificada, o que tem motivado a mesma A. a reiterar esforços no recurso a meios processuais, que lhe não têm sido favoráveis, não encontrado ela forma eficaz de fazer valer, no concreto, o seu direito dominial.

Importa, pois, verificar qual daqueles dois vetores deve prevalecer in casu, sabendo-se que a todo o direito a realizar ou assegurar deve caber um meio legal (uma ação adequada) para efetivação do seu exercício – como referido no art.º 2.º, n.º 2, do NCPCiv., a todo o direito corresponde, por regra, uma ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação –, mas também que os recursos não podem servir para alteração/neutralização de decisões proferidas noutros processos, mormente se já transitadas em julgado ([6]), o que deve ser respeitado, sob pena de instalação da contradição e insegurança na ordem jurídica, comprometendo-a onde ela não deve ser posta em causa.

Ora, se à primeira vista parece em algum deficit prático a tutela do direito dominial da A./Recorrente, direito esse já reconhecido na anterior ação n.º 2275/04.7TBCBR, o certo é que ali havia sido já formulado, ao lado dos pedidos correspondentes à ação de reivindicação, um expresso pedido de demarcação do imóvel reivindicado.

E se a ação procedeu parcialmente no tocante às pretensões inerentes à interposta reivindicação, já foi, porém, de improcedência o juízo quanto ao (remanescente) pedido de demarcação, que não deixou de ser apreciado, como enfatizado pelo Tribunal de Recurso – ao debruçar-se sobre a invocada nulidade da sentença absolutória, quanto a este pedido, por omissão de pronúncia relativamente à pretensão de demarcação –, concluindo o Tribunal da Relação, na apelação interposta naquela ação, que a questão foi efetivamente apreciada e o pedido objeto de concreto julgamento (no caso, no sentido da total improcedência).

Por isso é que, em subsequente ação judicial – já restrita à pretensão de demarcação (a aludida ação n.º 62/08.2TBCBR) –, o Tribunal de 1.ª instância, reconhecendo que a questão havia sido objeto de decisão definitiva em anterior ação, proposta pela mesma A., se absteve de conhecer de fundo, optando pela absolvição da instância, assim evitando a posição de ter de repetir ou contradizer a anterior absolvição do pedido, transitada em julgado no âmbito da ação primeiramente interposta.

E o certo é que também a decisão (desfavorável à A.) desta segunda ação veio a transitar em julgado, mostrando que a A. se conformou então com a fundamentação no sentido de a eficácia da absolvição do pedido de demarcação, nos termos em que objeto de prévia decisão judicial – fundada na não demonstração pela A. do “conteúdo do seu direito de propriedade sobre o prédio” –, impedir posterior tentativa, mediante nova ação judicial, de delimitação/quantificação, se ficou provado o direito de propriedade e o direito à restituição, mas não o objeto concreto a restituir (o quantum da restituição e a sua específica localização).

Sendo certa a diversa natureza e finalidade – mormente por reporte ao objeto substantivo, às questões a tratar e aos objetivos a atingir – da ação de reivindicação e da ação de demarcação ([7]), também é claro que a aludida ação n.º 2275/04.7TBCBR, embora ação de reivindicação, não se esgotava nessa sua vertente, assumindo ainda um pendor complementar de demarcação, face à existência (formulação e admissão) daquele expresso pedido de demarcação do imóvel reivindicado.

Quer dizer, se nessa anterior ação estava essencialmente em causa a divergência sobre a propriedade de uma faixa de terreno – não podendo o respetivo “conflito ser resolvido através da via da ação de demarcação, que não tem por objeto o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinado prédio, antes pressupondo o reconhecimento do domínio ou da propriedade, só podendo justificar-se se não for posto em causa o título de aquisição, mas, tão-só, tal como foi proposta, pela via da acção de reivindicação” ([8]) –, o admitido pedido de demarcação conferia-lhe uma feição que ia além da reivindicação do domínio, fazendo emergir também o litígio sobre as estremas, a dever ser igualmente regulado.

E não há dúvidas, como visto, de que esse pedido cumulado de demarcação (entre o prédio reivindicado e prédios confinantes da contraparte) foi conhecido, tendo-se julgado no sentido da sua improcedência, com confirmação, em sede recursiva, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, assumindo a decisão foros de definitividade, decorrente do seu trânsito em julgado.

A questão é então a de saber se a força e autoridade de caso julgado formado pela decisão proferida na ação n.º 2275/04.7TBCBR atinge e obriga a presente ação – exclusivamente de demarcação –, de molde a impedi-la, sob pena de ser posta em causa a certeza e segurança jurídica.

Isto é, a decisão desta ação de demarcação colidiria com o já decidido na anterior ação (seja por contradição ou mera repetição face ao sentido decisório firmado), em que a decisão respetiva transitou em julgado (risco de dupla decisão judicial sobre um mesmo objeto processual)?

Como referido em Ac. TRC de 14/11/2017 ([9]):

«I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo uma total identidade entre ambas as causas.

II - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica), não se exigindo a tríplice identidade.».

É certo também que a “autoridade de caso julgado de uma sentença só existe na exata correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu”, por falta de “um pronunciamento judicativo” ([10]).

Como, por outro lado, salientado em Ac. STJ de 10/05/2012 ([11]):

«(…) desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a diferentes proprietários e inexista linha divisória entre eles (seja porque ela, embora indiscutida, não está marcada, seja porque é objecto de controvérsia ou até porque desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação.

IV - Nos termos em que se encontra regulada a demarcação no art. 1354.º do CC – e uma vez verificados os pressupostos do exercício do respectivo direito – não há lugar à improcedência da acção, no sentido de desatender a pretensão de definir os limites dos prédios, devendo a mesma ser resolvida (i) pelos títulos de cada um dos proprietários; (ii) na sua impossibilidade, pela posse destes ou outros meios de prova; (iii) ou ainda dividindo a área em litígio por cada um em partes iguais.

V - Logo, o autor só tem que alegar e provar os factos constitutivos do direito à demarcação, a saber: a confinância dos prédios, a titularidade do respectivo direito de propriedade na pessoa do autor e do demandado e a inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a localização da respectiva linha divisória.

VI - Assim, controvertida a localização da linha de demarcação, não pode deixar de ser delimitada uma área de terreno que pertence a um prédio ou a outro, consoante a localização que vier a prevalecer, de acordo com os critérios definidos pelo art. 1354.º, n.º 1, do CC, ou a ambos em partes iguais conforme prescrito pelo n.º 2 do mesmo normativo.».

In casu, na anterior ação de reivindicação, a decisão (já transitada) apenas a julgou parcialmente procedente, condenando no reconhecimento de ser a A. proprietária de um terreno, com área e localização não exatamente apuradas, e na respetiva restituição.

No mais, ocorreu indubitável absolvição do pedido, assim se julgando a ação improcedente, após apreciação, quanto ao pedido de demarcação também deduzido, termos em que não faltou, mesmo nesta parte, o necessário “pronunciamento judicativo”.

Foi explicado, assim, em sede de fundamentação, que «(…) estão em condições de proceder o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que reivindica, embora sem a definição dos seus contornos e área, e a reposição da situação anterior», mas sem «elementos que permitam definir o conteúdo do prédio da Autora», a qual não logrou «demonstrar o conteúdo do seu direito de propriedade sobre o prédio, pelo que a acção procede apenas na medida do reconhecimento do seu direito de propriedade, sem a definição do seu âmbito», estando o Julgador ciente «das dificuldades dos Réus em restituir algo que não está delimitado, mas essa dificuldade deverá ser ultrapassada pela conjugação de esforços deles e da Autora, usando o documento (“croquis” de fls. 352) e a pessoa que os pode ajudar nessa matéria. Doutro modo, estarão todos sujeitos à incerteza do “non liquet” derivado da acção» ([12]).

Em suma, perante um expresso pedido de demarcação, houve expresso julgamento (o que foi reiterado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, após arguição de nulidade da sentença) de improcedência desse pedido.

Ainda que houvesse erro de julgamento sobre essa matéria, o que não está – nem poderia estar – aqui em causa, a parte (A.), se discordava desse veredito de improcedência do pedido de demarcação, tinha de pedir a respetiva reapreciação nos próprios autos – interpondo os recursos possíveis, designadamente de constitucionalidade, se inconstitucionalidade houvesse suscitado e quisesse ver apreciada – e não pedir nova reapreciação da matéria em subsequentes ações judiciais, fundadas novamente em indefinição de estremas e com repetidos pedidos de demarcação.

Assim, a pretensão de demarcação da A. consubstancia caso anterior já julgado na ação n.º 2275/04.7TBCBR, com cuja decisão de improcedência acabou por se conformar, posto que ocorreu trânsito em julgado.

E, se não há total identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, afastando a exceção do caso julgado, é patente que a matéria referente à demarcação já foi julgada anteriormente, pelo que um novo julgamento dessa matéria, a ser admitido, nos mesmos moldes do anterior – designadamente, sem quaisquer novos elementos –, redundaria na mera repetição da decisão transitada (improcedência da ação) ou na sua negação/contradição (procedência da ação), o que seria inaceitável, mormente pela incerteza/insegurança que traria à ordem jurídica.

A tal opõe-se a aludida autoridade de caso julgado ([13]), preconizando a utilidade (impedindo a inutilidade) do anterior julgamento, ademais, de caráter definitivo.

Em suma, compreendendo-se, de algum modo, a posição em que a A./Apelante se encontra, não pode atribuir-se-lhe, pelos motivos enunciados, razão nesta sede recursiva ([14]).

Improcede, pois, o recurso.

 

IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O recurso de apelação apenas serve para reapreciação de decisão judicial proferida no próprio processo onde é interposto, não podendo versar sobre decisões judiciais proferidas fora desse processo, nem sobre decisões já tornadas definitivas pelo trânsito em julgado.

2. - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, com objeto parcialmente coincidente ou prejudicial face ao da ação posterior, visando evitar que a relação ou situação jurídica material definida pela sentença anterior seja definida de modo diverso por outra sentença, não se exigindo a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

3. - Só ocorre autoridade de caso julgado na medida/limite do que foi apreciado e decidido, não obstando a que em novo processo seja decidido aquilo que não ficou definido no caso julgado anterior.

4. - Se o autor interpôs ação de reivindicação, com pedido cumulado de demarcação, e este pedido, expressamente apreciado, foi julgado improcedente, com trânsito em julgado, a autoridade desse caso julgado impede que a mesma parte venha depois intentar ações de demarcação com o mesmo objeto e nos mesmos moldes, ainda que só alguns dos réus sejam os mesmos.

5. - Doutro modo, tendo a matéria de demarcação sido objeto de julgamento anterior, um novo julgamento, sem novos elementos, redundaria na repetição da decisão transitada ou na sua negação, com a consequente incerteza/insegurança para a ordem jurídica.

6. - Pressupondo a ação de demarcação diferentes prédios contíguos carecidos de delimitação, é inviável o estabelecimento da linha limite predial – escopo da ação – se algum dos terrenos em confronto não estiver suficientemente localizado geo-espacialmente, por não se saber onde se situa concretamente in loco.


***

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pela A./Apelante.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 06/03/2018

         

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

                                      

Fernando Monteiro


([1]) Sic, notando-se que houve lapso (manifesto) na referência à ação já julgada (indicada como “n.º 4636/03.0TJCBR”), pois que se pretendia escrever “ação n.º 2275/04.7TBCBR”.
([2]) Que se deixam transcritas.
([3]) Subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
([4]) Excetuadas, naturalmente, questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Com base na prova documental junta.
([6]) Na verdade, como é sabido, um recurso ordinário (como a presente apelação) apenas serve para reapreciação de decisão judicial proferida no próprio processo onde é interposto, não podendo versar sobre decisões judiciais proferidas fora desse processo, nem sobre decisões já tornadas definitivas pelo trânsito em julgado (cfr. art.ºs 627.º e seg. do NCPCiv.).
([7]) Como referido no Ac. STJ de 25/09/2012, Proc. 3371/07.4TBVLG.P1.S1 (Rel. Hélder Roque), em www.dgsi.pt: «(…) quando uma das partes pretende que uma determinada parcela de terreno do seu prédio se encontra usurpada pelo vizinho, sempre que haja debate sobre a propriedade de certa faixa de terreno confinante e sobre os títulos em que se baseia, discutindo-se o título de aquisição, em vez da sua relevância em relação ao prédio, tratando-se de um conflito de títulos e não de um conflito entre prédios, a acção correspondente não é a acção de demarcação, mas antes a acção de reivindicação. // Efectivamente, se as dúvidas ultrapassam a zona de fronteira entre os dois prédios contíguos para atingirem uma parcela bem definida de terreno na posse do vizinho, sai-se da esfera da acção de demarcação para se entrar no âmbito da acção de reivindicação, significando a subversão dos princípios que a ambas estão subjacentes a propositura da primeira, em lugar da última, pois que naquela respeitam-se os títulos existentes, não se admitindo prova contra os mesmos, apenas se definindo a linha divisória que ofereça dúvidas, face aos títulos existentes. // Se nem sempre é fácil distinguir a acção de reivindicação da acção de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão do domínio, relativamente a uma faixa de terreno, naquela está em causa o próprio título de aquisição, e nesta a extensão do prédio possuído.».
([8]) Cfr. o aludido Ac. STJ de 25/09/2012.
([9]) Proc. 826/14.8T8GRD.C1 (Rel. Jorge Arcanjo), em www.dgsi.pt.
([10]) Assim o Ac. TRC, de 12/12/2017, Proc. 3435/16.3T8VIS-A.C1 (Rel. Isaías Pádua), em www.dgsi.pt.
([11]) Proc. 725/04.1TBSSB.L1.S1 (Cons. Fernando Bento), em www.dgsi.pt.
([12]) Itálico aditado.
([13]) Como consta do sumário do Ac. STJ, de 07/03/2017, Proc. 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1 (Cons. Pinto de Almeida), em www.dgsi.pt:
«1. A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade - o caso julgado; a excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (…). A autoridade do caso julgado não: "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva". // 2. Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda. // 3. Está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade). // (…) Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objecto da segunda acção e o objecto definido na primeira acção, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda acção acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível».
([14]) Se a ação de demarcação pressupõe diferentes prédios contíguos carecidos de delimitação, esse estabelecimento da linha de “fronteira” só pode ocorrer se os prédios/terrenos em confronto estiverem suficientemente localizados geo-espacialmente, para o que terá de saber-se onde se situa concretamente, no terreno, cada um deles, apenas havendo de delimitá-los entre si. É esta a “economia” da ação de demarcação. Por isso, no caso, importaria definir – previamente à demarcação e para que esta fosse viável – o concreto objeto predial a restituir, um terreno/imóvel determinado/situado no local (mesmo se sem apuramento exato da sua área), o que a A./Recorrente ainda não mostrou ter obtido, elemento novo sem o qual não seria possível operar a demarcação pretendida. Assim, salvo o devido respeito, enquanto não se souber onde concretamente se encontra, no local, o prédio em questão (e caberia à impetrante mostrá-lo), não será possível a sua demarcação/delimitação.