Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
131/15.2T8AGN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
ACIDENTE DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - ARGANIL - JUÍZO C. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 306, 498, 790 CC
Sumário: 1. - O direito de regresso de seguradora de acidentes de trabalho contra a entidade patronal (tomador/segurado) do sinistrado prescreve no prazo de três anos a contar do cumprimento, nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 2, do CCiv..

2. - Não obsta à procedência da exceção da prescrição a invocação pela seguradora de impossibilidade jurídica originária de instauração da ação de regresso, por alegado desconhecimento insuperável das causas e circunstâncias de acidente ocorrido em Espanha, obstáculo apenas ultrapassado, decorrido aquele prazo de três anos, por via de decisão penal estrangeira, que revelou a etiologia do sinistro.

3. - Em tal caso, a seguradora, que se remeteu a uma postura de passividade – de que só saiu quando tomou conhecimento da decisão penal estrangeira –, não mostra que a situação não lhe seja imputável, isto é, que não lhe fosse possível, se tivesse agido com a diligência normal de especialista (de que era capaz e que se exigiria a qualquer entidade seguradora), proceder à sua própria averiguação do sinistro e, assim, tomar oportuno conhecimento do efetivamente ocorrido.

Decisão Texto Integral:










Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

F (…), S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra

S. (…), Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

alegando por modo a concluir pela procedência da ação e peticionando «a condenação da Ré a pagar à A. da quantia de 43.793,51€ acrescida de juros legais moratórios a partir da citação e até efectivo pagamento, com base no exercício do direito de regresso pelo que pagou aos beneficiários (viúva e filha menor) de um falecido sinistrado enquanto trabalhava por conta da ré, tomadora do contrato de seguro.» ([1]).

Contestou a R., excecionando a prescrição do direito de regresso e defendendo-se por impugnação, assim pugnando por estar prescrito aquele invocado direito ou, a entender-se doutro modo, pela improcedência da ação por não provada.

A A. respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.

Procedeu-se ao saneamento do processo e relegou-se para final o conhecimento da aludida exceção da prescrição, sendo ainda definidos o objeto do litígio e os temas da prova, por o estado do processo não habilitar a conhecer imediatamente do mérito, com prosseguimento dos autos para audiência final.

Realizada esta, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, o tribunal decide julgar procedente por provada a excepção peremptória de prescrição, e em consequência absolver a ré de todos os pedidos formulados pela autora nos presentes autos.».

Inconformada com o assim decidido, veio a A. interpor o presente recurso, apresentando alegação respetiva e as seguintes

Conclusões ([2])

«DECISÃO DE FACTO

A Relação, em sede de reponderação, deve alterar a decisão de facto e dar por provado – em vez de não provado – que em Junho de 2008 os elementos de averiguação disponíveis não permitiam à A. invocar causas descaracterizadoras do acidente.

O Tribunal da 1ª instância, desde logo, na fundamentação da decisão de facto tomada, reconhece que a dinâmica e circunstâncias do acidente e a culpa na sua eclosão, emergem (no sentido de que só emergem) e ressaltam da aturada investigação criminal levada a cabo pelas autoridades espanholas no âmbito do processo criminal que correu termos pelo Juízo Criminal de Santiago de Compostela.

Acresce que, concretos meios probatórios, mormente excertos de depoimentos testemunhais, referidos e transcritos no corpo destas alegações (…) militam no mesmo sentido, impondo decisão positiva à realidade de facto inserida na 1ª das conclusões.

Ressalta dos extratos dos depoimentos das testemunhas e do mail que a testemunha (…) enviou à A aos 09/10/2014 e acompanhado da sentença proferida no processo abreviado do Julgado Penal de Santiago de Compostela que a recorrente só a partir desta data é que tomou conhecimento de factos que apontaram para caso especial de reparação previsto no artigo 18º/1 da Lei 100/97 então vigente, no caso, acidente provocado pela empregadora por falta de observação das regras sobre segurança e com as consequências previstas nos termos conjugados dos artigos 18º/1 e 37º/2 da referida Lei.

Só a factualidade conhecida na sentença proferida no processo abreviado do Julgado Penal de Santiago de Compostela, proferida aos 12/06/2014 e comunicada à A. aos 09/10/2014, é que facultou a esta o conhecimento de que, nos termos conjugados dos já citados artigos 18º71 e 37º/2 da Lei 100/97, a sua responsabilidade infortunística era de segundo grau, meramente subsidiária, e que a responsabilidade primacial recaia diretamente sobre a entidade empregadora sua segurada.

O acidente ocorreu em território espanhol, o que impossibilitou averiguação exaustiva das circunstâncias em que o mesmo ocorreu, o que nunca seria alcançável pela A. tanto mais que, como resulta dos autos, a própria Ré, no âmbito do procedimento criminal que tramitou em Espanha, através do seu encarregado, até tentou fazer crer, junto da equipa da Polícia Judiciária de (...) (vide Anexo III do documento junto pela A aos autos aos 24/09/2018 – referência Citius 30168948 e a folhas 2 – 52) que disponibilizara capacete de proteção à vítima, e o desmentido só foi possível pelo auto de inspeção visual de que a autoridade dispunha.

Era impossível á A levar a cabo uma aturada investigação igual ou sequer semelhante à investigação criminal efetivada pelas autoridades espanholas de modo a que pudesse, em curta porção de tempo, conhecer ao detalhe as reais causas e circunstâncias que rodearam e motivaram a ocorrência, de modo a deter tais dados na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho, que correu termos em Portugal, e ou mesmo em fase contenciosa subsequente, se tivesse sido aberta, e invocar causas descaracterizadoras do acidente.

DE DIREITO

Diz a sentença que no caso, o crédito peticionado pela A. constitui direito de regresso, como tal sujeito ao prazo prescricional de três anos (artigo 498º/2 do CC) que inicia contagem a partir do cumprimento/pagamento (artigo 498º/2 e 306º/1 do CC) que no caso se verificou aos 19/11/2008 e tendo a Ré sido citada para a ação aos 14/09/2015, o direito creditício da A. nesta data já estava prescrito.

Reitera a A. que aos 19/11/2008 quando indemnizou as beneficiárias da vítima não conhecia factos que lhe permitissem exercitar putativo direito de regresso, nem tais factos eram cognoscíveis, nem àquela data e nem nos anos póstumos.

10ª

A A. só a partir de 09/10/2014 quando lhe foi comunicada a sentença proferida no processo abreviado do Julgado Penal de São Tiago de Compostela é que tomou conhecimento de que o acidente tinha sido provocado pela empregadora e por falta de observação por parte desta das regras de segurança.

11º

De resto – e reitera-se – a própria sentença recorrida reconhece que só a “aturada” investigação criminal levada a cabo pelas autoridades espanholas é que permitiu delinear ao detalhe as reais causas e circunstâncias que motivaram o sinistro de 03/03/2008.

12º

Ainda que o Tribunal da Relação não altere a decisão de facto como preconizada – o que não se concede – ressalta à evidência que só o conhecimento por parte da A. da decisão penal espanhola é que foi reveladora das reais circunstâncias em que se verificou o sinistro dos autos e definiu os comportamentos desencadeantes do mesmo, correspondente autoria e responsabilidade e culpa.

13º

No intervalo de tempo que decorreu entre 19/11/2008, altura em que a A paga às beneficiárias da vítima valores indemnizatórios e 09/10/2014, momento em que conhece o teor e conteúdo da sentença espanhola, esta última não podia e nem devia exercer regresso de modo temerário e à sorte.

14º

A A. só tomou conhecimento – já se disse e repete-se – da factualidade com base na qual alicerça o pedido de reembolso formulado, na sequência do teor e conteúdo da sentença que foi proferida aos 12/06/2014 pelo Julgado Penal nº 2 de Santiago de Compostela e de que veio a tomar conhecimento tão só aos 09/10/2014.

15º

No caso dos autos, importa ter em devida conta, dentro das vicissitudes da prescrição, ao nível do decurso do prazo prescricional, os efeitos iniciais ou constitutivos conexos com o início da contagem do prazo (artigos 306, 311 e 498 do CC) e os efeitos suspensivos dos impeditivos em conexão com a suspensão da contagem do prazo (artigos 306, 318 a 323 e 327º/1 do CC).

16º

Dispõe é certo o artigo 306º/1 do CC que de regra a prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, mas podem verificar-se factos/situações ou causas que desde logo retêm quer mesmo o início de contagem do prazo prescricional, quer depois o prosseguimento de contagem porventura iniciada (artigos 306º/1 e 321º/1 ambos do CC).

17º

No caso dos autos a A. desde a data da fatídica ocorrência (03/03/2008) e ulteriormente, desde a altura em que indemnizou as beneficiárias (19/11/2008) e até ao momento em que conheceu os factos trazidos pela sentença do Julgado Penal de Santiago de Compostela (09/10/2014) esteve impossibilitada de exercer o seu putativo direito de regresso.

18º

No intervalo de tempo que decorre entre 03/03/2008 (data da ocorrência) e 09/10/2014 (altura em que conhece as circunstâncias em que se verifica o acidente e as condutas desencadeantes do mesmo), a A. vivenciou uma total impossibilidade originária de exercitação do direito a eventual reembolso, impeditiva desde logo do início e começo de contagem de qualquer prazo prescricional, motivada por total desconhecimento da dinâmica do acidente e dos factos consubstanciadores da culpa subjetiva da Ré, desconhecimento esse que pelos seus próprios meios não podia superar, sendo que o desconhecimento da própria pessoa, do responsável por dado evento no âmbito da responsabilidade civil extracontratual tem sido apontado pela doutrina, como circunstância de facto a tipificar impossibilidade jurídica originária de exercitação de um direito, e equiparável a impedimento de força maior, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 498º/1 do CC.

19º

Concluindo, o direito que a A veio exercitar, contrariamente ao que vem sentenciado, não prescreveu porque esta, dentro do triénio contado a partir, seja de 12/06/2014, seja de 09/10/2014 instaurou, e aos 09/09/2015, a presente ação e a citação da Ré operou-se aos 14/09/2015.

LEGISLAÇÃO INFRINGIDA

A sentença que vem da 1ª instância, fez incorreta interpretação e aplicação do que vem disposto nos artigos 298º/1, 304º, 300º a 327º, 498º/1, 498º/2 e 576º/1 e 3, todos do CC e a correta interpretação e aplicação destes normativos, mormente o que vem disposto nos artigos 304º, 498º/2, 306º/1, 311º, 498º, 306º, 318º a 322º e 327º/1, 321º/1, 498º/1, todos do CC impõe a revogação da sentença da 1ª instância, substituindo-a por decisão que, julgando improcedente a exceção de prescrição, condene a Ré a pagar à A. a importância peticionada e acrescida de juros legais moratórios vencidos até ao presente.

Nestes termos deve o recurso vir a ser julgado procedente, dando-se provimento à Apelação com revogação da sentença da 1ª instância e proferição de decisão que julgando improcedente a exceção de prescrição, condene a Ré recorrida, no pedido formulado pela A./ recorrente e tudo sob as legais consequências.

Só assim decidindo se fará Justiça.».

A R. não contra-alegou.

*

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime e efeito fixados. 

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir, à luz do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]).

                                                 *

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes, está em causa na presente apelação saber:

a) Se deve proceder a empreendida impugnação da decisão da matéria de facto;

b) Se ocorre, ou não, a prescrição do direito invocado na ação;

c) Caso improceda a exceção da prescrição, se deve proceder o pedido da ação.

                                                 *

III – Fundamentação

          A) Quanto à matéria de facto

1. - É a seguinte a factologia considerada provada na sentença recorrida:

«1º A A. F(…) no exercício da sua actividade celebrou com a Ré um contrato de seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrém que ficou titulado pela Apólice 30786/9.

2º A Ré, tomadora do contrato de seguro, quando o celebrou, exercia e ainda exerce de forma organizada, lucrativa e permanente a actividade de desbaste, esgalha, limpeza e corte de árvores.

3º Como tal e obrigatoriamente transferiu para a A. a responsabilidade indemnizatória por eventuais acidentes de trabalho ocorridos com os seus trabalhadores durante o período em que estivessem ao seu serviço e em local e tempo de trabalho.

4º O contrato de seguro foi celebrado na modalidade de seguro completo a prémio variável e de entre as pessoas/trabalhadores seguros, aos 03/03/2008 constava o falecido (…) e com a retribuição segura, à data, de 7.023,58€/ano (450,00€ x 14m + 65,78€ x11).

5º Aos 03/03/2008, o falecido (…) trabalhava por conta e sob as ordens, direcção e fiscalização das Ré, sua entidade empregadora.

6º No dia 03/03/2008, o falecido (…)procedia, em Espanha, ao abate de árvores.

7º Tendo sido atingido pela queda de um eucalipto.

8º Tendo resultado do evento, lesões físicas que, conforme relatório de autópsia foram causa directa e necessária da sua morte que ocorreu nesse mesmo dia.

9º A Ré participou o sinistro junto da A.

10º Correram termos pelo extinto Tribunal do Trabalho de Coimbra autos de acidente de trabalho com a referência processo 349/08.4TTCBR – 2º j.

11º Teve lugar a conciliação e no referido auto, no dia 19 de novembro de 2008, a ora A. aceitou a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo causal entre o acidente e a morte do falecido orlando, o salário por este à data auferido.

12º O falecido (…) deixou, á data da morte, como beneficiários:

1) M (…), sua mulher, e

2) A (…)

13º O falecido (…) nascera aos 24/12/1964, a M (…), aos 01/02/1965, e a A (…) aos 26/11/1992 e à data era menor, estudante e vivia com os pais.

14º A ora A. na fase conciliatória do processo e conforme melhor consta do auto de conciliação aceitou pagar:

1) À viúva M (…):

a) 40,00€ de transportes

b) 2.556,00€ de subsidio por morte

c) 3.408,00€ de subsídio de funeral

d) E a pensão anual e vitalícia de 2.107,00€, com efeitos e partir de 04/03/2008 alterável para 2.809,43€ quando perfizer a idade da reforma ou ficar com a capacidade de trabalho sensivelmente afectada.

2) À filha, então menor, A (…)

a) 2.556,00€ de subsidio por morte

b) E a pensão anual e temporária de 1.404,72€, com inicio aos 04/03/2008 até perfazer 18 ou 22 e 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou superior ou se ficar afectada de doença que afecte sensivelmente a sua capacidade laboral.

15º A viúva solicitou a remição da pensão anual e vitalícia e operados os cálculos legais, o capital de remição situou-se na quantia de 30.405,02€.

16º A ora A. aos 19/11/2008 pagou à viúva M (…) o valor de 28.794,41€ por ter sido operado o desconto dos valores de pensões pagas até ao momento, conforme consta do respectivo auto/termo de entrega.

17º A ora A. aos 10/01/2012 veio solicitar do TT a caducidade da pensão anual de 1.404,72€, actualizada em 01/01/2010 para 1.463,53€, e devida à menor A (…) pelo facto desta ter atingido os 18 anos e não ter feito prova de frequência do ensino médio ou superior, não obstante ter-lhe sido pedida uma tal informação/demonstração.

18º O ex-TTCBR aos 26/03/2012 veio a proferir decisão, transitada, declarando caduca/caducada a pensão temporária em beneficio de A (…), filha do falecido (…).

19º Assim, mercê do acidente agora em análise nos presente autos e no cumprimento das suas obrigações contratuais de responsabilidade infortunística, a ora A., pagou á M (…) e A (…), viúva e filha, respectivamente, do falecido (…), a quantia de 43.793,51€, tal como consta do resumo de despesas descritas no documento nº 9 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

20º Os valores referidos no resumo são os que constam do mapa a que se reporta o documento nº 10 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e donde constam as referências dos recibos de cada uma das verbas pagas, números dos cheques ou transferências bancárias, as datas de cada emissão e de cada liquidação e a natureza e identificação de cada encargo e a identidade do respectivo beneficiário.

21º Os documentos de suporte de todos os pagamentos feitos pela A. em consequência do acidente a que estes autos se reportam constam ainda dos documentos 11 a 52 ambos inclusive e cujos conteúdos se reproduzem para os legais efeitos.

22º A ora A. aceitou em Junho/2008 no âmbito do acidente de trabalho, conciliar-se com as beneficiárias M (…) e A (…), e aceitar a responsabilidade.

23º A A. veio a tomar conhecimento da sentença que foi proferida aos 12/06/2014 pelo Julgado Penal nº 2 de Santiago de Compostela, no âmbito do processo 95/2014.

24º O falecido (…), no dia 03/03/2008, iniciou a sua actividade de motosserrista /madeireiro por conta da 1ª Ré S. (…) sendo o seu primeiro dia de trabalho.

25º Foi deslocado para a localidade de Macedos – Róis / Urdilde para proceder ao corte e abate de árvores de grande porte.

26º Iniciou o trabalho cerca das 10h30 da manhã desse mesmo dia.

27º E ficou sozinho no local de trabalho.

28º Desacompanhado de qualquer dos sócios gerentes e ou encarregado ou encarregado da Ré e de qualquer outro colega de trabalho.

29º O trabalhador mais próximo do O (…) e que exercia idênticas tarefas encontrava-se distanciado cerca de 1Km.

30º Cerca das 13H00, depois do falecido (…) ter cortado um eucalipto, foi surpreendido pela queda imprevista de um outro.

31º Que se encontrava próximo do que acabara de ser cortado.

32º E que desabou por sobre o O (…)

33º Causando-lhe a morte.

34º O eucalipto que desabou por sobre o corpo do O(…) tinha 10 metros de altura e 0,20 metros de diâmetro.

35º E encontrava-se já cortado, parcialmente, pela base.

36º Corte que ocorrera há já alguns dias.

37º A Ré, através dos seus sócios gerentes e encarregado permitiu que o eucalipto cortado ali permanecesse de pé.

38º Mas com uma ténue ligação ao solo.

39º E veio a cair por efeito da turbulência causada pelo derrube da árvore que na ocasião fora cortada pelo O (…)

40º A Ré deveria ter removido o eucalipto que fora cortado dias antes.

41º A Ré sabia que o eucalipto cortado e de pé representava perigo para outros trabalhadores que operassem naquele local.

42º A Ré não teve preocupações de organização do trabalho do corte, abate e transporte das árvores.

43º Nem organizou um plano de actuação para evitar consabida perigosidade própria desta actividade.

44º A Ré nunca ministrou ao falecido O(…)formação no âmbito da actividade que este iria exercer.

45º Nem ao menos informações próprias da sua actividade e de prevenção da permanente exposição dos perigos que lhe são próprios.

46º Deixou o falecido O (…), impreparado para as funções de motosserrista a laborar sozinho no local onde veio a falecer.

47º A Ré permitiu que o falecido O (…) laborasse sem fazer uso de capacete de protecção, luvas, calças e auriculares.

48º A Ré, à data do acidente, tinha garantias patrimoniais bastantes ao ressarcimento indemnizatório dos beneficiários da vítima.

49º Tinha um racio de solvabilidade muito alto, o que ainda actualmente ainda ocorre.

50. Bem como um racio de rentabilidade do activo também muito alto.

51. Tinha e tem capital próprio de 54.158,59€.

52. Não tinha nem tem dívidas à Segurança Social ou Fiscais.

53. Sempre satisfez todos os seus compromissos.

54. A presente acção deu entrada em Juízo em 09.09.2015, tendo a ré sido citada em 14.09.2015.».

2. - E foi julgado como não provado:

«- em junho de 2008, os elementos de averiguação disponíveis não permitiam à A. invocar causas descaracterizadoras;

- no início dos trabalhos foi distribuído ao inditoso O (…) calçado de protecção, capacete, calças de protecção ao corte e colete reflector;

- os sócios gerentes da ré são pessoas de baixa instrução dominando o castelhano de modo deficiente;

- no dia da audiência as advogadas que lhe foram nomeadas aconselharam a aceitar a acusação pois assim resolveriam tudo, sem que os gerentes da ré entendessem verdadeiramente o que constava da mesma;

- a autora fez-se representar nessa audiência por mandatária constituída a qual aconselhou igualmente os gerentes da ré sociedade a aceitarem a acusação e não a contestarem pois os herdeiros do falecido O(…)já tinham sido indemnizados e a Decisão Judicial do Tribunal em Espanha não tinha consequências jurídicas em Portugal para eles, nem para a sociedade de que eram representantes;

- confiando no que os referidos advogados lhe transmitiam os sócios gerentes da ré declararam aceitar o que aí constava;

- no dia 3 de Março de 2008 os trabalhadores da ré acompanhados pelo sócios-gerentes desta, deslocaram-se para uma propriedade sita em Padrón, Galiza, Espanha;

- chegados ao local cerca das 9 horas foi entregue ao inditoso O (…) o equipamento constituído por calçado de protecção, capacete, calças de protecção ao corte e colete reflector;

- após a colocação do equipamento o encarregado explicou como iria proceder-se ao corte dos eucaliptos e dispôs no terreno os trabalhadores e os gerentes da ré de modo a guardarem um intervalo suficientemente amplo de segurança entre todos;

- cumpre referir que previamente o encarregado, J (…)s vistoriou o lote e não se apercebeu de qualquer árvore solta ou em risco de cair por mera acção do vento;

- durante a explicação e colocação dos trabalhadores no lote para corte, o encarregado chamou atenção para o vento que se fazia sentir embora fraco a moderado;

- o inditoso O (…) era pessoa experimentada no corte e abate de eucaliptos e pinheiros, tendo trabalhado em diversas firmas, antes de trabalhar para a ré, onde lhe foi ministrada formação;

- após a distribuição dos trabalhadores, os mesmos começaram a trabalhar cerca das 10horas e 30 minutos;

- entretanto, a pessoa que estava mais perto do falecido O (…), que era o gerente da ré, S (…) teve de se deslocar para mais longe ficando a cerca de 500 metros do inditoso O (…);

- passado algum tempo o referido gerente apercebeu-se que a motosserra do inditoso O(…) não produzia o ruido característico do motor em funcionamento e logo se aproximou do local onde este estava a trabalhar dando se com a tragédia;

- o referido eucalipto terá sido abatido pelo referido O(…) sem que tombasse para o solo e este terá abatido um segundo para que o primeiro caísse no solo, pois o local havia sido inspeccionado antes do início dos trabalhos e não fora encontrado qualquer árvore solta;

- no início dos trabalhos o encarregado alertara para algum vento que se fazia sentir e poderá ter sido uma súbita mudança de vento que causou o factídico enlace;

- mesmo que estivesse junto ao inditoso O (…) outro trabalhador o mesmo não conseguia evitar o resultado trágico, em face da violência do embate sobre o corpo do falecido;

- após a constatação do acidente verificou-se que o capacete estava afastado alguns metros desconhecendo-se se terá sido projectado com o embate da árvore ou se terá caído ou mesmo retirado da cabeça pelo inditoso O (…);

- a árvore que causou o acidente não foi cortada anteriormente pela ré, pois esse era o primeiro dia que ali se iniciava o corte de árvores;

- o inditoso O (…) trabalhava no corte de árvores há mais de 20 anos, tendo recebido formação nessa área;

- o inditoso O (…) tinha um auricular que não fora fornecido pela ré, mas que lhe pertencia;

- a ré apesar de cumprir com os seus compromissos encontra-se com graves dificuldade económicas;

- e só a necessidade de melhorar os rendimentos a obrigou a deslocar-se para Espanha, o que se revelou nefasto.».

                                                 *

B) Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto

Nas suas conclusões de recurso, a A./Apelante pugna pela alteração do juízo da 1.ª instância no âmbito da decisão da materialidade fáctica, por considerar ter ocorrido erro de julgamento nesse particular.

Centra-se no primeiro ponto dado como não provado, com o seguinte teor: “em junho de 2008, os elementos de averiguação disponíveis não permitiam à A. invocar causas descaracterizadoras”.

Pretende, com base em prova testemunhal e documental que indica (o “e-mail de folhas 84 dos autos” e os depoimentos das testemunhas (…)tendo procedido à transcrição de partes da respetiva gravação áudio), que lhe seja dada resposta positiva (de provado), ficando assente que, naquele tempo, “os elementos de averiguação disponíveis não permitiam à A. invocar causas descaracterizadoras do acidente” (conclusões 1.ª e segs. da Recorrente).

Importa, pois, saber se deve tal materialidade ser julgada provada, alterando-se o decidido pelo Tribunal a quo.

Ora, é sabido que ao quadro do factualismo provado apenas devem ser levados factos (elementos fácticos concretos que tenham relevo para a decisão da causa).

É o que resulta do disposto no art.º 607.º, mormente n.ºs 3 a 5, do NCPCiv..

Com efeito, ali se dispondo que a sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar (n.º 2), logo se esclarece, quanto aos fundamentos, que deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 3), mais se precisando que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 4).

E, se dúvidas ainda pudessem restar, reforça o n.º 5 que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

Em suma, é patente que na parte fáctica da sentença, quanto ao factualismo provado, só podem ter assento conteúdos factuais concretos e não enunciados conclusivos, especialmente se estes assumem feição decisiva para a sorte do pleito, seja quanto ao preenchimento de elementos da causa de pedir, seja relativamente a matéria de exceção ou de contra-exceção.

Com efeito, as conclusões e valorações jurídicas não podem ser submetidas à prova, apenas havendo de constar da fundamentação jurídica da sentença, à luz do direito aplicável e do acervo fáctico provado, perante o que – só então – são extraídas as conclusões que os factos permitirem e realizadas as valorações pertinentes, com vista à boa decisão da causa.

Bem se vê, pois, que transpor essas conclusões e/ou valorações para a parte fáctica da decisão, quanto aos factos provados, implica a subversão da lógica e estrutura da sentença, com o perigo de se estabelecer o sentido decisivo do julgamento da causa fora da sede própria, a da fundamentação de direito (esta debruçada sobre os concretos factos provados e focada nas normas jurídicas aplicáveis ao caso).

É, pois, incontornável a questão de saber se o discutido ponto constitui, ou não, matéria exclusivamente conclusiva, posto que uma resposta afirmativa a tal questão logo deixa prejudicada a pretensão da impugnante, por, como dito, na sentença só poderem ter assento – como provados – factos concretos e não matéria conclusiva/valorativa, a qual só tem cabimento, uma vez apurados os factos, em sede de fundamentação jurídica da decisão, onde se procede à apreciação de direito e se verifica da procedência da exceção da prescrição.

Ora, um enunciado no sentido de que os elementos de averiguação disponíveis não permitiam, em certo tempo, a invocação de causas descaracterizadoras do acidente tem um conteúdo essencialmente conclusivo: trata-se de saber, em primeiro lugar, quais eram esses “elementos de averiguação disponíveis” (base de raciocínio), para depois se inferir – extrair ilação ([4]) – sobre se os mesmos permitiam, ou não, à A./seguradora invocar causas descaracterizadoras do acidente (conclusão lógica), estas, por sua vez, legalmente previstas (na legislação infortunística laboral, com repercussão no regime do direito de regresso pretendido) ou contratualmente contempladas (no contrato de seguro de acidentes de trabalho), implicando, assim, a interpretação dos correspondentes postulados legais ou contratuais.

Por isso, não poderia interrogar-se as testemunhas sobre a verdade, ou falsidade, de um tal enunciado conclusivo e, ainda que as mesmas respondessem afirmativamente (por forma a confirmar esse enunciado), não poderia dar-se o mesmo como provado, fazendo-o constar do elenco dos factos provados, o que apenas deve ser considerado para aplicação do direito.

Assim sendo, não se tratando de um facto concreto, mas de uma conclusão – com influência na decisão da matéria de exceção e, consequentemente, da própria causa –, que não pode constar do quadro de factos provados, forçoso é julgar improcedente esta vertente impugnatória da recorrente.

Acresce que, como se verá, não parece aceitável uma postura da seguradora de passividade quanto aos “elementos de averiguação disponíveis”, em termos de ficar indefinidamente – por anos (ou mesmo por décadas) – à espera de eventuais decisões em processos judiciais a que é alheia (como era o caso do referido procedimento criminal em Espanha).

Com efeito, é sabido que as seguradoras podem socorrer-se – e socorrem-se frequentemente, se as circunstâncias do caso/sinistro o aconselharem – de equipas de peritos averiguadores ([5]), que procedem à recolha de elementos e ao apuramento de circunstâncias de acidentes/sinistros e valoração de danos, no sentido de fornecerem a base necessária para a decisão de assumir, ou não, a responsabilidade ressarcitória pelo sinistro (designadamente, através da clarificação de causas e modo de ocorrência do evento danoso) e o desencadeamento da ação de regresso.

E nem se diga – salvo sempre o devido respeito – que a averiguação não era possível in casu, por se tratar de acidente em Espanha, restando aguardar por alguma eventual decisão judicial, como a proferida pela Justiça do País vizinho.

Com efeito, nada impedia, que se veja, a seguradora aqui A./Apelante de, no tempo próprio, se socorrer até de equipas de peritos averiguadores espanhóis (em colaboração com peritos portugueses), que procederiam à recolha de elementos e ao apuramento de causas e circunstâncias do concreto acidente ocorrido (se necessário, com deslocação ao local do sinistro, bem como com audição de quem pudesse ajudar a esclarecer o modo como os factos se passaram).

Não se mostra, pois, que tal seguradora não pudesse proceder à sua própria averiguação e recolha dos elementos necessários ([6]), caso em que não era forçoso que aguardasse a eventual instauração e decisão de processos judiciais, porventura morosos, a que era alheia, designadamente em Espanha.

Improcede, pois, sem necessidade de outras considerações, a empreendida impugnação.

C) Quanto à impugnação de direito

Da (não) verificação da prescrição

Importa agora saber, perante o quadro fáctico julgado provado – que não sofreu alteração –, se ocorre, ou não, a prescrição, decretada pela 1.ª instância, do direito invocado na ação.

A Recorrente não questiona o prazo considerado na sentença recorrida (prazo prescricional de três anos), nem a data do cumprimento/pagamento, ocorrido em 19/11/2008 (cfr. conclusões 8.ª e 9.ª da apelação).

A sua argumentação estende-se noutra direção, posto invocar que não conhecia então – nem podia conhecer – factos que lhe permitissem exercitar o direito de regresso.

Assim, pugna por o prazo prescricional só dever começar a correr a partir de 09/10/2014, data em que tomou conhecimento da sentença penal espanhola, só então tendo chegado ao seu conhecimento o modo como ocorreu o acidente, que foi provocado pela empregadora e por falta de observância por esta das regras de segurança (cfr. conclusões 10.ª e 11.ª).

Esta argumentação baseava-se, desde logo, no êxito da empreendida impugnação da decisão de facto, âmbito em que, como visto, a Recorrente decai.

Mas esta esgrime que, mesmo assim, é evidente que somente o seu conhecimento da decisão penal da Justiça de Espanha lhe revelou as reais circunstâncias em que se verificou o sinistro, clarificando as respetivas causas, culpa e responsabilidade (conclusão 12.ª).

Assim, conclui que entre 19/11/2008 e 09/10/2014 não lhe era possível exercer o direito de regresso, tratando-se, pois, de um caso de impossibilidade jurídica originária de exercício do direito a eventual reembolso, impeditiva do começo de contagem de qualquer prazo prescricional (por total desconhecimento, não imputável, das causas e dinâmica do acidente, bem como da culpa pelo mesmo), o que, consequentemente, afastaria o decurso do prazo de prescrição ao tempo da instauração desta ação judicial (cfr. conclusões 13.ª a 19.ª).

Porém, cabe dizer, desde logo, que os factos provados não consentem tal entendimento.

Com efeito, sopesados estes, verifica-se que apenas se prova, desde logo, ter a A./Apelante tomado conhecimento da sentença penal do Tribunal de Santiago de Compostela, que foi proferida em 12/06/2014 (facto 23), sendo, por outro lado, que a R., enquanto entidade patronal do sinistrado, não removeu a situação de perigo, que conhecia, a que aquele ficou exposto (o eucalipto que desabou e atingiu a vítima encontrava-se, desde há dias, parcialmente cortado pela base), não teve preocupações de organização do trabalho, não ministrou formação para a atividade em causa e permitiu a laboração sem condições de segurança (designadamente, sem capacete de proteção), como resulta dos pontos 30 a 47 dos factos provados.

Não estando em causa a eventual prestação de informação falsa, pelo tomador do seguro de acidentes de trabalho (a R./Recorrida) à seguradora (a A./Apelante), quanto à etiologia do acidente, apenas cabe saber se a Apelante estava impossibilitada (impossibilidade jurídica) de intentar a ação de regresso, por não lhe ser possível aceder, na falta de sentença judicial no processo criminal, ao conhecimento das causas e vicissitudes do acidente.

Ora, a impossibilidade física reporta-se ao que é impossível no domínio dos factos (plano da realidade física), enquanto a impossibilidade jurídica se prende com aquilo que o direito não permite, no plano das relações jurídicas – por exemplo, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, é legalmente impossível “o objecto da promessa de celebração de um contrato que o direito não consente, da promessa de venda de uma coisa do domínio público” ([7]).

Já quanto à impossibilidade originária da prestação, diz-nos o art.º 401.º, n.º 3, do CCiv. que somente releva a impossibilidade da prestação relativa ao objeto, e não apenas em relação à pessoa do devedor.

E o art.º 790.º do mesmo Cód., referente à impossibilidade objetiva, esclarece, no seu n.º 1, que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.

Se bem se entende, invoca a Apelante uma impossibilidade jurídica originária e objetiva, que se lhe impôs, quanto à instauração da ação de regresso, por forma a paralisar o decurso do prazo de prescrição, em virtude de desconhecimento insuperável – como tal, não imputável – das causas e circunstâncias do acidente, obstáculo que apenas foi possível superar através da mencionada decisão penal espanhola, que teria posto a nu as reais circunstâncias e etiologia (e culpa) quanto ao acidente ocorrido.

E apresenta esta perspetiva rodeada de evidência (conclusão 12.ª).

Ora, se os factos não mostram, de per se, qualquer impossibilidade jurídica, em momento algum (naturalmente, após a satisfação da indemnização), de instauração da ação de regresso ([8]), tal impossibilidade também não se impõe ao observador como algo de evidente ou notório, nem sequer como algo indiscutível perante os factos apurados.

Estes, como dito, apenas revelam, por um lado, que a A./Apelante veio a tomar conhecimento da sentença penal espanhola e que esta foi proferida em 12/06/2014 (aliás, no âmbito de processo apenas instaurado nesse mesmo ano, posto ter n.º de registo “95/2014”) e, por outro lado, que a R./Apelada, enquanto entidade patronal do sinistrado, não removeu a situação de perigo a que aquele ficou exposto, não teve preocupações de organização do trabalho nem ministrou formação e permitiu a laboração sem condições de segurança.

Ao invés, não logra a A./Recorrente, como devia, mostrar que a situação (de desconhecimento) não lhe é imputável, isto é, que não lhe era possível, se tivesse agido com a diligência normal (a de que era capaz e que se exigiria a qualquer entidade seguradora), proceder à sua própria averiguação do sinistro e, por essa via, tomar conhecimento do efetivamente ocorrido.

Cabe reiterar – com todo o devido respeito – que a A./seguradora, com a sua consabida estrutura organizativa de especialista no campo dos seguros, implicando adequada preparação e conhecimentos multidisciplinares, também nos planos jurídico e de averiguação de sinistros (das mais variadas espécies, incluindo por acidentes de trabalho), podia socorrer-se de equipas de peritos averiguadores, especialistas na matéria, nacionais ou estrangeiros (no caso, espanhóis), ao seu serviço ou com contratação de empresas de peritagens, os quais poderiam averiguar as causas do acidente, visitando o local do mesmo e ouvindo as pessoas que dele tomaram conhecimento, em vez de se remeter a uma postura de passividade, da qual só logrou sair quando tomou conhecimento da sentença de um tardio processo criminal na Justiça de Espanha ([9]).

Assim, poderia perguntar-se: e se a decisão do Tribunal de Espanha só fosse proferida dez, quinze ou vinte anos após o trágico acidente? Só então estaria a seguradora possibilitada a intentar a ação de regresso?

Note-se que esta nem sequer invoca que tinha conhecimento daquele processo criminal (como dito, a avaliar pelo n.º de registo, apenas intentado em 2014) e que ficou a aguardar a respetiva decisão.

Diversamente, o que se apura é que veio a tomar conhecimento da decisão penal, proferida já em junho de 2014, perante o que se determinou a intentar a ação de regresso.

Em suma, a A./Recorrente não mostra que não pudesse ter efetuado, dentro dos três anos subsequentes ao acidente ou ao pagamento da indemnização, a sua própria averiguação do sinistro, para efeitos de ponderação quanto à eventual ação de regresso, averiguação que, a ter sido realizada, lhe teria permitido extrair as suas próprias conclusões.

O que não parece merecer acolhimento, para efeitos de paralisação da prescrição, é, volvidos estes anos, aproveitar uma sentença penal estrangeira para justificar uma inércia própria, a coberto de uma impossibilidade jurídica inexistente.

Em vez de impossibilidade (jurídica ou outra), há, então, inércia imputável à própria parte, a qual a impediu de aceder à averiguação tempestiva da etiologia do sinistro.

Na verdade, nada tendo feito a A. para apurar tal etiologia, podendo, assim, queixar-se de si mesma ([10]), não parece razoável defender que estava impossibilitada de intentar a ação de regresso, se nem mostra ter diligenciado pela averiguação do acidente, o que estava na sua disponibilidade e ao seu alcance.

Na sentença explanou-se assim:

«É certo que a A. veio a tomar conhecimento da sentença que foi proferida aos 12/06/2014 pelo Julgado Penal nº 2 de Santiago de Compostela, no âmbito do processo 95/2014, porém tal acto, não tem, no caso concreto, qualquer efeito interruptivo da prescrição, pois que o nº 1 do artº 498º do Código Civil – como pretendia a autora - é aqui inaplicável, bem como a situação de alongamento do prazo prevista no nº 3 do citado preceito legal.

Regressando ao caso “sub iudice”, constatando-se nos autos que a presente acção deu entrada em Juízo em 09.09.2015, tendo a ré sido citada em 14.09.2015, considerando que o prazo prescricional de 3 anos teve o seu início no dia 19.11.2008, e não se vislumbrando durante o seu decurso a ocorrência de quaisquer causas interruptivas, é imperioso concluir que quando a ré foi citada para os termos da acção em 14.09.2015, já há muito havia decorrido integralmente o prazo de prescrição previsto no nº 2 do artº 498º do Código Civil.

Com que, considera-se procedente por provada a excepção peremptória de prescrição invocada pela ré, o que acarreta, no caso concreto, a sua absolvição total relativamente a todos os pedidos formulados pela autora na presente acção, em conformidade com o disposto no artigo 576º, nºs 1 e 3 do Código Civil.

A solução dada e o juízo de procedência quanto à excepção peremptória de prescrição invocada pela ré, torna inútil a apreciação das restantes questões suscitadas nos presentes autos, nos termos do artº 608º, nº 2 do Código de Processo Civil.».

Não se demonstra, pois, a invocada “impossibilidade jurídica originária de exercitação do direito” que fosse “impeditiva” do “começo de contagem de qualquer prazo prescricional”, sendo, por outro lado, que o caso não é de ressarcimento do lesado, que desconhecesse a pessoa do responsável pelo dano, mas de direito de regresso da seguradora contra o tomador do seguro/segurado (cfr. art.º 498.º, n.º 2, do CCiv., o aqui aplicável e que é claro no sentido de a prescrição correr a partir do cumprimento).

Donde que, na improcedência da argumentação da Apelante em contrário, deva manter-se a decisão em crise.

O recurso não obtém, por isso, provimento.

                                                 *

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - O direito de regresso de seguradora de acidentes de trabalho contra a entidade patronal (tomador/segurado) do sinistrado prescreve no prazo de três anos a contar do cumprimento, nos termos do disposto no art.º 498.º, n.º 2, do CCiv..

2. - Não obsta à procedência da exceção da prescrição a invocação pela seguradora de impossibilidade jurídica originária de instauração da ação de regresso, por alegado desconhecimento insuperável das causas e circunstâncias de acidente ocorrido em Espanha, obstáculo apenas ultrapassado, decorrido aquele prazo de três anos, por via de decisão penal estrangeira, que revelou a etiologia do sinistro.

3. - Em tal caso, a seguradora, que se remeteu a uma postura de passividade – de que só saiu quando tomou conhecimento da decisão penal estrangeira –, não mostra que a situação não lhe seja imputável, isto é, que não lhe fosse possível, se tivesse agido com a diligência normal de especialista (de que era capaz e que se exigiria a qualquer entidade seguradora), proceder à sua própria averiguação do sinistro e, assim, tomar oportuno conhecimento do efetivamente ocorrido.

                                                 ***

V – Decisão

Pelo exposto, acordando-se em julgar improcedente a apelação, mantém-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Recorrente.

                                                 ***

Coimbra, 14/01/2020

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

          Fernando Monteiro


([1]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, o relatório da decisão recorrida.
([2]) Que aqui se deixam transcritas.
([3]) Cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos dessa Lei n.º 41/2013.
([4]) No plano da “transição de uma ou mais proposições, consideradas como verdadeiras ou como falsas, para a verdade ou falsidade daquelas de que dependem” (cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, nov./2012, p. 408).
([5]) Ao seu serviço ou com recurso a empresas especializadas.
([6]) Obviamente, pela sua própria natureza e pelos meios a envolver, em termos diversos de uma investigação criminal, averiguação aquela cujos objetivos e modus operandi em nada coincidem com os de um processo judicial do foro penal (cfr. conclusão 7.ª da apelação).
([7]) Cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 258.
([8]) Obviamente, a seguradora não estava legalmente impossibilitada de intentar antes a ação de regresso que veio a intentar depois (outra coisa é, logicamente, a ponderação, que lhe cabia fazer, quanto aos fundamentos, oportunidade e riscos de uma tal tarefa).
([9]) Se o mortal acidente ocorreu em inícios de março de 2008 e o processo laboral por acidente de trabalho foi instaurado nesse mesmo ano, com pagamento da indemnização também ainda nesse ano, o processo criminal espanhol e a respetiva sentença são já do ano de 2014.
([10]) Reforça-se que não está em questão aqui a eventual prestação de falsas declarações pelo tomador do seguro quanto ao dever de declaração do sinistro e respetivas consequências, mas apenas o prazo prescricional quanto à ação de regresso.