Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2768/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ALIMENTOS: PRESTAÇÃO PELO PAI EM CONJUNTO COM A AVÓ PATERNA
Data do Acordão: 10/04/2005
Votação: PROFERIDA PELO RELATOR AO ABRIGO DO ARTº 705º CPC
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1878º E 2009º DO C.C.
Sumário: Não se pode determinar que os alimentos ao menor sejam prestados pelo pai em conjunto com a avó paterna, pois são os pais que, em primeira linha, têm o dever de prestar alimentos aos filhos, de acordo com o disposto no artº 1878º do C.C.
E só no caso de ambos o não puderem fazer é que se poderia obrigar a avó paterna do menor a prestar-lhe alimentos, ao abrigo do disposto no artº 2009º, mas não no processo de regulação do poder paternal, que diz apenas respeito a esta.
Decisão Texto Integral:
O Magistrado do Mº Pº junto do Tribunal Judicial de Almeida requereu, em 26/03/2004, contra A... e B..., a regulação do exercício do poder paternal da filha menor destes, C..., alegando, para tanto, que a menor nasceu em 24/07/1987 e é filha dos requeridos, os quais se encontram divorciados, residindo a menor actualmente com a mãe, provindo o sustento da mesma menor dos rendimentos da mãe, não contribuindo o pai com qualquer importância monetária para o sustento da filha, e não se mostrando os réus de acordo quanto à regulação do poder paternal.
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Realizada, em 06/07/2004, a conferência a que alude o artº 175º da O.T.M., foi obtido um acordo provisório quanto à situação da menor no que respeita à guarda e visitas.
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Ambos os requeridos apresentaram alegações.
A mãe da menor alegou que o requerido tem fontes de rendimento que lhe possibilitam o gozo de férias em Albufeira, ter viatura, bem como usar telemóvel, requerendo que fossem ordenadas as diligências julgadas adequadas à descoberta da real situação económico-social do mesmo e que, caso seja averiguada a real impossibilidade do pai à prestação de alimentos, seja deferida a obrigação à avó (mãe do requerido).
O pai da menor alegou, além do mais, que está desempregado há mais de dois anos e meio, sendo o seu subsídio social de 236,00 euros mensais, pelo que lhe é impossível comparticipar com o que seja viável para ajudar a filha.
Nenhum deles apresentou ou indicou qualquer espécie de prova.
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Procedeu-se a inquérito nos termos do artº 177º, nº 2, da O.T.M. e ordenou-se se oficiasse ao CDSS da área da residência do requerido para que se informasse se ele recebe subsídio social de emprego ou qualquer outra prestação de carácter social, qual o respectivo montante e se o mesmo está sujeito a algum desconto.

Entretanto, a mãe da menor, notificada do teor do relatório social, veio requerer, invocando a insuficiência do mesmo, que fosse ordenada a realização de novas diligências julgadas adequadas à descoberta da real e efectiva situação económico-social do pai da menor.

Foi, depois, proferida sentença que regulou o exercício do poder paternal da menor C... da forma seguinte:
a) - A menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, a quem competirá o exercício do poder paternal.
b) - O pai poderá ver e estar com a filha sempre que quiser, desde que avise previamente a menor e obtenha a concordância desta, sem prejuízo dos horários de descanso e das obrigações escolares da menor e das imposições da mãe da menor.
c) - O pai contribuirá para o sustento e educação da filha com a pensão mensal de 75,00 €, que entregará à mãe por qualquer meio até ao dia 8 do mês a que disser respeito.
d) - Tal quantia será actualizada anualmente em Janeiro, de harmonia com a taxa de inflação divulgada pelo INE para o ano imediatamente anterior.
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Inconformada com a sentença, na parte relativa à prestação de alimentos, apelou a requerida, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1- A sentença é violadora do disposto nos artºs 1878º, 1885º, nº 1 e 2003º, do C. Civil.
2- A pensão de alimentos fixada deverá ser rectificada, por se mostrar insuficiente para o sustento, habitação, vestuário, instrução e educação da menor, passando de 75 € para 200 € mensais.
3- Alimentos a prestar pelo requerido ou por este em conjunto com a avó paterna, ficando a tal legalmente obrigado e com reais possibilidades de tal dever.
4- Devendo ordenar-se a realização de um inquérito social completo e não se fundamentar a decisão num suposto relatório que mais não é do que a versão parcial do requerido.
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Apenas o Mº Pº contra-legou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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Cumpre decidir, nos termos do disposto no artº 705º do Código de Processo Civil, dada a simplicidade da questão apresentada.
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Dado que o objecto do recurso versa apenas sobre a questão da fixação de alimentos à menor, importa destacar o factualismo que na 1ª instância foi dado como assente para a decisão de tal questão:
I - C... nasceu no dia 24 de Julho de 1987 e é filha de A... e de B....
II - Após a separação dos progenitores C... ficou a viver a companhia da mãe.
III - Durante esse período o pai não manteve contactos regulares com a filha e não contribuiu para o seu sustento e educação.
IV - C... frequenta o 12º ano na escola da área da sua residência e perspectiva prosseguir uma formação de nível superior.
V - O agregado onde a menor se encontra inserida é composto por esta e pela mãe, que trabalha nos serviços do Ministério da Agricultura, auferindo uma remuneração mensal de 639 €, a que acrescem 25 € de prestações sociais familiares.
VI - A mãe da menor vive em casa arrendada, pela qual paga 73 € mensais, despendendo ainda, mensalmente, cerca de 70 € em consumos domésticos e 200 € em despesas de saúde.
VII - O requerido reside no Porto, com a mãe, que é reformada, em andar que, por falecimento do pai e do irmão, passou a pertencer , em comum, a si, à mãe e aos sobrinhos.
VIII - Em 26/03/2002 foi-lhe atribuído, pela Segurança Social, subsídio social de desemprego, actualmente no montante de 299,70 €, com o termo provável em 25/06/2005.

IX - Sobre o referido montante é efectuado o desconto mensal de 57 € de pensão de alimentos a outra filha menor.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).

A única questão objecto do presente recurso prende-se, como já se disse, com a prestação alimentícia que, segundo a recorrente, deve ser de 200 € mensais, em vez dos 75 € fixados na sentença, alimentos a prestar pelo requerido ou por este em conjunto com a avó paterna.
Dispõe o artº 1878º, nº 1, do Código Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência) que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde e prover ao sustento destes.
Por sua vez, o artº 1885º, nº 1, determina que cabe aos pais, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
Conclui-se destes normativos que são os pais que, em primeira linha, têm o dever de prestar alimentos aos filhos.
Essa prestação deve ser proporcional às possibilidades económicas de cada um deles e ás necessidades dos filhos (artº 2004º, nº 1).
As necessidades dos menores são as decorrentes do seu sustento, habitação, vestuário, instrução e educação (artº 2003º).
Deve, também, ter-se em conta que, na satisfação das necessidades dos menores, convém ponderar os factores seguintes: idade, estado de saúde, ocupação, actividades extra-escolares, etc., do alimentando, e que, normalmente, as necessidades aumentam, no sentido de que implicam um aumento das despesas, com o crescimento do menor.
Há que atender, ainda, ao nível de vida dos progenitores, já que estes devem proporcionar aos filhos um teor de vida semelhante ao seu.

No presente caso, o Mmº Juiz fixou a prestação mensal de 75 € a cargo do pai, por se afigurar ajustada às necessidades da menor e à precariedade da situação profissional daquele.
Como se vê da matéria de facto dada como provada, pouco se apurou – até porque os pais nada referiram a esse propósito – quanto às despesas dos pais e da menor: a mãe da menor vive em casa arrendada pela qual paga 73 € mensais, despendendo cerca de 70 € em consumos domésticos e 200 € em despesas de saúde; o pai sofre um desconto de 57 € sobre o subsídio de desemprego que recebe, relativo a uma pensão de alimentos a outra filha menor.
É de crer, no entanto, que cada um deles tenha despesas de carácter pessoal, com a sua alimentação, vestuário, higiene íntima, e, em relação ao requerido (em relação à mãe e à menor foram quantificadas em 200 €, como se viu) com assistência médica e medicamentosa, já que é do conhecimento geral que as pessoas necessitam de se alimentar diariamente, de se vestir e calçar, de tratar da sua higiene pessoal e que, de quando em vez, adoecem e precisam de cuidados médicos e de adquirir medicamentos.
Verifica-se, assim, que, tendo em conta que o requerido recebe 299,70 € de subsídio social de desemprego, não se lhe conhecendo – nem tendo sido indicados pela requerida - outros rendimentos e que ele já contribui com 57 € para o sustento de outra filha menor, não se lhe pode exigir que contribua com mais do que os 75 € fixados na 1ª instância, que, portanto, é de manter.

E não se pode determinar que os alimentos sejam prestados pelo pai em conjunto com a avó paterna, pois, como já atrás se referiu, são os pais que, em primeira linha, têm o dever de prestar alimentos aos filhos.
E só no caso de ambos o não puderem fazer é que se poderia obrigar a avó paterna da menor a prestar-lhe alimentos, ao abrigo do disposto no artº 2009º (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, pág. 592), mas não neste processo, que diz apenas respeito à regulação do poder paternal.

Requer a recorrente que se ordene a realização de um inquérito social completo em relação à real situação económica do requerido.


Não se vê a necessidade de ordenar tal inquérito, pois que a informação prestada no inquérito que se encontra junto aos autos, em relação à situação económica do requerido, foi confirmada pelo Tribunal (v. fls. 53 e 59/61), sendo certo que competia à requerida B... fornecer, minimamente que fosse, elementos concretos conducentes ao apuramento da real situação económica do requerido, o que omitiu por completo (cfr. artºs 264º, nº 1, do Código Proc. Civil e 342º do Código Civil).
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Termos em que nego provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.