Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2340/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: PENSÃO POR MORTE
GRAU DE PARENTESCO
FAMILIARES DA VITIMA
Data do Acordão: 11/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: BASE XIX, Nº 1, DA LAT (LEI Nº 2127, DE 3/08/65) E ARTº 55º, Nº 1, DO DEC. 360/71 .
Sumário: I – Para casos de pensões por morte, o legislador previu soluções diferenciadas consoante o grau de parentesco dos familiares da vítima, conforme resulta das alíneas a), b), c) e d) do nº 1 e nº 2 da Base XIX da LAT para casos de doença física ou mental .
II – Relativamente aos filhos da vítima ( al. c) do nº 1) – incluindo os nascituros – o legislador consagrou, para tal efeito, como requisito bastante, que estejam afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho, diferenciação esta compreensível por óbvias e generosas razões de uma maior protecção e cuidados devidos pelo progenitor directamente aos seus filhos .
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – Na presentes Acção que, com processo especial emergente de Acidente de Trabalho, correu termos no Tribunal do Trabalho da Guarda, e em que são partes os beneficiários legais por morte de A... e responsável a Seguradora «B...», foi proferido despacho a fls. 184-185 em que – depois de se ter declarado que o beneficiário C..., devidamente identificado, está afectado de uma IPP de 49% e que carece de apoio de terceira pessoa, sendo incapaz de se sustentar de forma autónoma, porque portador de ‘oligofrenia de grau moderado’se condenou a Seguradora no pagamento da pensão devida a esse beneficiário, em conformidade.

2 – Irresignada, a Seguradora agravou dessa decisão, alegando e concluindo:
1. Por despacho do Mm.º Juiz, a ora recorrente deve continuar a pagar a pensão ao sinistrado C...;

2. Com tal decisão a recorrente discorda em absoluto, uma vez que aquele beneficiário completou já os 18 anos, não se encontra a estudar, nem se encontra afectado com uma incapacidade geral superior a 75%;

3. A Base XIX, n.º1, c), da Lei n.º 2127 dispõe que se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a morte, os filhos, incluindo os nascituros, até perfazerem os 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem respectivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior e os afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho, têm direito a pensão…

4. O art. 55º/1 do Dec. n.º 360/71 estabelecia que se consideram sensivelmente afectados na sua capacidade de trabalho, para os fins previstos na Base XIX, os familiares da vítima que sofram de doença física ou mental que lhes reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 0,75, dispositivo este que se aplica a toda a Base XIX e não apenas à alínea d), como se verifica da simples leitura do preceito;

5. Por sua vez, a Lei 100/97, de 13/9, no seu art. 20º, n.º1, c), passou a dispor que se do acidente resultar a morte, terão direito às pensões os filhos, incluindo os nascituros e adoptados, plena ou restritamente, à data do acidente, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem respectivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho;
6. Nessa sequência, estabeleceu o art. 49º do D.L. n.º 143/99, de 30/4, que se consideram sensivelmente afectados na sua capacidade de trabalho para os fins previstos no art. 20º da Lei, os beneficiários legais do sinistrado que sofram de doença física ou mental que lhes reduza definitivamente a sua capacidade de ganho em mais de 75%; também aqui não é feita nenhuma exclusão em relação às alíneas do art. 20º da Lei, aplicando-se a todo o corpo do artigo;

7. …Não se encontrando a frequentar qualquer estabelecimento de ensino e não se achando afectado na sua capacidade de ganho em mais de 75%, requisito obrigatório quer face à legislação em vigor à data do acidente, quer face à legislação vigente;

8. Ao declarar o direito à pensão ao beneficiário C..., o douto despacho sob recurso violo entre outros normativos legais, o disposto nos arts. 49º/1 do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril, e 20º da Lei 100/97, de 13/9 ou ainda que assim se não entenda o disposto no art. 55º/1 do Dec. n.º 360/71, de 21/8 e Base XIX da Lei n.º 2127.

3 – Respondeu o MºPº, concluindo, a final – depois de ter suscitado a extemporaneidade do recurso – que o legislador quis distinguir os filhos dos demais ‘familiares da vítima’, valorizando a relação parental em relação às outras, ‘por entender que a relação parental lhes atribui maiores deveres’, como entende Carlos Alegre, em anotação ao art. 147º do C.P.T.

4 – Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre ora apreciar e decidir.


II –

1 – As ocorrências de facto relevantes para o enquadramento e tratamento da questão decidenda são de todas de natureza processual e a elas faremos a necessária referência, na sequência.
Resulta nomeadamente dos Autos que:
- Em consequência de acidente ocorrido em 20 de Novembro de 1985, veio a falecer A..., deixando viúva e cinco filhos, com os quais se logrou a conciliação – fls. 34 e 35 – devidamente homologada.
- As pensões conferidas foram caducando, conforme incidentes apensos, tendo a da beneficiária viúva sido oportunamente remida.
- O beneficiário de que ora se cuida, C..., ( o mais novo da fraria de cinco), nascido a 6 de Janeiro de 1986, completou entretanto os 18 anos – certidão de nascimento a fls. 17.
- Não frequenta o ensino/não estuda.
- Conforme Auto de Exame Médico a fls.125, suportado em prévio Exame Médico-Legal de Psiquiatria, ( a fls. 114-116), elaborado no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Sousa Martins, na cidade da Guarda, foi o identificado beneficiário considerado como ‘sofrendo de doença psiquiátrica (‘Oligofrenia de grau moderado’) que o incapacita de se sustentar de forma autónoma e independente, necessitando de apoio de terceiros’.
- Na sequência de requerimento adrede apresentado pela responsável Seguradora, veio o beneficiário a ser sujeito a Exame por Junta Médica, documentado a fls. 182, que emitiu por unanimidade o laudo aí constante, do seguinte teor relevante: …’Considera-se que o beneficiário tem uma IPP de 49%, carecendo de apoio de supervisão de terceiros’.

2 –
Ante o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, como se sabe, o objecto e âmbito do recurso – é apenas uma a questão a dirimir, que se analisa, afinal, em saber se o identificado beneficiário mantém ou não o direito à reclamada pensão, não obstante ter completado os 18 anos, não frequentar o ensino e estar afectado de doença (no caso, mental) a que foi atribuído o grau de desvalorização por IPP de 49%, nos sobreditos termos.

Antes de prosseguir, porém, importa fazer uma breve recensão e deixar uma sucinta nota sobre a circunstância referida na douta resposta deduzida pelo MºPº junto do Tribunal 'a quo' – e que tem a ver com a o facto de haver sido proferido nos Autos o despacho de fls. 130, despoletado pelo requerimento do beneficiário, a fls. 90, no qual se dava notícia da disposição da Seguradora de deixar de pagar-lhe a pensão que lhe vinha satisfazendo.

Tal despacho limitou-se apenas a proceder à actualização da pensão do beneficiário em causa, C....
Pese embora seja respeitável, em tese, a alegação de que essa decisão tem implícito o juízo lógico de que a pensão sujeita continua a ser devida (pois realmente se não subsistisse não poderia ter sido actualizada…), o certo é a mesma não tratou e definiu tal direito, não se lhe referindo o despacho, por qualquer forma.
E a atestar que efectivamente assim se entendeu, ou seja, que tal problemática não se teve sequer por implicitamente tratada, veja-se que foi admitida a tramitação subsequente à informação da Seguradora (fls. 134), em cujos termos se adiantava que aquele só teria direito à pensão caso sofresse de doença física ou mental que lhe reduza a sua capacidade geral de ganho em 75%, o que deveria ser asseverado pelo Senhor perito Médico do Tribunal.

Daí o despacho prolatado a fls. 143 a determinar que o Sr. Perito Médico esclarecesse se o beneficiário se encontra ou não afectado na sua capacidade de ganho em mais de 0,75.
Ante o seu esclarecimento – fls. 144 – a Seguradora, dele notificada, veio requerer Exame por Junta Médica.
Na sequência, foi então proferida a decisão de fls. 184, de que se agravou.
Por isso se entendeu – e entende, também aqui, necessariamente – que não possa dar-se então como implicitamente julgada (e, menos, transitada) a questão afinal controvertida, a que ora se reage.
O recurso interposto é, pois, tempestivo, ‘malgré tout’

Isto posto:
Retomada a questão equacionada, tudo visto, analisado e devidamente ponderado – e assente que a legislação infortunística aplicável ao caso é a constituída pela Lei 2127 e pelo seu Regulamento, o Dec. 360/71 – podemos desde já adiantar a nossa convicção de que não assiste razão à impetrante – … pese embora a douta fundamentação que enforma o seu inconformismo.
Vejamos porquê.
Relembradas as regras que devem presidir à hermenêutica jurídica (cfr. enunciado geral constante do art. 9º do Cód. Civil), da leitura e interpretação da Base XIX, n.º1, da LAT (Lei n.º 2127, de 3.8.65) retira-se a conclusão seguinte:
Para os casos, como o presente, de pensões por morte, o legislador previu soluções diferenciadas consoante o grau (de parentesco) dos familiares da vítima.
Assim – e considerando, única e especificamente, o caso de doença física ou mental – exigiu-se, além do mais, que, tratando-se do cônjuge ou dos ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis, a situação de doença de que padeçam afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho’ ou ‘os incapacite sensivelmente para o trabalho’ (cfr. alíneas a), b) e d) do n.º1 e n.º2 da norma).
No Regulamento da LAT (art. 55º/1 do Dec. n.º 360/71) precisou-se depois o que deveria entender-se por ‘sensivelmente’ para o presente efeito:
Consideram-se sensivelmente afectados na sua capacidade de trabalho, para os fins previstos na Base XIX, os familiares da vítima que sofram doença física ou mental que lhes reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 0,75’.

Não se foi todavia tão exigente, ao tempo, relativamente aos familiares contemplados na alínea c) do mesmo n.º1, os filhos da vítima (incluindo os nascituros), bastando que estejam afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho.
Temos por deliberada essa diferenciação, compreensível por óbvias e generosas razões de uma maior protecção e cuidados devidos pelo progenitor directamente aos seus filhos.
A despeito de conhecidas posições doutrinais de sentido oposto – e sem embargo de reconhecer que a NLAT representa um retrocesso, neste ponto – temos por certo que era este o alcance e abrangência da previsão da Lei 2127, como já sustentámos noutras intervenções.
(Veja-se em sentido coincidente o entendimento preconizado por Carlos Alegre, na nota ao art. 20º da NLAT, in ‘Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais’, 2ª Edição, pgs. 114-115 e comentário ao art. 147º do C.P.T. Anotado, do mesmo autor, pg. 345).
Por isso – e pela acrescida razão, (que reforça a bondade do nosso juízo), de que, 'in casu', a doença psiquiátrica de que padece o beneficiário o incapacita na sua autonomia e independência, ‘carecendo de apoio e de supervisão de terceiros’, o que influencia, consequentemente, de forma relevante, a sua capacidade de trabalho – concluímos no anunciado sentido de que bem se decidiu no despacho impugnado, que não merece censura.

Não se acolhem, por isso, as doutas asserções conclusivas, não tendo sido violadas as normas identificadas.

III –
Nos termos e com os fundamentos sucintamente expostos, delibera-se negar provimento ao agravo, confirmando a decisão impugnada.
Custas pela Recorrente.
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Coimbra,