Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3421/03.3TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
EFEITOS
CLÁUSULA PENAL
MORA
EXCESSO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 01/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 410º, Nº 1, 810º, 811º, Nº 2, E 812º, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – Não se provando que com a celebração do contrato promessa as partes agissem com o propósito de enganar terceiros, fica afastada a nulidade desse contrato, por simulação.

II - A celebração do contrato prometido não faz necessariamente caducar uma cláusula penal moratória inserta no antecedente contrato promessa de compra e venda.

III - A cláusula penal moratória não é cumulável com os juros de mora da obrigação principal.

IV – É do conhecimento oficioso a redução da cláusula penal, quando se evidencie ser manifestamente excessiva.

V – Sendo ambos os contratos - contrato promessa e o prometido contrato de cessão de quotas – de natureza comercial, o art.1691 nº1 d) do CC estabelece a presunção juris tantum do proveito comum, competindo ao cônjuge do devedor, para afastar a comunicabilidade da dívida, ilidir a presunção, ou seja, de que apesar de ter surgido no exercício do comércio não foi contraída em proveito comum do casal.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

         1.1. - Os Autores:

1º) A.... e mulher B....,

2º) C...,

3º) D.... e mulher E....,

Instauraram (3/7/2003) na Comarca de Aveiro acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus:

I... e mulher J....

Alegaram, em resumo:

Em 31 de Março de 2000, através de documento particular (fls.15 a 20 do apenso), os 1ºs e 2º Autores, na qualidade de únicos sócios e titulares do capital social da sociedade comercial por quotas denominada “F....”, prometeram ceder ao Réu marido e aos seus outros dois sócios, G.... e H...., as referidas quotas que detinham, em partes iguais no estabelecimento comercial de restauração, pelo preço global de 12.000.000$00.

Os promitentes cedentes receberam a título de sinal e princípio de pagamento o montante de 3.000.000$00, convencionando que remanescente do preço de 9.000.000$00 seria pago em nove prestações semestrais, periódicas, no montante de l.000.000$00.

Em 22 de Agosto de 2000, foi celebrada escritura pública de cessão de quotas, assinada pelos 1ºs e 2º Autores e pelo Réu marido ( fls.22 a 24 do apenso) que elaborou uma confissão de dívida ( fls.25).

Não obstante terem declarado valor inferior na escritura, a verdade é que o preço real pela cedência das mesmas quotas foi o acordado expressamente no contrato promessa de cessão de quotas no montante global de 12.000.000$00, havendo simulação relativa quanto ao preço, o que implica a nulidade parcial do negócio.

O Réu marido não pagou a totalidade do preço, conforme estipulado, e porque cederam as suas quotas a terceiros, sem que tivessem pago a dívida aos Autores, incumpriram o contrato promessa, aplicando-se a cláusula penal (cláusula XV) convencionada de 10.000.000$00.

Pediram cumulativamente:

a) O reconhecimento de que o preço acordado, querido e declarado pelas partes no contrato promessa é o preço real de cedência das quotas da sociedade comercial identificada em 1° deste articulado, no montante global de 12.000.000$00 / € 59.855, 75;

b) A declaração de nulidade parcial da escritura pública de cedência de quotas, celebrada no dia 22.08.2000, lavrada a fls. 115 a 116 do livro de notas para Escrituras Diversas número 141-F do 2° Cartório Notarial de Aveiro, cuja certidão se juntou como doc. n° 3, nos autos de providência cautelar de arresto, na parte respeitante ao preço 1.000.000$00 aí indicado, resultante da soma dos valores nominais das duas quotas cedidas, por não corresponder ao preço real acordado e querido pelas partes, devendo, para tanto, ser oficiado o 2º Cartório Notarial de Aveiro para os efeitos previstos no art. 131°, n° l d) do Código de Notariado;

c) A condenação dos RR a pagar aos AA. o montante global de 7.000.000$00/€ 34.915,85, a título de remanescente em falta do montante global do preço real acordado pelas partes;

d) Acrescido de indemnização por incumprimento faltoso clausulada em “XV” do contrato promessa de cessão de quotas, no montante de 10.000.000$00 / € 49.879,79;

e) E ainda dos juros de mora devidos à taxa legal em vigor, desde 20 de Agosto de 2002, no montante global de 382.985$00, sem prejuízo dos juros de mora vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Contestaram os Réus, defendendo-se, em síntese:
Os primeiros e segundos Autores nunca foram os verdadeiros proprietários do estabelecimento em causa na acção, mas sim o terceiro Réu, pelo que nada quiseram vender ou ceder por via do contrato promessa, o que fizeram para enganar terceiros, os credores do 3º R, sendo o contrato nulo, o que também sucedeu no contrato definitivo.
A sociedade em apreço, contrariamente ao que havia sido garantido pelos Autores, não se encontrava sem passivo, mas sim com uma situação patrimonial negativa, facto de que se apercebeu após a celebração da escritura, o que causou prejuízos aos Réus, tendo, por isso, comunicado aos Autores que iria revogar os cheques.
Sendo nulo o contrato promessa é também nula e de nenhum efeito a cláusula de indemnização ali estabelecida, sendo certo que o Réu não escreveu, nem lhe foi explicado o teor do escrito manuscrito e junto aos autos pelos autores e que a ré mulher é estranha a tais convenções.

Replicaram os Autores.

         1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença (fls. 455 a 475) que, na parcial procedência da acção, decidiu:

a) Que o preço acordado, querido e declarado pelas partes no contrato promessa a que alude o ponto 1º da factualidade, é o preço real de cedência das quotas da sociedade comercial “F....”, no montante global de 12.000.000$00 / € 59.855, 75 (doze milhões de escudos/ cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros setenta e cinco cêntimos);

b) A validade da escritura pública de cedência de quotas, celebrada no dia 22.08.2000, lavrada a fls. 115 a 116 do livro de notas para Escrituras Diversas número 141-F do 2° Cartório Notarial de Aveiro, a que alude o ponto 4º dos factos provados, passando no entanto a mesma a produzir efeitos e a valer pelo preço realmente convencionado, no montante global de 12.000.000$00 / € 59.855, 75 (doze milhões de escudos/ cinquenta e nove mil oitocentos e cinquenta e cinco euros setenta e cinco cêntimos) e não pelo preço aí indicado de 1.000.000$00 (um milhão de escudos), por não corresponder ao preço real acordado e querido pelas partes;

c) Condenar os RR I.... e mulher J.... a pagar aos AA., A...e mulher B... e C..., o montante global de 7.000.000$00/€ 34.915,85 (sete milhões de escudos/ trinta e quatro mil novecentos e quinze euros e oitenta e cinco cêntimos), a título de remanescente em falta do montante global do preço real acordado pelas partes; acrescida dos juros de mora devidos à taxa legal em vigor, desde 20 de Agosto de 2002 e até integral pagamento;

d) Condenar o Réu I... a pagar aos AA, A...e mulher B... e C..., uma indemnização por incumprimento faltoso clausulada em “XV” do contrato promessa de cessão de quotas, no montante de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) / € 49.879,79 (quarenta e nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e nove cêntimos).

1.3. - Inconformados, os Réus recorreram de Apelação ( fls. 481 a 486) com as seguintes conclusões:

[…………………………………………………………………..]

Não foram apresentadas contra-alegações.


II – FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. – O objecto do recurso

Impugnação de facto (quesitos 35º, 53º, 55º e 62º da base instrutória);

         Cláusula penal e juros de mora;

         Responsabilidade da Ré mulher.

2.2. - 1ª QUESTÃO

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2.3. – Os factos provados:

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         2.4. – 2ª QUESTÃO

No contrato promessa convencionou-se o preço de 12.000.000$00, tendo os promitentes vendedores declarado ter recebido no acto da assinatura a quantia de 3.000.000$00, sendo o remanescente de 9.000.000$00 pago em prestações semestrais, periódicas e de igual montante, tituladas por letras no valor de 1.000.000$00 cada, vencendo-se a primeira em 1 de Novembro de 2000 ( cf. cláusula III).

Convencionaram ( cláusula X) que “ No caso de os Segundos cederem a terceiros, na totalidade, as respectivas quotas que agora prometem adquirir ou trespassarem ou, por qualquer outra forma alienarem o estabelecimento comercial, obrigam-se a liquidar aos Primeiros Promitentes integralmente, o remanescente do preço em falta das quotas, no prazo de 30 dias, após a celebração da respectiva escritura”

As partes contratantes estipularam a cláusula XV, nos seguintes termos:

 “ Sem prejuízo do exarado na cláusula anterior, se qualquer dos Promitentes culposamente faltar ao agora prometido, qualquer dos Grupos de Promitentes, solidariamente, indemnizará o outro na quantia de 10.000.000$00 ( dez milhões de escudos), a título de atraso no cumprimento”.

Provou-se que em 19 de Julho de 2002, os Réus cederam as quotas a um terceiro.

A sentença recorrida, condenou o Réu marido a pagar aos 1ºs e 2ºs Autores a indemnização de € 49.879,79, pelo incumprimento faltoso clausulado em XV do contrato promessa, a título de cláusula penal moratória.

Para tanto, após qualificar esta cláusula XV como “cláusula penal moratória”, justificou a condenação, nestes termos:

 “ Voltando ao caso dos autos e factualidade provada, haverá a referir a tal propósito que por escritura pública outorgada no dia 00 de .... de 2002, no segundo Cartório Notarial de Aveiro, L.... e os Réus I.... e mulher J...., cederam a M.... e mulher N.... as quotas que detinham na dita sociedade «F.....» (cfr. facto 10º). Ora, não obstante ter cedido as quotas que detinha na referida sociedade a um terceiro, o réu marido não cumpriu com aquilo que se havia obrigado perante os autores, nos termos da cláusula “X” do contrato-promessa celebrado, o qual se encontrava nessa parte em vigor, nos termos acordados entre as partes. E não cumpriu porque não liquidou aos promitentes vendedores (ou antes, aos cedentes) no prazo de 30 dias após a celebração de tal escritura a totalidade do valor em débito relativamente ao contrato de cessão com eles celebrado (conforme resulta de tudo o que ficou exposto). Do que fica dito, se conclui, que não tendo o réu marido cumprido com a obrigação a que se vinculara, quanto ao prazo de pagamento, deverá indemnizar os primeiros e segundos AA com o valor fixado na cláusula penal moratória validamente acordada entre as partes contratantes, no montante de 10.000.000$00”.

Os apelantes objectam dizendo que celebrado o contrato definitivo não se mantém o convencionado no contrato promessa e que os 1ºs e 2ºs Autores não sofreram qualquer prejuízo ( cf. conclusões 3ª e 4ª).

O contrato promessa tem por objecto uma obrigação de contratar, ou seja, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido ( contrato de compra e venda ), reconduzindo-se a uma obrigação de prestação de facto positivo. Por força do princípio da equiparação ( art.410 nº1 do CC ), ao contrato promessa são aplicáveis as normas relativas ao contrato prometido, com excepção das relativas à forma e as que, por razão de ser, não se devam considerar extensíveis.

Resulta do contrato ( cláusula VIII) que os promitentes cessionários entraram logo na posse, uso e fruição do estabelecimento comercial, e passaram a exercer a gerência, tratando-se, portanto, não de um contrato promessa puro, mas antes de um contrato promessa com antecipação de efeitos do contrato prometido (cf. ANA PRATA, O Contrato Promessa, pág.161 e segs. ).

A realização do contrato prometido não conduz necessariamente à extinção do contrato promessa que o precedeu, tanto assim que na cláusula III estipularam o pagamento do remanescente do preço ( 9.000.000$00) em prestações, diferidas no tempo, sendo que a primeira tinha vencimento em 1 de Novembro de 2000, para além da outorga da escritura pública ( 22 de Agosto de 2000), o pagamento no prazo de trinta dias, após a celebração da escritura ( nas condições previstas na cláusula X) e convencionaram uma cláusula penal ( XV) para o atraso no cumprimento.

Neste contexto, não se tratando de um contrato promessa puro e uma vez que os efeitos destas cláusulas perduraram para além da celebração do contrato prometido, já se vê não caducarem com a escritura pública respectiva, subsistindo a sua validade, vinculando as partes ( cf., por ex, HENRIQUE MESQUITA, RLJ ano 133, pág.379 e segs., Ac STJ de 3/5/2007 ( proc. nº 07B1165 ), de 5/6/2007 (proc. nº 07A1364), Ac RP de 10/3/2009 ( proc. nº 7523/07), disponíveis em www dgsi.pt).

A segunda objecção dos apelantes prende-se com a ausência de prejuízo económico para os Autores, quanto à falta do pagamento do preço, visto que não houve para eles qualquer transferência patrimonial e que tem subjacente o problema da simulação do negócio da cessão de quotas entre os 3ºs Autores e os 1ºs e 2º Autores.

Como é sabido, a simulação traduz-se numa divergência intencional entre a vontade real e a declaração, ou seja, entre o “querido” e o “declarado”, postulando três requisitos, positivados no art.240 nº1 do CC: (1º) A divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, (2º) o acordo simulatório entre declarante e declaratário e (3º) o intuito de enganar terceiros.

Comprovou-se que os 3ºs Autores, fundadores da sociedade “ F...», transmitiram as suas quotas ao 1º e 2º Autores, cujo registo de aquisição é de 9 de Outubro de 1996, sem que por isso tivessem recebido qualquer preço. A 3ª Autora E... ficou nomeada gerente e passou a gerir e explorar em exclusivo proveito do seu casal essa sociedade e os 1º e 2º Autores nunca retiraram qualquer proveito nem efectuaram qualquer investimento.

Esta factualidade é insuficiente para caracterizar a simulação absoluta, desde logo pela ausência da prova do intuito de enganar terceiros ( cf. resposta negativa ao quesito 34º), cujo ónus da prova competia aos Réus/apelantes.

Por isso, não sendo o negócio nulo, não há que indagar do negócio que eventualmente se pretendeu realizar sob a forma da aparência da escritura pública ( cf., por ex., Ac do STJ de 8/10/2009, www dgsi.pt) e muito menos da afectação do vício nos negócios a jusante.

De igual forma, também não se provou ( cf. resposta negativa aos quesitos 44º e 45º) que com a celebração do contrato promessa agissem as partes com o propósito de enganar terceiros, o que afasta a nulidade do mesmo, por simulação.
A cláusula estipulada pelas partes ( cláusula XV) assume a natureza de cláusula penal moratória, como de resto resulta do próprio texto e foi justificado na sentença, aplicando-se o regime estatuído no art.810 do CC.
Reconduzindo-se a uma forma de liquidação prévia do dano pela mora no pagamento, significa que o devedor não fica obrigado ao ressarcimento do dano que efectivamente cause ao credor pelo não cumprimento pontual, mas ao pagamento do dano fixado antecipada e negocialmente através da pena convencional, sempre que não tenha sido acordada a ressarcibilidade do dano excedente ( art.811 nº2 do CC ). Ou seja, haja ou não dano, aplica-se a cláusula penal, visto que a ausência de prejuízo efectivo não é impeditiva da mesma.
Nesta medida, a lei não permite cumular a cláusula penal e a indemnização, segundo as regras gerais, precisamente porque aquela é a indemnização à forfait fixada preventivamente, embora seja legítimo o cúmulo com o cumprimento da obrigação principal ou com outros danos não cobertos por ela (cf., por ex., VAZ SERRA, Pena Convencional, BMJ 67, pág.185 e segs., PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal, pág.433, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária, pág.260).
Por consequência, destinando-se a cláusula a fixar a indemnização pela mora da obrigação principal, segundo o “critério da identidade de interesses”, não pode cumular-se com os juros de mora, o que implica a revogação da sentença na parte em que condenou os Réus no pagamento dos juros de mora.

Os apelantes invocaram nas alegações ( ponto 12) que a “cláusula penal é notoriamente excessiva “( art.812 nº1 do CC), mas sem que houvessem tomado posição na contestação e muito menos requereram a redução do montante estipulado.

Coloca-se a questão de saber se a excessiva onerosidade é ou não do conhecimento oficioso ( arts.660 nº2 e 713 nº2 do CPC), face ao disposto no art.812 do CC, ao prever que a possibilidade de intervenção moderadora do tribunal ( “ a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal …”) e sobre a qual existem duas orientações doutrinárias:

Uma ( maioritária), no sentido de que não é do conhecimento oficioso do tribunal, sendo necessária a formulação de um pedido por via da acção ou reconvenção ( cf., por ex., P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol.II, pág.60, PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, pág.737, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.275; Ac RC de 2/1/1988, C.J. ano XIII, tomo V, pág.62, Ac RP de 4/4/1991, C.J. ano XVI, tomo II, pág.256). Admite-se que o pedido possa ser implícito, bastando, nomeadamente, a impugnação do montante estipulado ( cf., por ex., Ac do STJ de 14/2/75, BMJ 244, pág.261, de 17/4/08, www dgsi.pt);

Outra, sustentado a redução oficiosa ( cf., por ex., VAZ SERRA, RLJ ano 96, pág.328, ano 102, pág.231, NUNO OLIVEIRA, Cláusulas Acessórias ao Contrato, 2ª ed., pág.122 e segs., ANA PRATA, Cláusulas de Exclusão e Limitação, pág.642 e segs.).

Deve aceitar-se a tese do conhecimento oficioso, além do mais, pelo argumento do abuso de direito, amplamente explicitado por NUNO OLIVEIRA, pois “se o juiz deve conhecer oficiosamente o abuso (individual) do direito de exigir “benefícios excessivos ou injustificados” ou o cumprimento de obrigações de forma que “afecta gravemente os princípios da boa fé”, deverá conhecer oficiosamente o abuso (individual) do direito de exigir uma pena desproporcionada ou excessiva – manifestamente desproporcionada ou excessiva (…) e, por isso, a conexão sistemática entre os arts.282º, 437º e 812º há-de considerar-se como um argumento favorável à admissibilidade da redução oficiosa da pena convencional expressa” ( loc. cit., pág.162).

No mesmo sentido, o Ac do STJ de 9/10/2003 (proc. nº03B2503), em www dgsi.pt, na medida em que “pode representar grave distorção do sistema reconhecer-se que é oficioso o conhecimento do abuso de direito, nos termos gerais do art.334, e afastado quando se trate de uma manifestação específica contemplada no art.812 do Código Civil”.

Vejamos se há fundamento para a redução, ou seja, se a cláusula se apresenta como “manifestamente excessiva”.

Para tanto apelam-se a diversos tópicos como à natureza e condições de formação do contrato, à situação económica das partes, ao prejuízo previsível no momento da celebração do contrato e ao prejuízo efectivamente sofrido pelo credor, às causas explicativas do não cumprimento do contrato, o que implica uma “apreciação global de todo o circunstancialismo objectivo e subjectivo do caso concreto, nomeadamente o comportamento das partes, a sua boa ou má fé “ CALVÃO DA SILVA, loc.cit., pág.274 e 275).

Pois bem, quanto a nós há uma manifesta desproporção. Desde logo, o montante da cláusula penal moratória está muito próximo do valor do preço real (12.000.000$00), sendo superior ao remanescente do preço ( 9.000.000$00).

Depois, o facto de parte desta importância já haver sido paga, exactamente 2.000.000$00, o que sempre implicaria uma redução proporcional, realçando-se ainda as circunstâncias concretas do negócio e os interesses dos intervenientes.

Assim, em juízo de equidade reduz-se o valor da cláusula penal para quantia de € 25.000,00.

2.5. - 3ª QUESTÃO

A sentença condenou a Ré mulher no pagamento da quantia de € 34.915,85, acrescida de juros de mora, cuja responsabilização assentou no disposto no art.1691 a), c) e d) do CC, argumentando que “ se extrai da factualidade provada, ( veja-se o teor do ponto 7º, 10º,19º) que a Ré mulher interveio na negociação do contrato de cessão de quotas da sociedade comercial em apreço, que o R., seu marido, adquiriu aos AA e posterior cedência das quotas a um terceiro, intervindo quanto a este, na respectiva escritura de cessão e no recebimento do respectivo preço, factos dos quais se extrai quer o seu consentimento quer o proveito comum do casal”.

Para os apelantes não está provado o consentimento, nem o proveito comum, logo não se lhe comunica a dívida.

Pese embora não se encontre junta certidão do assento de casamento, a verdade é que não está posto em causa o casamento entre os Réus, resultando ser de comunhão de adquiridos o regime de bens.

No contrato promessa e na cessão de quotas de sociedade comercial apenas interveio o Réu marido, como promitente cessionário e cessionário, respectivamente, e ambos os contratos têm natureza comercial. Com efeito, a cessão de quotas insere-se nos contratos de compra e venda, sendo objectivamente comercial ( arts.463 nº1 Código Comercial).

São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime da separação de bens ( art.1691 nº1 alínea d) do CC).

Com a alteração dada pelo DL 496/77 de 25/11, a lei estabelece agora uma presunção legal de proveito comum ( presunção ilidível) em favor do credor e como tal não tem de fazer a prova .

Provando-se que o cônjuge comerciante assumiu a obrigação no exercício do comércio, ou presumindo-se ( art.15 C.Comercial), terá o cônjuge do devedor, para afastar a comunicabilidade da dívida, de demonstrar que esta, embora comercial, não derivou do exercício do comércio do devedor, ilidindo a presunção do art.15 C.Comercial, ou que apesar de ter surgido no exercício do comércio não foi contraída em proveito comum do casal ( cf. CRISTINA DIAS, Do Regime da Responsabilidade por Dívidas dos Cônjuges, pág.433 e 434).

Sendo assim, competia aos Réus o ónus de alegar e provar a inexistência de proveito comum, o que não fizeram.


III - DECISÃO

Pelo exposto, decidem:


1)

         Julgar parcialmente procedente a apelação e:

1.1) Revogar a sentença, na parte em que condenou os Réus nos juros de mora sobre o capital de € 34.915,85 absolvendo-os do respectivo pedido de juros;

1.2) Revogar a sentença na parte em que fixou o montante da cláusula penal em € 49.879,79;

1.3) Reduzir o valor da cláusula penal moratória, fixando-se no montante de € 25.000,00 ( vinte e cinco mil euros);

1.4) Confirmar o demais decidido.


2)

         Condenar Autores e Réus nas custas em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos Réus.

3)

         Remunerar o Ex.mo advogado, patrono oficioso dos Réus, com 9 UR ( tabela anexa à Portaria nº 1386/2004 de 10/11).