Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51796/18.1YIPRT-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 01/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.729 H) CPC, 847, 848 CC
Sumário: 1. Face à previsão da alínea h) art.º 729º do CPC de 2013, ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa ´executar´ aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.

2. O crédito é exigível judicialmente quando o declarante da compensação se arroga titular de um direito de crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento.

3. A compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respectivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente, mas só operará se ambos os créditos vierem a ser reconhecidos.

Decisão Texto Integral:






            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

I. Em 21.02.2019, por apenso à execução para pagamento de quantia certa[1] que lhe é movida por H (…) e H (…) (tendo por base um título executivo compósito - a sentença dos autos principais[2] conjugada com a respectiva nota discriminativa e justificativa das custas de parte), veio a executada F (…) opor-se à execução por embargos, alegando a excepção da compensação de crédito por si detido sobre os exequentes.[3]

Por decisão de 08.4.2019, os embargos foram liminarmente indeferidos por “manifesta improcedência do pedido” (art.º 732º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil/CPC).

Inconformada, a executada/embargante interpôs a presente apelação[4], formulando as seguintes conclusões:

1ª - A presente execução tem por base a sentença de custas de parte proferida no processo 51796/18.1YIPRT em que - por lapso reconhecido, pela então autora e aqui apelante, ao desistir do pedido - a (agora) apelante foi condenada.

2ª - Apenas com a notificação das custas de parte é que surgiu na esfera da outra parte um crédito passível de ser compensado. Antes, do lado dos embargados, não existia qualquer crédito e por natureza não poderia haver lugar à compensação.

3ª - As custas de parte foram notificadas em 06.8.2018, a sentença no processo em causa transitou em 29.10.2018, data em que a (aqui) apelante comunicou a compensação à contraparte nos termos dos art.ºs 847º e ss. do Código Civil (CC) (conforme documentos 20 e 21 juntos com a petição de embargos), em momento anterior à presente execução, notificada à executada em 01.02.2019.

4ª - A decisão do tribunal a quo assenta na convicção de que «na medida em que a Embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido por força executiva, não constitui fundamento válido a atender em sede de Embargos de Executado» seguindo, no essencial, a posição do Acórdão do STJ de 28.6.2007.

5ª - Essa fundamentação e esse acórdão não podem ser invocados nesta sede por dizerem respeito ao entendimento dominante e vigente, apesar de ainda assim controvertido, antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6, que a este propósito parece impor posição diferente.

6ª - Efetivamente, para que um crédito seja judicialmente exigível, seja em sede declarativa seja em sede executiva, basta que esteja vencido não se encontrando qualquer justificação legal que sustente a exigência de decisão judicial para invocar a compensação nas ações executivas e a dispense nas ações declarativas.

7ª - Acresce que nos termos do Código Civil a compensação torna-se efetiva, nos termos do seu art.º 848º, n.º 1, mediante a declaração feita por uma parte à outra, extinguindo-se os respetivos créditos dentro da medida do crédito compensável.

8ª - O contracrédito só surgiu, nesta sede, com a sentença que serve de título executivo, sendo por natureza impossível tê-lo discutido antes, na ação declarativa, essencialmente porque nessa altura ele não existia. A aí autora e aqui apelante desistiu do pedido porque pediu erradamente o pagamento de uma fatura, diferente da que efetivamente se encontra em dívida, e foi essa extinção da ação que determinou o crédito dos exequentes que a apelante pretende ver compensado.

9ª - Impedir-se o executado/credor de discutir em sede de embargos o seu crédito contraria os princípios da celeridade e da proibição da prática de atos inúteis e colide com o ónus da concentração processual.

10ª - O executado/credor ficaria assim obrigado a pagar um montante que em abstrato podia e devia ser compensado (porque a compensação já foi exercida nos termos da lei civil substantiva) e posteriormente intentar ação para ver declarado o seu direito e nova ação executiva no caso de não cumprimento voluntário retirando pleno efeito útil ao art.º 732º, n.º 5 do CPC.

11ª - Atendendo à discordante análise feita pelo tribunal a quo relativa à admissibilidade da compensação no âmbito dos embargos de executado, deve a decisão de indeferimento liminar da decisão de embargos ser revogada e admitida a petição apresentada, devendo igualmente ser revogadas as decisões proferidas, em cascata, decorrentes dessa decisão, nos apensos A e C deste processo.

Cumprido o disposto no art.º 641º, n.º 7 do CPC, ex vi dos art.ºs 852º e 853º, n.º 1 do mesmo Código[5], os exequentes/embargados contestaram concluindo pela improcedência dos embargos.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir se se verifica o fundamento da oposição à execução previsto na alínea h) do art.º 729º do CPC (contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos)/admissibilidade da excepção de compensação.


 *

            II. 1. Para decidir o recurso releva o alegado na petição de embargos, assim sintetizado na 1ª instância:

a) A executada é uma instituição particular de solidariedade social e utilidade pública, proprietária do Colégio (…), estabelecimento de ensino particular do 1º ao 3º ciclos do ensino básico.

b) No âmbito dessa atividade, a pedido dos embargados, em 15.3.2014, o referido Colégio admitiu a menor B (…)

c) As partes estipularam que, pelos serviços acordados, seria devida uma prestação que se venceria mensalmente.

d) Encontra-se por pagar o montante de € 264,34 relativo aos serviços prestados no mês de abril de 2016.[6]

e) Em 06.8.2018, a embargante foi notificada da nota de custas de parte no valor de € 153.

f) Esse crédito dos embargados foi extinto por compensação, com os fundamentos supra expostos (a existência de crédito da embargante sobre os embargados).

g) A embargante enviou as comunicações juntas como documentos 20 e 21[7], nas quais efetivou a referida causa extintiva da obrigação e que não foi objeto de contestação.

h) Permanecendo em dívida o valor de € 111,34 acrescido dos respetivos juros legais que se contabilizam (“na presente data”) em € 27,72.

i) O contracrédito sobre os exequentes, com vista a obter a compensação de créditos, é fundamento de oposição à execução nos termos do art.º 729º, alínea h).

2. Reproduzidas as normas adjectivas e substantivas aplicáveis (nomeadamente, os art.º 732º, n.º 1 do CPC e 847º, n.ºs 1 e 2 e 848º, n.º 1 do CC), o determinado indeferimento baseou-se no seguinte:

«(…) [A compensação] constitui, pois, uma causa de extinção da obrigação, efetivada mediante um negócio jurídico unilateral, a declaração, que reveste a natureza de um direito potestativo extintivo - Cf. Ac. STJ de 14/03/2013 (Granja da Fonseca)[8].

No âmbito do processo executivo, a compensação pode atuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art.º 729º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou já a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de exceção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h).

Ora, segundo jurisprudência dominante, «para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente e, na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva» - Neste sentido, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, 2014, p. 248.

A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, explanada, designadamente, no Acórdão supra citado que aqui seguiremos de perto, dá conta que «para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente. Este reconhecimento pode ocorrer em simultâneo na fase declarativa do litígio, contrapondo o réu o seu crédito, como forma de operar a compensação. Na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva.» Donde, «a compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contracrédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível». «Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação», pelo que se o «crédito não é exigível judicialmente, não pode ser apresentado a compensação

Em suma, é indispensável que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito ou do contracrédito - Ac. do STJ de 28/06/2007 (Pires da Rosa).

Termos em que cabe concluir que a compensação operada em sede de execução de sentença apoia-se necessariamente num documento com força executiva - Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Ob. cit., p. 250.

No caso em apreço, na medida em que a Embargante não apresenta contracrédito titulado por documento revestido de força executiva, não constitui fundamento válido a atender em sede de Embargos de Executado. (…)»

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão, começando por indicar os preceitos relevantes para o enquadramento da situação em análise.

Reza a lei adjectiva:

Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter, entre outros, os seguintes fundamentos: Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (art.º 729º, alínea g), 1ª parte, do CPC); Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos (alínea h)).

Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração (art.º 731º).)

 Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729º a 731º; c) Forem manifestamente improcedentes (art.º 732º, n.º 1). Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo (n.º 2). A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte (n.º 4).

E, nos termos da lei substantiva:

Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (art.º 847º do CC). Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente (n.º 2).

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra (art.º 848º, n.º 1 do CC)

4. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que a posição defendida na decisão recorrida, e com o apoio doutrinal nela citado, não dará a devida relevância ao (novo) fundamento de oposição à execução previsto na alínea h) do art.º 729º do CPC, introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 41/2013, de 26.6 (que aprovou o Código de Processo Civil vigente); a jurisprudência do STJ aí invocada - independentemente da bondade da demais argumentação - não podia debruçar-se sobre um fundamento que carecia, pelo menos, da autonomia que agora lhe é conferida ou se evidencia… (CPC de 2013).

5. Na verdade, a nova norma tem a utilidade de deixar claro que a compensação (até ao montante da obrigação exequenda) pode constituir fundamento de embargos de executado. Fora de questão está, agora como dantes, que o executado cujo contracrédito seja superior ao do exequente possa invocar a sentença que a seu favor venha a ser proferida como condenação do exequente no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo a que se opôs.

E se, principalmente, no passado, se defendia que a compensação só podia ser alegada se a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação se provassem por documento com força executiva, posição também assumida pela jurisprudência[9], hoje, face à previsão da alínea h) art.º 729º do CPC de 2013, nada autoriza esta restrição: ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa ´executar´ aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.

Assim, quer o invocado crédito do executado seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição).[10]

6. Este, cremos, o enquadramento da situação dos autos no contexto dos normativos da lei processual civil hoje aplicável, não se suscitando outras questões adjectivas, nomeadamente, as relativas à conjugação das alíneas g) e h) do art.º 729º do CPC e/ou sobre a adequada, necessária ou relevante ligação entre as acções declarativas e as subsequentes acções executivas quando se invoque a compensação de créditos.[11]

7. A compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor - é a extinção de dois créditos contrapostos, mediante uma declaração de vontade, unilateral e receptícia.

A compensação (legal) depende da declaração de um dos devedores à contraparte - torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra (art.º 848º, n.º 1 do CC) - e da verificação dos demais requisitos previstos nos art.ºs 847º e seguintes do CC; o crédito com o qual o declarante extingue a sua dívida é o chamado crédito activo, e designa-se crédito passivo àquele contra o qual a compensação opera.

O crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material (art.º 847º, n.º 1, alínea a) do CC) - a compensação é um acto por meio do qual se pode impor um crédito contra a vontade da parte contrária -, sendo judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor (art.º 817º do CC).[12]

A compensação é, sob o ponto de vista processual, um instituto sui generis, equiparável à reconvenção em certo aspecto (cf. o art.º 266º do CPC) e identificável com a excepção num outro; trata-se de uma figura processual híbrida, como uma espécie de tertitum genus, ao lado das excepções peremptórias e da reconvenção.[13]

8. Ainda sobre os aspectos adjectivos e substantivos ligados à situação dos autos, principalmente, no âmbito da acção executiva (a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente), vemos expendido na doutrina e na jurisprudência mais recente, designadamente:

a) O art.º 729º, alínea h) do CPC permite que, numa execução baseada numa sentença, o executado deduza oposição à execução com fundamento num contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; não tem sentido admitir a tramitação de uma complexa e custosa acção executiva quando o crédito exequendo pode afinal ser extinto através do reconhecimento de um contracrédito do executado; não é aceitável submeter o devedor a um processo executivo quando possui um contracrédito sobre o exequente que é susceptível de extinguir, no todo ou em parte, o crédito exequendo.

Por razões históricas (fundamentalmente ligadas à rejeição da compensação ´ipso iure`), a compensação, no direito alemão, opera ´ope exceptionis`; apesar disso, a doutrina alemã maioritária, procurando obviar aos inconvenientes da preclusão da invocação da compensação no processo executivo, tem defendido a não aplicação da regra de preclusão que consta do § 767 (2) ZPO (regra que é semelhante à que se encontra no art.º 729º, al. g), CPC) a essa compensação (cf. Rosenberg/Gaul/Schilken/Becker-Eberhard, Zwangsvollstreckungsrecht, 12ª ed. (2010), 774 ss.; para um panorama geral do problema, cf. MünchKommZPO/Schmidt/Brinkmann (2012), § 767 80 ss.). Seria muito surpreendente que, enquanto a doutrina alemã maioritária procura não aplicar à compensação uma regra legal que literalmente a abrange (o § 767 (2) ZPO), a doutrina portuguesa percorresse precisamente o caminho inverso e, a partir de uma base legal que não impõe nenhuma preclusão quanto à invocação da compensação na acção executiva, acabasse afinal por vir a defender essa mesma preclusão.

Não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.

A exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art.º 729º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo. Acresce que, se assim se entendesse, ter-se-ia que concluir que o legislador do Novo CPC teria restringido a possibilidade da invocação da compensação na oposição à execução, dado que essa possibilidade já existia em função do disposto no art.º 814º, alínea g), do CPC de 1961 (na redacção do DL n.º 226/2008, de 20.11) e este preceito só exigia que o contracrédito constasse de documento (e não de documento com valor de título executivo).

De resto, o disposto no art.º 732º, n.º 5, CPC permite concluir que, se o executado não alegar o contracrédito através dos embargos de executado, nunca mais o pode alegar para provocar a extinção do crédito exequendo (ou uma outra parcela do mesmo crédito que seja alegada numa execução posterior); portanto, onde realmente o direito positivo consagra um ónus de invocar o contracrédito é na acção executiva. Assim, onde realmente há um ónus de concentração da defesa e um ónus de alegação do contracrédito, não é na acção declarativa, mas na acção executiva.[14]

            b) A exigibilidade do crédito para efeito de compensação (art.º 847º, n.º 1, alínea a) do CC) não significa que o crédito activo do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais - “não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”; o crédito é exigível judicialmente quando o declarante da compensação se arroga titular de um direito de crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento.

Realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem.[15]

O referido entendimento vale, no presente, sem qualquer especificidade, no âmbito das acções executivas, pois que não existe qualquer norma processual a exigir qualquer requisito adicional para o exercício da compensação.

Com efeito, quanto às execuções baseadas em sentença, o art.º 729º, alínea h) do CPC limita-se a dizer que a oposição pode ter por fundamento um contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos e, quanto às execuções fundadas noutros títulos, o art.º 731 do CPC diz que podem ser alegados quaisquer fundamentos de oposição que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.[16]

9. A lei não exige que o contracrédito do executado tem de estar judicialmente reconhecido ou ser objecto de título executivo e é unânime a jurisprudência e a doutrina no sentido de que a reconvenção não é admissível na oposição à execução.[17]

      Daí que se conclua que não havia qualquer obstáculo adjectivo à dedução da compensação pela executada e, por isso, os embargos não podiam ser liminarmente indeferidos quanto a este fundamento.

Devem, pois, prosseguir quanto à matéria do contracrédito para efeitos da excepção da compensação, se não houver outras razões para os indeferir (também quanto a esta matéria), já que este tribunal de recurso só reapreciou a questão da inadmissibilidade abstracta de oposição com fundamento no contracrédito não estar reconhecido judicialmente e não constar de título executivo.[18]

10. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida e determina-se o prosseguimento dos autos, conforme se indica em II. 9., supra.

Custas segundo o decaimento a final.


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28.01.2020

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral



[1] Instaurada a 19.11.2018 e a que respeita o requerimento executivo e demais documentos reproduzidos a fls. 53 e seguintes.
[2] Reproduzida a fls. 61 verso, de 19.9.2018.

[3] Pediu “[o reconhecimento do] contracrédito da embargante, a compensação operada bem como o valor ainda em dívida, condenando-se os embargados nesse montante e extinguindo-se a execução”.

[4] Admitida com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, porquanto a embargante/executada prestou caução para obstar ao prosseguimento da execução (“apenso C”).
[5] Na sequência do despacho do relator de 17.9.2019.
[6] Atento o alegado - mencionados na factura FA162/458, de 29.4.2016, reproduzida a fls. 20 verso.
[7] As correspondentes missivas, datadas de 29.10.2018, foram recebidas pelos exequentes no dia seguinte (cf. documentos de fls. 23 verso a 26 do apenso B); alegou ainda a embargante que a sentença no processo em causa transitara então em julgado.
[8] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[9] De entre vários, cf. o acórdão do STJ de 14.3.2013-proc. 4867/08.6TBOER-A.L1.S1 [assim sumariado: «I - A oposição à execução - nos termos do art.ºs 714º, n.º 1, al. g) e 816º do CPC, na redacção anterior ao DL 226/2008, de 20.11 - baseada em título extrajudicial, pode ser fundada em facto extintivo da obrigação, como o seja a compensação. (…) III - No âmbito da oposição à execução (i) só pode ser invocada a título de excepção peremptória - e não de reconvenção, por esta ser inadmissível em processo executivo - e (ii) só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, ou seja, que se         a judicialmente exigível, pois o processo executivo não comporta a definição do contracrédito. IV - A exigibilidade de um crédito só ocorre quando ele é reconhecido judicialmente, o que não sucede quando, sendo invocado em oposição à execução intentada em tribunal português, o mesmo se encontra a ser discutido no Tribunal de Comércio de Paris, a coberto de pacto privativo de jurisdição firmado pelas partes (…).»] - citado e acolhido na decisão recorrida -, publicado no “site” da dgsi.
[10] Neste sentido, vide J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 201 e seguinte e nota (22); Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª edição, Almedina, 2017, pág. 203, nota 459 e Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 390 e seguinte.

   Com posição diversa, vide Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, 2014, pág. 250, considerando, designadamente, que o crédito objecto de compensação conste não só de documento, mas também que este constitua título executivo.

[11] Sobre tal problemática, vide J. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 203 e, entre outros, os acórdãos da RC de 21.4.2015-processo 556/08.0TBPMS-A.C1 [tendo-se concluído: «1 - O art.º 729º/h do NCPC admite expressamente a compensação como fundamento de oposição à execução. 2 - Mas, baseando-se a execução em sentença, só é invocável a compensação superveniente (em relação ao encerramento da discussão no processo de declaração), aferida pela data da “situação de compensação” (e não pela data da “declaração de compensação”); mais, tem a compensação (o seu facto constitutivo, os respectivos pressupostos) que ser/estar provada por documento (embora não com força executiva). 3 - Efectivamente, com a alínea h) do art.º 729º do NCPC pretendeu apenas afastar-se o ressurgimento de “velhas” dúvidas (sobre a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução), na medida em que, estabelecendo o art.º 266º/2/c) do NCPC que a compensação passa a ser sempre deduzida por reconvenção, poder-se-ia ser tentado a entender, em face da inadmissibilidade da dedução de reconvenção em oposição à execução, que a compensação deixava de poder aqui ser invocada; não querendo/pretendendo dizer que, caso a execução seja baseada em sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os mesmos podem ser provados por qualquer meio.»] e 15.11.2016-processo 1751/13.5TBACB-A.C1 [constando do sumario: «II - A compensação é fundamento de oposição à execução, mas sendo esta baseada em sentença só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento (art.º 729º, als. g) e h) do CPC). III - Quando a execução é baseada noutro título não subsiste a limitação imposta pelo art.º 729º, al. g) do CPC.»], publicados no “site” da dgsi.

   Diga-se que aquele entendimento quanto à exigência de prova documental em sede executiva mereceu idêntica posição de Rui Pinto, ob. cit., pág. 391 e posição crítica, e contrária, por exemplo, num “post” de 28.02.2017, de Miguel Teixeira de Sousa, quando refere: «O mesmo art.º 729/-h) do CPC não exige (…) que o contracrédito seja provado através de documento (…) Esta solução legal - cuja correcção se presume (cf. art.º 9/3 do CC) - é perfeitamente justificável. A não exigência da prova documental destina-se a facilitar a obtenção da compensação no processo executivo
[12] Já o Código Civil de Seabra (1867), no seu art.º 765º, § 2º, rezava o seguinte: “Diz-se dívida exigível aquela cujo pagamento pode ser pedido em juízo.”
[13] Sobre todo este ponto, vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª edição, Almedina, 2004, págs. 197 e (nota 5), 200, 204 e (nota 1) e 218 e seguintes e M. J. de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12º edição (4ª reimpressão), Almedina, 2016, págs. 1099 e seguintes.
[14] Vide Miguel Teixeira de Sousa, designadamente, nas suas publicações no blogue do IPPC de Junho/2015 e Março/2016.

[15] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 14.02.2008-processo 07B4401 e 02.7.2015-processo 91832/12.3YIPRT-A.C1.S1, da RP de 09.5.2007-processo 0721357 e 12.11.2013-processo 874/13.5YYPRT-B.P1 [concluindo-se: «Para efeitos de compensação, a exigibilidade judicial do crédito activo é requisito da declaração de compensação sendo que o reconhecimento judicial do mesmo é condição da sua eficácia.»], da RC de 03.12.2009-processo 436/07.6TBTMR.C1 e 24.02.2015-processo 91832/12.3YIPRT-A.C1 (subscrito, como 2º adjunto, pelo ora relator) e da RL de 19.5.2011-processo 268/04.3TCSNT.L1-2, publicados no “site” da dgsi.

[16] Neste sentido, cf., nomeadamente, os acórdãos da RL de 10.5.2018-processo 20814/11.5YYLSB-A.L1-2 [tendo-se sumariado: «II. A excepção da compensação na oposição à execução não tem de dizer respeito a contracrédito reconhecido judicialmente, nem este tem de constar de documento ou ser não controvertido ou aceite pelo exequente. III. O contracrédito compensável pode derivar de responsabilidade civil, contratual ou não. (…) V. Não é possível reconvencionar na oposição à execução.»] e 07.02.2019-processo 21843/15.5T8SNT-A.L1-2 [constando do sumário: «A compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respectivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente, sendo errado o entendimento contrário, o qual pode prejudicar, a vários títulos, o executado que pretende ver reconhecida a compensação (no caso, alegadamente operada antes de ter sido requerida a execução).»], publicados no “site” da dgsi.
    Em sentido contrário, ver, entre outros, os acórdãos da RP de 16.5.2016-processo 10977/10.2TBVNG-B.P1 [constando do sumário: «III - Para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente; na fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva, donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa.»] e da RL de 22.02.2018-pocesso 30464/15.1T8LSB-A.L1-6, publicados n o “site” da dgsi.

[17] Cf., nomeadamente, J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, cit., págs. 201 e seguinte e, ainda, de entre vários, os acórdãos da RG de 09.7.2015-processo 335/11.7TBVNC-C.G1 [no qual se refere: «(…) da conjugação da alínea g) do apontado art.º 729 com a previsão normativa ora introduzida pela alínea h) do mesmo preceito, não será obstáculo à compensação o facto de o contracrédito que o embargante invoque não se encontrar ainda reconhecido judicialmente.»], da RE de 20.10.2016-processo 119/14.0TBABT-A.E1, publicados no “site” da dgsi, bem como os citados arestos da RL de 10.5.2018-processo 20814/11.5YYLSB-A.L1-2 e 07.02.2019-processo 21843/15.5T8SNT-A.L1-2.

[18] Situação idêntica à do cit. acórdão da RL de 10.5.2018-processo 20814/11.5YYLSB-A.L1-2.

   Dir-se-á, ainda, que não constam dos autos os elementos ou vemos reunidos os requisitos (processuais) para revogar “as decisões proferidas, em cascata, (…) nos apensos A e C deste processo” (sic) - caberá à 1ª instância pronunciar-se oportunamente (cf., v. g., o art.º 733º do CPC).