Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: FLAGRANTE DELITO
AUTO DE NOTÍCIA
DETENÇÃO
DETENÇÃO SOLICITADA
PROCESSO SUMÁRIO
PROCESSO ESPECIAL
Data do Acordão: 03/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 255º, Nº. 1, E 381º, Nº. 1, DO C. P. PENAL
Sumário:
1. Só pode haver lugar a julgamento em processo sumário quando a detenção tiver sido efectuada por qualquer autoridade judicial ou entidade policial, não sendo aplicável aquela forma de processo quando o arguido é detido por particular, mesmo em flagrante delito.

2. O uso do processo sumário em caso de detenção efectuada por um particular constitui nulidade insanável cominada no art.º 119, al. f), do C. P. Penal

Decisão Texto Integral: Acordam , em conferência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Nos presentes autos de processo sumário , que correm os seus termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria contra o arguido A... , o Ex.mo Juiz , por despacho de 8 de Março de 2005 , declarou a nulidade prevista no artigo 119, alínea f), do CPP, pelo emprego da forma de processo sumário fora dos casos legalmente previstos , determinando a nulidade do despacho de fls. 10, bem como de todos os termos subsequentes do processo, porque dele dependentes (artigo 122.º , n.º 1, do CPP) e ordenou a remessa dos autos ao Ministério Público para realização de inquérito.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo na sua motivação:
1 - Não é verdade que à detenção não tenha procedido uma autoridade policial mas sim um particular.
2 - O que ocorreu foi que o particular - tendo encontrado o agente de um crime a praticar este - auxiliou a vítima, perseguiu o arguido, conseguiu alcançá-lo, chamou a GNR competente a qual logo após - mal chegou - procedeu à detenção do arguido, tendo - depois de cumpridas as demais formalidades legais - o libertado, notificando-o para comparecer para julgamento sob a forma de processo sumário.
3 - Quem procedeu à detenção foi a autoridade policial e que para tanto tinha legitimidade, face à situação de quase flagrante delito, conforme art. 256.º n.º 2 CPP, em que encontrou o arguido: perseguido por um particular mas com sinais claros de que tinha acabado de cometer o crime.
4 - Aliás, note-se que nem o Mmº Juiz que ordenou que se RDA o expediente recebido como processo sumário e procedeu ao julgamento, nem o arguido e seu defensor - durante este - levantaram tal questão.
5 - De resto, ainda que o entendimento perfilhado pelo Mmº Juiz a quo fosse válido entendo que não podia agora e depois do juiz do julgamento ter procedido ao saneamento do processo e ter considerado que o processo não enfermava de quaisquer “ questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do processo e das quais cumpra oficiosamente conhecer ” , anular todo o processado e determinar a remessa dos autos para inquérito, pois que estava, nesta parte, esgotado o poder jurisdicional do juiz.
6 - A decisão recorrida violou as normas dos art.s 119.º,a1. f) ; 256.º ,n.º 2 e 381.º , todos do CPP.
7 - Deve, pois, tal despacho ser revogado e ser substituído por outro que conheça do recurso interposto pelo arguido da sentença condenatória.
8 - Porém, como quer que V. Ex decidam farão justiça.

O arguido A... respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público pugnando pelo não provimento do recurso .

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal .

Colhidos os vistos , cumpre decidir.

Fundamentação

O teor do despacho recorrido é o seguinte:
« Nas suas alegações de recurso, o arguido invoca falta de flagrante delito, para sustentar que, no presente caso, não é aplicável a forma de processo sumária.
Não obstante tal alegação ser feita em sede de recurso, e não de reclamação, o facto é que tal nulidade - o uso de uma forma de processo especial fora dos casos previstos na lei - é de conhecimento oficioso, podendo ser apreciada em qualquer altura do processo, nos termos do artigo 119.º, al. f), do CPP.
Invoca o arguido que não foi detido, uma vez que após os factos esperou pela chegada das autoridades policiais, tendo sido apresentada queixa.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido em que o arguido foi detido em situação de quase flagrante delito, pelo que não existe a invocada nulidade.
Ora, a fls. 6, consta um termo de entrega, lavrado nos termos do artigo 255.º, n.º 2, do CPP, pelo qual B..., entregou em 28 de Agosto de 2004, pelas 10H20m, o arguido a Mário Lopes, Cabo 316, de GNR, que presta serviço no Posto da GNR de Pombal.
De tal auto consta que a entrega ocorreu porque B... terá visto o arguido furtar uma carteira do interior de um saco na posse de C..., tendo de seguida sido contactada a GNR, que de imediato compareceu ao local e recebeu o arguido.
De notar que de acordo com o auto de notícia de fls. 4 e 5, a participação telefónica da situação à GNR ocorreu por voltas das 09h15m, tendo a entrega do arguido às autoridades policiais ocorrido mais de uma hora depois, pelas 10h20m, constando igualmente de tal auto que o arguido deitou a carteira ao chão quando foi interceptado por B..., que o deteve.
De notar também que o referido Augusto Borges não é agente de qualquer corpo policial nem é, a qualquer título, autoridade judiciária.
Na sequência de tais actos deu-se a constituição de arguido e a comunicação ao Ministério Público que veio a promover o julgamento do arguido em processo sumário.
Ora desta tramitação resulta que o arguido foi alvo de uma detenção civil , nos termos do artigo 255.º, n.º 1, al. b) do CPP, tendo sido posteriormente entregue à autoridade policial.
Ora nos termos do artigo 381.º n.º 1. do CPP, para que possa ter lugar a forma de processo sumário, é necessário que a detenção tenha sido efectuada por autoridade judiciária ou entidade policial.
De notar que, apesar do n.º 2 do mesmo artigo - quando refere a detenção por crime punível com pena de prisão superior a três anos - não mencionar este requisito, deve entender-se que o mesmo se encontra implícito pois esta norma visa apenas alargar o âmbito de aplicação do processo sumário, por paralelismo com a faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3. do CPP.
De resto, não faria qualquer sentido reduzir ao arguido uma garantia processual , justamente quando lhe é imputado um crime mais grave.
De resto nem se pode concluir, como faz o Ministério Público, que aquando da intervenção das autoridades policiais ainda se verificaria uma situação de quase flagrante delito. susceptível de “sanar” a detenção civil.
Tal situação exige que o agente, tenha sido, logo após o crime perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que demonstrem claramente que acabou de cometer o crime.
Ora a intervenção do órgão policial deu-se mais de uma hora após a participação dos factos, tendo já o arguido deitado para o chão a carteira que supostamente teria furtado, como atesta o auto de notícia (cfr. fls. 5).
Assim sendo, nada nos autos aponta para uma situação de quase flagrante delito , aquando da intervenção da GNR, pelo que única detenção que poderia ter sido feita em flagrante, delito seria a detenção civil, a qual como vimos, não possibilita a aplicação do processo sumário.
São termos em que se declara a nulidade prevista no artigo 119, alínea f), do CPP, pelo emprego da forma de processo sumário fora dos casos legalmente previstos, determinando a nulidade do despacho de fls. 10, bem como de todos os termos subsequentes do processo, porque dele dependentes (artigo 122.º, n.º 1, do CPP) e, em consequência , se determina igualmente a remessa dos autos para o Ministério Público para inquérito.
Dê as competentes baixas.».

O despacho de folhas 10 , proferido pela Ex.ma Juíza de turno , a que se faz referência no despacho recorrido , tem a seguinte redacção:
« Registe e autue como processo sumário . Requisite e junte o CRC do arguido. Julgamento de imediato. D.N.. ».

*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o Ac. do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente Ministério Público as questões a decidir são as seguintes :
- se foi a autoridade policial , e não um particular , quem procedeu à detenção do arguido numa situação de quase flagrante delito , nos termos do art. 256.º n.º 2 Código de Processo Penal , pelo que nada obstava ao julgamento do arguido sob a forma de processo sumário; e
- se o juiz não podia proferir o despacho recorrido a anular todo o processado e a determinar a remessa dos autos para inquérito, porque já tinha então esgotado o seu poder jurisdicional.
Vejamos a primeira questão.
É o art.381.º do Código de Processo Penal , inserido no Livro VIII ( Dos processos especiais),
que define quando tem lugar a aplicação do processo sumário.
O texto daquela norma é o seguinte :
« 1. São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a três anos , quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial e a audiência se iniciar no máximo de 48 horas após a detenção , sem prejuízo do disposto no art.386.º.
2. São ainda julgados em processo sumário , nos termos do número anterior , os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a três anos , mesmo em caso de concurso de infracções , quando o Ministério Público , na acusação , entender que não deve ser aplicada , em concreto , pena de prisão superior a três anos.»
O processo sumário traduz a preocupação de responder às necessidades de celeridade , imediatismo e eficácia da reacção penal , perante certo modo de constatação da infracção penal enunciado na lei.
Os pressupostos ou condições inerentes ao processo sumário são , face à lei , os seguintes :
- a detenção do arguido em flagrante delito;
- que se trate de crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a três anos ou sendo superior a 3 anos , o Ministério Público , na acusação , entender que não deve ser aplicada , em concreto , pena de prisão superior a três anos;
- que à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; e
- que a audiência do arguido detido se inicie no máximo de 48 horas após a detenção ou , nas situações previstas no art.386.º do mesmo Código , até ao limite do trigésimo dia posterior à detenção .
Em face destes pressupostos e da questão em apreciação , importa fixar-se a noção de detenção em flagrante delito e delimitar quem pode proceder à detenção do arguido.
A definição de flagrante delito consta do art.256.º do Código de Processo Penal . Dos seus termos resulta que é flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer ( n.º1) e , também, o caso em que o agente for, logo após o crime , perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou de nele participar ( n.º 2) - sem interesse para o objecto do recurso , define ainda o mesma norma , no seu .º 3 , a situação de flagrante delito em caso de crime permanente.
Em caso de flagrante delito , por crime punível com pena de prisão , estatui o art.255.º, n.º1 do Código de Processo Penal que « qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção » ( al.b) , e « qualquer pessoa pode proceder à detenção , se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente em puder ser chamada em tempo útil. ». Tal detenção apenas não poderá ter lugar tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular ( n.º3).
« No caso previsto na alínea b) do número anterior , a pessoa que tiver procedido à detenção entrega imediatamente o detido a uma das entidades referidas a alínea a) , a qual redige auto sumário da entrega e procede de acordo com o estabelecido no artigo 259.º. ».
As autoridades judiciárias ou entidades policiais que podem proceder à detenção , isto é , à privação da liberdade com carácter precário , como condição da sujeição do detido a julgamento sob a forma de processo sumário , constam do art.1.º do Código de Processo Penal .
As autoridades judiciais são : o juiz , o juiz de instrução e o Ministério Público , cada um relativamente aos actos processuais que cabem a sua competência ( alínea b) ; as entidades policiais são : os directores , oficiais , inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas reconhecerem aquela qualificação ( alínea d).
Por fim , importa mencionar que nos termos do art.243.º, n.º1 do Código de Processo Penal , « Sempre que uma autoridade judiciária , um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória , levantam ou mandam levantar auto de notícia …» , com as menções aí referidas , o qual « é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou levantar.» ( n.º3).
No presente caso , a GNR fez juntar ao processo , a folhas 3 e 4 dos autos , um “Auto de Denúncia ” de C... , em que esta se queixa contra A... “ por no dia de hoje , 28 de Agosto de 2004, pelas 09H15, ,a Área de serviço da A1 – Redinha sentido Norte/Sul , do concelho de Pombal , quando a denunciante se encontrava a fila junto às casas de banho , esta foi empurrada contra a parede pelo arguido, tendo nesse momento lhe aberto a mala que se encontrava no ombro e lhe tendo furtado a carteira do seu marido ( D...) , residente na mesma morada que a denunciante. A referida carteira possuía carta de condução , Bilhete de Identidade , carta de Identidade Francesa , e cerca de 30 euros. O arguido ao ser visto pela testemunha atirou com a carteira ao chão , tendo outra pessoa entregue posteriormente à denunciante a carteira e esta verificou que não lhe faltava nada. Dos factos é testemunha : B... , casado , motorista , (…).
Em “Aditamento” , a folhas 5 dos autos , a GNR participa que no dia 28 de Agosto de 2004, pelas 09H15, foi recebida uma chamada telefónica no Posto , efectuada por C... , dando conhecimento que tinha sido alvo de um assalto. De imediato dois elementos da GR deslocaram-se ao local onde verificaram ser verdadeira a informação recebida , sendo que “ os artigos furtados já se encontravam na posse da queixosa.”
A folhas 6 dos autos , a GNR fez elaborar um “ Termo de Entrega” , onde consta que pelas 10H20m , do dia 28 de Agosto de 2004 “ … foi-nos entregue pelo senhor B... (…) o sr. A... (…) pelo facto do ter visto a furtar uma carteira do interior de um saco que a Sra Beactriz Teixeira Gomes (…) que tinha ao tira-cole.(…).”.
Analisando os documentos mencionados , a primeira conclusão a tirar é que a GNR não levantou um auto de notícia , o que sempre teria de fazer se a detenção fosse por si efectuada em flagrante delito , quer se tome este conceito em sentido estrito , quer em sentido mais amplo de modo a abranger os casos de quase flagrante delito ou de presunção legal de flagrante delito.
A elaboração por aquela entidade policial do “Termo de entrega” , pelo B... , um motorista , do arguido A... , insere-se claramente no âmbito do art.255.º, n.º1 , al. b) do C.P.P. , resultando do mesmo que foi a testemunha B... , que presenciou os factos , quem pelas 9H15M procedeu à detenção do arguido e à sua entrega à GNR , pelas 10H20m.
Do conteúdo dos documentos referidos resulta que quando a GNR chega ao local já nem a carteira estava a posse do A... , mas sim da C....
Do conteúdo do “Auto de Denúncia” da queixosa e do próprio “Aditamento” da GNR , não resulta qualquer indício da participação da GNR na detenção do arguido em flagrante delito.
Também o Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação entende que o arguido A... foi detido por um particular , nos termos do art.255.º, n.º1 e 2 do Código de Processo Penal. Acrescenta , porém , que esta detenção « …tem a potencialidade de a fazer convalidar como se tratasse de efectiva detenção por autoridade policial para efeitos do art.381.º, n.º1 do citado Diploma ( “… quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judicial ou entidade policial …” , podendo pois o arguido ser julgado sob a forma de processo sumário. A não se entender assim , ficaria vazio de conteúdo e de alcance prático a noção de flagrante delito que os é dada pelos normativos em causa , sendo certo que não podemos deixar de conceder ao legislador um sentido útil e pragmático das normas por si concebidas.».
Salvo o devido respeito , não concordamos com esta afirmação.
Em primeiro lugar , a lei impõe de um modo expresso que o julgamento sob a forma de processo sumário só tem lugar quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judicial ou entidade policial, querendo deixar de fora as situações em que o arguido foi detido por particular , mesmo que em flagrante delito. E é razoável que assim aconteça. Enquanto a autoridade judicial ou entidade policial estão sujeitas ao princípio da imparcialidade , o mesmo não sucede com os particulares , sendo mesmo frequente ser a detenção do sujeito indiciado de prática de crime efectuada pelo próprio ofendido , familiares e amigos , o que pode acarretar dificuldades de prova.
Como diz a Prof. Anabela Miranda Rodrigues , a respeito da celeridade processual nos processos especiais , entre os quais se inclui o processo sumário , “ Condição essencial da existência de um processo acelerado é , assim , a de que o caso seja simples , no sentido de que a prova está feita e o caso não apresenta , nem do ponto de vista dos factos nem do direito , qualquer dificuldade e pode , portanto , ser esclarecido facilmente . É a esta condição que se liga a possibilidade de julgamento imediato , traço característico da generalidade dos processos acelerados.” – cfr. R.P.C.C. , ano 1998, pág. 233 e seguintes.
Também não vemos de que modo se possa considerar que com esta posição ficaria vazio de conteúdo e de alcance prático a noção de flagrante delito. Do art.255.º, n.º 1 do Código de Processo Penal resulta que a noção de flagrante delito tanto abrange as situações de detenção por qualquer autoridade judiciária ou entidade policial como por qualquer outra pessoa.
Deste modo , concluímos que bem andou o Tribunal recorrido quando decidiu que dos autos resulta que a detenção do A... foi efectuada , não pela GNR , uma entidade policial , mas por um particular.
Faltando um pressuposto para a realização do julgamento sob a forma do processo sumário , não deveria o Tribunal ter realizado o julgamento nessa forma de processo especial, mas reenviado os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual ( art.390.º ,alínea a), do Código de Processo Penal).
Passemos agora ao conhecimento da segunda questão : se o juiz não podia proferir o despacho recorrido a anular todo o processado e a determinar a remessa dos autos para inquérito, porque já tinha então esgotado o seu poder jurisdicional.
Vejamos.
Nos termos do art.119.º, alínea f) , do Código de Processo Penal constitui nulidade insanável , que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento , “ o emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”.
No presente caso , procedeu-se ao julgamento em processo sumário do arguido A... numa situação em que a lei o não permitia , pelo que foi cometida a nulidade insanável a que alude o art. 119.º, alínea f) , do C.P.P..
O despacho judicial de folhas 10 a ordenar à secretaria que registe e autue os autos como processo sumário , com julgamento imediato , não se mostra notificado aos restantes sujeitos processuais.
A sentença onde se procedeu ao saneamento do processo , em termos genéricos , dizendo-se que o processo não enferma de quaisquer “ questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do processo e das quais cumpra oficiosamente conhecer ” , não transitou em julgado , uma vez que dela foi interposto recurso.
Aliás , como se depreende do acórdão n.º 2/95 do STJ ( DR. I Série –A , de 12-6-95) , o despacho sobre pressupostos processuais proferidos em termos genéricos , não reveste o valor de caso julgado formal.
Em face do exposto temos como tempestiva a declaração de nulidade insanável oficiosamente proferida pelo Tribunal de 1ª instância no despacho recorrido. Que assim, não merece cesura.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e em manter o douto despacho recorrido.
Sem custas.

*
Coimbra,